«A GRANDE DEVASSIDÃO QUE HÁ NOS CONVENTOS REGULARES EM SEREM VELHACOUTO DOS DESCAMINHOS DO TABACO». AS INSTITUIÇÕES MONÁSTICAS E O CONTRABANDO TABAQUEIRO (SÉCULOS XVII E XVIII), in S. Luxan (ed) POLÍTICA Y HACIENDA DEL TABACO EN LOS IMPERIOS IBÉRICOS (SIGLOS XVII-XIX

May 23, 2017 | Autor: Joao Figueiroa-Rego | Categoria: Tobacco, Religious congregations and monastic orders, Smuggling
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SANTIAGO DE LUXÁN (dir.)

POLÍTICA Y HACIENDA DEL TABACO EN LOS IMPERIOS IBÉRICOS (SIGLOS XVII-XIX)

CENTRO DE ESTUDIOS POLÍTICOS Y CONSTITUCIONALES Madrid, 2014

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NIPO: 005-14-057-3 ISBN: 978-8x Depósito Legal: M.x-2014 Realización; Imprenta Taravilla, S.L. Mesón de Paños, 6 - 28013 Madrid Impreso en España - Printed in Spain

ÍNDICE Introducción general: El sistema atlántico del tabaco ibérico. por Santiago de Luxán1........................................................ 9 1.  Os primórdios do tabaco brasileiro: monopólios e expansão do mercado (1600-1700). por Leonor Costa Freire2...................................................... 21 2.  El mercantilismo español en la encrucijada: El tabaco de Virginia en el estanco español en el siglo xviii. por José Manuel Rodríguez Gordillo3.................................. 47 3.  «A grande devassidão que há nos conventos regulares em serem velhacouto dos descaminhos do tabaco». As instituições monásticase o contrabando tabaqueiro (séculos xvii e xviii). por Joao Figueiroa-Rego4.....................................................

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4.  O estanco do tabaco em Portugal: Contrato-Geral e consórcios mercantis (1702-1755). por João Paulo Salvado5....................................................... 133 1 [email protected], catedrático de Historia e Instituciones Económicas de la Universidad de Las Palmas de Gran Canaria (España). 2 [email protected]., profesora titular del Instituto Superior de Economía y Gestâo del Departamento de Ciências Sociais (Secçâo de Historia) de la Universidade Técnica de Lisboa. 3 [email protected], profesor titular de Historia Moderna de la Universidad de Sevilla. 4 [email protected], Investigador del Centro de Historia de Alem Mar (Universidade Nova de Lisboa). 5 [email protected], Investigador del CIDEHUS de la Universidade de Évora.

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5.  O contrato do tabaco nos finais do Antigo Regime e início do liberalismo: sua importância na economia açoriana. por María Margarida Machado Rego6.................................. 155 6.  La defensa global del imperio y la creación de los monopolios fiscales del tabaco americanos en la segunda mitad del siglo xviii. por Santiago de Luxán ........................................................ 177 7. La quiebra del sistema imperial del tabaco español (1717-1817). por Montserrat Gárate Ojanguren7....................................... 231 8.  Las vegas de tabaco en el occidente cubano a comienzos del siglo xix. por Vicente Sanz Rozalen8................................................... 283 9.  Contribución al estudio de la prosopografía del estanco imperial español: galería de retratos de los gobernadores-capitanes generales de la isla de Cuba. por María de los Reyes Hernández Socorro9........................ 311 10. ¿Soñaban los Déspotas con Monopolios perfectos? Una visión a la luz de la teoría económica. por Oscar Bergasa Perdomo10............................................... 343

, Universidad dos Açores. , catedrática de Historia e Instituciones Económicas de la Universidad de la Universidad del País Vasco (España). 8 [email protected], profesor titular de Historia de la Universidad Jaume I de Castellón. 9 [email protected], catedrática de Historia del Arte de la Universidad de Las Palmas de Gran Canaria (España). 10 Profesor Titular de Economía del Sector Público de la Universidad de Las Palmas de Gran Canaria (España) (). 6 7

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«A GRANDE DEVASSIDÃO QUE HÁ NOS CONVENTOS REGULARES EM SEREM VELHACOUTO DOS DESCAMINHOS DO TABACO». AS INSTITUIÇÕES MONÁSTICAS E O CONTRABANDO TABAQUEIRO (SÉCULOS XVII E XVIII) João Figueiroa-Rego1

(CHAM da FCSH-UNL, UAç e CIDEHUS da UÉ)

Resumo O contrabando do tabaco, tanto sobre a forma de cultivo, como enquanto género vendido em contravenção com as disposições legais, constituiu um verdadeiro quebra-cabeças para as magistraturas ibéricas ao longo dos séculos xvii e xviii. O presente texto pretende debruçar-se sobre essa problemática, através de uma sondagem ao grupo mais polémico de inculpados: os eclesiásticos. Que apoios institucionais recebiam? Quais as redes de solidariedade e cumplicidade geradas? Como reagiam os tribunais superiores, as autoridades locais e o oficialato intermédio aos desmandos frequentes? Por fim, de que modo, e em que termos, eram tornadas efetivas, ou matizadas, as decisões das magistraturas em confronto? sas.

Palavras chave. Descaminho do tabaco, tribunais régios, congregações religio-

MONKS, PRIESTS AND CLERGYMEN AS UNEXPECTED TOBACCO SMUGGLERS IN EARLY MODERN PORTUGAL. XVII AND XVIII CENTURIES

1 Elaborado no âmbito dos projectos: Grupos intermédios em Portugal e no Império Português: as familiaturas do Santo Ofício (c. 1570-1773), PTDC/HIS-HIS/118227/2010; Salvador da Bahia: American, European, and African forging of a colonial capital city (Bahia16_19), IRSES (Call: FP7-PEOPLE-2012-IRSES) e La integracion de las economias Atlanticas: el papel del. Tabaco en los imperios ibéricos (1636-1832), HAR201234535.

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Abstract The smuggling of the tobacco, as product sold in contravention with the legal dispositions, constituted a true breaks-heads for the Iberian magistrates in the 17th and 18th centuries. This study intends to look into this problem through a survey of the most controversial group indicted: the ecclesiastics. What institutional support received? Which networks of solidarity and complicity generated? How the higher courts, local authorities and other political and ecclesiastical powers react at those excesses? Finally, how, and in what terms, were take the decisions of the magistrates in confrontation? Key words: Tobacco smuggling, courts, religious congregations.

Em 28 de Fevereiro de 1701, o Arcebispo de Évora D. Fr. Luís da Silva, em carta para o Núncio Apostólico em Lisboa Miguel Ângelo Conti2, respondeu às queixas feitas à Sagrada Congregação e ao Papa Clemente XI, sentindo-se na necessidade de justificar o seu procedimento em casos susceptíveis de ferir a ética apostólica. Tudo isto porque tinham sido violadas a clausura do convento da Esperança de Vila Viçosa e a imunidade dos Conventos dos frades terceiros da vila de Viana do Alentejo e de Jesus da 3ª ordem da penitência dos Franciscanos —por entrarem neles ministros seculares e o juiz de fora da dita vila a dar busca ao tabaco. O prelado eborense pediu a monsenhor Conti para representar a Sua Santidade «a grande devassidão que há nos conventos regulares em serem velhacouto dos descaminhos do tabaco» em cujo rendimento estava a conservação do Reino, bastando por prova —escrevia o arcebispo— que o Ministro dos frades terceiros de Viana «dava balanças, pesos e licença aos castelhanos para venderem tabaco naquele convento»3. Na verdade, a questão melindrosa do descaminho, de que o responsável da arquidiocese alentejana fazia eco, longe de constituir um problema iso-

2 Nasceu em Roma, em 13 de Maio de 1655. Chamava-se Miguel Ângelo dei Conti, sendo filho de Carlos II, duque de Poli e pertencia à família de Inocêncio III. Estudou no Colégio Romano, com os jesuítas. Foi arcebispo de Tarso, núncio em Cerna e em Lisboa (1697-1710), cardeal-presbítero, nomeado por Clemente XI, que lhe confiou a diocese de Ósimo e, mais tarde, a de Viterbo. Veio a ser Sumo Pontífice sob o nome de Inocêncio XIII (1721 a 1724). Morreu em 7 de Março de 1724. 3 Biblioteca da Ajuda (BA), Mss 51-IX-34 (1), fls.1/13.

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lado, era bastante comum4 e recorrente em todo o território peninsular5, nas ilhas do Atlântico6 e nos espaços ultramarinos dos impérios ibéricos7. A importância atribuída aos alegados rendimentos do tabaco8 —tanto na forma de monopólio com exploração direta das Coroas como na de contrato cedido a estanqueiros-gerais— não permitia que se fechasse os olhos aos descaminhos protagonizados por diversos grupos sociais. As situações menos problemáticas eram aquelas que opunham simples particulares, fossem eles fidalgos ou plebeus, às justiças régias. 4 Tema largamente abordado nas pp. 235 a 254 do Tratado teórico-practico de los juicios de contrabando: dividido en dos partes: la primera comprehende el órden y ritualidad con que debe procederse en ellos, y la segunda las reales instrucciones, cédulas y órdenes que rigen en la materia / dispuesto por el licenciado don Josef Lopez Juana Pinilla ... / Madrid, Imprenta Real, 1807, depois reeditado pela Imprenta de D. Ramon Verges, em 1825. O referido autor, que viveu no século xviii, fora «abogado de los Reales Consejos y juez de todas las rentas reales y de la junta general de comercio, moneda y minas de Siguenza y su partido». Embora com menor detalhe a questão esteve presente na obra de Juan de la Ripia y Diego María Gallard, Práctica de la administración y cobranza de las rentas reales y visita de los Ministros que se ocupan en ellas. Madrid Oficina de D. Antonio Ulloa (tomos I al IV), en la Viuda e hijos de Marín (tomo V),1795-1796. 5 Barreiro Mallon, Baudilio (2009), El tabaco y el incienso. Un episodio compostelano del siglo xvii, Vigo, Nigratrea; Escobedo Romero, Rafael (2007), El tabaco del rey: la organización de un monopolio fiscal durante el Antiguo Régimen, Pamplona, Ediciones Universidad de Navarra., pp. 167-177; Rodríguez Gordillo, José Manuel (2002), “El fraude en el estanco del tabaco (siglos xvii-xviii)”, in La Difusión Del Tabaco En España: Diez Estudios, Sevilla, Universidad de Sevilla, pp. 245-276. Para Portugal, sobre os descaminhos do tabaco: veja-se a Lei de 5. de Dez. de 1674, a qual impõe penas aos que semeão, e manipulão illicitamente. Consultem-se a Lei de 10 de Setembro de 1676: a Lei de ... Dez. de 1689, cit. no Regimento de 18 de Out. de 1702 da Junta da Administração do Tabaco. 6 No reinado de D. Maria I de Portugal, teve lugar uma devassa efetuada pelo Juiz Conservador dos Tabacos e Saboarias da Ilha de Santa Maria, em 1793, acerca do contrabando de tabaco que se praticava nos três Recolhimentos de Vila do Porto (Nossa Senhora da Conceição, Santo António e Santa Maria Madalena). A soberana ordenou aquele funcionário que admoestasse as regentes dos três Recolhimentos, advertindo-as que cada uma vigiasse e coibisse tal prática que classificava de “prejudicial” e “pecaminosa”, sob pena de castigos. Cf. “Ordem sobre o contrabando de Tabaco feito nos Recolhimentos” in Arquivo dos Açores, vol. XV, p. 197. 7 Restitutti, Cristiano Corte, «Produção e comércio de tabaco em Minas Gerais e no Rio da Prata no século xviii», VIII Congresso Brasileiro de História Econômica, Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica, Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 2009. Disponível em: http://www.fea.usp.br/feaecon/media/fck/File/Tabaco_MG_Rio_da_Prata.pdf. 8 Estima-se que a Bahia exportava anualmente, em média, por finais do XVII, cerca de 25.000 rolos de tabaco de oito arrobas, cf. Thales de Azevedo, Povoamento da Cidade do Salvador, Salvador: Prefeitura Municipal, 1969, p. 159. SOUSA, Avanete Pereira (2003), Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século xviii), São Paulo, Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. disponível em: http://pt.scribd.com/doc/98470179/Avanete-P-Sousa-Poder-Local-Cidade-e-Atividades-economicas-Bahia-XVIII [consultado em 08-01-2013].

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Quando os faltosos vestiam hábitos monásticos, ou sotainas eclesiásticas, a resolução das questões jurídicas e penais daí decorrente assumia não só grande complexidade, como maior morosidade e menor eficácia prática. Paradoxalmente foi D. Pedro II que “houve por bem tomar por protector do genero do tabaco ao S.mo Sacramento da freguezia de Sancta Engracia” [Lisboa], dando todos os anos, desde 1699, 100000 réis de esmola daquele género para a obra da sua paroquial9. Os privilégios e as imunidades, a que as corporações religiosas se sentiam com direito, caíam por terra às mãos dos magistrados encarregues de fazer respeitar as regras do monopólio tabaqueiro, sobretudo após a criação, no caso português, do tribunal da Junta da Administração do Tabaco (doravante designado por JAT) em 1674. Tal facto, apesar de insuficiente para deter a escalada de desvios, potenciava uma onda de contestação e de incriminações recíprocas, além de gerar intenso vaivém epistolar, quer entre as dignidades episcopais e os gerais das congregações, como, também, entre estas e os tribunais da Coroa. A esta circunstância haverá que somar a repercussão diplomática e os embaraços criados aos enviados da Santa Sé, uma vez que esta era chamada frequentemente a mediar essas contendas, em regra para apelar ou fazer valer o peso da autoridade apostólica. Antes de prosseguirmos haverá que precisar um aspeto que pode gerar alguma dúvida interpretativa. É que, na documentação coeva, o termo descaminho era usado de modo ambivalente, ou seja indistintamente, quer enquanto sinónimo de contrabando propriamente dito, quer referindo-se ao cultivo ilícito do género. Independentemente da realidade que traduzia e fosse em benefício ou prejuízo dos intervenientes (contratadores, rendeiros, ou estanqueiros locais) constituía, antes de mais, um ato contra a Fazenda Régia. 1.  Conceitos «Contrabando (…) fazenda que se vende contra a ordem do Príncipe». Bluteau, Raphael. Vocabulario portuguez & latino Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728, vol. 2, verbete Contrabando. 9 Arquivo Histórico da Sé Patriarcal de Lisboa (AHSPL), Livro dos Acordos de 1631 (Lv. 55), fl. 133 v. Contém a cópia do Alvará régio (de 10 de Dezembro de 1703), apud Jacquinet, Maria Luísa de Castro Vasconcelos Gonçalves, Em desagravo do Santíssimo Sacramento: o “conventinho novo” devoção, memória e património religioso - Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, apresentada ao Departamento de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Aberta, Lisboa, 2008, Vol. I, p. 30.

