A HARD DAY\'S NIGHT: CINEMA E GEOGRAFIA -APONTAMENTOS PARA OUTROS SENTIDOS DE ESPAÇO 1

May 23, 2017 | Autor: Jucimara Pagnozi | Categoria: The Beatles, Cinema, Geografia
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A HARD DAY’S NIGHT: CINEMA E GEOGRAFIA - APONTAMENTOS PARA OUTROS SENTIDOS DE ESPAÇO1 Jucimara Pagnozi Voltareli [email protected] Licenciatura em Geografia. FCT/UNESP de Presidente Prudente (SP) Cláudio Benito O. Ferraz [email protected] Prof. Dr. em Geografia. Departamento de Educação da FCT/UNESP de Presidente Prudente (SP)

. INTRODUÇÃO: Abordar uma obra como A Hard Day’s Night (Reino Unido. Dir.: Richard Lester, 1964, P&B, 86 min.) a partir de uma perspectiva científica foi e é um desafio enorme. Para não nos perdermos com a superficialidade com a qual muitos restringem a potência criativa das linguagens artísticas, reduzindo essas a um jogo estético de clichês visuais e sonoros, o que enrijece o pensar num relativismo analítico tipo: “eu acho que...”, “a verdade que o filme quis transmitir é...”, “gosto não se discute” etc., optamos aqui por trilhar um caminho desviante. Tal postura se justifica por entendermos que as formas usuais de se abordar as linguagens artísticas por um ramo do saber científico, em sua grande maioria não permite contribuir nem com uma ampliação da capacidade interpretativa dos estudos científicos, como é o caso aqui da geografia, nem com as possibilidades de enriquecer o rol de leituras que se produzem sobre a obra artística, como muitos fazem com o cinema. Para não cairmos nessa postura de reduzir o cinema a mera ilustração de um conteúdo já estabelecido como geográfico, tivemos que estabelecer objetivos plausíveis, mas articulados com os referenciais teóricos e metodológicos fundamentadores das atividades e reflexões ocorridas no interior do Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas (GPLG), no contexto do qual este projeto foi desenvolvido. Para tal, tentamos deixar mais clara que nossa preocupação fundamental é com a questão da linguagem, ou melhor, do encontro de linguagens: a artística (sonora e imagética) de um lado e a científica (geográfica) de outro. Partindo desse pressuposto, nosso objetivo principal foi exercitar possibilidades de encontro entre a linguagem científica da geografia e a linguagem artística do cinema musical, para tentar criar outros sentidos geográficos de pensar o espaço. Como decorrência disso, tentamos experimentar leituras e análises que se afirmam como geografias menores, linguagens científicas a derivarem do discurso maior da geografia institucionalizada. Não tentamos trilhar os caminhos já consolidados dos estudos geográficos, notadamente os de caráter culturalistas ou humanistas, mas estabelecemos uma posição política pela qual os estudos já consolidados no contexto da linguagem 1

Eixo Temático: 1 – Educação em Geografia: dialogo docente e ensino na escola.

científica maior (a que se coloca como oficial, institucionalizada, reproduzida nos cânones científicos e educacionais) fossem rasurados, permitindo assim experimentar outras possibilidades e imagens espaciais a partir daquilo que as linguagens artísticas nos provoca e instiga (OLIVEIRA JR, 2005). Uma posição assim assumida, cobra analisar as potencialidades estéticas da obra cinematográfica, elaborada como uma mercadoria a divulgar um produto popular de consumo; tal análise visa abordar essa obra como bloco de sensações (DELEUZE, GUATTARI, 1992) capaz de atualizar e ampliar os referenciais articuladores da linguagem geográfica. Assim, o filme dos Beatles aqui eleito deve ser entendido como uma obra de arte, um conjunto de elementos agenciados pelo plano estético, articulando sons e imagens com uma força a nos afetar e nos fazer pensar para além do que a lógica discursiva e racionalista da linguagem científica consegue abordar.

CONSIDERAÇÕES: METODOLOGIA, RESULTADOS E DISCUSSÃO.

