A grande expansão geografica dos Tapajós

July 21, 2017 | Autor: Márcio Amaral | Categoria: Arqueología
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A GRANDE EXPANSÃO GEOGRÁFICA DOS TAPAJÓ

Denise Pahl Schaan Anderson Márcio Amaral Lima

Introdução Os tapajó, grupo indígena que vivia na foz do rio homônimo no século XVI, tem sido estudado por arqueólogos e outros cientistas desde o final do século XIX, mas ainda são muitas as perguntas em aberto sobre seu modo de vida, demografia, organização social e a extensão de sua ocupação no baixo Amazonas. Desde 2006 temos nos dedicado a estudar os vestígios dos tapajó, que aparecem na forma de grandes sítios arqueológicos de terra preta, contendo a típica cerâmica tapajônica, que na década de 1970 foi denominada de fase Santarém da Tradição Inciso Ponteada , um estilo cerâmico supostamente com origem na bacia do rio Orinoco, na Venezuela , e que é encontrado na região do baixo Amazonas banhada pelos rios Nhamundá, Trombetas e Tapajós. Nesse capítulo resumimos os resultados obtidos com nossas pesquisas nos municípios de Santarém e Belterra, apresentando algumas hipóteses sobre a rápida expansão geográfica dos tapajó às vésperas da conquista da Amazônia pelos europeus.

As Fontes Históricas A potencialidade arqueológica da região abrangida pelo município de Santarém é conhecida da comunidade científica desde o século XIX, quando se intensificou o povoamento da cidade e os achados fortuitos de material arqueológico. A cidade de Santarém assenta-se sobre um sítio arqueológico que era habitado, até o século XVII, por grupos indígenas conhecido como “tapajó”, que deram o nome ao rio que banha a cidade. O primeiro europeu a ter com os tapajós parece ter sido o capitão Pedro Teixeira, que visitou a região em 1626. Mais tarde, em 1639, regressando de viagem a Quito, Pedro Teixeira novamente adentra o rio Tapajós, descrevendo os índios como guerreiros e ressaltando a quantidade de provisões: carnes do mato, aves, peixes, frutas e farinhas .

Pela descrição que faz Berredo, os índios que visitou estariam aldeados em Alter do Chão; a partir dessa primeira visita, os portugueses passaram a realizar um contato mais freqüente com os indígenas . Como parte da estratégia lusa de dominar os índios através da evangelização, em 1661 chega à aldeia dos tapajós o padre João Felipe Bettendorf, por ordem do Padre Antônio Vieira, com a missão de fundar na foz do rio uma vila e um colégio da Companhia de Jesus, para propagar a fé cristã. A Companhia de Jesus estabelece-se, então, na região, a partir de 1668, construindo diversas missões . A presença militar na região toma corpo somente no final do século XVII. Em 1694 o governo imperial ordena a construção de fortificações em vários locais do baixo Amazonas, visando estabelecer pontos de defesa contra o avanço francês que se expandia a partir de Caiena . Uma dessas fortalezas foi construída na boca do rio, junto à aldeia dos tapajós, por Manoel da Motta às suas próprias custas, tendo recebido em troca o posto de governador por parte do rei. Segundo Mello Moraes, no início do século XVIII ainda havia índios aldeados pela companhia de Jesus em diversas localidades ao longo do rio Tapajós. Na localidade que é hoje Alter do Chão localizavase a aldeia de Borari, composta de índios que se deslocaram da aldeia tapajós para lá em 1738, pois a aldeia estava muito grande e não havia terra suficiente para o cultivo. A aldeia Cumaru, ou Arapiuns, localizava-se em Vila-Franca; a 8 léguas acima localizava-se a aldeia dos Tupinambaranas (Aldeia de Santo Ignácio, Boim), fundada em 1737, com índios vindos do Amazonas . Em 1743 a região é visitada pelo cientista francês La Condamine, que desceu o rio Amazonas a partir do Peru, e estava interessado em conferir de perto as histórias que ouvira rio acima sobre as “amazonas”, as famosas mulheres sem marido, e sobre as misteriosas “pedras verdes” que, diziam, encontravam-se entre os índios tapajós . Tais pedras, adornos feitos de rochas esverdeadas variantes da jadeíta, teriam poder de cura, especialmente contra doenças como cólica nefrítica e epilepsia. Segundo o viajante, os índios davam grande importância a tais pedras e não queriam delas se desfazer, apesar de muitas já terem sido enviadas à Europa (op.cit.: 98). Em 1754 cria-se oficialmente a vila de Santarém, que, no entanto, se tornará cidade somente em 1848. Em 1773, os mundurucus, que vinham avançando em direção ao rio Tapajós partindo da margem direita do rio Madeira, atacam a vila de maneira

