A Hiperventilação como Iniciador do Aquecimento Inespecífico em uma Sessão Psicoterápica de Grupo

June 3, 2017 | Autor: Antonio Grangeiro | Categoria: Psicología, Rebirth, Psychologist
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ABPS – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICODRAMA E SOCIODRAMA DE SÃO PAULO

FORMAÇÃO PSICODRAMATISTA DIDATA “A Hiperventilação como Iniciador do Aquecimento Inespecífico em uma Sessão Psicoterápica de Grupo” Antonio Agrismar Tavares Grangeiro 11/05/2016

Submetido em: 05/12/2015 Aceito em: 13/04/2016

Trabalho de conclusão de curso no formato de Ensaio Científico para obtenção do título de PSICODRAMATISTA DIDATA - Foco Psicoterápico da ABPS. Orientadora: Rosa Lidia Pacheco Pontes

BANCA EXAMINADORA:

Adriana Corrêa

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Rosalvo Pires

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“Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos, a reprodução total ou parcial deste ensaio”

Antonio Agrismar Tavares Grangeiro ([email protected]) 11/05/2016

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DEDICATÓRIA

Dedico a todos aqueles que anseiam por liberdade, sabendo que a liberdade traz muitas responsabilidades. Dedico especialmente - in memoriam - para o mestre e amigo José Ângelo Gaiarsa. “Nenhuma constituição e nenhuma revolução Jamais pensaram em garantir, para os homens, o direito de Respirar. Nenhum direito mais necessário, pois vivemos o tempo todo nos sufocando uns aos outros. Você me sufoca: _ Sempre que não posso dizer para você

o que faço, o que sinto e o que penso.

_ Sempre que preciso controlar minha voz e meus gestos, para que você não perceba minhas intenções. _ Sempre que me ponho a justificar o que faço frente a meu Juiz interior – que é você. _ Sempre que reprimo meus desejos porque todos vigiam a todos, para que ninguém faça o que todos gostariam de fazer O que seria bom que todos fizessem. Amar, cantar e dançar... Minha vingança é fazer o mesmo com você. Por isso digo que vivemos todos nos sufocando, e que jamais se pensou em garantir para todos o direito de respirar. Nós nos negamos o mais fundamental dos direitos – o de viver. Por isso vivemos sufocados – angustiados – infelizes. É preciso renascer – e é possível renascer.”

José Ângelo Gaiarsa (1.995)

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A(r) inspirar...

Ah vento, sopro de vida

Leve esperança

Imagem que a tudo revela

Com os cabelos soltos pela liberdade

Encontra o teu caminho de coração aberto!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a José Ângelo Gaiarsa e Leela, os primeiros a me mostrarem o Renascimento e a Armando de Oliveira Neto, por me abrir os caminhos para as Psicopatologias, de forma a pavimentar bases teóricas firmes e auxiliadoras de um proceder psicoterápico.

Agradeço aos meus pacientes, que demonstraram confiança em meu trabalho e na proposta de utilizar a respiração como fonte de descoberta pessoal.

Agradeço a minha orientadora Rosa Lidia, que me conduziu ao foco deste trabalho que tanto me orgulha e a minha banca examinadora (Rosalvo Pires e Adriana Corrêa), que me desafiaram a oferecer o meu melhor para este momento.

Agradeço a minha esposa Cristiane, a meu filho Lucas e a Alice (por vir), por me apoiarem nas horas em que precisei me dedicar ao estudo e escrita deste ensaio. E foram muitas!

Agradeço a Deus, onipresente, onisciente e onipotente, como a respiração é para nós, do primeiro ao último instante de nossa existência.

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RESUMO

Este trabalho utilizará a hiperventilação voluntária como iniciador do aquecimento inespecífico em uma sessão psicoterápica de grupo, correlacionando respiração e espontaneidade. A metodologia utilizada para este trabalho baseou-se na visão fenomenológica, onde se coletou dados a partir da montagem de uma cena grupal que representasse a experiência vivida após a hiperventilação em uma sessão de psicodrama.

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ABSTRACT

This paper uses the voluntary hyperventilation as initiator nonspecific heating in a group psydhotherapy session, correlating breathing and spontaneity. The methodology used for this work is based on the phenomenological vision, which consisted at colecting data from the assembly of a group setting to perform te experience after hyperventilation in a psychodrama session.

