A guerra dos nossos pais

July 26, 2017 | Autor: Jorge Palinhos | Categoria: Dramaturgia, Teatro, Estudos Culturais, Guerra colonial, História de Portugal, Teatro em Portugal
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Descrição do Produto

Teatro Carlos Alberto 20­‑29 março 2015

Estreia Absoluta

o que é que o pai não te contou da guerra? de Fernando Giestas encenação Rogério de Carvalho

espaço cénico Henrique Ralheta desenho de luz Jorge Ribeiro desenho de som e música Ana Bento, Bruno Pinto produção executiva Paula Trepado

exposição andante

interpretação e cocriação Nuno Nunes, Rafaela Santos, Sónia Barbosa

organização Amarelo Silvestre colaboração TNSJ

coprodução Amarelo Silvestre, TNSJ apoios As Casas do Visconde Câmara Municipal de Nelas Câmara Municipal do Porto dur. aprox. 1:00 M/14 anos qua 19:00 qui­‑sáb 21:00 dom 16:00

O TNSJ É MEMBRO DA

obras de Ana Seia de Matos Beatriz Rodrigues Filipe Losna Luís Belo Rosário Pinheiro

Teatro Carlos Alberto Foyer 20­‑29 março 2015 ter-sáb 14:00­‑18:30 dom 14:00­‑15:30

A propósito do texto que vasculha o interior

fernando giestas Há

modo de me pôr a caminho. Os espetáculos, como criação, passam por muito fermento de outros espetáculos. Depende dos autores que vou encenando. Caminho do conhecido para o desconhecido. Por exemplo, o espetáculo anterior, Music­‑Hall, de Lagarce [pel’As Boas Raparigas…], foi o ponto de partida para este espetáculo. Ambos partem do texto. Em Lagarce, a guerra é o próprio teatro em situação. Ambos vasculham o interior das personagens.

O Jorge Ribeiro é o seu cúmplice no teatro, não é? Há anos que trabalho com o Jorge. Ele conhece bem a minha atividade no teatro. E muitas das criações têm referência dele, como grande criador.

Eu não venho do teatro, venho do jornalismo, e antes de escrever para teatro faço sempre a mesma pergunta a mim próprio: “O que é teatro?” Esta é uma das minhas grandes angústias. Para conseguir escrever, tenho que avançar sem a preocupação de estar a escrever para teatro. A essa preocupação só respondo quando já tenho alguma base escrita. O texto é um dos elementos que tomo como ponto de partida. O texto interessa­‑me. O texto esconde o que não está lá, mas está. É um enigma. E quando começamos a escavar, talvez a pergunta “o que é teatro?” comece a tomar forma.

A dezassete dias da estreia de o que é que o pai não te contou da guerra?, Fernando Giestas, autor do texto, de um lado da mesa, e Rogério de Carvalho, encenador do texto, do outro. Uma conversa realizada a 3 de março de 2015, numa terça­‑feira que ainda não era de primavera, no escritório da Amarelo Silvestre n’As Casas do Visconde, Canas de Senhorim. dois anos, na preparação do espetáculo Sangue na Guelra, o Rogério não conhecia o nosso trabalho, não nos conhecia pessoalmente. Porque é que aceitou trabalhar connosco? rogério de carvalho Foi o Jorge Ribeiro [desenhador de luz que trabalha regularmente com a Amarelo Silvestre] quem me falou do vosso trabalho.

O Rogério trabalha com várias companhias, sem uma ligação permanente a nenhuma delas. São projetos, propostas que aceito. Para mim, não constitui nenhum problema, desde que haja condições suficientes para uma dinâmica de trabalho criativo. Também fala muito dos espetáculos anteriores, como percurso criativo. Os “espetáculos anteriores” são uma fonte onde vou buscar muito do que posso fazer agora. A “coisa” não nasce hoje, depende dos espetáculos que vou fazendo e isso é o meu 2