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«O lícito é o comércio legal, autorizado, posto sob contrato e privilegiadamente atribuído. O ilícito é o descaminho [sublinhado nosso] aquilo que não é legal, que passa por fora do contrato, que é subtraído ao fisco, que turva a visão dos oficiais, enfim, que é praticado por quem deveria coibi-lo»10. Seria esse o caso do tabaco cultivado (pisado como se dizia à época) à revelia de leis em contrário11, desviado dos circuitos mercantis legais, adulterado no peso e disfarçado na qualidade para eludir as taxas alfandegárias, negociado com nações inimigas, vendido entre colónias em violação do exclusivo metropolitano, ou introduzido clandestinamente nos territórios sob monopólio, configurava sempre uma situação de fraude contra a Coroa com impacto evidente nas receitas fazendárias. Conjuntura tida como assaz penalizante, mesmo que matizada, ocasionalmente, pela concessão de algum indulto régio12. No entanto, cabe estabelecer uma diferença entre descaminho e contrabando, tendo em vista o enquadramento legal do Tabaco. Assim, o descaminho corresponderia, em termos gerais, ao crime de sonegação fiscal. Ocorria quando se dava a entrada ou saída de produtos permitidos no Reino mas sem que os mesmos fossem objecto de impostos, ou seja, submetidos aos trâmites burocráticos (alfandegários e fazendários) determinados por Lei, sobretudo tratando-se de géneros estancados. O contrabando, no geral, configurava um quadro distinto, porquanto a entrada das ditas fazendas consistia num acto totalmente ilícito. Tal, por exemplo, o caso do tabaco castelhano, cuja importação não era autorizada. Mas, relativamente ao carácter fraudulento destas operações, haverá que inserir o conceito de descaminho no conjunto das categorias mentais à época. Aquilo que a administração fiscal reputava como fraude seria, para muitos dos interventores, apenas uma reacção natural de defesa, face ao que 10 Cavalcante, Paulo, «A institucionalização dos descaminhos: governo político e sociedades de contrabandistas», ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina (2005), Disponível on-line em: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/ pdf/ANPUH.S23.1475.pdf (consultado em 20.05.2013). 11 Após a Restauração, desde, pelo menos, 1649; cf. Biblioteca da Ajuda (BA), Mss 51-VII-49 (33), fls. 440/1: «Alvará que vale como Lei que S.M manda passar porque há por bem proibir que se lavre tabaco nestes Reinos. Lisboa, 1649, Maio 10». 12 Archivo Histórico Militar de Madrid (AHMM), Libro 53, fol. 57r. Belvis Costes, Francesc Xavier (2012), «En torno a “J.” Bautista Carrafa, primer fabricante de tabaco». TIEMPOS MODERNOS 25 (2012/2, p. 21), disponível em http://www.tiemposmodernos.org/tm3/index.php/tm/article/viewFile/305/353, [consultado em 05-01-2013]. Um exemplo relativo a Portugal: Aviso sobre o Padre Fr. Manuel de Medina, religioso de Nª Sª do Monte do Carmo, que, por culpas do tabaco, estava proibido de entrar na Corte pudesse vir a ela ou a outro qualquer convento que lhe indicassem os seus prelados atendendo aos trabalhos que tem padecido. 5 Setembro 1687; Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Junta da Administração do Tabaco (JAT), Avisos, mç. 56.

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consideravam ser um atropelo aos seus privilégios13. O que explica, igualmente, o surgimento de atitudes corporativas em momentos de maior melindre. Tal como veio a suceder quando o centro político achou por bem deitar mão de um recurso polémico: violar correspondência de particulares como forma de despistar casos de descaminho. Juristas, de ambos os Direitos, apressaram-se a protestar em coro, fundamentado a sua queixa com o pressuposto de que não seria permitido abrir cartas: «que deste reino se mandaram para os presos e pronunciados em os descaminhos (…) e nisto tinha por sem dúvida cometeram um grande erro que os doutores, assim juristas como teólogos avaliam e reputam por delito grave e ofensivo da fé pública e direito e comércio das gentes, não o devendo facilitar o ordenar-se a fazerem-se por este modo mais patentes as culpas dos réus por não consentir a igualdade e justiça das leis que estes sejam ofendidos com as suas próprias armas (…)»14.

Havia limites para o tolerável em termos de acção preventiva e punitiva. Limites que os agentes da Coroa nunca poderiam ultrapassar, sob pena de se tornarem eles mesmos fautores de ilícitos, sobretudo quando as lacunas legais podiam ser exploradas em proveito da parte indiciada. No caso em apreço tratava-se do facto de, nos termos da lei em vigor, todas as pessoas que introduzissem tabaco de Castela, no Reino, Ilhas e Índia, estarem a cometer um ilícito, incorrendo no crime de descaminho. O mesmo não sucederia no Brasil, uma vez que tal hipótese não fora contemplada nos diplomas sobre a matéria. A lacuna legal favorecia o embuste e havia quem não tivesse pejo de o fazer notar em prol da defesa dos que o praticavam. Outros tipos de omissão eram, igualmente, explorados sem qualquer pudor, ainda que a coberto de alegada inocência, como relatou Luís Vahia Monteiro, governador da capitania do Rio de Janeiro entre os anos 1725-173215: « ... e não posso deixar de dar conta a V. Majestade que este mosteiro [de São Bento] , e o Convento do Carmo , e Santo Antônio são três velhacoutos públicos aonde estão continuamente seguros criminosos, e devedores havendo muitos que se conservam um ou dois anos dentro dos conventos com tanto escândalo da justiça que se não acautelam dela, deixando-se ver pelas janelas, e portarias, e finalmente são casas de potentados auxilia13 Yun Casalilla, Bartolomé: «Corrupción, fraude, eficacia hacendística y economía en el siglo xvii», in El fraude fiscal en la Historia de España. Monografía Nº 1 de Hacienda Pública Española, Madrid, 1994, p. 55. 14 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Arq. 1.1.26. 15 Cavaleiro da ordem de Cristo, coronel de infantaria na praça de Chaves, de que foi governador.

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dos com negros, e mulatos valentes, seus próprios escravos para fazerem o que querem, e pelo Mosteiro dos Bentos se faz um contínuo fraude aos direitos de V. Majestade, conservando para este fim a cerca sem muro por toda a praia, por donde se introduzem as fazendas que tiram por alto dos navios e depois se trespassam para a cidade pelos quartéis das naus de guerra e outras casas que tem as costas na cerca pela parte da cidade»16.

O governador reforçou sempre a sua crítica e queixas, com inteira clareza e sem margem para dúvidas, apontando o dedo aos culpados, os quais não só eram coniventes com os culpados como também activos na prática de ilícitos, até pelos meios que usavam: «Há um manifesto descaminho neles em razão de que pelos muros da cerca do Convento de S. Bento dessa cidade que estão sem o devido reparo, e resguardo, ou por ruína afectada, ou conservada por omissão, e negligência se faz público o descaminho aos direitos porque pelo mesmo muro, e por buracos deles em muitas partes se lançam as fazendas desencaminhadas e ainda que os oficiais de justiça daquela arrecadação queiram seguir as fazendas, e pessoas compreendidas no dito crime para as tomadias, e penas impostas lhes não é possível, porque os ditos religiosos pelos seus mulatos, e mais escravos, com armas proibidas com pretexto de imunidade do lugar impedindo a diligência da justiça patrocinam livremente aquela continuada maldade, que os delinquentes repetem provocados de tão injusto asilo o que se faz de conhecido escândalo, e prejuízo (…)»17.

Os beneditinos não saiam bem em todo este processo, uma vez que acobertavam o contrabando e fomentavam práticas que iam contra os interesses da Fazenda Real, muito embora simulassem inocência. O Conselho Ultramarino ainda chegou a determinar, em 1726, que os religiosos consertassem o polémico muro, ma estes retardaram a aplicação da medida e pressionaram em sentido contrário, alegando a despesa incomensurável a que estariam sujeitos. No entanto, o Conselho acabou por recuar e chegou até a recomendar que os beneditinos não fossem obrigados a isso, tendo em conta que não lhes seria fácil suportar despesa tão considerável. O caso não 16 Publicações do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1915, vol. 15, p. 26, apud AVILA, Renata Bezerra de Medeiros, «Desordem na Ordem? Considerações sobre ilicitudes e descaminhos entre Beneditinos setecentistas», Anais do XIV Encontro da ANPUH-Rio, Memória e Património, Rio de Janeiro, 19 a 23 Janeiro de 2010, disponível on-line em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276642660_ARQUIVO_ anpuh.renatamedeiros.desordemnaordem.pdf. 17 «Sobre se advirta Dom Abade de São Bento levante os muros da cerca para se evitarem descaminhos da fazenda real (Lisboa, o3.01.1726), Publicações do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1915, vol. 15, p. 132.

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ficou por aqui e o governador Luís Vahia Monteiro, que ordenara a expulsão de dois religiosos com responsabilidade directa na situação, foi repreendido por dois conselheiros ultramarinos, os quais pediram ao Rei que fizesse estranhar ao dito governador o seu procedimento e devolvesse os religiosos ao seu convento para não perturbar o bom governo deste, reconhecendo serem eles pessoas reputadas como sujeitos de boa suposição, tanto pelas suas letras como pelas virtudes…18. Um autor antigo, conhecedor dos estratagemas seguidos pelos fautores de ilegalidades escreveu: «E não faltou quem lhe desse lugar até dentro de umas imagens ocas de santos, assim como uns carpinteiros de navios o esconderam em paus ocos, misturados entre os outros de que costumam valer-se. Deixo o que entra e sai em algibeiras grandes de couro dos que vão e vêm das naus para os portos, com repetidas idas e voltas, debaixo de lobas e túnicas, e o que se arrasta debaixo dos batéis e das pipas da aguada pelas ondas do mar. Nunca acabaríamos, se quiséssemos relatar as invenções que sugeriu a cautela ambiciosa, porém sempre arriscada e muitas vezes descoberta, com sucesso infeliz. O que claramente prova a estimação, o apetite e a esperança do lucro, que ainda entre riscos acompanha ao tabaco»19.

Como se deduz, as modalidades e contornos do descaminho, bem como os grupos sociais que o protagonizavam, eram variados (e imaginativos), tal como a resposta das autoridades, a qual podia assumir contornos paradoxais ao sucumbir a pressões e interesses contrários. Da rede de fiscalização montada para evitar os contrabandos e abusos, e aplicar a jurisdição da Junta da Administração do Tabaco, faziam parte os superintendentes do tabaco, que receberam Regimento a 23 de Junho de 167820. Foram nomeados cinco magistrados, um para cada província, que podiam entrar com alçada nas terras da Casa das Rainhas nas da Casa do 18 «Sobre o que escreve o governador do Rio de Janeiro acerca dos fundamentos que teve para exterminar ao Dom Abade de São Bento e ao padre Frei Paschoal de Santo Estevão, e também sobre o que neste particular escreve o mesmo Abade e representa o procurador geral dos mesmos religiosos e vão as cartas e papéis que se acusam (Lisboa, 02.08.1728)», Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)/ Arq. 1.1. 26, Cópias do Arquivo do Conselho Ultramarino, fls. 30v-33v. 19 Antonil, André João, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Introdução e notas de Silva, Andrée Mansuy Diniz, São Paulo: USP,2007, «LIVRO II, Cultura e Opulência do Brasil na lavra do tabaco, CAPÍTULO XII, “Das penas dos que levam tabaco não despachado nas alfândegas, e das indústrias de que se usa para se levar de contrabando”». 20 Esboço de hum diccionario juridico, theoretico, e practico remissivo ás leis compiladas, e extravagantes, Volume 3 (R – Z), por Sousa, Joaquim José Caetano Pereira e, 1 de Janeiro de 1827, Rolland – Editora, verbete tabaco.

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Infantado, nas da Casa de Bragança e proceder a buscas nos conventos. Em 1771, é criado o cargo de superintendente dos contrabandos, cargo que, em 1775, daria lugar à Superintendência-Geral dos Contrabandos e Descaminhos dos reais direitos nestes Reinos e seus domínios. Designação tão pomposa quanto inócua, uma vez que, em 1782, o próprio responsável pelo crime que devia combater viu-se acusado dessa prática21. 2.  Crimes de tabaco por mão de religiosos O tópico que nos interessa abordar, tal como ficou dito, circunscreve-se aos crimes do tabaco (independentemente da sua tipologia) protagonizados pelos membros do clero regular e secular, no contexto ibérico, metropolitano e ultramarino. Refira-se que o descaminho seria, em parte, resultante dos ganhos que possibilitava, mas era, também, consequência do vício do fumo que se instalara entre os eclesiásticos que não se coibiam de o praticar nos locais de culto. Uma visitação feita Aos quatorze dias do mes de Março de mil seiscentos ecinquenta e hum annos nesta villa de Guimaraes nos paços do Priorado, recomendava que «conuinha mandarse q.no Choro se não tome tabaco porser mt° indecente tomarse nelle»22. Esta noção, que era comum a outros meios eclesiásticos, mesmo que geograficamente distantes, partia, certamente do pressuposto que «no es lícito tomar tabaco antes de decir misa ó di: comulgar, así porque hay motivos para temer que tomándolo se quebrante el ayuno natural, como porque es una indecencia y una falta de respeto á la eucaristia (…) siempre es indecencia é irreverencia hacerlo antes de celebrar, ó comulgar y por lo mismo se les deberá aconsejar se abstengan en tal caso de acercarse al altar, ó á la santa mesa. Así el tercer concilio de Lima, y il tercero de Mégico han prohibido á los sacerdotes tomen antes de decir misa tabaco de hoja, de cualquier modo que lo tomen siendo por la boca». A fonte citada insistia: «que es cosa muy indecente tomar tabaco en la iglesia. El cardenal obispo de Grenoble en sus ordenanzas sinodales, encarga mucho á los eclesiásticos se abstengan de á. El papa Urbano VIII público en 30 de enero de 1641 una Bula, por la que prohibe á toda espacie de persona, y con especia21

julho.

Arquivo Regional da Madeira (ARM), Governo Civil, nº. 533, fls.41vº-43, 31 de

Visitações da Insigne e Real Collegiada de Nossa Snra da Oliur.a da Villa de Guimarães, disponível on-line: www.csarmento.uminho.pt/docs/amap/bth/bth1957_02. pdf‎ (consultado em 04.12.2013). 22

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lidad á los sacerdotes, tomen tabaco en las iglesias de la diócesis de Sevilla bajo pena de escomunion ipso facto incurrenda»23.