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SUMÁRIO

1. 2. 3. 4. 4.1. 4.2. 4.3. 4.4. 5. 5.1. 5.2. 5.3. 5.4. 5.5. 5.6.

5.6.1. 5.6.2. 5.6.3. 6. 6.1.

6.2. 6.3. 7. 8. 8.1. 9.

Introdução Justificativa Objeto de Estudo Fundamentos Teóricos O Papel do Respirador e o “Eu” O Resgate da “Unidade” Alma e Corpo Epítome sobre a Psiconeurofisiologia da Hiperventilação A Hiperventilação como Iniciador do Aquecimento Inespecífico em uma Sessão de Psicodrama de Grupo Metodologia Aplicada para Análise Fenomenológica da HPV como Aquecimento Inespecífico numa Sessão de Grupo Viés Fenomenológico Formação do Grupo Critério de Escolha de Pacientes e Seleção para o Grupo Consolidação do Grupo Contrato Psicológico Descrição das Etapas Utilizadas para a Inserção da HPV como Instrumento Iniciador de Aquecimento Inespecífico numa Sessão de Psicodrama de Grupo Preparação Antecipada da Sessão Orientações Dadas aos Pacientes Sobre a Prática da HPV Voluntária Condução dos Elementos Psicodramáticos Surgidos a partir da Experimentação da Hiperventilação Voluntária Resultados Descrição da sessão de grupo - Aplicação em psicoterapia de grupo da hiperventilação como instrumento iniciador psicodramático de aquecimento inespecífico Aparecimento do Protagonista e a Expressão da Cena Psicodramática Outros Relatos dos Pacientes e Observações do Diretor Discussão: Análise e Avaliação dos Resultados Considerações Finais Algumas Limitações Identificadas Referências Bibliográficas Anexos

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ENSAIO CIENTÍFICO “A Hiperventilação como Iniciador do Aquecimento Inespecífico em uma Sessão Psicoterápica de Grupo”

1. INTRODUÇÃO

Na década de 90, em meio a minha graduação em psicologia na UMESP, conheci pessoalmente, dentre tanta gente interessante, o médico psiquiatra José Ângelo Gaiarsa. Gaiarsa que foi um profundo estudioso dos mecanismos psicológicos da respiração, e vi no desafio de escrever este ensaio a oportunidade de resgatar a experiência vivida nos tempos de recém graduado, atualizada pela linguagem psicodramática dos dias de hoje. Durante os anos 90 me aproximei de Gaiarsa iniciando amizade com ele, sendo um de seus “pupilos” neste período. Em 1994, participei de um grupo de estudo supervisionado e orientado por ele, onde fui preparado a utilizar o RENASCIMENTO como proposta terapêutica. O Renascimento é a técnica que utiliza de hiperventilação1 (HPV), com finalidade de desenvolvimento pessoal, e que por mim era aplicada também com finalidade psicoterapêutica. O Renascimento em sua gênese foi (e ainda é largamente usada para este fim) uma técnica de cunho “espiritualista”, de origem indiana, e que ganhou uma versão ocidental, atribuída ao neurofisiologista, filósofo e psicoterapeuta Leonard Orr (1, pg 297). A meu ver, o mérito de Gaiarsa sobre este assunto foi aprofundar uma análise clínica e ensaísta a luz da psicologia, neurologia, biologia e antropologia, que culminou no lançamento de seu livro “Respiração, Angústia e Renascimento”, em 1994. Dando um salto no tempo: em 2008 recebo o título de Psicodramatista – Foco Psicoterápico, e toda uma nova visão em psicologia e psicoterapia se abre para mim, principalmente a partir das supervisões do psiquiatra Armando de Oliveira Neto e do psicólogo Rosalvo Pires, ambos do NEPA (Núcleo de Estudos em Psicoterapia de Adultos e Adolescentes da ABPS). Este trabalho nasceu então do desejo de aproximar os elementos fundamentais destas duas formas marcantes de intervenção terapêutica: O Renascimento e o Psicodrama. E o

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A hiperventilação durante uma sessão de Renascimento consiste na intensificação voluntária da respiração por cerca de uma hora. Como será relatado posteriormente, este tempo de hiperventilação não foi utilizado no grupo de pacientes deste estudo.