violenta, e a partir daí passam a estabelecer suas aldeias na região . Esse deve ter sido o golpe final nos tapajós, pois no começo do século XIX, os índios que moravam em Santarém (também chamada Tapajós na língua geral), eram descendentes de vários grupos distintos, e não guardavam nenhuma recordação dos habitantes que habitavam a região na época da conquista . Da viagem feita por Wallace e Bates em 1848, tem-se a informação de que os índios mundurucus, que viviam então às margens do rio Tapajós eram responsáveis por muitos dos produtos ali vendidos . Em 1868, a cidade de Santarém já tinha 20 anos de existência, e contava com 1.761 habitantes, sendo, destes, 422 escravos . A cidade tinha ainda um importante papel como entreposto comercial, para onde escoavam produtos produzidos por índios, escravos e fazendeiros não muito longe dali. No lago grande, entre o igarapé Itacumini e a enseada do Jacaré havia um pesqueiro real, (Levantamentos de sítios nesta área do Lago Grande de Vila Franca, no inicio de 2011, localizou o sitio Pesqueira com grande area de terra preta e cerâmica em superfície de estilo incisa e ponteada) que produzia peixe salgado que era vendido em Belém (op.cit.). A maior presença indígena então ficava por conta dos mundurucus. Nenhum dos relatos históricos acima citados faz referência a sítios arqueológicos na região, ou à cerâmica produzida pelos tapajós, e as únicas referências a sítios arqueológicos dizem respeito às pinturas e gravuras rupestres na região de Monte Alegre, visitada por Bates e Wallace em 1848. A ocupação indígena antiga na cidade de Santarém, de fato, passou a chamar a atenção dos estudiosos algumas décadas mais tarde, quando as construções aumentaram em número e os vestígios arqueológicos passaram a ser encontrados em maior quantidade.

As Primeiras Pesquisas Arqueológicas na Região A região de Santarém foi visitada várias vezes, entre 1922 a 1926, por Curt Nimuendajú, indigenista associado ao Museu Goeldi e ao Museu de Gotemburgo, na Suécia. Preocupado em mapear as culturas pré-colombianas e coletar artefatos arqueológicos e etnográficos para museus europeus, nas cartas que escreve para Carlos Estevão de Oliveira percebe-se seu enorme interesse pelas “pedras verdes”, conferindo todas as informações que obtinha sobre sua ocorrência. Em 1923 vai a Vila Franca atrás de uma dessas informações, mas não consegue encontrar nenhum

muiraquitã. Em 1924 encontra uma dessas pedras em Oriximiná e no mesmo ano adquire ídolos de pedra verde em Óbidos. Nimuendajú observou que a cidade de Santarém estava construída sobre depósitos arqueológicos, ao identificar terra preta contendo fragmentos de cerâmica, propondo que ali na cidade se encontraria o ponto principal de difusão da cultura tapajó . Identificou 65 sítios arqueológicos na região abrangida por Santarém, Vila Franca, Alter do Chão, rio Curuá-Una e a margem direita do rio Amazonas . Através de dados arqueológicos, etnohistóricos e etnográficos, Nimuendajú compôs um mapa de distribuição dos grupos indígenas brasileiros, que foi publicado pelo IBGE em 1987. O mapa mostra a área de localização dos tapajós no século XVII, e a área de ocupação mundurucu no século XIX (1864), próximo à foz do rio Cupari, que deságua na margem direita do rio Tapajós. Percebe-se pelo mapa que os tupinambarana vinham se deslocando da margem direita do rio Madeira até o rio Tapajós, onde são identificados em 1762. No mesmo mapa, os Kayapó aparecem ocupando o interflúvio a partir do alto curso dos rios Cupari e Curuá Una .

Estudos de Coleções Dado o alto custo de pesquisas arqueológicas de campo, é comum que sociedades antigas sejam estudadas a partir de seus vestígios materiais já coletados e guardados em museus. Destes vestígios, o que mais tem sido usado para estudos estilísticos e tecnológicos é a cerâmica. Foram realizados diversos estudos com material cerâmico proveniente da região de Santarém, como veremos a seguir. Helen Palmatary realizou estudos com coleções tapajônicas de museus americanos e europeus, trabalho este publicado em 1939, e depois, vindo ao Brasil, expandiu seu trabalho para incluir as coleções brasileiras, publicando novo estudo em 1960 . Seu trabalho foi criticado pelos critérios pouco operacionais utilizados na classificação das peças , e por sua abordagem, considerada às vezes, excessivamente difusionista . No entanto, os livros reúnem belíssimas peças de cerâmica que inspiraram muitas pesquisas posteriores e servem como guia para achados de objetos nos sítios arqueológicos, dada a grande padronização dessa indústria cerâmica. Contrastando com visões ingênuas e perspectivas difusionistas da maioria dos estudos de coleções realizados na primeira metade do século XX com material amazônico, os