Porém, não é sobre os hábitos de consumo dos eclesiásticos que interessa discorrer. O objetivo deste texto visa a desobediência aos ditames e interesses fiscais e fazendários das Coroas Ibéricas e não as atitudes de irreverência religiosa. Ao que parece terá sido por volta de 1652 que «por primera vez se denunciaba el tráfico ilegal que realizaban los religiosos» e, em 1688, autorizava-se os guardas fronteiriços a que registassem «qualquiera género de personas de qualquiera estado y condicion que sean a la entrada de los puertos de este reyno, aunque sean eclesiásticos»24. Para além de se estabelecerem penas de 30 ducados (elevadas a 100 em 1701) ou um ano de presídio (passaria depois a quatro de prisão) para os infractores. Em 1690 a Diputación de Navarra, enviava cartas ao vice-rei, ao deão de Tudela, ao provincial dos franciscanos e aos bispos de Tarazona e Calahorra para que usassem da sua autoridade sobre militares e clero, os dois grupos sociais que maiores dissabores causavam à Fazenda Real. Em 1697 e 1703 lançavam-se novas penas de excomunhão sobre os eclesiásticos que comprassem tabaco fora dos estancos. O que de pouco valeu porque, cinco anos depois, o contratador da renda remetia três memoriais solicitando novas sanções contra os religiosos25. Os ilícitos tanto podiam decorrer no contexto alargado de uma comunidade eclesiástica como na morada de um qualquer clérigo. Uma consulta, datada de 10 Outubro de 1674 (o preciso ano de criação da JAT), referia ter-se descoberto que na quinta em que vivia o Padre João Moreira Velho, adiante do chafariz de Arroios (Lisboa), fabricava-se tabaco sem ser do estanco real. Na sequência do varejo feito haviam sido levantados os respectivos autos e, em resultado das testemunhas ouvidas, presos os pisadores. A Junta pediu que a culpa que resultara ao padre e dado ser pessoa eclesiástica fosse comunicada ao vigário-geral, seu juiz competente, bem como ao prelado da sua congregação ao qual —recomendava a JAT— deveria

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33/4).

Conferencias eclesiásticas de la Diócesis de Angers: Logroño, 1833 (VIII, pp.

García-Zúñiga, Mario, «El estanco del tabaco en Navarra, 1642-1841.Valores, consumo y contrabando», Gerónimo de Uztariz, núm. 22, 2006, pp. 107-139 (p. 109). Disponível on-line em: http://amarauna.org/uztariz/pdf/artikuluak/aldizkaria2204.pdf [consultado em 07.06.2013]. 25 Archivo General de Navarra (AGN), Vínculo, leg. 2, cs . 44 e 45, e leg. 3, cs .24 e 29. 24

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escrever-se no sentido de que o clérigo fosse castigado com severidade pelo considerável dano causado à Fazenda Real26. No último trimestre de 1687 é recebido na JAT um relatório, do conservador do tabaco da comarca de Coimbra, sobre os descaminhos obrados por vários religiosos da ordem dos cónegos regulares e pelo tesoureiro da Sé da dita cidade. A JAT faz subir a consulta régia, no seguimento da qual é ordenado que o Desembargo do Paço manifeste o seu parecer, dada a gravidade e implicações da situação27. Uma precatória do conservador do contrato do tabaco da comarca de Coimbra, passada em 1697, para se cumprirem as provisões da JAT, de 21 de setembro de 1693 e de 2 de janeiro de 1697, sobre a repressão do contrabando, mostra que volvida uma década o problema não estava erradicado da cidade28. Os atropelos à Lei e o gosto pelo tabaco não seriam prerrogativa dos mosteiros e conventos masculinos. As casas de religiosas eram, também elas, palco de intensa movimentação e as freiras assaz activas no descaminho tabaqueiro. Uma relação de várias tomadias, escrita por ordem do desembargador Belchior da Cunha Brochado29 e relativa ao ano de 1699, refere uma que tivera lugar num convento de freiras bernardas30. Outro documento, com data de 20 de Março de 1700, descreve certa operação ilegal no Convento de Santa Ana, em Viana do Castelo. Ao que parece as freiras haviam quebrado um monopólio local ao venderem mais de 114 quilos de tabaco em pó, pelo que foram declaradas culpadas de plantar tabaco no terreno do convento31. Não obstante, volvidas quatro décadas, em 1744, umas Culpas que resultaram (da sementeira e cultura do tabaco) contra as religiosas do Convento de Sta. Ana de Viana, da devassa que tirou o Dr. José de Lemos Pacheco, corregedor do concelho e conservador dos Tabacos, revelam que as medidas tomadas para estancar o problema tinham surtido pouco efeito32. As religiosas dos conventos de Bragança, Vinhais, Murça e Santa Clara, de Vila Real, incorreram em igual desrespeito pelas ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 3, ANTT, DP, Justiça e Despacho da Mesa, Consultas, Livro 58, fls. 126. 28 Arquivo Municipal de Coimbra (AMC), TOMO XXXIX, fl. 126. 29 Nomeado Provedor da Alfândega da Bahia em 29.03.1688. Havia jurado o cargo de desembargador da Relação da Bahia em 21.03.1687, na Chancelaria-mor do Reino. Em 17.03.1694 foi nomeado Provedor Mor da Fazenda Real no Brasil. Em maio de 1695 era Procurador da Fazenda Real na Bahia, cargo para o qual fora nomeado em 17.03.1694. Foi no seu relatório expedido ao rei em 14.12.1697, que se baseou o Regimento da Administração do Tabaco para o Brasil, ANTT, Junta da Administração do Tabaco, Maço 96-A, caixa 83. 30 ANTT, JAT, Avisos, mç.56. 31 ANTT, JAT, Avisos, mç 5. 32 Arquivo Distrital Braga (ADB)/DIO/MITRA/CD/01.01.05/116. 26 27

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normativas, sem embargo das queixas recorrentemente apresentadas pelos contratadores, ocupando no cultivo do tabaco muitas terras de pão. Segundo parece, no feminino, desde o século xvii, o descaminho do tabaco seria tão apelativo quanto o seu uso (Gomes: 1995; 143-145; Matos: 1998; 158/9). D. António de Vasconcelos e Sousa, Bispo de Lamego (1692-1706), mandou em 1699 «tirar um sumários sobre se descaminhar algum tabaco» no Mosteiro das Beneditinas da Purificação, de Moimenta da Beira, cujas monjas se tinham afeiçoado muito ao uso do rapé33. D. Rodrigo de Moura Teles, Arcebispo de Braga (1704-1728), insurgiu-se contra o cultivo do tabaco no decurso de uma visitação ao Convento de Santa Clara, de Guimarães, em 171534. À semelhança do que já antes sucedera, em 1713, no Convento do Salvador, em Braga, onde o tabaco era pisado e vendido, com escândalo público. O prelado bracarense não se coibiu de fazer assentar no livro conventual uma reprimenda em forma: «por nos constar legalmente que neste nosso convento se sêmea tabaco na horta e se vende como se fosse estanque publico de que não so se segue grande prejuizo a fazenda real e estanqueiros e se ficam defraudando muito os rendimentos do seu contrato mas por este modo nos metem em questoens com a jurisdição secular como de presente nos esta sucedendo […] se devem abster desta indesente escrupuloza e arriscada manufactura»35.

Não obstante as admoestações, as freiras, tal como os frades, persistiam na sua atitude mostrando grande resistência em acatar aquilo que as autoridades seculares e eclesiásticas procuravam fazer cumprir. Alguns havia que esqueciam por completo as obrigações e dedicavam muito do seu tempo ao tráfico tabaqueiro. Por constar que existia fabrico ilícito de tabaco em Alcobaça, a JAT ordenara ao corregedor da comarca de Leiria que desse busca e tirasse devassa36 dos culpados. Remetida esta ao licenciado Heitor Mendes Leitão37, promotor das causas crime deste género, apurara-se que um dos maiores 33 Dias, OBS, Geraldo J. A. Coelho (2007), «O Mosteiro das Beneditinas da Purificação, Obra de Fernando Mergulhão, Monumento emblemático de Moimenta da Beira», HISTÓRIA Porto, III Série, vol. 8, pp. 393-408 (p. 400). 34 ADB, Visitas e Devassas, liv. 68, fol. 57. 35 ADB, Visitas e Devassas, liv. 30, fols 75v-76. 36 A devassa é «o acto jurídico em que por testemunhas se toma informação de algum caso crime querem alguns que se chame devassa, ou devassar, porque este acto faz público e manifesto o crime e autor dele», Bluteau, Raphael. Vocabulario portuguez & latino, Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712-1728, vol. 3, p. 188, verbete Devassa. 37 O mesmo que foi procurador do Padre António Vieira junto do Conselho Ultramarino (1662).

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culpados era um franciscano, Fr. João da Nazaré, que viera fugido da Índia. Este homem domiciliara-se em Alcobaça, sem contudo viver em clausura ou sob a obediência do prelado, comerciando em tabaco. Fazia-o, alegadamente, por conta de um cunhado, em cujo nome arrendara o contrato daquela vila nos anos anteriores, mas a verdade é que era ele quem comprava, vendia e tratava tudo o que fosse relativo a tabaco. O promotor defendeu que o dito frade fosse mandado 20 léguas para fora de Alcobaça e remetido a um convento da sua ordem, para que se apurasse quem era o seu prelado, a fim de lhe serem remetidas as culpas. Em caso de não haver prelado responsável, recomendava que se desse conta ao Núncio de Sua Santidade, para que este o castigasse. Parecer logo corroborado pela JAT38. Em 1744, por exemplo, lavravam-se autos de Culpas que resultaram contra as religiosas do Convento de Sta. Ana de Viana, da devassa que tirou o Dr. José de Lemos Pacheco, corregedor do concelho e conservador dos Tabacos39. Tratava-se de uma reincidência, porque o mesmo convento já fora devassado em 1700. Quatro décadas não haviam sido suficientes para erradicar o mau hábito que se instalara naquele recolhimento feminino. O Minho era, aliás, recorrente nestas questões do descaminho e motivo de pugnas constantes entre autoridades seculares e eclesiásticas. As queixas sobre os crimes do tabaco ali perpetrados eram, por vezes, acompanhadas de relatos enfáticos sobre o género de resistência violenta oferecido pelas comunidades religiosas e pela população local. A própria hierarquia episcopal era reticente na observação da Lei e dava cobertura, mais ou menos declarada, a actos ilícitos. Ciente dos seus privilégios recusava-se, sempre que podia, a obedecer às disposições das justiças seculares, o que desesperava os estanqueiros e a JAT. Filipe de Azevedo Veloso, contratador do estanco do tabaco das comarcas de Guimarães e Viana, foi um dos mais atentos na vigilância ao descaminho, queixando-se recorrentemente das pessoas eclesiásticas que fabricavam e vendiam tabaco sem embargo das leis em contrário e em prejuízo das condições expressas no seu contrato. Veloso alegava que a maior parte destes danos eram cometidos porque o Arcebispo de Braga não lhe dava licença para que os oficiais do seu contrato fizessem varejos nas casas das pessoas eclesiásticas e seculares do arcebispado, a despeito da recomendação de Sua Alteza, enviada pela secretaria de Estado (em carta de 10.07.1675) e dos vários requerimentos apresentados pelo lesado. Alegou mesmo que o ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 46. ADB, /MITRA/CD/01.01.05/116. Em 04.04.1742 — carta de mercê do lugar de corregedor da comarca da vila de Viana por tempo de três anos, concedida a José de Lemos Pacheco (ANTT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 13, f. 222). 38 39

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prelado rasgara uma petição que lhe apresentara nesse sentido. Além disto, o queixoso sentia que corria risco de vida, em virtude de todas as pessoas usarem armas proibidas e serem «gente trabalhosa». Por esse motivo pedia autorização para andar armado40. O procurador da Fazenda, ouvido sobre a matéria, reconheceu que o Arcebispo de Braga41 podia ser menos parcial, sobretudo quando recebia petições importantes para a Fazenda Real. Pelo que se lhe devia dizer que concedesse as licenças pedidas pelo contratador, remetendo-as por intermédio da Secretaria de Estado com a brevidade que convinha ao serviço régio. Quanto a Azevedo Veloso, o procurador advogava que lhe fosse dada licença para usar armas, visto a «terribilidade das gentes daquela província», na qual se incluíam soldados, clérigos e frades. Se não fosse refreada a insolência dos poderosos e isentos —alegava— em breve não se tiraria dali nem tabaco, nem rendimento. A JAT, por seu turno, defendia que se pedisse ao arcebispo para mandar recolher à prisão os clérigos Miguel Varela, Manuel Rodriguez e Gaspar de Mesquita, inculpados pelo crime de vender tabaco, mas que andavam em liberdade sob fiança. O prelado, em vez de consentir, deveria sentencia-los logo e dar conta disso em certidão pela qual constasse que estavam presos. Em resposta à consulta, D. Pedro (II) mandou que se escrevesse ao arcebispo «na forma que se aponta» e autorizava os estanqueiros a «trazer para sua defença espingardas he as mais armas permitidas quando forem fazer seu offº, Lxª, 8 Setembro 1676»42. Saliente-se que os crimes de tabaco não eram passiveis de carta de seguro43, dai a estranheza e desagrado da JAT. Como é sabido do bispo e da mitra esperava-se que agissem como primeira instância do Juízo Eclesiástico, em especial quando estavam envolvidos clérigos em questões que não eram de cunho religioso mas de origem civil. O mesmo contratador, Filipe de Azevedo Veloso, já antes se queixara (Fevereiro de 1675) de conventos e eclesiásticos que vendiam e pisavam tabaco. Com a agravante de tendo ele, e os seus oficiais, prendido um clérigo que acharam a vender tabaco, o cabido de Braga mandara passar ordem para que fosse ele suplicante a ser preso onde quer que se achasse. Este desenlace, em jeito de vol de face, não era invulgar. Tratava-se de uma reANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 51. À época D. Veríssimo de Lencastre, que, em 1653, fora nomeado inquisidor em Évora e, em 1660, em Lisboa. Eleito arcebispo de Braga, em 22 de Dezembro de 1670, viria a ser Inquisidor-geral de Portugal entre 28 de Novembro de 1676 e 27 de Maio de 1679 quando foi suspenso do cargo. Demitiu-se do governo da arquidiocese em 8 de Fevereiro de 1677. A suspensão foi anulada e ele restabelecido no lugar de Inquisidor, em 22 de Agosto de 1681. 42 ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 51. 43 Tratava-se de uma promessa judicial pela qual, o réu, sob certas condições, podia eximir-se à prisão (preventiva, dir-se-ia hoje) até conclusão do seu processo. 40 41

