A Greve é Feminino. Carta aberta à comunidade escolar

June 7, 2017 | Autor: Leo Voigt | Categoria: Educação do Campo, História das Mulheres, Direitos Fundamentais Do Trabalho
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Carta Aberta à Comunidade Escolar do
Centro Familiar de Formação por Alternância Colégio Estadual Agrícola Rei Alberto I

Em homenagem à luta de libertação das mulheres, e em defesa da greve geral do funcionalismo público do Estado do Rio de Janeiro.
"A Greve é Feminino"

É com muita humildade que peço licença para compartilhar com os familiares, alunos, professores, funcionários e convidados de nossa escola, algumas palavras refletidas com dedicação e paciência, como também na busca de um equilíbrio entre o que me parece, numa palavra, justo, e o que é necessário fazer para que essa justiça se cumpra.
Nós, professores-monitores e professoras-monitoras de Centros Familiares de Formação por Alternância, juntos com alunos, seus responsáveis e familiares, assim como com os funcionários técnico-administrativos, somos guardiões, e não donos, da tradição viva que nosso Colégio Técnico Agrícola, nosso Centro Familiar de Formação por Alternância, herda das Casas Familiares Rurais francesas, desenvolvidas a partir dos primeiros anos da década de 1930, e das Escolas Famílias Agrícolas, aparecidas primeiramente na Itália, na década de 1960.
Desde aquela época, ou seja, há mais de 80 anos atrás, as populações rurais e camponesas já lutavam por uma educação que produzisse conhecimentos, práticas e vivências a favor das realidades familiares dos seus filhos e filhas, alunos e alunas do campo, da educação do campo.
Durante muito tempo se impôs a uma infinidade de lugares ao redor do mundo uma "educação da cidade", urbana, vista como "melhor", mais "desenvolvida", mais "moderna", com prioridades e valores que não eram os do campo. Muitas vezes essa imposição vinha através dos próprios professores, formados para atuar em áreas urbanas, mas deslocados contra sua vontade para muitas localidades rurais, camponesas, e o resultado que vemos hoje é a desvalorização da cultura, dos saberes, das tradições e das histórias do homem, dos jovens, e, principalmente, da mulher do campo.
Mas é verdade que os adultos precisaram de um "empurrãozinho" da juventude para poder exigir os direitos de seus filhos e filhas, e, portanto, os seus direitos próprios, enquanto pais, mães e responsáveis de estudantes do campo.
O Calendário Escolar em alternância, alternando a casa da família, a propriedade, empresas ou outros estágios, junto com os momentos no colégio técnico agrícola, foi uma alternativa importante para poder conciliar o trabalho, na família, na comunidade e na escola; com a formação intelectual e propedêutica, ou seja, uma formação para continuar se formando, estudar para continuar estudando. Porém, isso tudo somente foi possível graças à atitude de um aluno, de aproximadamente 15 anos, que se negou a ir à escola que existia em sua comunidade, lá pelos idos de 1935, na região de Lot-et-Garonne, na França.
Após refletirem muito sobre a decisão e determinação do jovem, um diretor do sindicato rural da região, o padre local, e a associação de produtores da região, pensaram que o jovem poderia ter razão, e decidiram idealizar uma escola onde os filhos e filhas de sua comunidade fossem respeitados como uma população com cultura própria: a cultura, saberes e valores do campo.
Nascem assim as Casas Familiares Rurais e depois, Escolas Famílias Agrícolas, Escolas Comunitárias Rurais, Escolas Familiares Rurais, Escolas de Assentamentos da Reforma Agrária, entre outras, todos, Centros Familiares de Formação por Alternância.
Ou seja, acredito que aqui já tenhamos certeza de que somos herdeiros e herdeiras de um modelo muito especial de educação, e que muito além de ser simplesmente algo de fora aplicado sem a nossa vontade, o que por vezes também é real, abre muitas possibilidades de olharmos e pensarmos melhor, juntos, sobre a situação que nossa escola, nosso CEFFA, e muitas outras escolas e colégios do Estado do Rio de Janeiro estão passando nesse momento.
Em nosso CEFFA, dois profissionais de portaria já foram dispensados, por falta de pagamento do Estado, e uma profissional de limpeza já está sem receber devidamente há mais de três meses. Nossa escola tem uma promessa de reforma estrutural básica, com salas para todas as turmas, que faz nesse ano de 2016 exatamente dez anos, segundo os professores mais antigos.