estudos de Frederico Barata realizados na metade do século passado destacam-se por sua maturidade teórica, por sua abordagem cuidadosa de detalhes estilísticos e por sua perspicácia no exame de hipóteses explicativas, o que lhe confere uma atualidade sem paralelo. Frederico Barata analisou sua própria coleção, classificando as vasilhas decoradas por semelhança estilística - como os vasos de gargalo e os vasos de cariátides -, propondo denominações que foram adotadas pelos pesquisadores que o sucederam. Além disso, identifica como recorrentes e importantes as estatuetas, os apitos, os cachimbos e as rodelas de fuso. Propôs ainda entender as incisões como veículos para ideias tão concretas quanto as representações mais realísticas de animais, encontradas tão profusamente na cerâmica. Assim identificou a representação de cobras e outros animais. Barata percebeu que os cachimbos de cerâmica encontrados, com decorações foliáceas e com feições humanas, de inspiração nitidamente européia, diferiam do estilo indígena encontrado nos vasos de cariátides e de gargalo, assim como em outros tantos objetos, assegurando que foram produzidos durante a época colonial pelos índios aldeados nas missões . O estudioso escreveu diversos trabalhos não somente sobre a cerâmica, mas também sobre os muiraquitãs, as lendárias pedras verdes dos tapajós. Guapindaia, estudando posteriormente a coleção de Frederico Barata, proveniente do bairro Aldeia, em Santarém, afirma ter encontrado, “além da cerâmica considerada tipicamente Tapajó, outros tipos (...). O primeiro trata-se de cerâmica não decorada; o segundo é uma cerâmica decorada com marcas de esteiras; o terceiro é caracterizado por uma cerâmica com decoração incisa geométrica, porém diferente das incisões características da cerâmica Tapajó, e o último a cerâmica tipicamente Konduri” . Outra arqueóloga que se dedicou ao estudo de uma coleção arqueológica foi Denise Gomes, que em seu trabalho discute as diversas teorias sobre complexidade social na Amazônia e contextualiza sua pesquisa no âmbito das descobertas arqueológicas mais recentes para a área . Seu catálogo da coleção do MAE-USP teve o mérito de divulgar essa coleção ainda pouco conhecida. Posteriormente dedicou-se a relacionar as representações zoomorfas ao “perspectivismo ameríndio” de Viveiros de Castro, propondo uma estética ameríndia que representaria uma cosmologia comum .

Nenhum dos estudos já citados, entretanto, realizou uma verdadeira análise iconográfica dos objetos santarenos como Regina McDonald , que associa as representações na cerâmica a um mito warao (grupo Caribe), abrindo a possibilidade de indicar que os tapajó seriam Caribes.

Investigações Arqueológicas entre 1971 e 2006 O período de investigações arqueológicas que vamos explorar aqui rapidamente inicia com o levantamento feito pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica – PRONAPABA a partir de 1971 e termina com investigações pontuais por solicitação do IPHAN, e inclui os importantes estudos de Anna Roosevelt, cuja passagem pelo baixo Amazonas revolucionou a arqueologia Amazônica em vários sentidos. O levantamento do PRONAPABA foi coordenado por Ulpiano Bezerra de Menezes, centrando-se nos municípios de Santarém e Prainha, localizando 25 sítios arqueológicos . Assim como aqueles identificados por Nimuendajú, esses sítios localizam-se em área de limite entre várzea e terra firme, próximos a lagoas e parecem ter sido contemporâneos, havendo estradas que os ligavam . Em 1973, o geógrafo Nigel Smith identificou um sítio de terra preta com cerca de 2 hectares na rodovia Cuiabá-Santarém, na intersecção com o igarapé Moju, a cerca de 125km ao sul de Santarém . Em 1987 Anna Roosevelt realiza levantamento arqueológico na área do porto de Santarém, delimitando uma área onde encontrou vestígios arqueológicos e terra preta arqueológica. Além disso, pesquisa o sítio da Taperinha, o sambaqui fluvial que havia sido estudado também por Hartt no final do século XIX. O trabalho realizado no sítio Taperinha ficou famoso por ter possibilitado a descoberta da cerâmica mais antiga das Américas, com idade entre 7 e 8 mil anos . Na Taperinha Roosevelt encontrou evidência de ocupação por populações que viviam da coleta de recursos aquáticos e que depois foram substituídas por populações horticultores, mostrando continuidade de ocupação até o século X. Em 1991, Roosevelt pesquisa em Monte Alegre, estabelecendo a contemporaneidade entre a ocupação amazônica e o paleoíndio americano .