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acção expectável por parte de entidades que sentiam questionados os seus privilégios e competências. Em resposta à petição foi ordenado que se desse busca em todas as casas que o impetrante requerera e que, tanto este, como os seus feitores, não fossem impedidos de cumprir os respectivos contratos. Nesse sentido, ordenava-se que os ministros tomassem as medidas convenientes e que, sobre o sucedido com o cabido de Braga, informassem o provedor da comarca de Guimarães. A lista apresentada pelo suplicante era eloquente no teor da denúncia. Em Braga: os frades lóios do campo de Santa Ana e os do mesmo convento em Vilar de Frades; os frades crúzios de S. Miguel o Anjo, os frades do Pópulo, dos quais Frei Simão que andava vendendo; os Frades de Bouro na casa que tinham em Braga, os conventos das freiras do Salvador, dos Remédios e da Conceição. O padre António de Miranda em Semelhe, que vendia a retalho e por maior publicamente com porta aberta; o padre Gaspar Carvalho à porta de S. João; o padre Tomás de Brito à Conceição; Padre Pedro Varela na Rua Verde; o padre João Pessoa à Ponte de Guimarães, o Padre fulano dos Reis, capelão que foi do arcediago, o padre Manuel Roiz na Rua de D. Gualdim, um sacerdote na rua dos Touros. No Couto de Cambeses: o padre Francisco Mendes, em Filgueiras, cura da igreja de Pedroso; o padre Domingos Gonçalves44. A verdade é que mesmo aqueles que não eram membros do clero sabiam que podiam contar com a cumplicidade deste e tentavam tirar partido do regime de excepção que privilegiava a Igreja. Em 22 de Agosto de 1675, o mesmo contratador queixou-se dos frades crúzios de Barcelos, que tinham tabaco semeado, e os frades franciscanos de Braga, por igual motivo45. Lamentou-se ainda do facto de que dando varejo com seus oficiais, em diferentes partes, encontrara moinhos de moer tabaco, na freguesia de Santa Lucrécia, não tendo podido prender os donos deles por estes se terem refugiado em casa do abade de Polvoreira. Cortara-se um campo de tabaco mas não se entrara em casa por não haver ordem do Arcebispo Primaz a quem fizera petição, o qual não queria que as diligências fossem feitas senão por oficiais eclesiásticos. Veloso alegava que, desse modo, seria grande o prejuízo para si e para a fazenda real, porque a maior parte dos que cometiam o crime eram eclesiásticos e aos culpados não se mandava prender nem castigar. De facto, não só os procedimentos eram complexos como os cuidados para evitar incidentes jurisdicionais acabavam, muitas vezes, por bloquear ou, na melhor das hipóteses, atrasar o curso da justiça. Como é sabido a jurisdição eclesiástica foi um instrumento amplamente usado quer

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ANTT, JAT, Feitos Findos, Mç. 115, cx. 130, s/n. ANTT, JAT, Feitos Findos, Mç. 115, cx. 130, s/n.

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para defender os interesses da Igreja como para subtrair os clérigos à jurisdição secular, agindo frequentemente em menoscabo da autoridade régia.. Em 1676, o contratador citado, Azevedo Veloso, queixou-se, novamente, das pessoas eclesiásticas que fabricavam e vendiam tabaco no couto de Cambeses e do porteiro do colégio de S. Paulo, da companhia de Jesus, da cidade de Braga, pedindo a rápida intervenção das justiças régias. Dada vista ao procurador da Mitra, Constantino Ribeiro do Lago, um homem particularmente ligado aos interesses daquela arquidiocese46, este fez notar que a cidade de Braga tinha meirinho e alcaide, além de juiz, a quem se podiam cometer as diligências. Entendia o magistrado, que se podiam fazer as pesquisas necessárias por intermédio dos oficiais do arcebispo, sem que, desse modo, se ofendesse a jurisdição da dita mitra. Lembrava, enfaticamente, que a Igreja bracarense tinha jurisdição que impedia que nela entrassem outros oficiais e ministros, ainda que ali fossem postos pelo Príncipe47. Será oportuno referir que, grosso modo, a imunidade eclesiástica, de acordo com a lei canónica, contemplava o respeito aos privilégios de foro —garantia de isenção em caso de acção judicial movida por outras instâncias civis e não solicitadas por tribunais eclesiásticos— e de cânone, que garantia ao clérigo protecção quanto a actos de violência física, detenção provisória e tortura, castigos temporais, prisão efectiva ou pena de morte. Um Aviso (5 de Maio de 1700) ao marquês das Minas48, sobre uma consulta da JAT a Sua Majestade, revela uma outra forma do clero intervir negativamente. Segundo relatou um juiz de fora de Beja os religiosos do convento de S. Francisco, daquela cidade, haviam impedido a prisão de um culpado no crime de descaminho do tabaco49. De acordo com as práticas em uso, quem buscava asilo num lugar sacro não poderia ser dali retirado sem autorização de um juiz eclesiástico com competência para isso. Tratava-se de um ardil explorado em diversas circunstâncias, quer por caçadores furti46 Foi 1º Senhor da Casa dos Biscainhos, em Braga, Alcaide-mor de Ervededo, cavaleiro da Ordem de Cristo (ANTT, Registo Geral de Mercês, Ordens Militares , liv.7, f. 414v); Ouvidor em Braga (ANTT, Registo Geral de Mercês, Chancelaria D. Afonso VI, liv.3, f.272). Era filho de um mercador, mas como teve forte ligação à arquidiocese, de cuja Sé um dos seus irmãos era Chantre, amealhou grande fortuna e promoveu o cursus honorum da parentela. Outros dois irmãos foram, respectivamente, cónego doutoral de Évora e comissário do Santo Ofício. Um dos seus filhos veio a ser Deão da Sé de Braga. 47 ANTT, JAT, Feitos Findos, Mç. 115, cx. 130, s/n. 48 Dom António Luís de Sousa (6 de abril de 1644 - 25 de dezembro de 1721), 4º conde do Prado, em vida do pai, e 2º Marquês das Minas. Foi presidente do Conselho Ultramarino. De 1684 a 1687 governador e capitão-general do Brasil. Regressando a Portugal em 1687, foi conselheiro de guerra, e depois sucedeu ao Duque de Cadaval no cargo de presidente da junta do Tabaco (1698-1704). 49 ANTT, JAT, Avisos, Mç. 56.

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vos, como por inculpados num leque variado de crimes, de entre os quais os do tabaco. Essa estratégia, de aproveitar a complacência do meio eclesiástico e procurar refúgio em locais onde as justiças seculares tinham dificuldade em entrar, se bem que funcionasse a contento de muitos foragidos, nem sempre terá resultado. O caso de um tal João Fernandes —que fora achado na quinta do padre Diogo Varregoso, onde o corregedor do crime Fernão Tudela de Castilho50 dera varejo por ter notícia que ali se fabricava e pisava tabaco— é prova disso mesmo. Feito o auto da achada formara-se libelo contra o dito acusado, sendo este condenado em 100 mil réis na primeira instância. Depois, pelo juiz conservador do tabaco, na forma de uma lei de 1668, foi-lhe acrescentada a pena de 5 anos de degredo para o Brasil, com pregão e audiência. O suplicante recorreu alegando tratar-se de um equívoco, pois só ali fora para pedir uma carta de amparo para um ministro e não tinha contra si senão o confessar que achando-se lá por acaso pegara num maça para pisar. Em sua defesa argumentava que tal confissão não fora jurada, por isso diminuta, e que a pena de lei só se aplicava aos que pisavam de propósito, o que não era o caso dele suplicante, cujo interesse —insistia ele— residia somente na obtenção de uma carta de patrocínio. Na tentativa de inverter o veredicto a seu favor, salientava o réu que tendo servido vinte e um anos nas fronteiras, como sargento, alferes e ajudante, não recebera até ao momento qualquer satisfação pelos seus serviços. Em vez disso —lamentava-se— estava preso no Limoeiro havia um ano, padecendo muitas necessidades e achaques, resultantes dos trabalhos da guerra, tendo deixado seis filhos desamparados, dois deles aleijados. O recurso a este tipo de argumento era comum quando se apelava à indulgência, pelo que os tribunais não o desconheciam. Tanto assim que, a 31 de Agosto de 1675, mandando-se ver a petição na JAT, a Mesa foi de parecer que se devia indeferir, pelo prejuízo que resultava de dar-se mau exemplo a quantos incorressem nesse crime. 50 Nasceu em Castelo Branco em 1631. Doutorou-se em leis na Universidade de Coimbra. Foi juiz de Arronches e de Seia (ANTT, Registo Geral de Mercês, D. Afonso VI, liv.3, f.320v); corregedor de Miranda e do Rossio, auditor-geral de cavalaria, desembargador da Relação do Porto, Corregedor do Cível e do Crime, fidalgo da Casa Real e cavaleiro da Ordem de Cristo. Recebeu Carta da Propriedade dos ofícios de Juiz e Recebedor da Alfândega de Castelo Branco (Ibidem, liv.4, f.257v); Distribuidor e Contador do Juízo ordinário da vila de Castelo Branco, por morte de seu pai Manuel de Castilho (ANTT, Registo Geral de Mercês, Ordens Militares , liv.4, f. 254). D. Pedro II, tinha-o em grande estima, talvez por Castilho ter escrito um opúsculo em que defendia a legitimidade deste monarca face a D. Afonso VI, pelo que o incumbiu de pacificar a Beira e de conduzir em Portugal o Grão-Mestre da Ordem Teutónica, irmão da Rainha D. Maria Sofia Isabel de Neuburg, o que fez «com despesa de sua fazenda e credito de sua pessoa» (Biblioteca Nacional de Portugal – BNP, códice nº 1077, Memorial de Ministros. Em 1674, Castilho foi procurador em cortes por Castelo Branco. Morreu a 20 Janeiro de 1692.

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Tanto mais, lembravam os deputados, o preso ao ser sentenciado sem se lhe impor a pena vil já beneficiara do facto se te ter tido em consideração os seus serviços51. 3.  Pena de Talião Face à resiliência dos membros da Igreja não admira que um dos casos de punição mais exemplar, de que haverá memória, tenha tido como protagonista um alto dignitário eclesiástico, cabeça de uma reputada congregação sediada no Reino de Portugal. O facto, por si só, justifica uma atenção detalhada, quer face ao ocorrido, quer pelas implicações jurídicas e políticas, como, também, pela susceptibilidade de que se revestiu. O duque de Cadaval52, presidente da JAT (1674 -1698), tivera notícia de que no mosteiro de S. Bento era fabricado tabaco, pelo que ordenara uma busca. Esta tivera lugar a 28 de Março de 1676 e, em local acomodado para o fabrico, achara-se um pisão, duas maças, algumas peneiras e dois sacos de tabaco em pó. O tribunal reunido em mesa pretendia encontrar uma solução para este tipo de problema gravoso para a Fazenda Real, sobretudo por estar disseminado entre as pessoas religiosas e eclesiásticas, principalmente no Entre Douro e Minho. A JAT entendia que o abade do dito mosteiro, sendo nele morador e prelado, não poderia desconhecer o caso, com a agravante de duas testemunhas ouvidas terem referido correr o fabrico por conta do dito abade. Contudo, mesmo que o tabaco não fosse seu, presumia-se que tinha obrigação de ser mais zeloso na defesa dos interesses da fazenda régia. Acrescia o facto de, no ano anterior, ter sido advertido disso, por constar que ali se havia pisado tabaco. Em vista do que «por ser desobediente à Coroa e assim prejudicar o bem comum dos vassalos» a Junta achava que deveria ser mandado sair do Reino. Para que não restassem dúvidas, frisava a JAT que o prelado não seria a título de desterro, mas, pura e simplesmente, sob proibição de nele residir por se tratar de um «vassalo imprestável». O tribunal defendia que embora os eclesiásticos estivessem isentos de jurisdição real, por ser esta secular, a verdade é que enquanto residentes assumiam a condição de vassalos. Como tal, estavam sujeitos ao ANTT, JAT, Feitos Findos, Mç. 115, cx. 130, s/n. D. Nuno Álvares Pereira de Melo, 4.º marquês de Ferreira, 5.º conde de Tentúgal. Nasceu em Évora a 4 de Novembro de 1638, morreu a 27 de Janeiro de 1727. Dos conselhos do estado e da guerra, dos reis D. Afonso VI, D. Pedro II, e D. João V, e despacho das mercês, e expediente, mestre de campo general da Corte e província da Estremadura e capitão general da cavalaria da mesma corte e província, governador das Armas de Setúbal e de Cascais, embaixador extraordinário à corte de Turim, etc. 51 52

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poder económico e político do seu Príncipe, cabendo-lhes guardar a Lei, obedecer às ordens régias e preservar o bem comum. Este argumento era, em larga medida, o fulcro de um debate antigo entre a jurisdição eclesiástica e o braço secular. As justiças régias viam-se frequentemente impedidas de exercer as suas competências e os monarcas ibéricos procuraram limitar a abrangência dos privilégios da Igreja, recorrendo mesmo à Santa Sé para esse efeito53. Não obstante, de acordo com as Ordenações do Reino, os juízes seculares podiam proceder judicialmente em causas envolvendo pessoas eclesiásticas, caso as matérias coubessem ao foro civil54. Nesse sentido mandariam proceder contra os clérigos, sem ter de temer a excomunhão ipso facto incurrenda a que estavam sujeitos. Abra-se um parêntesis para sublinhar que tratava-se de uma ameaça recorrente, esgrimida pelas autoridades episcopais, alegando estas que por se estar a usurpar a sua jurisdição. Mesmo que para salvaguarda os magistrados régios, por exemplo ao procederem a confiscos, se fizessem acompanhar por um ministro das cúrias episcopais. Mas, de volta ao caso em apreço, os ministros da JAT justificavam que qualquer pai de família tinha o direito de expulsar de casa um clérigo que lhe fosse desobediente. Tal expulsão —explicava a JAT— não teria carácter de castigo por via de jurisdição contenciosa, uma vez que configurava um acto facultativo que cada qual podia fazer, pelo poder económico que tinha em sua casa. Os eclesiásticos que fabricavam tabaco estavam a exercer a mercancia, o que tornava, aos olhos do tribunal, o delito ainda mais grave. Aliás, segundo a JAT, os eclesiásticos ao procederem como tratantes e negociadores, incorriam naquilo que os Sagrados Cânones designavam como «Peste e membros podres da República», os quais deviam ser erradicados pelo mau exemplo que davam, de modo a evitar-se o contágio55. A dramaticidade da decisão, tomada pelos deputados e presidente do tribunal, encontrou eco no desagrado e irritação com que D. Pedro (II) encarava estas situações, pelo que o parecer faria jurisprudência56. O prelado ainda tentou reverter, ou pelo menos minimizar, o teor da sentença, conse53 Os Sumos Pontífices procuravam atalhar as expectativas das Coroas emitindo bulas que refirmavam a autoridade eclesiástica (Cum alias, de Gregório XIV; Ex quo, de Bento III; In supremo, de Clemente XII). 54 Ordenações Filipinas (1603), Livro I, título “Dos Juízes dos Feitos de El Rei da Coroa”. 55 ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 42. 56 Carta do Príncipe D. Pedro para o bispo do Porto, D. Fernando Correia de Lacerda, mandando-o comunicar aos eclesiásticos da sua diocese a resolução de desnaturalizar e lançar fora do Reino todo o eclesiástico que fizesse tabaco fora do estanco. Lisboa, 1678, Julho 12; cf. Biblioteca da Ajuda (BA), Mss 51-IX-29 (1611), fl. 30-33v. .A desnaturalização do Reino seria, como veremos adiante, um argumento ainda em vigor uma centúria mais tarde; ANTT, JAT, Avisos, mç. 57.