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primeiro desafio identificado em aula com minha orientadora Rosa Lídia foi o de definir que enfoque dar a este projeto. A solução encontrada foi pinçar do processo de Renascimento o seu elemento essencial: a hiperventilação. Portanto, é importante sublinhar, o Renascimento, como processo, não foi reproduzido na sessão de psicodrama que conduzi. O trabalho que a seguir transcrevo discorre sobre a aplicação, análise e estudo da hiperventilação como iniciador de aquecimento inespecífico dentro de uma sessão psicoterápica de grupo, ou seja, a utilização da HPV como instrumento preparatório para a emergência do protagonismo dentro de uma sessão grupal. Ademais, para obtenção do título de Psicodramatista Didata, a FEBRAP utiliza como critério para aceitação de trabalhos científicos estudos que propiciem a reflexão sobre “... a experiência do método sóciopsicodramático em sua prática profissional grupal...”. (2, pg 7). Para tanto, nos valemos da definição do próprio Moreno quando ele diz que Psicoterapia de Grupo, “consiste de sessões terapêuticas, nas quais três ou mais pessoas que tomam parte esforçam-se para resolver problemas comuns” (3, pg 30).

2. JUSTIFICATIVA

Na ocasião, fiz um levantamento junto ao Instituto da ABPS sobre a bibliografia em Psicodrama a respeito da influência psicológica que a Respiração tem sobre os indivíduos e ou grupos. Moreno menciona de forma tênue a valia da respiração nos processos de autoarranque / aquecimento (4, pg 103). Em alguns casos, deixa implícito isso, como em passagens onde fala sobre o papel psicossomático. Outros citam o uso da respiração como “Iniciador”, reforçando a ideia de “autoarranque” apresentada por Moreno, como exposto por Almeida (5, pg 35), mas o tema respiração, de fato, não é objeto de estudo do psicodrama, ou como diria Bustos: “Moreno cria a metodologia da ação e não do corpo (...) o trabalho corporal não define a linguagem dramática como define a bioenergética ou a biodança” (5, pg 22). Segundo ele é a ação que define o trabalho psicodramático, portanto, é natural pouco se falar sobre a respiração no psicodrama. Especificamente sobre a hiperventilação, nada encontrei. Por outro lado, a angústia invariavelmente está associada a algum nível de restrição respiratória (ou tensão muscular que abrange a musculatura torácica e orofacial). Por sinal, vemos empregadas no dicionário algumas definições da palavra “angústia” como sendo sinônimo de “estreiteza” e “opressão” (7, pg 120). Esta sensação de aperto a que se refere a palavra angústia (ou ansiedade) não é apenas psicológica, é também física. Quando Moreno descreve o axioma no qual o ser Página 10 de 64

humano oscila entre o máximo de espontaneidade e a conserva cultural total (4, pg 156), implícito estão os mecanismos psicofisiológicos da respiração. A lógica aqui defendida é a de que a respiração livre acompanha a espontaneidade, enquanto a inibição respiratória acompanha a conserva cultural, pois a primeira pede um movimento de expansão e fluidez, sendo que a segunda, de retração, rigidez e repetição padronizada. Quero deixar clara essa ideia: provavelmente há uma correlação entre (A) os padrões de tensãorelaxamento da musculatura respiratória (aspectos de nossa fisiologia corporal) e (B) espontaneidade-conserva cultural, que dizem respeito a dimensões psicossociologicas e culturais. Ora, podemos antecipar então um forte indicativo sobre o impacto que a respiração tem nos fenômenos de arranque e potencialização da espontaneidade (ou de seu apequenamento ou mesmo aniquilamento). Pode-se dizer que, dependendo por onde oscila o “pêndulo” da respiração (fluidez X rigidez), é possível deduzir se uma pessoa tende para espontaneidade ou para a conserva cultural. Ademais, sendo a respiração elemento comum nos processos de auto arranque físico, a hiperventilação voluntária se presta a promover aquecimento preparatório. Ocorre que a angústia está no centro da queixa de quem procura por psicoterapia (individual ou grupal), cabendo ao psicoterapeuta levantar sua hipótese diagnóstica sobre “que tipo” de angústia o paciente trás, ou seja, se ele se apresenta em sofrimento psíquico, neurose ou psicopatia2. A queixa é como a ponta do ice berg e, segundo Fiorini, ela restringe-se basicamente a apresentação que o paciente faz de seus “sintomas mais perturbadores, situações de crise, ameaças de descompensação (...) fracassos de adaptação” (8, pg 91). Esta queixa é a forma como o paciente traduz / concebe a vivência da experiência que lhe angustia. Se adotarmos a Estrutura do Foco