Em 1999, a 2ª superintendência regional do Iphan em Belém recebe denúncias de que havia sido encontrado material arqueológico no porto de Santarém devido às obras de modernização, solicitando ao Museu Goeldi que envie um arqueólogo ao local para averiguar a situação. Vera Guapindaia prospecta então áreas não contempladas pelo levantamento de

Roosevelt, concluindo, em

seu relatório:

“Levantamento

Arqueológico no Porto de Santarém”, que parte do sítio delimitado anteriormente por Roosevelt estava sendo arrendado pela Companhia das Docas do Pará para a Cargill, recomendando

a

realização

de salvamento

arqueológico

(Proc. Iphan nº

1492.000150/2000-08), que não ocorre imediatamente. Em 2000, Anna Roosevelt encaminha ao Iphan pedido de autorização para dar sequencia a seu projeto Baixo Amazonas investigando o sítio Porto. Roosevelt e Márcio Amaral verificam que o sítio vem sendo destruído pelas atividades portuárias, sendo usado como depósito de lixo industrial e suas áreas ociosas ocupadas por campos de futebol e pátio de treinamento de uma autoescola, fazendo várias denúncias ao IPHAN a partir de 2002. Nessa época Denise Gomes começa seus estudos na comunidade Parauá, localizada a cerca de 120km ao sul de Santarém, à margem esquerda do rio Tapajós, com o objetivo de verificar a extensão da ocupação relacionada à sociedade dos tapajó e melhor entender como áreas periféricas se relacionavam àquela sociedade . De maneira contrária às suas expectativas, Gomes identificou, nos nove dos 10 sítios pesquisados em uma área de 40km², cerâmica associada com a Tradição Borda Incisa (definida por Meggers e Evans 1961), tendo os mesmos sítios sido datados entre 3.800 e 1.000 anos AP, representando ocupações horticultoras que estendem-se até o início da ocupação Santarém e com ela convivem por curto período de tempo . Posteriormente, Gomes investiga áreas no centro urbano de Santarém, a pedido do IPHAN, tendo em vista as várias denúncias de irregularidades vindas de Santarém. Com o apoio do IPHAN ela registra 58 locais com vestígios arqueológicos no contexto urbano (em terrenos vazios e quintais de casas), delimitando e chamando essa área de sítio Aldeia, que se estende por uma faixa de 1,7km por 0,4km de largura paralela ao rio Tapajós, sobrepondo-se aos bairros Aldeia e Centro. Em 2006, ano em que iniciamos nossas pesquisas na região, os estudos eram pontuais e o único levantamento regional tinha sido aquele empreendido por Nimuendajú. Apesar do grande potencial arqueológico da área, poucos dados arqueológicos podiam

ser usados para inferir sobre a ocupação humana daquela parte do baixo Amazonas, e as tentativas de síntese se apoiavam nos relatos etnohistóricos e no estudo da cerâmica .

Nossas Pesquisas a partir de 2006 Em 2006 realizamos um levantamento do potencial arqueológico ao longo da BR-163 entre Santarém e Rurópolis (217 km de extensão), elaborando um diagnóstico arqueológico a pedido do Centran-IME (Centro de Excelência em Engenharia de Transportes-Instituto Militar de Engenharia). Constatou-se a existência de 16 sítios arqueológicos e cinco ocorrências isoladas de cerâmica arqueológica. Quase todos os sítios arqueológicos identificados na área de planalto, a curtas distâncias da BR-163 estavam parcialmente destruídos por atividades antrópicas e quase todos eles possuem cerâmica que os filiam à fase Santarém da Tradição Inciso-Ponteada. Apesar do levantamento realizado por Curt Nimuendajú, nos anos de 1920, que identificou diversos sítios de terra preta afastados da cidade de Santarém, os pesquisadores tendem a considerar que essa cultura se limita à cidade de Santarém e suas imediações. Entretanto, a pesquisa mostrou que se estende até cerca do km 72, por uma faixa que vai do lado esquerdo da rodovia até a margem do rio. A esse estudo seguiram-se outros, como uma coleta de superfície realizada em uma área de plantio, na localidade de Tabocal (Sítio da Zinha, km 23 da BR-163), município de Santarém, por solicitação do IPHAN. Trata-se de uma área de terra preta arqueológica (TPA) de cerca de 2 hectares e meio, onde coletamos abundantes fragmentos de cerâmica tapajônica e objetos líticos, como uma rodela de fuso feita de uma rocha vermelha, com incisões muito finas e bem executadas.