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guindo apenas protelá-la uns meses, como revelam as várias Consultas feitas sobre a execução que deveria ter a resolução de Sua Alteza, de mandar expulsar do Reino o Abade de S. Bento. E em 20 Julho de 1676, a Junta do Tabaco, reafirmando o que era sua opinião na matéria, entendeu dever dar sem mais demora execução à ordem de desnaturalização do dito prelado. Qualquer dilação nessa matéria —alegava a JAT— seria péssimo exemplo. O tribunal dizia ter tido notícia de que, depois de conhecida a decisão de D. Pedro, os eclesiásticos estavam a abster-se de pisar tabaco, pelo que qualquer atraso ou indecisão poderia anular esse efeito e fazê-los reincidir. Isto, sem embargo de estar a correr uma petição apresentada pelo Abade à Junta do Tabaco (pela qual havia sido notificado), pedindo tempo para a sua defesa. A JAT, porém, entendia que os argumentos usados pelo Abade resumiam-se a um único: o de que não fora ouvido. Além do mais, os deputados defendiam que tal determinação não deveria ser entendida como castigo secular, do qual o suplicante estava isento, mas sim como uma resolução emanada do governo político, na qual o Príncipe actuara como qualquer particular em sua casa. A Junta, abonando-se com exemplos religiosos e seculares, lembrava que, segundo o próprio Direito Canónico, o Príncipe podia dispensar a ordem judicial condenando os delinquentes sem os ouvir, só pela informação que tivera da verdade. A esse propósito citava-se o caso dos doutores João de Azevedo57 e Manuel da Costa (de Almeida)58 que, sem serem ouvidos previamente, tinham sido impedidos por Sua Alteza de entrar no Colégio Real de S. Paulo e de vencer ordenados enquanto Lentes da Universidade de Coimbra. Isto por haverem sido considerados culpados na morte do corregedor de Coimbra (Manuel da Costa Silveiro) sem que no entanto tivessem sido eles os responsáveis59. 57 Lente de Prima de Cânones na Universidade de Coimbra, cónego doutoral do Algarve, Viseu, Coimbra e Lisboa, deputado da Inquisição de Coimbra e do Conselho Geral do Santo Ofício, Desembargador do Paço com carta de Conselho (1680). Morreu em 1697. 58 Lente de Clementinas na Universidade de Coimbra, da qual foi vice-reitor. Deputado da Inquisição de Coimbra, Desembargador do Paço com carta de Conselho (1698), fidalgo-capelão da Casa Real (1700). 59 A defesa destes lentes, ambos deputados do Santo Ofício, ainda que reportando-se a um caso diferente, é emblemática do modo como os eclesiásticos procuravam desembaraçar-se da justiça secular. Diziam estes, em sua defesa, que «a culpa que se impõe a elles supplicantes, é notório proceder de uma devassa tirada por um Corregedor da corte, ministro secular de V. A., sendo os supplicantes notoriamente sacerdotes, cónegos e deputados do Santo Officio, por cada uma das quaes razões, e muito mais por todas juntas, são totalmente isentos da jurisdicção secular como também o dito Corregedor da corte é totalmente incapaz de lhes fazer culpa, e os ministros seus adjuntos de conhecerem se estão ou não estão culpados pela dita devassa, como dictam todas as regras

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A Junta, em consulta de 20 Julho 1676, consentiu na conveniência de serem escutados extrajudicialmente os procuradores da Coroa e da Fazenda, visto tratar-se de um caso gravíssimo e com notórias implicações. Quanto ao suplicante, a JAT, achava que só por motivo de clemência do Príncipe é que ele poderia ser ouvido. Foram desta opinião o Duque presidente (normalmente pouco transigente em matérias de delito), secundado pelos desembargadores Diogo Carvalho Cerqueira60 e Luís de Oliveira da Costa61, tendo votado vencido o desembargador Cristóvão Álvares Coelho62. Em 23 de Setembro de 1676 a JAT emitiu novo parecer no sentido de se executar sem dilação alguma a resolução antes tomada e que o Geral da ordem lhe desse imediato cumprimento. A resposta do Príncipe, não se fez tardar e foi inequívoca: «Asy o mando e ordeno, Lxª 24 Set. 1676»63. 4.  O Turbulento entre-douro e minho Não obstante a inflexibilidade demonstrada pela JAT, no caso em apreço, volvido um ano, estava de novo o tribunal a insurgir-se contra os descaminhos do tabaco praticados na província do Entre Douro e Minho, em especial nos coutos de Braga. Os excessos seriam contínuos, a despeito do rigor da Lei e das repetidas diligências levadas a cabo pelos ministros e oficiais vulgares de direito canónico, na isenção que dão aos clérigos são fundadas em direito divino»; Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra e das suas relações com a instrução pública Portuguesa, tomo III (1700-1800), Lisboa, Tipographia da Academia Real das Sciencias, 1898. 60 Além de deputado da JAT serviu como Corregedor de Guimarães (ANTT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 84, n.º 85), Desembargador da Relação do Porto (ANTT, Registo Geral de Mercês, D. Afonso VI, liv.3, f.338v e Agravista da Casa da Suplicação (Ibidem, liv.21, f.38v), da qual teve carta de Chanceler. Desembargador do Paço em 1690 (ANTT, RGM, D. Pedro II, liv. 5, f.403. Era da casa do Duque de Cadaval e foi embaixador extraordinário à corte de Sabóia (1680-1682), cf. ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 168 (37). Morreu em 1699. 61 Além de deputado da JAT serviu como Corregedor de Coimbra, Desembargador Extravagante da Relação do Porto (ANTT, RGM, D. Afonso VI, liv.19, f.320v) e Desembargador da Casa da Suplicação (Ibidem, liv.19, f.457), Corregedor do Crime da Corte (1678) e deputado supranumerário da Mesa da Consciência e Ordens (ANTT, RGM, Ordens Militares, liv.14, f. 430v ), etc. 62 Doutor em Leis, Lente na Universidade de Coimbra e Colegial de S. Pedro. Além de deputado da JAT serviu como Desembargador extravagante da Relação do Porto (ANTT, RGM, D. Afonso VI, liv.19, f.350), Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação (Ibidem, liv.28, f.45), Chanceler da Relação do Porto (ANTT, RGM, D. Pedro II, liv. 2, f.446v) e deputado da Mesa da Consciência e Ordens (ANTT, RGM, Ordens Militares, liv.10, f. 375). 63 ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 52.

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de Justiça. Por esse motivo a Junta entendia mandar àquela província, em 1677, o desembargador Gaspar de Macedo Sampaio64 a tirar devassa, correndo as despesas por conta dos culpados65. A situação era de tal modo melindrosa que, mesmo que os acusados não tivessem meios para suportar os encargos, a JAT preconizava que fosse a Fazenda Real a suprir os gastos. Os encargos inerentes a uma intervenção deste género pressupunham certa disponibilidade financeira, não só para custear a deslocação de magistrados, como para executar as devassas, instruir os processos e lavrar os respectivos autos. O próprio desembargador nomeado fez saber à Junta que não tinha com que se aprestar para a diligência, em virtude dos consideráveis dispêndios que teria de fazer, os quais não podia suprimir dada a distância, e, também, por ele próprio ficar sem receber ordenado em nenhuma das Relações66. Este género de impasse não era invulgar mas, nem por isso, deixava de complicar o curso normal das inquirições67. A JAT foi de parecer que o tesoureiro dos direitos do tabaco desse ao dito ministro cem mil réis de ajuda de custo, por uma só vez, para poder efectuar a jornada até àquela província e, desse modo, garantir os meios necessário para o serviço. A JAT sabia bem que urgia acelerar o processo, até porque os contratadores que estavam em vias de arrendar o tabaco iam subindo os lances na expectativa de uma intervenção enérgica. Caso tal não acontecesse os valores do contrato acabariam, inevitavelmente, por cair, acarretando pesadas perdas para a Coroa. No terreno a situação mostrou-se igualmente melindrosa. Isto porque, no decurso da devassa, o desembargador Gaspar de Macedo Sampaio mandara chamar em Barcelos o escrivão do judicial Manuel Lopes, para que notificasse umas testemunhas. Contudo, este não obedecera e, sendo de novo instado, voltara a não aparecer. O magistrado ordenou que o fossem prender mas o homem refugiara-se em casa e depois fugira por um quintal. Os oficiais de justiça tentaram, sem sucesso, prosseguir a diligência mas saíra-lhes ao caminho muita gente e o próprio juiz de fora, o qual não deixou prender o escrivão, 64 Bacharel em Cânones, foi Desembargador da Relação de Goa (ANTT, RGM, D. Afonso VI, liv.19, f.471) e extravagante na Relação do Porto (1679). Em 1690 era Conservador do Tabaco do Porto. Teve por cunhado a Frei Manuel de Almeida, da Ordem de Malta, presidente do Conselho de Guerra. 65 ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 65. 66 ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 68. 67 Veja-se o caso de uma petição de Filipe de Azevedo Veloso, contratador do estanco do tabaco das comarcas de Guimarães e Viana, dizendo que tendo S.A ordenado ao desembargador Marcos Andrade, conservador do tabaco da cidade do Porto para que fosse à vila de Viana a tirar devassa, o qual duvidava de o fazer sem que o suplicante fizesse depósito para os custos. Nesse sentido, o contratador pedia que mal fizesse o dito depósito saísse o conservador a tirar devassa. Em nota à margem é despachada a petição (18 Março 1676); ANTT, JAT, Feitos Findos, Mç. 115, cx. 130, s/n.

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alegando que era necessário ao seu serviço. O juiz, por seu turno, também não cumprira uma precatória enviada antes pelo desembargador, na qual se ordenava que fosse preso um culpado no descaminho do tabaco e feitos dois sequestros. Mais grave ainda, não só desobedecera às ordens como dissera aos seus oficiais que, caso cumprissem o que o desembargador mandara, os tinha por suspensos. Correra, também, notícia que o juiz teria convocado a turba para ir até casa do desembargador. Coincidentemente, o ministro, que queria evitar maiores excessos, resolvera o mesmo, indo pessoalmente a casa do juiz para prender o escrivão. Subitamente, ouviu o porteiro daquele magistrado, que ia pelas ruas a gritar pelo povo, dizendo que acudissem que estavam a matar o juiz de fora. Era um embuste mas surtia efeito junto da populaça e o juiz sabia-o bem, por isso teria sido ele mesmo a industriar o seu criado para que procedesse daquele modo. O desembargador tentou aplacar os ânimos ajudado pelo ouvidor da vila, que, na circunstância, desempenhava o lugar de procurador da Fazenda e, por tal razão, seria um potencial aliado. Nesse sentido cabia-lhe, duplamente, fazer respeitar a vontade régia, contra abusos de seculares ou eclesiásticos. Como se deduz, os interesses estabelecidos e as conivências daí decorrentes impeliam o desfecho da comissão para um beco sem saída. Impunha-se tomar medidas rapidamente. Face às anomalias e à teimosia no incumprimento, a JAT, informada do curso dos acontecimentos, considerou que o juiz de fora era muito mais perturbador da paz pública do que bom servidor da Coroa, pelo que deveria ser merecedor de castigo. Assim, propunha que o ouvidor suspendesse o juiz e que este, depois de suspenso, fosse intimado com firmeza a vir à corte, no prazo de oito dias, a fim de justificar o seu procedimento. Para a Junta os factos eram de enorme gravidade, tendo em conta o desrespeito com que fora tratado um ministro da Coroa. O episódio não só constituía um mau exemplo, como o seu reflexo, necessariamente negativo, poderia fazer-se sentir em futuras diligências incumbidas a outros magistrados. Os diversos actores sociais aprendiam rapidamente a fazer uso de estratégias experimentadas com sucesso e tiravam proveito quer das fragilidades legais como da vacilação no uso das leis. Cientes disso, os deputados da JAT, preconizavam que, caso se chegasse à conclusão que o juiz de fora era, efectivamente, culpado de omissão e calúnia, dever-se-lhe-ia dar castigo exemplar, em consonância com a gravidade do seu acto. Para averiguação das circunstâncias e outras diligências propuseram que fosse nomeado o desembargador da Relação do Porto Manuel Mouzinho68 (como, de facto, veio a acontecer). 68 Manuel Mouzinho Gil, foi provedor das obras e dos órfãos do Porto (1662), Corregedor do Crime de Alfama, Desembargador extravagante da Relação do Porto (1675) e da Casa da Suplicação (1678).