Posso viver bem com a minha dificuldade de não saber tratar o conflito, os diálogos… No seu texto há diálogos, mas diferentes. Há vozes. O que interessa é que o ator diga. O ator em si. E o ator, ao dizer, não pode fazer trapaças, não pode fingir, não pode representar, mas é uma representação. Ao acreditarmos, sentimos a participação do ator. Ele pensa, ele diz, a voz é dele. Os atores fazem coisas não a fingir. É a voz. A voz atirada, não o nosso quotidiano, mas a forma do dramático. A voz que é expelida, a voz que nos obriga a escutar. Forma de representar. Entoação que nos impregna de… há um mistério no teatro: os ausentes. Os atores

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têm de desenterrá­‑los. Para além da voz que está no texto, ainda há uma outra. Talvez um sinal. Tudo está nas mãos do ator. O segredo do ator. Procuramos o ator em si. O ator faz a passagem do escrito à oralidade. Outra das minhas dificuldades é a relação entre texto e atores. O que é que eu faço com o texto na mão e os atores à minha frente? Se dou indicações estou a condicionar o trabalho criativo, se não dou indicações estou a condicionar o trabalho criativo… O ator é um criador. Posso conversar com ele. Por vezes nasce um diálogo criativo e estimulante. Mas o ator, no sentido criador, pode prescindir deste tipo de diálogo. A minha maior preocupação é fazer­‑lhe sentir que estou ali para o resguardar do posicionamento que ele vai adquirir mais tarde, no espetáculo. Quais são os problemas pelos quais os atores passam? Há uma orientação de ambas as partes. Vou trabalhando fragmento a fragmento, de detalhe em detalhe. 4

Uma indicação minha aos atores foi a de lerem as frases como se elas não se bastassem a si próprias: falta­‑lhes o ator. Uma das minhas respostas à pergunta “o que é teatro?” é essa escrita rarefeita, o esqueleto da voz do ator. O teatro é o mundo da ausência, como num poema. Pela evocação do ator, os que estão ausentes presentificam­‑se. É uma atividade que é confirmada pela ausência. Os que faltam, os que não comparecem. Muitas vezes, estamos a falar de um acontecimento e o acontecimento não está lá, está ausente. Esta foi a primeira vez em que um texto meu, ainda em fase de construção, foi submetido a tanto escrutínio, sobretudo em residências artísticas prévias aos ensaios: quer da equipa artística, quer do público em diferentes leituras. O texto foi sendo escrito, não em resposta imediata às críticas desses momentos, mas em resposta diferida. Apesar

de custoso para mim, foi um processo muito proveitoso para o texto. Foi uma espécie de torção da palavra. Energia e trabalho. A insistência. Todos os dias o texto na bigorna. Há dias, falava­‑me de “ruínas” como uma palavra essencial a ter em consideração neste espetáculo. Ruínas são restos de um mundo que foi destruído. Quando as ruínas se enquadram no inconsciente colectivo, no inconsciente de um povo, torna­‑se necessário procurar as origens. É como um elemento perturbador no nosso inconsciente. Há necessidade de fazer regressões, procurar as origens dessas catástrofes, ruínas, nomeadamente as que são provocadas pela guerra. Viagem em busca da origem, viagem das mentes coletivas a atravessarem os acontecimentos que determinaram essas ruínas. O filho e o pai. Uma viagem para as origens. Viagem para

a realização do luto. A regressão do filho em busca da situação do pai que esteve na guerra colonial. Da minha parte, torna­‑se­‑me difícil figurar o real dessa guerra. Essa figuração que não consigo é substituída por uma celebração. De um lado, o mundo dos mortos (o mundo invisível, espiritual, ausente), do outro, o mundo dos vivos. Os mortos vão aparecendo. Evocação. Mesmo o próprio pai já está morto. O mundo dos vivos, qual é? É a voz que o representa. No meio dessa engrenagem, o contexto de uma guerra. A guerra está lá. Sinais. E cada espectador desenvolve esses sinais. O que interessa é que os sinais cheguem…

