A Hermenêutica do sujeito -Foucault

July 4, 2017 | Autor: Carlos Orellana | Categoria: Michel Foucault, Foucault power/knowledge - discourse
Share Embed


Descrição do Produto

      A Hermenêutica do sujeito       Curso ofertado por Michel Foucault no Collège de France em 1981­1982   

        Foucault  destaca  que  curso  foi consagrado ao tema da hermenêutica de si. Não se trata apenas de  estudar  as  formulações  teóricas,  mas  de  analisar  a  relação  de  um  conjunto  de  práticas  que  tiveram,  na  Antiguidade  clássica  ou  tardia,  uma  grande  importância.  Essas  práticas  revelam  o  que  chamamos  em  grego   ​ epimeleia  heautou​ ,  em  latim  de  cura  sui.  Esse  princípio  de  se   ocupar  de  si  ou  preocupar  consigo   mesmo,  sem   dúvida,  foi  obscurecido  pelo  princípio  de  gnôthi  seauton.  Do  começo  da  cultura  antiga,  é  fácil  localizar  os  testemunhos  da  importância  de  preocupação consigo e de sua relação com o tema do conhecimento de si.   Foucault  destaca  que  Sócrates  em  ​ Apologia​ .  Vemos  Sócrates  se  apresentar  a  seus juízes como o  mestre  da  preocupação  de  si.  Ele  é  aquele  interpela   os  passantes  e  diz:  vocês  se  preocupam  de  suas  riquezas,  de  sua  reputação  e  de  suas  honras,  mas  de  sua  virtude,  de   sua  alma,  vocês não se  ocupam.  Sócrates  é  um  vigia  para  que  seus  concidadãos  se  preocupem  de  si  mesmos.  A  propósito  desse papel, Sócrates diz  três coisas importantes: essa foi uma missão foi confiada pelo   deus  e  não  abandonará  até  o  último  suspiro;  é  uma tarefa desinteressada, pela qual ele não exige  nenhuma  retribuição;  enfim  sua  função  é  útil  para  a  cidade.  No  lugar  de  condená­lo, seus juízes  deveriam recompensar Sócrates por ter ensinado aos outros a se preocupar consigo mesmos.   Oito  séculos  mais  tardes,  a  mesma  noção  de  ​ epimeleia  heautou  aparece  num  papel  igualmente  importante  na  obra  de  Gregório  de  Nissa.  Ele  convoca  esse  termo  pelo   qual  deveríamos  renunciar  ao   casamento,  nos  afastaríamos  da  carne  e  pela  qual  graça  à  virgindade  do  coração  e 

do  corpo,  encontraríamos  a  imortalidade. Em uma outra passagem do Tratado da Virgindade, ele  conta  a  parábola  da  dracma  perdida,  é  necessário  acender  as  luzes,  vasculhar cada canto da casa  para  encontrar  a  moeda  perdida,  até  o  momento  que vemos brilhar na sombra o metal da moeda,  da  mesma  maneira  para  encontrar  a  efígie  que   Deus  imprimiu  em  nossa  alma  e  que  o  corpo  recobre,  é  necessário  tomar  conta  de  si  mesmo,  acender  a  luz  da  razão  e  explorar  todos  os  recantos  da  alma.   Vemos  o  ascetismo  cristão,  como  a  filosofia  antiga,  destaca  a preocupação de  si  e obriga ter conhecimento de si como um dos elementos de preocupação essencial. Nesses dois  extremos, Sócrates e Gregório de Nissa, constatamos que a preocupação  de si tem constituído um  princípio, mas acima disso, uma prática constante.  Foucault  enfatiza  que  seria  um  erro  acreditar  que  a  preocupação  de  si  foi  uma  invenção  do  pensamento  filosófico,  mas   foi  um  preceito  de  vida  que  foi  altamente  valorizado  na  Grécia.  Plutarco  cita  um  alforismo  muito   significativo.   Perguntaram  a  Alexandrido  o  motivo  de  seus  compatriotas,  os  espartanos,  confiarem  a  cultura  de  suas  terras  aos  escravos.  A  resposta  foi:  porquê  preferimos  nos  preocupar  conosco.  Preocupar­se  é  um  privilégio,  a  marca  de  uma  superioridade  social,  em  oposição  àqueles  que  se  ocupam  em  servir  ou  ainda   se  ocupam  de  seu  serviço  para  poder  viver.  A  vantagem  que  é  ofertada  pela  riqueza,  pelo  status  ou  nascimento  se  traduzem  pelo  fato  que  existe  a  possibilidade  de  se  preocupar  consigo  mesmo.  Podemos  notar  que  o  termo  latino  ​ Otium  ​ designa  o  lazer  que  é,  por  excelência,  o  tempo  que  passamos  preocupados conosco.   O  ponto  de  partida  sobre  um  estudo  consagrado  a  preocupação  de  si  está,  naturalmente,  em  Alcebíades.  Três   questões  surgem  na  apreciação  de  Alcebíades.  A  primeira  é  a  recomendação  que  Sócrates  faz  a  Alcebíades  possa  aproveitar  sua  juventude  para  se  ocupar  de  si  mesmo,  pois  aos cinquenta anos seria tarde demais. Enquanto, Epicuro dizia que  nunca é cedo ou tarde demais  para  se  ocupar  de  si  mesmo.  A  segunda questão se refere à pedagogia, ou seja, a preocupação de  si  se  impõe  devido  a  defeitos  na  formação.  A  terceira  questão em relação à preocupação de si se  refere  à  ligação  com  o  mestre,  diretor  ou  outro  na  qual  a  relação  possa  se  apoiar.  Destaca­se  a  multiplicidade  de  relações  sociais  que  podem  servir de apoio a essa iniciativa  de preocupação de  si:  as  organizações  escolares,  relações  familiares,  de  amizade.  Elas  constituem,  por  assim  dizer,  um serviço da alma, que se finaliza através do conjunto de relações sociais múltiplas. 