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Cabia-lhe, de acordo com as instruções que levava, prender o escrivão relapso e praticar tudo o mais que fosse necessário ao cumprimento da devassa, de modo a que a totalidade das diligências processuais estivesse concluída no espaço de 15 dias69. 5. A Junta da Administração do Tabaco e as outras magistraturas As clivagens e tensões entre magistrados, como se acabou de demonstrar, ilustram bem o difícil percurso de afirmação da própria JAT enquanto tribunal. As situações que a opunham ao Conselho Ultramarino, ao Desembargo do Paço, ao Conselho da Fazenda e às magistraturas do foro eclesiástico, foram, grosso modo, episódicas, mas nalguns casos chegaram a ser recorrentes e revestidas de certo melindre. Por outro lado, a distância entre os centros decisores e o palco de acção, o atraso nas comunicações e o desconhecimento do contexto e logística em que decorriam muitos trâmites processuais, contribuam para criar a ilusão de um clima de impunidade e matizavam a eficácia dos castigos e penas a aplicar, além de menorizarem a credibilidade da JAT. A JAT, sobretudo durante o consulado de Cadaval e a vigência do governo de D. Pedro, quer enquanto regente (1668-1683) quer depois como rei (1683-1706), esforçou-se no sentido de vincar as suas competências e delimitar os poderes e a ingerência de outras magistraturas naquilo que considerava ser a sua esfera de actuação. Tentava, por esse motivo, afastar todos os grãos que pudessem fazer emperrar a engrenagem, para que a sua autoridade não fosse questionada. Até porque a JAT, a despeito da intenção que norteou o seu nascimento e do apoio constante do regente D. Pedro, foi sempre mais um executor do que um formulador de políticas, ainda que a aparência pudesse fazer crer o contrário. Contudo, esta constatação, a que seria possível aduzir numerosos exemplos comprovativos, foge já um pouco ao tópico central deste estudo, embora seja de utilidade para se perceber em que tabuleiro se jogava este xadrez e quais as regras que o norteavam, ou limitavam. O sucessor do duque, D. António Luís de Sousa, 2º marquês das Minas e 4º conde do Prado, moldou a sua presidência (1698-1704) pela mesma linha de actuação seguida por Cadaval. A sua relação com o descaminho de tabaco e com o papel desempenhado pelo clero, em particular no contexto minhoto, vinham do tempo em que exercera o governo das armas do Entre Douro e Minho. Observador atento da realidade local fizera saber a D. Pedro 69

ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc.84.

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(II) que, para se proceder contra as pessoas que cultivavam, compravam ou vendiam tabaco fora dos estancos, era necessário haver naquela província um auditor geral dos soldados, o qual, como conservador do estanco, tiraria as devassas. Isto porque o corregedor, que então servia de auditor, tinha —segundo o marquês— muito que fazer. Porém, enquanto não fosse nomeado um auditor, D. António de Sousa queria que se ordenasse ao provedor da comarca, que também servia de conservador do tabaco, a entrega das devassas ao dito corregedor para que este procedesse na forma da Lei. Pedia ainda que o auditor em funções pudesse exercitar como conservador em qualquer convento, à semelhança do que caberia ao provedor fazer (autorizado por alvará impresso de 14 Julho 1676). O marquês deixava implícito que o provedor/ conservador de então pouco, ou nada, fazia. D. António de Sousa estava, sublinhe-se, a pôr o dedo na ferida. É que, na verdade, as dificuldades e custos financeiros implícitos em pleitos judiciais encaminhados de fora eram maiores do que os encargos e eventuais desvantagens de ter estruturas residentes, diga-se operativas, logo mais susceptíveis de obter resultados em tempo útil. Face à missiva do governador, a JAT sugeriu (25 Novembro de 1676) que fosse derrogado o referido alvará na parte que inibia a actuação do auditor e que este servisse nas comarcas de Guimarães e Viana, acumulando essas funções (auditor dos soldados) com a de conservador do estanco do tabaco. Recomendava, também, que esta medida se aplicasse aos restantes auditores das outras províncias e que o alvará vigorasse nas comarcas onde não existia ainda auditor dos soldados, para que os provedores em exercício pudessem servir como conservadores à ordem da Junta do Tabaco. Em última instância, tal cooperação, poderia violar o princípio da estrita delimitação entre burocracias e atropelar autonomias jurisdicionais, mas a JAT, que era constantemente posta à prova no tocante ao limite legal da sua actuação, sabia que, enquanto magistratura de certa forma sui generis, tinha de se adaptar às circunstâncias e proceder a reformulações, mesmo que em aparente contradição com o seu regimento. Essa capacidade para se reajustar ajudava a que não se esvaziasse nas suas competências e a que prosseguisse no cumprimento dos objectivos que lhe davam razão de existir. A resposta da JAT a situações extremas passava ou por reproduzir mimeticamente mecanismos já usados pela Coroa —por exemplo incumbir desembargadores de procederem a uma revisão judicial dos desempenhos dos magistrados que lhes eram hierarquicamente subalternos—, ou recorrer ao papel interventor de outras instâncias que, pontualmente, pudessem servir os seus interesses de modo paritário, como era o presente caso. Situação nem sempre isenta de riscos, dada a tendência de alguns executantes para a prática de abusos ou uma certa propensão de perpetuar procedimentos,

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tornando-os consuetudinários. Por mais benéfica que fosse uma actuação, tomada de empréstimo, esta podia causar embaraços, sobretudo nas rotinas dos tribunais, até mesmo porque os funcionários intermédios não viam com agrado alterações às normativas. Não tanto pelo que estas pudessem significar do ponto de visto ético e formal, mas sim pela eventual dispersão de meios económicos (leia-se mercês pecuniárias) que pudessem reverter a favor de terceiros. Por último, voltando à missiva que nos ocupa, o tribunal, tendo bem presente o eco de memórias passadas, sugeria que o marquês das Minas pudesse dar ordem de busca em todas as partes, incluindo nos conventos70. Pouco mais de um ano após estes factos era recebida na JAT, em 1678, uma queixa dos contratadores do estanco das comarcas de Viana e Guimarães relativa ao descaminho do tabaco e prejuízos dai decorrentes, bem como ao papel desempenhado pelos clérigos nesta matéria. Um deles, Manuel Rodriguez, estava preso, mas pretendia-se que viesse para o Limoeiro, ou para o Aljube sendo depois embarcado para a Índia ou S. Tomé. Na consulta a Junta foi de parecer que se escrevesse ao Núncio Apostólico nesse sentido, vindo o preso para Lisboa a expensas suas, e que se recomendasse ao Arcebispo de Braga e ao embaixador em Roma que obtivessem um Breve Pontifício para que o comissário geral da Bula da Cruzada pudesse ser juiz privativo dos eclesiásticos compreendidos no descaminho do tabaco71. O certo é que, apesar das medidas repressivas, o vaivém de correspondência entre D. Pedro (II), a JAT, os Arcebispos de Braga e, ocasionalmente, o Núncio Apostólico, continuaria intenso, sobretudo durante o governo primacial de D. João de Sousa (1696-1703)72. Este prelado não teve como eximir-se à questão do descaminho, prova-o o fluxo de correio gerado73. A sua atitude, a um tempo firme mas compreensiva, serviu os propósitos de mediação esperados. O primaz, contudo, não terá esquecido o impacto que o tabaco poderia assumir nas economias monásticas. Só assim se entende o gesto de enviar à abadessa do mosteiro de Santa Ana de Viana, Madre Faustina de S. José, a esmola de 100 mil réis para a obra do refeitório, de modo a compensar a perda que tivera ao arrancar o tabaco plantado na cerca do dito mosteiro. Conforme carta datada de Braga, a 7 de Maio de 170074.

ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 58. ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc.92. 72 Ver quadro I do Anexo. 73 Ver quadros II e III do Anexo. 74 BA, Mss 51-IX-40, fl. 26 70 71

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6.  Mecanismos de defesa Menos atentas ou mais permissivas, consoante as circunstâncias, o certo é que as hierarquias eclesiásticas e religiosas procuravam defender-se, quando se sentiam acossadas, recorrendo a expedientes diversos. Em regra tentavam eximir-se a responsabilidades dando mostras de que cumpriam as imposições ditadas pelos centros políticos. Alguns talvez o fizessem com boa intenção, outros buscariam, apenas, aligeirar as culpas directas ou indirectas que lhes pudessem ser assacadas. Uma carta (de 29 de Outubro de 1691) do abade do colégio de S. Bento, Fr. José de S. Boaventura, ilustra um padrão seguido com regularidade mas nem sempre com sinceridade. Olhava-se mais à forma e ao que transparecia do conteúdo do que ao cumprimento das normativas nele implícitas. Na missiva, o abade, informava que no seguimento de uma queixa do contratador de Coimbra, o qual tivera conhecimento que um homem com tabaco deixara dois arráteis no colégio, fora o mesmo visitado pelo juiz de fora e pelo provedor. Estes haviam corrido todas as celas dos religiosos, casas de moços e até os lugares mais ocultos mas não haviam achado tabaco algum nem vestígios de que a presunção havida fosse certa. Não obstante, o abade, movido de zelo, expulsara o moço que se presumia culpado e, desse momento em diante, houvera muito mais vigilância na matéria. O abade atribuía a queixa à pouca afeição do contratador e lembrava que o descaminho estava proibido aos religiosos dos mosteiros, os quais não podiam comprar nem aceitar tabaco para vender, sob pena de excomunhão, conforme fora registado no Livro de Visitas do Colégio de S. Bento de que juntava certidão passada pelo tabelião do público e notas Francisco Gomes Pinheiro, a pedido e despacho do Dr. Alexandre da Silva, vice —conservador da Universidade de Coimbra. O documento confirmava a existência de um assento lançado no dito Livro das Visitas, respeitante a um capítulo cujo teor se transcrevia de verbo ad verbum. Reportava-se a uma visita do Abade Geral beneditino, Doutor Frei Bento de Santo António, Lente de Prima da Universidade de Coimbra, sendo Dom Abade do dito colégio o Padre Mestre Doutor Frei José de S. Boaventura e Prior o Reverendo Padre Frei António de S. Miguel. O Abade Geral deixara registado um capítulo no qual se interditava aos monges qualquer trato relativo a tabaco, sob pena de excomunhão ipso facto incorrenda75. Desincentivar o consumo de tabaco por parte do clero poderia ter sido outro modo de tentar obviar os inconvenientes do pisar clandestino, mas os motivos alegados eram de cariz estritamente religioso. Conforme se vê, por 75

Para todo este passo vd. ANTT, JAT, Avisos, Mç. 56.

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exemplo, no teor de uma Visitaçam da parochial igreja de São Miguel da / Palmeira feita aos 4 de Outubro de / 1676: «Mando que nenhum Clerigo masque tabaco nem tome de / poo ou de fumo antes de dizer missa pera que não rezultem / as irreverencias que cada hora escandalizam contra a pureza / das seremonias que naquele soberano alto manda observar a Igreja»76. A existência de registos apostos nos livros de visitação conventuais e outros interditando o ímpeto tabaqueiro, embora recorrente, não significava que os mesmos fossem respeitados no interior dessas comunidades. Em 1700 o procurador da Fazenda, em consulta da JAT, referia que não havia convento nem canto nesta cidade e no reino em que, com toda a dissolução não se estivesse a vender tabaco, por metade, ou menos de metade, dos preços justos77. Em 1756 ainda eram enviadas cartas aos superiores das religiões sobre não terem sido suficientes os avisos de Sua Majestade e as ordens da corte de Roma (Santa Sé) feitas a prelados, no sentido de evitar o gravíssimo e continuo dano para o estanco real originado pelas sementeiras do tabaco em muitos conventos. Por esse motivo, entendia-se necessário proceder com maior severidade, pelo que, constando cometer-se em qualquer convento descaminho do tabaco, quer entre os religiosos, quer com outras pessoas, seriam os prelados locais e prelados maiores havidos por perturbadores do governo do Reino e, como tal, desnaturalizados do mesmo —à semelhança do que sucedera com o abade beneditino um século antes. Assim, para que não pudessem alegar ignorância, seriam obrigados a fazer ler nos capítulos gerais das congregações e sucessivamente o referido aviso78. 7.  Mobilidade Geográfica Com o correr do tempo, já nem a proximidade à Corte amedrontava os faltosos. Uma das visitações eclesiásticas, feitas no início do século xviii, ao mosteiro cisterciense de Odivelas, junto a Lisboa, revelava e proibia a venda de tabaco, também ele produzido nos jardins conventuais79. 76 Arquivo Paroquial de Leça da Palmeira, Transcrição do livro de visitações de S. Miguel de Leça da Palmeira, fl. 6 f. a 96 v (fl. 10), apud Silva, Lisbeth Marilin Santos da, As visitas pastorais na diocese do Porto: (1675-1800): os comportamentos desviantes censurados, Porto: [Edição do Autor], p. 157. http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/14676/2/tesemestvisitaspastoraisVOL1000075157.pdf (consultado em Junho 2013). 77 ANTT, JAT, Avisos, Mç. 57. 78 ANTT, JAT, Avisos, Mç. 57. 79 Figueiredo, António Cardoso Borges, Mosteiro de Odivelas - Casos de Reis e Memórias de Freiras, Lisboa, 1889, p. 48.

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Não será exagero afirmar que tal hábito desconhecia limites geográficos estando disseminado nos espaços das monarquias ibéricas, tanto metropolitanos como ultramarinos. Na povoação espanhola de Carmona, por exemplo, entre 1685-1795, cerca de 40% dos delitos cometidos pelo clero referiam-se a questões de tabaco, sendo que destes 34% eram reincidentes80. A resistência dos eclesiásticos em acatar as normativas em vigor chegou a desencadear tumultos e motins, em regiões mais apegadas à defesa do que entendiam ser as suas prerrogativas 81. Situação que levava os centros políticos a intervir com rigor. Em 19 de Maio de 1717, Filipe V, face às dificuldades e embaraços vividos em território valenciano, ordena às sua justiças que procedam contra os eclesiásticos, como se de seculares se tratassem, olhando mais ao teor dos crimes do que aos seus privilégios e isenções82. Uma carta do governador da Madeira João António de Sá Pereira, datada de 21 de Novembro de 1768, sobre o guardião Fr. António de S. Guilherme, apanhado a contrabandear tabaco,83 remete para o espaço insular uma das variadíssimas situações que as autoridades procuravam atalhar com rigor. Nos Açores o panorama não seria diferente. Em 1678, Luís Antunes Viana, contratador do estanco tabaco das Ilhas de S. Miguel e Santa Maria 80 Chacón, María Luisa Candau (2003), El mundo eclesiástico y la incidência el delito. Carmona, 1685-1795; separata do III Congresso de Historia de Carmona, Carmona en la Edad Moderna, Carmona, Universidad de Sevilla, pp. 487-500 (p. 495). 81 Franch Benavent, Ricardo, «Regalismo e inmunidad eclesiástica en la España del siglo xviii: la resistencia del clero valenciano a la imposición del estanco del tabaco», HISPANIA. Revista Española de Historia, 2007, vol. LXVII, núm. 225, enero-abril, pp. 295-316. 82 REAL ORDEN DEL SEÑOR DON FELIPE V de 19 de Mayo del año 1717, por la qual se manda a la Real Audiencia de la Ciudad de Valencia no firme contención en materias de fraudes de tabaco de los Eclesiásticos, y zele las operaciones del Vicario general del Arzobispado de la misma sobre lo referido ;y que en caso de contravención obre en ello conforme a derecho y dando las órdenes y providencias oportunas. «(…) somos informados de los fraudes que cometen los Eclesiásticos de esa Ciudad en la renta del tabaco en detrimento de nuestra Real Hacienda, no habiendo bastado para contenerlos las repetidas órdenes y providencias que están dadas sobre ello, ántes bien se experimentan contenciones y embarazos originados de lo mal fundados que dichos Eclesiásticos están en las prerogativas de su inmunidad, teniendo por lícito no solo usar de la libertad de comprar tabacos, sino es de defraudar esta renta, haciendo grangería como los Seculares mas relaxados. Y para evitar lo referido , visto por los del nuestro Consejo y con Nos consultado, entre otras cosas, se acordó dar esta nuestra carta, por la qual os mandamos, que luego que la recibáis no firméis contención en materias de esta calidad, y veléis y zeleis, y hagáis que se vele y zelen las operaciones del Vicario general de ese Arzobispado sobre lo referido: y en caso de contravención obrareis en ello conforme á derecho, á cuyo fin daréis las órdenes y providencias necesarias», Tratado de los derechos y regalías que corresponden al Real Patrimonio en el Reyno de Valencia: y de la jurisdiccion del Intendente como subrogado en lugar del antiguo Bayle General ... / por Don Vicente Branchat ...; [Tomo I], Valencia: en la Imprenta de Joseph y Tomas de Orga, 1784. 83 AHU, Madeira, nº. 190.