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de Fiorini, é

demanda do psicoterapeuta psicodramatista que ele possa dirigir o processo psicoterápico na identificação da cena ou cenas que representem seu conflito, e com isto, possibilite a emergência [e elaboração] do conflito central ou “conflitivo central exacerbado” (8, págs. 90-91). Neste processo de focalização e rematrização do drama do paciente o aquecimento psicodramático é pedra angular. Acrescentemos que, no caso da

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Minha formação em Psicopatologia Compreensiva com o Dr. Armando de Oliveira Neto me leva a entender que “sofrimento psíquico” diz respeito a angústias de natureza não patológica, enquanto a neurose e a psicopatia (esta última não tipológica), como quadros psicopatológicos. 3 “Foco”, segundo Fiorini, é a orientação do trabalho psicoterapêutico que busca o “ponto nodal” da problemática do paciente.

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psicoterapia de grupo, o aquecimento é o fenômeno facilitador que ajuda a se chegar ao conflito que preocupa a totalidade do grupo no momento (6, pg 46). Em resumo temos que: 1) A respiração é parte intrínseca dos fenômenos psíquicos, como a angústia, autoarranque psicológico, espontaneidade etc; 2) A queixa é o modo com o qual o paciente “revela” e “oculta” a sua angústia; 3) O processo de aquecimento, numa sessão de psicoterapia, é fundamental para “desvelamento” da queixa do paciente, seja como iniciador para um contato mais profundo com a angústia, seja como potencializador da espontaneidade. Diante do exposto, e através do direcionamento recebido por minha orientadora Rosa Lídia, optei por analisar a utilização da respiração, em sua modalidade hiperventilada, como instrumento facilitador do processo de aquecimento inespecífico (warning up). Entendo que a melhor forma de verificar isto é avaliar se a HPV (enquanto momento de aquecimento inespecífico), contribuiu como agente catalizador do tema e do protagonista de uma sessão psicodramática de grupo.

3. OBJETO DE ESTUDO

O objeto deste estudo é a aplicação da hiperventilação em pacientes, como instrumento de aquecimento inespecífico em uma sessão psicodramática de grupo. Bermúdez afirma que o aquecimento (em seus dois momentos: inespecífico e específico) propicia uma certa homogeneização grupal, que conduz a atenção do grupo espontaneamente a um tema ou clima emocional comum entre seus membros (9, pg 55). Estes momentos estão encadeados e, segundo Gonçalves, é no aquecimento inespecífico que surge o protagonista, para que em seguida, ele entre em aquecimento específico (10, pg 79). A TESE defendida neste trabalho é de que a hiperventilação serve como instrumento de warming up psicodramático.

4. FUNDAMENTOS TEÓRICOS

4.1.

O Papel de Respirador e o “Eu”

O ato de respirar está associado ao papel de respirar, ou melhor dizendo, ao papel psicossomático de respirador. Este papel primigênio, dentro de uma perspectiva Página 12 de 64

evolutiva da teoria dos papéis, está vinculado a matriz de identidade e relaciona o indivíduo ao meio (11, pg 154). Qualquer que seja o papel psicossomático ele tem como principal finalidade “a diferenciação do indivíduo, pois com ele começa a tarefa de discernimento da relação fusional com o meio” (11, pg 154). Também, sob esta perspectiva, os papéis psicossomáticos sustentarão outros papeis subsequentes, como os sociais. Por exemplo, “sobre o papel de respirador irá se articular o papel de fonador, o de agente de sorriso, e mais adiante o papel de falador...” (11, pg 154). E ainda: “sempre descreveremos os papéis psicossomáticos como pivô da conduta” (11, pg 154). Assim como Moreno lançou ideias sobre a relação da respiração com o surgimento do “eu”, veremos em Gaiarsa que “Reich foi o primeiro a apontar para o papel fundamental da respiração em todos os fenômenos da repressão dos desejos e das emoções (1, pg 298). Para dar uma visão mais acurada sobre a relevância que a respiração tem no desenvolvimento do “eu”, precisamos contextualizar sob que circunstâncias ela é inserida em nossa existência. Em suas primeiras publicações na década de 20, Moreno descrevia o nascimento humano como sendo, de certa forma, prematuro. Segundo ele, nascemos “num mundo complicado e perigoso” (4, pg 100) muito antes de nosso organismo estar preparado. Ao que parece, um recém-nascido está mais para feto do que para filhote. Isto porque, sobretudo, o nosso cérebro, não está “pronto”. “Os centros cerebrais ainda não estão desenvolvidos. A circulação cerebral ainda não foi bem estabelecida. O sistema capilar é inadequado. Os centros da fala e a coordenação muscular para a locomoção não estão desenvolvidos. Inclusive a sucção, a ingestão, o choro, a respiração e a eliminação ainda não estão bem estabelecidos imediatamente após o nascimento.” (4, pg 100)