Essa  cultura  de  si  comporta  um  conjunto  de  práticas  que  designamos,  em  geral,  pelo  termo  askesis.  E  para  que  possamos  enfrentar  os  eventos  que  podem  se  produzir  em  nosso  futuro,  precisaríamos  de  discurso,  precisaríamos  de  ​ logoï,  entendido  como  discurso  verdadeiro   e  discurso  racional.  E  três  questões  se  impõem  sobre  esse  tema:  a  primeira  questão  sobre  sua  natureza,  a  discussão  entre  as  escolas  filosóficas  foram numerosas. De acordo com a filosofia de  Epicuro,  conhecer  os  princípios  que  regem  o  mundo,  a  natureza  dos  deuses,  as  leis  da  vida  e da  morte  seriam  os  pontos  indispensáveis  para  se  preparar  aos  eventos  possíveis  da  existência.  Entretanto,  os  estóicos  partilham  de um olhar com as doutrinas cínicas, uma maior importância a  dogmata, aos princípios teóricos que completam os princípios práticos.   A  segunda  questão  imposta  é  o  modo  de  existência  desses  discursos  em  nós.  Se  esses  discursos  são  necessários  para  nosso  futuro,  isto  é,  é  necessário  um  evento  ruim  ou  imprevisto  para   que  possamos  recorrer  a  eles  ou  nos  proteger,  e  para  isso  é  preciso  que  eles  estejam  a  nossa  disposição.  Plutarco  recorre  à  metáfora  dos  medicamentos  (pharmakon)  para  discutir  a presença  em  nós  desses  discursos,  ou  seja,  que  devemos  estar  munidos  desses  medicamentos  (os  discursos)  para  frear  todas  as  vicissitudes  da  vida.  Temos  um  movimento  muito  distinto  em  Platão  que  acredita  que  a  alma  deve  retornar  a  si  mesma para encontrar sua verdadeira natureza.  Enquanto  que  Plutarco  e  Sêneca  sugerem  que  a  absorção  de   uma  verdade  dada  por  um  ensinamento,  leitura  ou  um  conselho  pode  ser  assimilada  e  até  fazer  parte  de  si  mesmo,  num  princípio  de  ação  interior  permanente.  E  a  terceira  questão  que  se  impõe  trata­se  das  técnicas  e  métodos  da  apropriação  do  discurso.  A  memória  tem  um  papel  importante,  sob  forma  de   exercícios  progressivos  de  memorização.  Além  desses  exercícios  de  memorização,  Foucault  destaca  alguns  pontos  importantes  para  a  ‘ascese’  da  verdade:  a  importância  da  escuta,  a  importância da  escrita (tomar notas de palestras, reflexões e  temas importantes), a importância de  retornar a si mesmo e compreender as riquezas já adquiridas.  Entretanto,  Foucault  destaca  que  a  hermenêutica  do  sujeito  encontra­se  longe,  mas  o  que  ele  descreveu foi o movimento de armar o sujeito de uma verdade que ele desconhece na tentativa de  tomá­la  progressivamente  colocando  em  aplicação.  Nesse  sentido,  Foucault  volta  sua  atenção  para  alguns exercícios mentais realizados na Antiguidade que podem nos ajudar a compreender o  funcionamento  do  pensamento  e  seus  encadeamentos.  O  mais  célebre  exercício  foi  o 

praemeditatio  malorum,  ​ meditação  de  um  futuro  ruim.  Os  estóicos  praticavam  a  aplicação  do  praemeditatio  malorum.  ​ Essa  prática  consiste  em  representar  de  maneira  sistemática  a  pior  possibilidade  que  possa  acontecer,  após  imaginar  essa  possibilidade como fosse um evento atual  e por fim representar as consequências desses males imaginários. Esse  exercício em prever o pior  futuro  possível,  mas  de  anular  todo  o  mal  possível,  pois como  a representação pudesse controlar  o  evento  futuro  como  tal.  Na  outra  extremidade  de  exercícios,  encontramos  aqueles  que  se  efetuam  no  presente  que  possuem  uma  longa  tradição  por  trás:  as  práticas   de  abstinência,  de  privação  ou  de  resistência  física.  Esses  exercícios  possuem  um valor de purificação, e na cultura  de  si  esses  exercícios   tentam  estabelecer  e  testar  uma  independência  do indivíduo em relação ao  mundo exterior.   E  entre esses dois polos, o meditatio​ , onde  se treina o pensamento e do ​ exercitatio​ , onde se treina  na  realidade,  há  toda  uma  série  de  outras  práticas  possíveis  destinadas  a   ser  uma  prova  de  si  mesmo.  Foucault  destaca  que  foi  espiritualidade  cristã  que  podemos  encontrar  que  poderíamos  chamar  de  ‘controle  de  representações’.  Uma  atitude  que  pode  ser  expressa  em  duas  metáforas;   uma  do  guardião  da  noite  e  outra  do  cambista  ou  verificador  de  moedas  que  observa, suspeita e  verifica  o  metal  e  a  efígie.  Nessas  duas  metáforas  há  uma   atitude  hermenêutica  de  olhar  a  si  mesmo,  de  decifrar  os  pensamentos  inocentes  e  os  pensamentos  vindos  do  Sedutor.  Nesse  controle  de  representações  não  tem  por  objetivo  decifrar  uma  verdade  escondida,  mas  o  contrário,  de  encontrar  representações  (morte,  doença  ou  sofrimento)  que  poderíamos  reagir  de  maneira confortável.     

 

 

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.