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fez petição dizendo que tendo sido nomeado governador das ditas ilhas José Pereira Sodré, deveria este ter ordem para, com a gente da guarnição, mandar dar busca em quaisquer casas ou conventos de que houvesse notícia de ali se semear ou fabricar tabaco. Isto porque —no seu dizer— o descaminho naquelas ilhas era usual e praticado por pessoas poderosas e eclesiásticos84. A Junta secundava a petição, reconhecendo que o conservador do tabaco que ali servia, por si só, pouco poderia fazer. Uma década volvida e era o bispo de Angra quem, em carta de 28 Junho 1689, dirigida a Luís Teixeira de Carvalho85 e por este remetida à Junta da Administração do Tabaco para ser vista em Mesa, dizia que recebera de Sua Majestade, em 23 de Março desse ano, uma missiva em que lhe ordenava que mandasse proceder contra os Padres Jacinto de Andrade e Albuquerque e Pedro de Teive, moradores na ilha de S. Miguel, por serem compreendidos no crime de venderem e semearem tabaco. O prelado informava que já mandara dar princípio à diligência e do que constasse faria aviso86. Em 1793, reinando D. Maria I, foi ordenada uma devassa a três Recolhimentos de Vila do Porto (Nossa Senhora da Conceição, Santo António e Santa Maria Madalena), nos Açores. O inquérito decorreu por mão do Juiz Conservador dos Tabacos e Saboarias da Ilha de Santa Maria, o qual admoestou as regentes dos três Recolhimentos, advertindo-as que cada uma vigiasse e coibisse tal prática, classificada como “pecaminosa”, sob pena de castigos severos87. 8.  Breve nota a concluir A vigilância sobre o descaminho, se bem que constante, era todavia insuficiente para deter os abusos, apesar das devassas serem recorrentes e as sanções pesadas. O prejuízo para aos interesses das Coroas seria notório, bem como o que estava em jogo. Um autor coevo observou argutamente que «(...) quanto mais rigorosas são estas penas, tanto maior prova são do muito a que subiu o contrato e do grande lucro que têm todos os príncipes»88.

ANTT, JAT, Consultas, mç. 1, doc. 88. Oficial maior da secretaria de estado. Foi secretário de estado para servir no impedimento do bispo Frei Manuel Pereira [1680-1686]. 86 ANTT, JAT, Avisos, Mç. 56. 87 «Ordem sobre o contrabando de Tabaco feito nos Recolhimentos», in Arquivo dos Açores, vol. XV, p. 197. 88 Antonil, André João (2007), Cultura e Opulencia do Brasil por suas Drogas e Minas, Introdução e notas de Silva. Andrée Mansuy Diniz, São Paulo: USP, p. 252. 84 85

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A desobediência dos religiosos, fosse qual fosse a congregação, atingia os diversos patamares hierárquicos, quer por intervenção nas ilegalidades cometidas, quer por omissão das mesmas. A resiliência, por parte das autoridades e dignidades episcopais, em fazer cumprir as condições vigentes nos contratos dos estanqueiros do tabaco, foi constante. Como observou um autor: «(…) los prelados podían aceptar el derecho de la Corona de (…) ordenarles castigar a un súbdito delincuente, pero con frecuencia objetaban la interferencia secular en su corrección del delincuente, en forma de inquisiciones sumarias acerca de su conducta (…). De manera similar, podrían estar dispuestos a ceder su autoridad a favor del rey pero no siempre aceptaban la supervisión de sus subordinados»89.

Esta realidade, que, no caso em apreço, respeitava às Índias de Castela, poderia ser transposta para o espaço ibérico, hispânico e português, sem que por isso perdesse o sentido. Em suma, as relações entre poderes eclesiásticos e seculares foram, pois, objecto de frequentes disputas, até pelo facto de existir uma vinculação de certos grupos a tribunais com competência para exercer poder jurisdicional sobre eles. Esse estatuto, com todas as suas implicações e derivações levava a que em, certas matérias, existisse uma duplicação de competências. Veja-se, a título de exemplo, um conflito suscitado em 1714 quando quatro eclesiásticos que tinham adquirido, a bordo de um navio inglês, 19 libras de tabaco o viram confiscado, por terem cometido delito de contrabando. No dia seguinte o tribunal eclesiástico reclamou a entrega do género confiscado, mas o administrador do estanco da cidade de Valencia, Felipe de Paz, opôs-se alegando que só o juiz conservador da renda do tabaco era competente para resolver as denúncias de contrabando. De imediato, o Vigário Geral do Arcebispado de Valencia fez despachar um monitório a Felipe de Paz ameaçando-o de pena de excomunhão, caso não procedesse no espaço de 24 horas à entrega, à jurisdição eclesiástica, do tabaco confiscado. O visado solicitou imediatamente o apoio da Chancelaria valenciana, a qual instou a Curia episcopal a que revogasse a decisão e se ativesse ao sistema previsto para resolver os conflitos de competências, isto no caso de considerar que a sua jurisdição havia sido prejudicada. Contudo, face a prerrogativas de lon89 Farriss, Nancy M., La Corona y el Clero en el México colonial. 1579-1821. La crisis del privilegio eclesiástico. México: Fondo de Cultura Económica, 1995, pp. 20/21 apud Marcelo da Rocha Wanderley, «Homens de Deus e carreira jurídica no império espanhol. Advogados eclesiásticos na nova Espanha (século xvii)», Revista Territórios e Fronteiras V.1 N.1 – Jan/Jun 2008, p. 219.

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ga data, o tribunal da Chancelaria de Valencia viria, a 30 de outubro de 1715, a emitir uma sentença favorável à jurisdição eclesiástica. Decisão que, obviamente, tornava mais vulnerável o princípio de soberania da própria monarquia e, por extensão, a competência daqueles que estavam encarregues de a fazer respeitar. Tanto mais que a autoridade eclesiástica fez questão de se afirmar vitoriosa perante a sociedade e os poderes seculares impondo a publicação das alegações jurídicas em seu favor, as quais saíram impressas e assinadas pelo Vigário Geral Jacinto Ortí, sob o pomposo título: Alegación jurídica por la jurisdicción eclesiástica del Arzobispado de Valencia. Justicia de la sentencia dada por el Real Canceller en 30 de octubre de 1715 en la causa de contención suscitada por la jurisdicción real y D. Felipe de Paz, administrador o estanquero del tabaco. Sobre el monitorio o exorto despachado por el ordinario eclesiástico de dicha ciudad a dicho D. Felipe. Y observancia de lo declarado en dicha sentencia en lo venidero90. Não admira, portanto, que os magistrados régios se sentissem afrontados e fortemente atraídos por uma delimitação do foro eclesiástico ordinário, que na prática os desautorizava com frequência, e incentivassem a Coroa a reduzir os efeitos da aplicação rigorosa do Direito Canónico, especialmente no quadro do foro, privilégios, isenções e imunidades. Por sua vez, o centro político português, disposto a não renunciar inteiramente ao seu mando, em face das amplas delegações de autoridade conferidas à Igreja, contrariou quanto pode, por intermédio da Junta do Tabaco, o esvaziamento da sua jurisdição e fez vincar as suas competências, por vezes com mão férrea. Anexo I Correspondência do rei D. Pedro II com o Arcebispo de Braga D. João de Sousa e deste com o Núncio Apostólico em Lisboa, relativa ao descaminho do tabaco por eclesiásticos (1697-1702) Mss 51-IX-29 (1702), fls. 210-215v: Carta de D. Pedro II para o Arcebispo de Braga, D. João de Sousa, mandando-o proceder contra os culpados dos descaminhos do tabaco, cons-

90 Franch Benavent, Ricardo, «Regalismo e inmunidad eclesiástica en la España del siglo xviii: la resistencia del clero valenciano a la imposición del estanco del tabaco», HISPANIA. Revista Española de Historia, 2007, vol. LXVII, núm. 225, enero-abril, pp. 295-316 (pp. 301/2).

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tantes na relação que o desembargador sindicante Francisco de Brito Homem lhe iria levar pessoalmente. Lisboa, 1697, Julho 8. Mss 51-IX-29 (1718), fls. 243-246v: Carta de D. Pedro II para o arcebispo de Braga, D. João de Sousa, mandando-o proceder contra as religiosas de Vila Real por terem tabaco plantado na cerca do seu convento, conforme dera conta o superintendente do tabaco da província de Trás-os-Montes, Gaspar Roiz de Carvalho. Lisboa, 1699, Setembro 11. Mss 51-IX-29 (1727), fls. 256-259v: Carta de D. Pedro II para o arcebispo de Braga, D. João de Sousa, mandando-o nomear um ministro para ir ao convento de Santa Ana de Viana com o superintendente do tabaco da província do Minho e o juiz de fora de Viana, para arrancar todo o tabaco que houver semeado no dito convento. Lisboa, 1700, Abril 21. Mss 51-IX-29 (1733), fls. 270-270v: Carta de D. Pedro II para o arcebispo de Braga, D. João de Sousa, mandando-o proceder severamente contra os eclesiásticos que desencaminhavam tabaco e dar seu poder aos ministros reais para os poderem prender. Lisboa, 1700, Outubro 11. Mss 51-IX-29 (1741), fls. 289-290v: Carta de D. Pedro II para o arcebispo de Braga, D. João de Sousa, recomendando-lhe cuidado e vigilância na causa do vigário Manuel Gomes, o qual se achava preso no Aljube de Coimbra por uma achada de tabaco. Lisboa, 1701, Junho 9. Mss 51-IX-29 (1744), fls. 292-297v: Carta de D. Pedro II para o arcebispo de Braga, D. João de Sousa, mandando-o castigar severamente Domingos Vaz Pereira, clérigo do hábito de S. Pedro, e Silvestre Ribeiro, abade de Lordelo, por terem sementeiras de tabaco em Lordelo. Lisboa, 1701, Setembro 20. Mss 51-IX-30 (356), fls. 160-160v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o Núncio Miguel Ângelo Conti, tocante à proibição que Sua Santidade pusera a todos os eclesiásticos sobre os descaminhos do tabaco, a qual mandara comunicar a todos os párocos para se cumprir. Braga, 1701 Outubro 17.

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Mss 51-IX-30 (365), fls. 163v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o Núncio Miguel Ângelo Conti, para se suspender o procedimento contra o prior do mosteiro de Refóios pelo descaminho de tabaco. Braga, 1701 Dezembro 22. Mss 51-IX-30 (612), fls. 264v-265: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o rei D. Pedro II sobre o tabaco que as freiras dos Mosteiros de Santa Ana, de Viana e de Santa Clara de Vila Real, semearam na cerca dos seus conventos. Braga, 1700 Maio 7. Mss 51-IX-30 (614), fls. 265-265v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o rei D. Pedro II sobre a causa do Padre Manuel Gomes, vigário de Melgueiros (?) denunciado pelo crime de descaminho de tabaco. Braga, 1700 Maio 7. Mss 51-IX-30 (619), fls. 267v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, a D. Pedro II sobre o procedimento contra o padre Domingos Vaz Pereira, clérigo do hábito de S. Pedro, e Silvestre Ribeiro, abade de Lordelo, por terem tabaco cultivado nas suas hortas. Braga, 1701, Novembro 3. Mss 51-IX-30 (621), fls. 269v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, a D. Pedro II sobre o procedimento contra o padre Domingos Vaz Pereira, clérigo do hábito de S. Pedro, e Silvestre Ribeiro, abade de Lordelo, por terem tabaco cultivado nas suas hortas. Braga, 1702, Janeiro 19. Mss 51-IX-30 (622), fls. 269/270v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, a D. Pedro II sobre o procedimento contra o padre Domingos Vaz Pereira, clérigo do hábito de S. Pedro, e Silvestre Ribeiro, abade de Lordelo, por terem tabaco cultivado nas suas hortas. Braga, 1702, Janeiro 26. Fonte: Bibiloteca da Ajuda (BA).

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Anexo II Correspondência de D. João de Sousa, Arcebispo de Braga, para autoridades seculares e religiosas sobre descaminho do tabaco (1699-1701) Mss 51-IX-39, fl. 150: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para a abadessa do mosteiro de Santa Clara de Vila Real, D. Brites Pimentel, com ordem para acabar com a cultura de tabaco na cerca do mosteiro, por ser contra o serviço de Deus e d’El-Rei, de que se queixara o superintendente dos tabacos da província de Trás-os-Montes, Dr. Gaspar Roiz de Carvalho, cuja carta ia junta e era para ver e devolver. Braga, 1699 Agosto 4. Mss 51-IX-39, fl. 150v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o superintendente dos tabacos da província de Trás-os-Montes, Dr. Gaspar Roiz de Carvalho, sobre ter proibido às religiosas do mosteiro de Santa Clara de Vila Real que cultivassem tabaco. Braga, 1699 Agosto 4. Mss 51-IX-39, fl. 151/51v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para a abadessa do mosteiro de Santa Clara de Vila Real, D. Brites Pimentel, na qual, entre outras coisas, louva a prontidão com que executara a ordem tocante à erva-santa ou tabaco. Braga, 1699 Agosto 12. Mss 51-IX-40, fl. 20: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o superintendente dos tabacos da província de Trás-os-Montes, Dr. Gaspar Roiz de Carvalho, sobre o tabaco que havia plantado na cerca do mosteiro de Santa Clara de Vila Real ter sido arrancado em tempo da abadessa D. Brites Pimentel e não haver notícia de ter sido voltado a plantar. Braga, 1700 Março 30. Mss 51-IX-40, fl. 25v/26: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para a abadessa do mosteiro de Santa Ana de Viana, Faustina de S. José, com ordem para o Vigário-geral entrar na clausura com dois notários e fazer arrancar o tabaco plantado na cerca do dito mosteiro a fim de obedecer às ordens do rei D. Pedro II e evitar os descaminhos da sua fazenda. Braga, 1700 Maio 5.