Há dez anos que a escola espera por salas de aula para todos e a separação do espaço dividido com o ensino fundamental. Na atual estrutura, a sala de informática precisou ser severamente reduzida para que professores e professoras tivessem melhores condições de organizar seus materiais de trabalho individual e coletivo, fora a falta de alojamentos para alunos e professores-monitores de localidades distantes, a falta de estrutura adequada e materiais básicos para as áreas técnicas, banheiros insuficientes para a quantidade de pessoas, e por aí se poderia avançar.
Acredito que nossos diretores e coordenadores fazem o possível para demandarem o que é nosso por direito, mas quando os pedidos não são atendidos com prontidão e respeito, ou quando não são atendidos nunca, nossa tarefa principal passa a ser, necessariamente, se organizar, se informar e exigir, juntos, o respeito que merecemos, e os direitos que foram historicamente conquistados com muita luta e sangue, literalmente, de trabalhadores e trabalhadoras.
Num plano maior, olhando para todo o Estado do Rio de Janeiro, a situação é muito mais problemática do que nossa situação local, e isso dificulta uma melhor compreensão da gravidade da situação. Outras escolas já estão sem almoço, a falta de profissionais de portaria pode significar realmente a entrada de pessoas armadas e desconhecidas, e a falta de profissionais de limpeza pode significar realmente ter que conviver com um ambiente sujo e impróprio ao trabalho escolar, diferente daqui, onde nossa funcionária, mesmo sem receber o que deveria, continua trabalhando à espera de que sejam justos com ela, e onde o entorno não oferece os riscos de vários outros lugares.
Entretanto, os problemas são ainda muito maiores. Conforme foi informado pelo Jornal Extra de 28/01/2016, o Juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e titular da Vara da Fazenda (e que também é desembargador eleitoral do TRE/RJ), concedeu uma liminar favorável à Federação das Associações e Sindicatos dos Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (Fasp). Nessa liminar o juiz obriga o governo do estado a desfazer automaticamente dois dos absurdos que este vinha cometendo, com direito a penalidade judicial através de multa aplicada a pessoa física do governador, caso a decisão do juiz não seja respeitada: retomar a data antiga de nosso pagamento, no 2º dia útil do mês, e pagar o valor inteiro de nosso 13º salário. Segundo a Constituição Federal de 1988, carta magna de nosso país, o que o governador Pezão está fazendo é simplesmente ilegal!
Para que não nos reste dúvidas, peço a paciência e a atenção para o parecer oficial do juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves contra Pezão:
""(O Governo) anunciou o repasse de vultosa quantia, na cifra de R$ 39 milhões para socorrer à SUPERVIA em razão de dívida com a LIGHT.Anunciou gastos em publicidade na cifra de R$ 53 milhões, que devem ser somados ao valor, exorbitante e despropositado, de R$ 1,5 bilhões gastos com publicidade ao longo dos governos Cabral e Pezão, conforme noticiado no ESTADÃO, cumprindo observar que a previsão inicial de gastos para o ano de 2016 era de R$ 14 milhões, conforme noticiado pelo jornal O Globo, que informou, ainda, a existência de licitação em curso objetivando contratar 6 (seis) empresas de publicidade, com previsão de gastos de R$ 120 milhões. Promoveu reforma no Palácio Guanabara, gastando a singela quantia de R$ 19 milhões, conforme noticiado pelo portal R7. Promoveu a reforma do Palácio Laranjeiras, residência oficial sem uso, iniciada no ano de 2012, ao custo de R$ 39 milhões, recentemente licitação para reforma da área externa do citado Palácio, no valor de R$ 2,4 milhões,conforme notícia da Veja Rio. Concedeu, no ano de 2014, desconto fiscal de IPVA para as empresas concessionárias de ônibus, sendo recentemente a lei declarada inconstitucional pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, conforme noticiado no jornal Extra.Concedeu isenções fiscais renunciando receita de R$ 6,208 bilhões, no ano de 2014, com estimativa de renúncia de R$ 7,073 bilhões, R$ 7,673 bilhões e R$ 8,313 bilhões para os anos de R$ 2016, 2017 e 2018, respectivamente, como noticiado no jornal o Dia, chamando atenção o fato de que em março de 2015, quando a crise econômica já dava sinais, o Estadofinanciou R$ 760 milhões para Companhia de Bebidas das Américas (AMBEV), por meio de créditos do ICMS, para expansão de nova unidade em Piraí, Cidade natal do Governador Luiz Fernando Pezão, onde foi Prefeito. Permitiu o descarte de materiais cirúrgicos novos que se encontravam abandonados em depósito da Secretaria Estadual de Saúde."