Cerâmica coletada no Sítio da Zinha

Em setembro de 2008, realizamos uma vistoria solicitada pelo DNIT e IPHAN na BR-163 onde as obra de asfaltamento, a cargo do 8º. BEC, estavam acontecendo sem que se cumprisse a Portaria 230/2002 do IPHAN, que prevê a necessidade de estudos arqueológicos prévios à instalação de empreendimentos desse tipo. Durante a rápida vistoria realizada (Schaan, 2008), constatou-se a destruição parcial dos sítios arqueológicos Moju (aquele registrado por Nigel Smith em 1973) e a destruição de outro sítio de terra preta na Fazenda Mutum. Posteriormente realizamos o salvamento de ambos os sítios, mas havia pouco material remanescente. A partir dos dados gerados pelo diagnóstico realizado em 2006, sentimos a necessidade de aprofundar as pesquisas na região, independentemente dos estudos relacionados à rodovia. Foi assim que iniciamos contato com o pesquisador Per Stenborg, do Museu Mundial das Culturas, em Gotemburgo, Suécia, que havia organizado a publicação de um livro com os resultados das pesquisas de Nimuendajú na região na década de 1920. Nimuendajú identificou 48 sítios durante os meses de abril, julho e agosto de 1923, na região de Alter do Chão/ Arapixuna, na margem sul do lago grande de Vila Franca e na margem direita do Amazonas, entre esse lago e Arapixuna (Nimuendajú, 2004). Um único sítio estava localizado em área alagada, na ilha do Taperebá (lago Grande), enquanto todos os outros em áreas elevadas, no platô ou serras. Todos são sítios de terra preta, conectados por estradas. Junto ao rio ele identificou apenas duas terras pretas: Alter do Chão e Aldeia (Bairro Aldeia, na cidade de Santarém). Ele assinalou

que, além de Aldeia, Lavras, situado no planalto, seria outro sítio com muita cerâmica decorada. Per Stenborg, então, propôs um projeto em conjunto para inicialmente relocalizarmos os sítios de Nimuendajú. Ele utilizou os velhos mapas, escaneando-os e plotando-os sobre mapas recentes, para auxiliar na localização. Em novembro de 2008 o pesquisador esteve em Santarém e durante 10 dias percorremos o planalto ao sul de Santarém em busca dos sítios de Nimuendajú. Foram fundamentais nesse processo as entrevistas com a população local, pois muitos locais, depois de passados 85 anos, conservavam a mesma denominação. Conseguimos em um curto espaço de tempo localizar 25 dos sítios 48 sítios de Nimuendajú. Em 2010 retomamos a prospecção, identificando 60 novos sítios. A pesquisa regional tomou impulso graças a convênio realizado entre a UFPA e o DNIT para a realização de programas de arqueologia nas rodovias BR-163: Cuiabá-Santarém e BR-230: Transamazônica. A partir desse convênio foi possível intensificar as prospecções no planalto e nas margens do Tapajós, e escavar alguns sítios, como Cedro, localizado a 30Km de Santarém, onde foram identificadas feições arqueológicas como sepultamento em urnas, um poço escavado, que abastecia de água a aldeia, um piso de casa, um bolsão ritual, e muita cerâmica de estilo inciso ponteada, como a encontrada em Santarém e outros sítios no planalto. O levantamento regional contabilizou 111 sítios de diversos tamanhos e profundidades, espalhados por uma região de cerca de 115 mil hectares. Atualmente desenvolvemos, junto com Per Stenborg, um projeto visando aprofundar o estudo desses sítios e sua inserção na paisagem .

Mapa dos sítios arqueológicos com locais mencionados no texto

O Sítio Porto de Santarém Em 2007 iniciamos as pesquisas no sítio PA-ST-42: Porto de Santarém através de parceria com a Dra. Anna Roosevelt. A partir de 2010, o NEPA-Núcleo de Pesquisas e Estudos em Arqueologia da UFPA assumiu a pesquisa por inteiro. O sítio está localizado na área portuária pertencente à Companhia Docas do Pará e na área adjacente da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. Acreditamos que o sítio do bairro Aldeia, juntamente com o Porto, guardam os vestígios da antiga ocupação tapajó na área. Pelas dimensões desse sítio e pela cultura material encontrada, essa seria a “capital” da província dos Tapajós descrita nos relatos dos séculos XVI e XVII.