O Projeto de Iniciação Científica Linguagens Geográficas: outros sentidos espaciais em A Hard Day’s Night, do qual este texto é consequência, faz parte das atividades desenvolvidas no interior do Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas (GPLG), o qual articula uma série de ações e pesquisas que visam experimentar outras possibilidades de se pensar os conceitos estruturadores do discurso científico da Geografia, buscando aproximações e trocas com linguagens artísticas e filosóficas que possam instigar outras imagens e sentidos espaciais, notadamente em sua perspectiva de ensino. Para atender esses pressupostos, optou-se em abordar o filme “A Hard Day’s Night”, o qual expressa os processos de construção de um mito popular e juvenil, estabelecendo os referenciais de identidade e de orientação espacial para um contingente populacional em nível mundial. A intenção com essa abordagem fílmica não foi elaborar propostas de como trabalhar este filme em sala de aula ou de como ilustrar um conteúdo já estabelecido como geográfico, mas sim de exercitar percepções e pensamentos espaciais que possibilitaram um melhor domínio da linguagem geográfica em sua potencialidade mais contundente, contribuindo para que professores e pesquisadores de Geografia ampliem suas perspectivas de leitura geográfica. Como exemplo da pertinência e atualidade desse filme para discutir os elementos signicos que envolvem os referenciais espaciais hegemônicos atuais, destacamos apenas um aspecto do filme para aqui poder pontuar a pertinência de sua abordagem pela geografia. Destacamos o ritual midiático para definir os referenciais de moda e de postura que os corpos devem expressar através de roupas e formas eleitas como símbolos pertinentes de uma identidade aceita pelo grupo. Em meio aos parâmetros de

rebeldia e de contestação a uma ordem estabelecida, os ícones da juventude devem servir de novos referenciais de orientação para o coletivo que com aqueles corpos se identificam. (...) contestação da autoridade, manifestações da “Beatlemania”, preocupação com a moda e a sensualidade, entre outras, mas uma delas merece destaque: num dado momento, procurando por Ringo que havia sumido, George acabou entrando numa sala de um profissional de tendência de moda. Na cena, este profissional mostra uma preocupação em conquistar um potencial cliente e, acima de tudo, um formador de opinião praticamente uma pesquisa de mercado. Este tipo de iniciativa viria a se tornar uma prática rotineira, não só na moda, mas em todas as ações de marketing (que estabeleceria suas primeiras regras por volta da década de 1970 (DIX, 2010, p. 83).

Tal leitura de uma cena do filme já apresenta todo o potencial que o mesmo acabou por inaugurar nos referenciais e parâmetros que a indústria cultural acabou por atualizar em seus processos de produção, divulgação e sistematização de processos de consumo de seus produtos. Contudo, para podermos nos aprofundar nos aspectos mais complexos de tal territorialidade que daí se desdobrou, passamos a experimentar um ferramental teórico e metodológico que melhor se adequava aos objetivos e ao objeto a ser abordado, ou seja, abordar o filme “A Hard Day’s Night” não necessariamente para discutir os quatro rapazes de Liverpool, mas para exercitar os referenciais geográficos no entendimento de como o cinema pode contribuir para melhor nos orientarmos e nos localizarmos no mundo (HOPKINS, 2009; HARVEY, 1993). Diante disso, nossas leituras e análises apontaram para um aspecto fundamental da possibilidade de diálogo entre cinema e geografia, o qual advém da importância do referencial espacial que as duas linguagens abordam. Pelo plano do cinema, Pierre Francastel é categórico quanto a importância da questão espacial para a linguagem cinematográfica devido a questão do movimento e demais elementos técnicos e psicológicos “no mecanismo de expressão fílmica, deve ter-se sempre que o cinema estabelece a noção do espaço” (FRANCASTEL, 1983, p. 157). Pela perspectiva da linguagem geográfica, David Harvey afirma que o cinema “tem talvez a capacidade mais robusta de tratar de maneira instrutiva de temas entrelaçados do espaço e do tempo” (1993, p. 277). Mas, para além de Harvey, pensadores importantes de longa data para a Geografia, como Delgado de Carvalho (1925), mas também contemporâneos como Oliveira Junior (2013), Ferraz (2012), Barbosa (2011), Azevedo (2009), Hopkins (2009) entre outros, destacam a importância do cinema para os estudos geográficos. Para atender tal possibilidade, trilhamos uma metodologia mais clássica de leitura, fichamentos e debates a partir de três parâmetros que fundamentam nosso olhar sobre o objeto a ser analisado. Primeiro, como o trabalho é de estudo de uma obra