Se parássemos por aí já estaria suficiente para entendermos os desmandos desse governo, porém, para não cansar os ouvintes além do necessário, basta sabermos que existem ainda mais problemas envolvendo nosso dinheiro público e a gestão irresponsável e descomprometida com a população, e precisamos saber quais são, investigá-las juntos, e cobrarmos uma postura diferente daqueles que devem nos servir, e não nos roubar.
Sobre a situação geral da educação no Estado e todos os ataques enfrentados pelas Comunidades Escolares, o Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE) tem produzido uma série de materiais de divulgação com o objetivo de esclarecer a população e a própria categoria dos professores e professoras. Estes materiais estão circulando pelas redes sociais e em material impresso.
Dessa forma, nesse cenário, a greve passa a ser a nossa única alternativa possível para fazer justiça ao nosso papel de guardiões responsáveis pela qualidade dos processos pedagógicos, educativos e produtivos da educação do campo, em alternância, e pela educação em geral, com o objetivo de conscientizar a população sobre o nível dos absurdos que estão sendo praticados pelo governo. Além de sabermos identificar os absurdos, precisaremos enfrentar essa situação e propor formas de nos organizarmos para resistirmos a esses ataques perversos que atingem alunos e alunas, funcionários e funcionárias, professores e professoras, pais, mães e responsáveis, e além disso, comprometem toda a sociedade.
E, finalmente, é com muito orgulho que faço essa fala no dia de hoje, no Dia Internacional da Mulher, onde afirmo para vocês que a greve, literalmente, é um substantivo feminino, e do feminino invoca a sua mais profunda energia de proteção materna, buscando proteger os filhos e filhas, na medida das possibilidades de sua força, dos abusos que nos rodeiam. A greve sempre foi a proteção, o escudo, mas também a arma, a espada, com os quais os trabalhadores e trabalhadoras, ao longo da história, enfrentaram seus patrões gananciosos e os governos que sempre serviram à estes últimos, ao mesmo tempo em que avançavam conquistando direitos e dignidade para a população.
Para aqueles e aquelas que não sabem, se hoje comemoramos o Dia Internacional da Mulher, é justamente por causa de uma greve! Ou melhor, de duas: uma real, e outra inventada; uma na Rússia, em Petrogrado, e outra nos Estados Unidos da América, em Nova Iorque; uma deu início à Revolução Russa ou Revolução de Fevereiro, em 1917, e outra teve 129 operárias tecelãs queimadas vivas dentro da fábrica ocupada, em 1857.
O fato é que a comemoração do Dia Internacional da Mulher está intimamente ligada ao ato necessário de se fazer greve, quando os patrões ou os governos decidem nos punir, não somente como indivíduos, mas principalmente enquanto sociedade, pelas suas irresponsabilidades gananciosas e criminais. Além disso, não devemos nos esquecer que nessa histórica categoria de luta que é a categoria do professorado, a maioria sempre foi composta por mulheres.
Convido, assim, essa Comunidade Escolar a se somar a todas as outras Comunidades Escolares que estão se organizando em todo o estado do Rio de Janeiro, para que possamos garantir os direitos que já conquistamos e avançar na conquista de mais direitos necessários para atingir a plena dignidade da Comunidade Escolar, da Educação do Campo, dos profissionais da educação, dos servidores públicos do Estado do Rio de Janeiro, dos trabalhadores e das trabalhadoras de nosso país.
Saudando mais uma vez o Dia Internacional da Mulher e sua importância histórica, finalizo essa carta com os dizeres de Rosa Luxemburgo (1871 – 1919), filósofa e economista, mulher que dedicou sua vida às lutas sociais e à organização da classe trabalhadora, e que por isso, junto com outros militantes das causas populares, foram fuzilados e jogados num rio em Berlim.
"Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres." Rosa Luxemburgo
Atenciosamente, Baixada de Salinas, 08 de março de 2016
Leonardo de Abreu Voigt
Professor de Sociologia, atual vice-presidente no Conselho Escolar e responsável pela Formação das Famílias na Pedagogia da Alternância do Centro Familiar de Formação por Alternância Colégio Estadual Agrícola Rei Alberto I

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