Em 2007 as pesquisas foram realizadas no âmbito de um projeto de Expedição Científica, com recursos da Fundação Fullbright. Foi então escavada a área 10-1, de interesse de Anna Roosevelt, que havia já investigado esta mesma secção do sítio anteriormente. Nesse local foram encontrados remanescentes de artefatos ligados a festividades, depósitos de atividades de produção de artefatos especiais, além de remanescentes humanos de cremação. Além disso, em depósitos em profundidades que variavam entre 75 e 125 cm, Roosevelt definiu uma série de camadas culturais distintas abaixo dos depósitos da cultura Santarém, propondo a existência ali de uma cultura formativa. Em 2009 estabeleceu-se um convênio entre a Companhia Docas do Pará, Cargill Agrícola S/A e Universidade Federal do Pará, com intermediação da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa - Fadesp. O convênio previu um cronograma para ser executado em três anos e meio, ao final dos quais apenas uma área, a 10-5, seria mantida como área de preservação, sendo feitas liberações anuais de áreas para a CDP na medida do andamento dos trabalhos.

Áreas do Sítio Porto

Em 2009 foi realizado salvamento arqueológico em três áreas do porto: área 4A, área

4B e área 1 Sul. Todas as áreas haviam já sido impactadas por terraplenagem, colocação de aterro e decapamento ocasional para manutenção de campos de futebol. Na área 4A, como resultado das escavações foram encontrados um aterro moderno, restos de casa e estradas modernas, duas plataformas cerimoniais arqueológicas e seis tesos domésticos arqueológicos. Foi encontrado um sepultamento em vaso, o que é raro na fase Santarém. Na área 4B foram encontradas estruturas de piso, bolsões rituais e material cultural abundante na camada de terra preta arqueológica. Em 2010 e 2011 foram escavadas as áreas 2, 2A e 1 Sul, as duas primeiras já muito impactadas pelos campos de futebol. Na área 2 foram identificadas vasilhas enterradas onde foram encontrados fragmentos muito pequenos de ossos. Na área 2A foram identificados bolsões rituais contendo abundante cerâmica decorada e um pingente do tipo muiraquitã. Na área 1Sul foram encontrados muitos artefatos líticos, incluindo abrasadores, indicando ser aquela uma área de produção de material lítico.

Escavação de dois bolsões, primeiros 20cm

As escavações comprovaram a riqueza dos depósitos culturais do sítio Porto, que, apesar dos grandes impactos que vem sofrendo ainda é uma das áreas mais bem preservadas na cidade de Santarém para o estudo da ocupação pré-histórica na região.

Padrão de Ocupação nas Margens do Rio Tapajós O número de sítios registrados próximos e a ao longo da margem direita do Tapajós no trecho compreendido entre a ponta Muretá (Santarém) e São Domingos (Belterra), contabiliza 17 sítios, alguns com mais de 30 ha (como Iruçanga e Pindobal). São sítios estrategicamente posicionados às proximidades de igarapés, lagos perenes e/ou sazonais que nos períodos de cheia, com o movimento migratório dos cardumes, funcionam como berçários naturais para a reprodução de peixes e quelônios. Assim, serviam como fontes estratégicas de obtenção de alimentos no período pré-colonial; atualmente esses locais são manejados por populações ribeirinhas para obtenção de quantidade significativa de proteína animal. Os sítios investigados apresentam camada arqueológica formada por TPA de consistência arenosa com 50 cm de espessura em média e cerâmica composta por assadores com impressão por cestaria, tigelas, pratos, vasos globulares, modelados, incisões finas, ponteados, incisos, acanalados, engobados de vermelho,alaranjado e/ou amarelo. Do ponto de vista estilístico, a cerâmica está relacionada à Tradição IncisoPonteada, com similaridades a montante e a jusante no vale do Tapajós e nas áreas do Nhamundá-Trombetas.

Cerâmica do sítio Iruçanga

Alguns sítios arenosos próximos à margem do Tapajós estão bem preservados, outros erodidos e/ou sedimentados pela ação das chuvas. Por exemplo: o Sítio Iruçanga tem

partes em que a sedimentação, com cerca e 1m, selou a camada original de TPA. No sítio Murarema, grande parte da camada erodiu por décadas de exposição a céu aberto, carpina e varreduras para limpeza de folhas. Já o sítio Caxambu parece estar mais bem preservado por vegetação de savaninha e campos naturais. Quanto à coloração do solo, é de uma tonalidade cinza, o que parece ser próprio da composição contida na camada, onde o teor de matéria orgânica não é tão elevado; por outro lado, o padrão cerâmico neste sítio difere da cerâmica Santarém em sua maioria. Esses sítios estão localizados a salvo das cheias do Tapajós, em bancos com elevação média de 1 a 3 metros, e o processo erosivo vem ocorrendo na margem da praia, onde a vegetação foi removida.