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Mss 51-IX-40, fl. 26: Decreto para o Vigário-geral entrar na clausura do Mosteiro de Santa Ana de Viana com dois notários e fazer arrancar todo o tabaco plantado na cerca do dito mosteiro. Braga, 1700 Maio 5. Mss 51-IX-40, fl. 26: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para a abadessa do mosteiro de Santa Ana de Viana, Faustina de S. José, com a esmola de 100 mil réis para a obra do refeitório, para compensar a perda que tivera ao arrancar o tabaco plantado na cerca do dito mosteiro. Braga, 1700 Maio 7. Mss 51-IX-40, fl. 73v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o Dr. Feliciano da Silva Peres, sindicante do tabaco, remetendo-lhe cópia da carta que escrevera ao prior do mosteiro do Carmo de Viana, FR. Manuel de Jesus Maria, sobre o padre Manuel Bezerra que se refugiara naquela clausura, aconselhando-o a dar conta do caso a El-Rei D. Pedro II. Braga, 1701 Fevereiro 28. Mss 51-IX-40, fl. 73v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o prior do mosteiro do Carmo de Viana, Fr. Manuel de Jesus Maria, sobre o padre Manuel Bezerra que o Dr. Feliciano da Silva Peres, sindicante do tabaco, tentara prender, conforme as queixas d’ El-Rei D. Pedro II, e com licença dele arcebispo, por o dito clérigo ser digno de grandes castigos pelos crimes que tem cometido e não lhe valer a imunidade. Braga, 1701 Fevereiro 28. Mss 51-IX-40, fl. 104: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o superintendente dos tabacos da província de Trás-os-Montes, Dr. Sebastião Pacheco Varela da Cunha, sobre as religiosas do mosteiro de Santa Clara de Vila Real terem algum tabaco plantado na sua cerca, apesar da proibição, pelo que as mandara advertir para não irem contra a proibição que lhes fez de cultivarem e venderem tabaco, sob pena de recorrer a outros remédios. Vilaça, 1701 Setembro 8. Fonte: Bibiloteca da Ajuda (BA)

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Anexo III Correspondência de D. João de Sousa, Arcebispo de Braga, para autoridades seculares e religiosas sobre descaminho do tabaco (1701-170) Mss 51-IX-40, fl. 104: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para a abadessa do mosteiro de Santa Clara de Vila Real, D. Luísa dos Reis, remetendo-lhe uma carta do superintendente dos tabacos da província de Trás-os-Montes, Dr. Sebastião Pacheco Varela da Cunha, para informar sobre o particular que contém. Vilaça, 1701 Setembro 8. Mss 51-IX-40, fl. 108v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o superintendente dos tabacos da província de Trás-os-Montes, Dr. Sebastião Pacheco Varela da Cunha, remetendo-lhe aberta a carta para o vigário da comarca de Vila Real, António da Costa, para a ler, fechar e lha remeter e conferir com ele o assunto. Braga, 1701 Outubro 5. Mss 51-IX-40, fl. 108v/09: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o vigário da comarca de Vila Real, António da Costa, remetendo-lhe para ver e devolver uma carta do rei D. Pedro II, e encarregando-o de, pelos seus oficiais, mandar dar busca na vila de Lordelo às hortas do abade da mesma Silvestre Ribeiro, e do padre Domingos Vaz Pereira, arrancar o tabaco que achar cultivado e trazê-los presos para o aljube de Coimbra. Remetia-lhe ainda uma carta para entregar à abadessa do mosteiro de Santa Clara daquela vila, D. Luísa dos Reis, em que lhe reprovava a cultura do tabaco e sua venda, conforme ordem de S.S que proibia com graves penas, a todos os religiosos, religiosas e eclesiásticos a venda daquele género. Braga, 1701 Outubro 5. Mss 51-IX-40, fl. 109: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para a abadessa do mosteiro de Santa Clara de Vila Real, D. Luísa dos Reis, sobre se absterem da cultura do tabaco, prejudicial à Fazenda Real e proibida por Sua Santidade. Braga, 1701 Outubro 5. Mss 51-IX-40, fl. 109: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para os 4 vigários das comarcas e, especificamente para o de Valença, com uma ordem tocante à proibição dos descaminhos do tabaco para ser comunicada aos mosteiros e paróquias. Braga, 1701 Outubro 20.

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Mss 51-IX-40, fl. 120v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o vigário da comarca de Vila Real, António da Costa, mandando libertar o abade de Lordelo Silvestre Ribeiro, que fora metido no Aljube pela culpa do descaminho do tabaco e proceder à prisão do padre Domingos Vaz Pereira «visto não usar de tão bom arbítrio como o dito sujeito». Braga, 1701 Dezembro 18. Mss 51-IX-40, fl. 120v/121: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para o Padre Confessor Sebastião de Magalhães sobre a consulta que se fizera no Desembargo do Paço tocante a José Vaz Freire e remetendo uma carta do vigário da comarca de Vila Real, António da Costa, sobre o procedimento contra o abade de Lordelo Silvestre Ribeiro e o padre Domingos Vaz Pereira por causa do descaminho dos tabacos. Braga, 1701 Dezembro 22. Mss 51-IX-40, fl. 1348v: Carta do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, para Pedro Pedrossem remetendo-lhe cópia das ordens que mandara passar para se proceder contra os eclesiásticos culpados no descaminho do tabaco. Braga, 1702 Fevereiro 16. Fonte: Bibiloteca da Ajuda (BA)

Anexo IV Penas dos transgressores das leis do tabaco «Penas dos transgressores das leis do tabaco são as seguintes. — Quem o lavra nestes Reinos, sendo Nobre paga 500. cruzados, e sendo mecânico 100.: a terça parte para o denunciador, e as duas para a Fazenda Real. A. 10. Maio 1649. Toda a pessoa, que o semear, pisar, ou obrar, ou mandar fazer qualquer dessas cousas, incorre em 100$ reis pela primeira vez, e duzentos pela segunda: perde o tabaco, ou a sua estimação, se já lhe não for achado. Igual pena tem o morador da casa, cm que com seu consentimento , ou noticia se pisa tabaco, ou esconde sendo de contrabando, e as pessoas, que o conduzem, almocreves, e barqueiros, que o levão sem despacho do Contrato. «Além das penas sobreditas incorre na de açoutes, e degredo cinco annos para Galés todo o trabalhador, que o cultiva, pisa, conduz, e a pessoa, que

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o mandar fazer isso; e, cabendo nella degredo, vai por cinco annos para o Brazil; e sendo de maior qualidade, dá-se conta. A. 28. Fevereiro 1668. Por L[ei]. 5. Dezembro 1674. se ordenou, que o homem fidalgo, que mandar pisar, ou consentir, que em sua casa se pise tabaco, o perderá, e os instrumentos da manufactura, e pagará dous mil cruzados, e irá degradado dous annos para uma praça do Algarve: e os não fidalgos , e que devem gozar do privilegio de Nobres, a mesma pena do perdimento do tabaco, e a pecuniária de mil cruzados, e dous annos de degredo para Mazagão. — E os peães açoutes, e cinco annos para galés. E todas estas penas são pela primeira vez, em dobro pela segunda, e em tresdobro pela terceira. — E os que o semeão, ou mandão semear, perdem as terras para o Fisco, além das mais penas, sendo seculares. — E sendo morgado, ou prazo , ou por qualquer outra razão incapazes de se incorporarem no Fisco, perdem o seu valor. Por L[ei]. 23. Junho 1676. confirmarão-se estas penas contra todos os que fabricarem, ou por qualquer modo obrarem tabaco; contra os sócios , e os que derem ajuda , ou favor , assim no acto de o pisar, como de o levar, semear, pisar, mandar pisar, vender, ou comprar fora dos lugares destinados: e accrescentarão-se as penas deste modo. — Os Fidalgos além das referidas perdem a casa , ou quinta, em que fabricarem , ou mandarem fabricar o tabaco, ou consentirem se fabrique. Sendo de aluguer , o valor, e serão degradados três annos para Mazagão. — Os que tem o foro, e privilegio de Nobres 600$ reis, e cinco annos de degredo para o Brazil. — Os peães [sic] as mesmas penas, e 100$ reis. — Ninguém pôde trazer tabaco em pò para o Reino, com pena de o perder, e aquillo, em que o trouxer além das mais penas». Fonte: Repertorio geral, ou, Indice alphabetico das leis extravagantes do reino de Portugal, por Manuel Fernandes Thomaz, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1819, pp. 151/152.

Anexo V Das penas dos que levam tabaco não despachado nas alfândegas, e das indústrias de que se usa para se levar de contrabando. QUALQUER DESCAMINHO DO TABACO, por qualquer destas partes do Brasil, fora do registro e guias, debaixo do que tudo vai despachado, tem por pena a perda do tabaco e da embarcação em que se achar e mais cinco

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POLÍTICA Y HACIENDA DEL TABACO EN LOS IMPERIOS IBÉRICOS

anos de degredo para Angola ao autor desta culpa. Porém, muito maiores são as penas que têm os transgressores do bando em Portugal. E em outros reinos são tantas e tão graves que a cada passo são causa da ruína de muitas famílias. E, quanto mais rigorosas são estas penas, tanto maior prova são do muito a que subiu o contrato e do grande lucro que têm dele todos os príncipes. Mas, ainda maior prova do grande valor e lucro que dá o tabaco, é o perderem muitos, por ambição, o temor destas penas, arriscando-se a elas com desprezo do perigo de se verem compreendidos nas mesmas misérias a que outros se reduziram por serem tão confiados. E, para isso, parece que não há indústria de que se não use para embarcar e tirar das embarcações às escondidas, à vista dos mesmos ministros que como Argos de cem olhos vigiam quando não são juntamente Briaréus de cem mãos para receber e mais mudos que os peixes para calar. Para apontar algumas destas indústrias, direi, por relação dos casos em que se apanharam não poucos, que uns mandaram o tabaco dentro das peças da artilharia, outros dentro das caixas e fechos do açúcar, outros arremedando as caras também de açúcar, muito bem encouradas. Serviram-se outros dos barris de farinha da terra, dos de breu e dos de melado, cobrindo com a superfície mentirosa o que ia dentro em folhas-de-flandres. Outros valeram-se das caixas de roupas, fabricadas a dous sobrados, para dar lugar a esconderijos, de frasqueiras que estão à vista, pondo entre os frascos de vinho outros também, de tabaco. Quanto foi e vai cada ano nas obras mortas e forros das câmeras e das varandas das naus? Quanto nas curvas que para isso nas partes mais escuras se forram? E não faltou quem lhe desse lugar até dentro de umas imagens ocas de santos, assim como uns carpinteiros de navios o esconderam em paus ocos, misturados entre os outros de que costumam valer-se. Deixo o que entra e sai em algibeiras grandes de couro dos que vão e vêm das naus para os portos, com repetidas idas e voltas, debaixo de lobas e túnicas, e o que se arrasta debaixo dos batéis e das pipas da aguada pelas ondas do mar. Nunca acabaríamos, se quiséssemos relatar as invenções que sugeriu a cautela ambiciosa, porém sempre arriscada e muitas vezes descoberta, com sucesso infeliz. O que claramente prova a estimação, o apetite e a esperança do lucro, que ainda entre riscos acompanha ao tabaco. Fonte: André João Antonil, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Introdução e notas de Andrée Mansuy Diniz Silva. São Paulo: USP,2007, «LIVRO II: Cultura e Opulência do Brasil na lavra do tabaco, CAPÍTULO XII: Das penas dos que levam tabaco não despachado nas alfândegas, e das indústrias de que se usa para se levar de contrabando»; vd. Anexo V do presente trabalho.

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J. FIGUEIROA-REGO

«A GRANDE DEVASSIDÃO QUE HÁ NOS CONVENTOS...

Anexo VI Regimento da Junta da Administração do Tabaco «E porque pode Succeder, que fem embargo dé todas eftas prevençoens, & diligencias, Se deScaminhe algum tabaco, & ò tirem para terra, eScondendo-o em caSas de EcclesiaSTicos, Conventos, & outras partes, o dito MeStre de Campo mandará [sem dilação dar buSca nos ditos ConventoS, caSas , & mais partés onde houver noticia, ou SuSpeita que ha tabaco; o que fará todas as vezes que tiver a dita SuSpeitâ, ou noticia & todo o que for achado, Se tomará por perdido, & procederá a prizao contra os culpados Seculares & da culpa que reSultar aos Ecclcfiasticos, me dará conta, para a mandar remeter a Seus Juizes competentes». «Que poSsáõ entrar em Conventos de Frades, & dar buscas nelles, Sendo-lhes necessario para o que mandarey eScrever aos Prelados, lhes naó impidaõ as dilígenGias, nem difíicultem as entradas, conStando aos Ministros, que nelles Se achaõ alguns deScaminhos. Treslado da Ley promulgada em cinco de Dezembro de mil SeiScentos &fetenta & quatro accreScentada pela Ley de vinte & seis de Mayo de Seiscentos & Noventa & Seis. Poderá a Junta,& o ConServador ConStando-lhe que Se faz tabaco, ou recolhe em caSa de qualquer pessoa EccleSiastica, ou Convento, mandar logo darlhe buSca, Sc tudo o que achar, assim tabaco, como fabrica dos pizoens, se Sequcstrará, & tomará por perdido & a Junta mo fará a Saber, para eu tomar a reSoluçaõ que for fervido & parecer mais conveniente. & para que venha a noticia de todos, & Senaõ possa allegar ignorância, mando ao meu Chanceller mor, a faça publicar na Chancellaria, & inviar a copia della , Sob meu Sello , & Seu Sinal, às Comarcas do Reyno aos Julgadores dellas, para aSsím se guardar, & executar o que por ella tenho reSoluto, & se regístará nos livros do DeSembargo do Paço, & CaSa da Supplicação,&: Relação do Porto, onde semelhantes Leys se costumão rcgistar. Manoel da Sylva Collaço a fez em Lisboa a cinco de Dezembro de seiScentos setenta & quatro. Fonte: Regimento da Junta da Administração do Tabaco, Lisboa Occidental, na Officina de Domingos Gonçalves, 1761 (FORMA QVE SE HA DE OBSERVAR, IV, XVIII), fls. 37, 51, 76.

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