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A guerra dos nossos pais Jorge Palinhos* Sei qual é a gaveta que devo abrir e o álbum que devo folhear: o álbum de fotografias da Guerra Colonial. Tal turistas em viagem de férias, antes de partirem para Angola, Moçambique e Guiné, muitos mancebos portugueses receberam um álbum igual a este, em cuja capa se vê um assalto a uma aldeia indígena por soldados portugueses e o lema “Pela Pátria lutar…” Revejo as fotos que vi tantas vezes: o meu pai fardado na parada, o meu pai fardado junto a um helicóptero Alouette, uma foto da madrinha de guerra do meu pai, com uma mensagem na parte de trás, o meu pai com outros soldados em redor de uma mesa com cervejas, o meu pai com camaradas em redor de um leopardo morto, o meu pai na parada, o meu pai no meio do capim, o meu pai sobre um tanque, o meu pai com um olhar assombrado que talvez eu nunca saiba compreender, e ele saiba explicar. E é esse o olhar que o que é que o pai não te contou da guerra?, de Fernando Giestas, tenta desvendar. Quase dez mil mortos, quinze mil feridos, cento e quarenta mil traumatizados de guerra é a sobra de um milhão de rapazes, entre dezoito e vinte e poucos anos, que foram levados de Portugal para as paisagens africanas, na que é a mais traumática experiência recente de toda uma geração de portugueses. Diz Maria Helena Serôdio que, ao contrário da literatura ou do cinema, o teatro português pouco se interessou pela Guerra Colonial. No romance, temos as obras de António Lobo Antunes, Carlos Vale Ferraz, João de Melo, Lídia Jorge, Guilherme de Melo, entre outros; e, no cinema, Um Adeus Português, de João Botelho, Non ou a Vã Glória de Mandar, de Manoel de Oliveira, Os Imortais, de António­‑Pedro Vasconcelos, Inferno, de Joaquim Leitão, Costa dos Murmúrios, de Margarida Cardoso, a que se somam outros filmes de ficção e documentários. Todavia, no teatro, a necessidade de refletir a guerra parece ter sido menos premente, especialmente na geração que a viveu ou que dela tentou escapar. Serôdio lembra como fundamentais Um Jipe em Segunda Mão (1978), de Fernando Dacosta, O Sentido da Epopeia (1992), de Mário de Carvalho, Às Vezes Neva em Abril (1998), de João Santos Lopes, e temos ainda O Baile de Furriéis (2001), de Carlos Quintas. Noutro plano: Dor Fantasma (2009), do Teatromosca, a partir do livro de memórias Cacimbados, de Manuel Bastos; Cartas da Guerra (2013), pelo ACTA, com base nas cartas de António Lobo Antunes; Estórias do Mato (2013), do TEatroensaio, a partir das memórias Não sabes como vais morrer, de Jaime Froufe Andrade; O Menino da Burra (2014), de Luís Campião, a partir das memórias do seu pai; e, agora, o que é que o pai não te contou da guerra?, de Fernando Giestas, com base em 6

* Escritor e docente do ensino superior.

entrevistas a filhos de ex­‑combatentes. Duas gerações: uma que viveu a guerra e tentou fazer sentido dela no teatro, outra que procura no teatro recuperar a experiência que os seus antecessores viveram, antes que se perca para sempre. Pois é de pais e de filhos que fala esta obra. Numa escrita estilhaçada, claramente devedora da música despojada das peças de Samuel Beckett, feita de vestígios de imagens, das fotos do fogo que Sérgio Godinho cantou, de nomes que vão perdendo o sentido e a identidade, na tentativa de traduzir uma experiência que se vai tornando distante, absurda, mas não é menos dramática por isso, pois ainda vive na pele e na respiração de pessoas que conhecemos. E é da posição daquele que olha para essas pessoas que Fernando Giestas parte. Nesta peça, encontramos as vozes dos filhos que procuram chegar à experiência dos pais. Através dos gestos e das palavras do quotidiano, nas refeições de família, nas viagens de família, nos terrores noturnos que encontram consolo em braços quentes e fortes, num esforço de entendimento que é também um ato de amor. Mas, ultimamente, este gesto de aproximação é um gesto inútil. Pois a guerra continua longe, continua um mistério, e aquilo que o pai não contou sobre a guerra continua por contar, talvez porque seja algo demasiado íntimo e inenarrável para poder ser explicado, e apenas possa ser pressentido na fissura de um gesto, no tremor de uma palavra, na angústia de um olhar. Talvez a peça não seja sequer sobre a guerra, mas sobre o ato singular da paternidade, do gesto incompreensível de tentar transmitir aos filhos uma experiência, ao mesmo tempo que se procura protegê­‑los dessa mesma experiência. No encontro assimétrico entre uma criança que desabrochou viva para o mundo e um adulto atordoado por esse mesmo mundo, o que é que poderá surgir? Da figura enigmática da paternidade, dos seres a quem é pedido que sacrifiquem a vida em prol de outra vida, o que é que poderá sobrar? Ser herança e laço, e não apenas um álbum de fotografias que vai amarelecendo e perdendo sentido com o tempo.