Padrão de Ocupação no Planalto Com o andamento das pesquisas, a cada novo levantamento de campo na região de planalto observa-se que o adensamento de sítios arqueológicos aumenta, reforçando a ideia de aldeias muito próximas umas das outras, ligadas por caminhos alguns ainda identificáveis (como no sítio Curucuruí). O padrão cerâmico encontrado nos sítios arqueológicos investigados inclui um modo polícromo ainda não datado e estudado. Aparentemente, há semelhanças com material recolhido em pesquisas realizadas nas áreas Nhamundá-Trombetas e Juruti e denominadas de cerâmica Pocó, que forneceram datações que as remetem a mais de 2 mil anos antes do presente . Possivelmente a cerâmica encontrada no sítio Andirobal, registrada ao sul de Santarém, pertenceria à mesma linha temporal. As áreas de planalto ao sul de Santarém foram desde sempre excelentes fontes de recursos para populações de caçadores-coletores no período arcaico; no entanto nos parece que o sedentarismo nestas áreas toma impulso próximo no advento da era Cristã, com aprimoramento de técnicas agrícolas e manejo de recursos aquáticos que proporcionou aumento populacional junto às margens dos rios Amazonas e Tapajós. Sugerimos um padrão de ocupação hipotético para essas áreas composto por três estágios distintos, tendo como início ocupações em áreas próximas às bordas do planalto ao sul de Santarém, geralmente com uma fonte de água na base das serras, seguida pela instalação de aldeias nas imediações de vales secos e profundos que acumulavam água em alguns pontos e que o com o desenvolvimento de técnicas de

engenharia tiveram suas áreas manejadas com obras de terraplenagem, com abertura de poços em suas bases, tornando-os perenes no período de verão; e o terceiro estágio seria a ocupação de áreas planas sem disponibilidade de recursos hídricos nas imediações e a construção de poços associados às aldeias para suprir a carência de água no período de verão. Esse terceiro e último estágio estaria em curso no período colonial e pode ter sido incrementado pela presença portuguesa junto às margens, que com suas incursões belicosas denominadas “Tropas de Resgate” e busca de “Drogas do Sertão”, que teriam causado o recuo e fuga de populações indígenas para áreas de terra firme afastadas das margens muito assediadas. Essas hipóteses parecem ser confirmadas pela cronologia dos sítios. As datações obtidas colocam a ocupação tapajônica da cidade de Santarém entre AD 900 e 1600. Já no planalto, os sítios Cedro, Amapá e Fé em Deus foram datados entre AD 1400 e 1670. Evidências seguras da ocupação destes sítios por populações estáveis e sedentárias são atestadas pela presença associada de obras de terraplenagem de grande porte na figura de inúmeros poços para armazenamento de água, alguns de grandes proporções, com mais de 100 metros de diâmetro e grande profundidade, com capacidade de armazenamento de milhares de litros d’água - Sítios da Zinha, São Martinho, Genipapo, etc -, o que implicaria em organização e planejamento para a sua execução. Além de poços foram registras outras obras de terraplenagem como as estruturas de terra artificiais no sítio Amapá 1, com tesos medindo aproximadas de 1 metro de altura, 13 m de largura e 45m de comprimento, associados a um poço com aproximadamente 30 metros de comprimento. Diferentemente do bioma às margens do Tapajós, de vegetação baixa e solos arenosos, o planalto apresenta solos argilosos (latossolo amarelo), floresta alta e poucos cursos d’água. Neste ambiente instalaram-se no período pré-colonial uma série de aldeias de tamanho que variam de 2 ha a mais que 40 ha (Sítio Dona Gita e Sítio Amapá 1, respectivamente), com camada arqueológica com média de 50 cm de espessura. Estes sítios apresentam grande quantidade de implementos líticos utilizados provavelmente nas práticas agrícolas indígenas, como lâminas, cavadores, abrasadores plano e material cultural relacionado à cultura Santarém; vasos de gargalo, vasos de cariátides, vasos globulares de estilo Santarém, estatuetas de base