cinematográfica, há leituras e fichamentos de textos que analisam a respectiva linguagem, notadamente pelo seu fundamento imagético (BARBOSA, 2011; FERRAZ, 2012). Depois, como o filme é um sobre e com os Beatles, fizemos leituras e debates para melhor compreender a importância desse grupo musical no cenário cultural do mundo contemporâneo (DIX, 2012; HUNTER, 1968; MUGGIATI, 1997), assim como melhor fundamentar o sentido de cultura enquanto um fenômeno passível de estudo geográfico a partir da presença desse na formação do imaginário espacial contemporâneo (PIMENTA, SARMENTO, AZEVEDO, 2007; SARMENTO, AZEVEDO, PIMENTA, 2006). Outro foco de leituras necessárias se fundamenta nos textos do filósofo francês Gilles Deleuze, assim como os escritos com seu parceiro de pensamento Felix Guattari. Tal opção se atém ao fato desses pensadores apontarem para a pertinência de se produzir pensamentos a partir do estabelecimento de intercessores entre os planos filosóficos, artísticos e científicos, portanto, dando condições teóricas e práticas de se desenvolver uma pesquisa em que a linguagem científica entrou em contato com a linguagem artística (MASSEY, 2008; FERRAZ, NEVES, 2012). POR UMA CONCLUSÃO EM ANDAMENTO

Diante da economia para elaborar este texto, pontuamos aqui alguns elementos que parametrizam nossa caminhada até agora feita sobre o filme A Hard Day’s Night. De início, torna-se necessário melhor qualificar o que aqui se construiu de sentido de linguagem, ou linguagens aqui tantas vezes escrita e indicada. Destacamos que a nossa concepção de linguagem aqui agenciada visa nos fundamentar a abordar a possibilidade de trocas entre as linguagens científicas e artísticas, portanto, não se restringe a linguagem como comunicação e informação em si, limitada a uma estrutura lógica que estabelece a relação de identidade entre o significante e o significado, entre o mundo e a representação (DELEUZE, 2007), como se a palavra fosse a representação exata da realidade, ou pior, que a realidade fosse exatamente aquilo que se representa na palavra denominada. Optamos aqui em entender linguagem como uma força agenciadora de signos, enunciados e corpos capaz de criar sentidos e significados por meio de uma estrutura sígnica qualquer, o que permite forçar ou rasurar um campo linguístico (da ciência, por exemplo) quando em contato com outro (da arte) (DELEUZE; GUATTARI, 1992). Tais rasuras é que levam a linguagem de um campo assim tensionado, violado, buscar criar pensamentos capazes de dar outros sentidos ao que até então estava consolidado como informação verdadeira daquele campo linguístico. Essa definição, por si só genérica, é pertinente para nossos objetivos aqui quanto a necessidade de caminhar entre o referencial conceitual mais elaborado e sua efetivação em meio a generalização cotidiana.