Referências bibliográficas AZEVEDO TEIXEIRA, R. (2010) A Guerra em Angola – 1961/1974. Matosinhos: Quidnovi. SERÔDIO, Maria Helena (2010) “Assombrações do Império: A Guerra Colonial Evocada no Teatro Português no Último Quartel do séc. XX”. In Moreira da Silva, Alexandra e Carvalho, Paulo Eduardo (Org.), Cadernos de Literatura Comparada 22­‑23: Transbordamentos Infinitos: A Dramaturgia Contemporânea. Porto: Edições Afrontamento, p. 131­‑144.

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ficha técnica TNSJ coordenação de produção Maria João Teixeira assistência de produção Eunice Basto direção de palco (adjunto) Emanuel Pina direção de cena Cátia Esteves maquinaria de cena António Quaresma Carlos Barbosa Joel Santos luz Filipe Pinheiro Abílio Vinhas Adão Gonçalves José Rodrigues Nuno Gonçalves  som António Bica

Amarelo Silvestre Associação Cultural Rua do Fojo, 56 3525­‑055 Canas de Senhorim T 93 764 64 84 · 91 771 07 21 [email protected] www.amarelosilvestre.com

apoios TNSJ

www.tnsj.pt [email protected]

apoios à divulgação

agradecimentos TNSJ Câmara Municipal do Porto Polícia de Segurança Pública Mr. Piano/Pianos Rui Macedo apoios Amarelo Silvestre

agradecimentos Amarelo Silvestre Ana Correia, Ana Seia de Matos, Carla e Sara Augusto, Carlos Figueiredo, César Gomes, Cláudia Cesário, Cristina Ferrão, Isabel Costa, João Luís Oliva, Jorge Palinhos, José Rui Martins, Júlia Alves, Leónia Nunes, Luís Costa, Paula Fong, Ricardo Bordalo, Susana Borges, Teatro Meia Via, Teatro Viriato. Paulo Pinto. Pai. agradecimentos especiais Amarelo Silvestre Teatro Viriato (Viseu) Teatro Virgínia (Torres Novas) ZDB/Negócio (Lisboa) As Casas do Visconde (Canas de Senhorim) pelo acolhimento das Residências Artísticas do texto do espetáculo, financiadas pela Direção­‑Geral das Artes – Apoios Pontuais 2014

Teatro Nacional São João Praça da Batalha 4000­‑102 Porto T 22 340 19 00 Teatro Carlos Alberto Rua das Oliveiras, 43 4050­‑449 Porto T 22 340 19 00 Mosteiro de São Bento da Vitória Rua de São Bento da Vitória 4050­‑543 Porto T 22 340 19 00

edição Departamento de Edições do TNSJ coordenação João Luís Pereira fotografia Susana Neves impressão Empresa Diário do Porto, Lda. Não é permitido filmar, gravar ou fotografar durante o espetáculo. O uso de telemóveis ou relógios com sinal sonoro é incómodo, tanto para os intérpretes como para os espectadores.

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