unipedal e semilunar, vasos polícromo de estilo Santarém. Além do registro da presença de cerâmica policroma antiga em um sítio e a recorrência da clássica cerâmica de estilo Santarém, as escavações revelaram um modo cerâmico pintado que guarda semelhanças com o estilo globular registrado por Hilbert nas áreas NhamundáTrombetas. As cerâmicas de estilo globular parecem ter influenciado as cerâmicas da fase Aldeia no centro de Santarém, pois vasos globulares carregam nas bases dos vasos clara influência deste estilo, além de grafismos e incisões, presentes em vasos clássicos da Tradição Inciso-Ponteada. Este fato parece indicar que ocorreram processos de aprimoramento, empréstimos e evolução na indústria cerâmica regional, ao contrário de substituições abruptas. Um ponto singular na cerâmica de estilo globular na área Santarém é que os apliques modelados nas bordas dos vasos são fixados pela técnica de ranhuras, uma coisa própria da cerâmica Santarém. Outra questão observada diz respeito à segurança na localização de algumas aldeias, que foram instaladas na base de vales secos (Tabocal), sem campo de visão de quem chega ou quem sai. Isso nos parece mais um indicativo de estabilidade política na área Santarém no período pré-colonial. Outro fato corrobora a permanência de populações indígenas em sítios arqueológicos no planalto ao sul de Santarém no período histórico, como o relato do encontro, por colonos, em praticamente todos os sítios investigados, de cachimbos cerâmicos angulares com decoração barroca que, segundo Frederico Barata, está relacionado ao período da conquista, via ordens religiosas.

Conclusões Os estudos que temos realizado em Santarém e Belterra tem mostrado que, apesar da grande dispersão do estilo cerâmico tapajônico, em alguns sítios às margens de rios tem sido encontrada cerâmica semelhante à konduri, indicando que essa grande região onde se encontra a cerâmica inciso ponteada precisa ser estudada em uma perspectiva regional. A dispersão de características estilísticas e tecnológicas bastante semelhantes por uma área tão extensa coloca algumas questões. Que tipo de relações tinham esses povos entre si? Eles compartilhavam apenas algumas características culturais através de difusão e trocas, ou estavam integrados em um mesmo sistema sociopolítico? . Não há

no momento dados suficientes para responder a essas perguntas. Para nosso estudo, entretanto, é necessário estudar a dispersão regional da fase Santarém e buscar entender que tipo de economia política está relacionada com a distribuição espacial da cultura material e as formas de ocupação da paisagem. Esse estudo reveste-se de importância por resgatar a história dos tapajó tão dramaticamente afetada pela conquista europeia do continente, além de contribuir para o conhecimento sobre a história dos sistemas socioculturais indígenas das Américas de modo geral. Essa pesquisa, no entanto, corre contra o tempo. Os sítios arqueológicos existentes no platô de Belterra tendem a desaparecer em poucos anos graças à mecanização da lavoura. Já os sítios de terra preta localizados próximos de Santarém estão sendo destruídos pela comercialização da terra fértil para canteiros e gramados. Sabe-se que os solos de terra preta contêm vestígios arqueológicos; portanto a retirada indiscriminada da terra preta têm ocasionado a destruição dos sítios a uma velocidade alarmante. O uso atual da terra precisa ser compatibilizado com a preservação do patrimônio arqueológico, nesse caso a única fonte de informações sobre a sociedade tapajônica. No momento da conquista, as sociedades indígenas amazônicas estavam em franca expansão, ocupando vastos territórios e manejando as paisagens de forma a sustentar povos que cresciam demograficamente. Os tapajó, cujo domínio tinha como centro a área em que se encontra hoje a cidade de Santarém, é considerada uma das mais complexas organizações regionais amazônicas, composta por várias vilas que obedeceriam a uma chefia regional. De acordo com informações de viajantes dos séculos XVI e XVII, essa chefia regional tinha o poder de cobrar tributos que eram usados para sustentar uma elite administrativa, assim como funções especializadas, guerras, festas e rituais comunitários . Sabe-se muito pouco a respeito das relações entre essas sociedades centralizadas e sua periferia, ou seja, comunidades que localizavam-se longe dos grandes aglomerados populacionais, principalmente na terra firme, ao longo de rios menores e interflúvios. Entendemos nossa pesquisa como uma oportunidade para contribuir com o conhecimento das mudanças importantes em organização social que ocorreram na várzea amazônica às vésperas da chegada dos europeus, ao documentar processos de expansão geográfica em direção às áreas de interflúvio, que constituem-se na periferia

dos grandes sistemas regionais, descritos pelos espanhóis como “províncias”, ou “reinos”. Nos próximos anos, estaremos escavando diversos sítios no platô, assim como dando continuidade às pesquisas na área do Porto. Acreditamos que a combinação dos estudos regionais com investigações pormenorizadas em sítios mais bem preservados poderá responder às questões que hoje se colocam para a arqueologia da região.

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