Nesse aspecto, tomamos a questão da linguagem como uma potência articuladora de signos, não restritos a meramente comunicar e informar fatos entre indivíduos, mas se mantem imanente a vida social, dos corpos em suas relações e encontros a fazerem da linguagem a força transformadora sígnica da realidade. Linguagem, por conseguinte, tem um aspecto fundamental nos processos pelos quais os corpos significam seus referenciais espaciais, estabelecendo os sentidos de localização e orientação com que cada sociedade territorializa o mundo enquanto vida. Partindo dessa perspectiva de linguagem, pontuamos o encontro do constructo discursivo da linguagem cientifica da geografia com a linguagem artística do cinema, no caso, um filme pautado na força da música dos Beatles. Diante disso, torna-se necessário melhor delimitarmos nosso entendimento sobre cinema e música. Iniciando com a linguagem cinematográfica, entendemos a mesma como uma articulação de imagens que passa o sentido de movimento no tempo e no espaço. Ou seja, pela forma como se captura os fenômenos na imagem cinematográfica, como a câmera capta o registro de luz dos corpos (enquadramento, ângulo, distância, relação luz/sombra etc.), e como essas imagens são editadas e montadas (cortes, passagens de uma tomada a outra, uso de sons, diálogos etc.) acabam se construindo um sentido de movimento de tempo que desemboca numa dada percepção de espaço (DELEUZE, 2009). A linguagem do cinema, portanto, reverbera num imaginário social de construção de sentidos de espaço e de tempo específicos, o que pode consolidar uma imagem fixa e autoritária do que se tem por espaço e tempo, mas também pode permitir outras experimentações de sentidos de tempo e de espaço, conforme for a potência criativa dos envolvidos na elaboração de uma determinada obra cinematográfica. Abordar o filme A Hard Day’s Night, portanto, é o desafio de perscrutar, a partir do encontro e da capacidade de suas imagens nos afetar, quais sentidos de tempo ele nos força sentir e de como essa sensação pode nos instigar a pensar outras imagens espaciais. Para tal, como o filme é pautado na lógica das músicas dos Beatles, o referencial da linguagem musical precisa ser melhor delimitado. Buscando em Deleuze parâmetros para podermos nos posicionar frente a essa questão, identificamos a capacidade de experimentarmos novos encontros com o referido filme na busca por perceber o que ele potencializa de outros sentidos audíveis para o nosso mundo (DELEUZE; PARNET, 198889). Nosso entendimento não visa identificar uma compreensão do que os Beatles tornaram audíveis sobre as questões até então não ouvidas e pensadas, ou percebidas em sua época, mas o que de sua sonoridade musical, a partir daquilo que o filme apresenta, pode derivar em outros sentidos audíveis para uma maior compreensão da sociedade atual em sua complexa dinâmica espacial. Ou seja, qual a forma espacial dos fenômenos que a

indústria cultural, no caso a que se volta para a produção de objetos sonoros e fílmicos, atualmente expressa a partir da paisagem sonora atualizada pelos Beatles. O filme A Hard Day’s Night é esse monumento de sensações que agencia sons e imagens capazes de estabelecer novas percepções e pensamentos espaciais, tanto por expressarem a forma espacial dos fenômenos que constituem a lógica da sociedade do grande mercado da industrial cultural, quanto por atualizarem no interior dessa sociedade a paisagem sonora com que os corpos agenciam seus referenciais de localização e orientação espacial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AITKEN, S.; ZONN, L. (Eds.). Place, power, situation and spectacle: a geography of film. Lanham: Rowman & Littlefield, 1994. CARNEY, G. (ed.). The sound of people and places – a geography of american music from country to classical and blues to bop: folk and popular music. Lanham: Rowman & Littlefield, 1978. DELEUZE, Gilles. Cinema 1: A imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. DELEUZE, Gilles. Dos Regímenes de Locos – textos y entrevistas (1975-1995). Valencia (ES): Pré-Textos: 2007. DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. O Abecedário de Gilles Deleuze. (1988-1989). Disponível em http://www.ufrgs.br/corpoarteclinica/obra/abc.prn.pdf. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix. O Que é Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. DISTER, A. The Beatles. Porto: Centelha, 1982. DIX, L. E. G. Os filmes dos “The Beatles” e os movimentos populares da década de 1960. 2010. 134 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2010. FERRAZ, C. B. O. Imagem e geografia: considerações a partir da linguagem cinematográfica. Espaço & Geografia, v. 15, n. 2, p. 357-384, 2012. FERRAZ, C.B.; NUNES, F. G. O horizonte não é linear: paisagem e espaço na Perspectiva Audiovisual Linear de Anton Corbijn. Ateliê Geográfico. Goiânia (GO), v. 8, n. 1, p.166-180, abr. 2014 FORD, L. Geographic factors in the origin, evolution and diffusion or rock and roll music. Journal of Geography. Washington (DC): National Council for Geographic Education, n. 70, p. 455-64, 1971. FRANCASTEL, P. Imagem, visão e imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1984. GOULD, J. Can’t buy me love: os Beatles, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009. HARRISON, G. I, me, mine. San Francisco: Chronicle Books, 2002. HARVEY, D. A construção pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993. HUNTER, D. A vida dos Beatles: a única biografia autorizada. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1968. KONG, L. Música popular nas análises geográficas. In: CORRÊA, L. C.; ROSENDAHL, Z. (orgs.). Cinema, música e espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009, p. 129-175. MASSEY, D. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

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