Outra referência, em trabalho publicado em sua primeira edição na década de 70, encontramos em Montagu: “Por que os seres humanos nascem em estado de tal imaturidade que são necessários de oito a dez meses para que os bebês consigam apenas engatinhar e mais quatro ou seis antes de poderem andar e falar? O fato de transcorrerem ainda mais alguns anos antes que a criança humana cesse de depender dos outros para sobreviver constitui mais outra evidência de imaturidade que prevalece no momento em que nasce, a qual perdura por um período mais extenso que qualquer outro animal.” (12, pg 63) (...) “As evidências sugerem que o feto humano nasce antes de sua gestação estar completa.” (12, pg 66)

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Segundo Montagu, a evolução cerebral do ser humano imprimiu mudanças na neotenia 4 de nossa espécie. Como resultado “a sobrevivência do feto e da mãe exige o término da gestação intrauterina quando o limite do tamanho cefálico compatível com o nascimento tiver atingido” (12, pg 66), e isso, pelo que sabemos, se dá muito antes de a maturação estar completada. Diante da realidade do nascimento humano, Moreno enfatiza o poder adaptativo que a espontaneidade nos confere e que nos permite sobreviver a tamanha mudança existencial. Vejamos se é possível correlacionar respiração, espontaneidade e aquecimento preparatório. Moreno explorou muito o conceito de espontaneidade e buscou até mensurá-la, utilizando-se dos testes de espontaneidade que medem o fator e. Por estes estudos afirmou que a “primeira manifestação básica de espontaneidade é o aquecimento preparatório da criança para o novo ambiente” (4, pg 103). Ora, as primeiras formas utilizadas pelo ser humano de ajustamento ao meio, de adaptação, ou como o próprio Moreno dizia, de interajustamento 5 , ocorrem por autoarranques físicos (4, pg 103). Cita: “O

sujeito

pode

movimentar-se ou

começar

respirando

pesadamente, fazer caretas (...) quer dizer, ele utilizará dispositivos físicos de arranque a fim de começar, confiando em que as atividades neuromusculares ou outras atividades físicas acabarão por afirmar e libertar formas de expressão mais altamente organizadas, como a adoção de papeis e a inspiração criadora, levandoo ao máximo grau de aquecimento preparatório de um ato espontâneo, para enfrentar uma situação nova” (4, pg 103)

A respiração é colocada por Moreno como um autoarranque (dentre outros) que pode funcionar como aquecimento preparatório de um ato espontâneo. Podemos acrescentar que não há possibilidade de qualquer ampliação rítmico muscular sem sua correspondente ampliação funcional do sistema cardíaco e respiratório. Se eu corro, se eu choro, se eu brigo, se eu fujo, e tantas outras ações e seus correspondentes emocionais, isto só será possível se houver alguma alteração cardiorrespiratória. Ou isso, ou a angústia (que também possui seu correspondente respiratório e cardíaco, como no caso dos

“Processo por meio do qual os aspectos estruturais e funcionais do descendente jovem (fetal ou juvenil) de formas ancestrais são preservados nos estágios de desenvolvimento do indivíduo que está amadurecendo...” (12, pg 66) 5 “O interajustamento demanda uma competência para lidar com a realidade que se apresenta, no momento em que se apresenta ou perdure” (13, pg 30). 4

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sintomas relatados por pacientes com diagnóstico de transtorno de ansiedade / pânico). Outro exemplo de correlação temos observando uma pessoa com doença de chagas subir uma escada. Sua patologia enrijece o músculo cardíaco e isso faz com que os batimentos de seu coração percam potência e frequência, implicando na diminuição do fluxo da circulação sanguínea e, portanto, reduzindo a distribuição do oxigênio intracelular. Ainda que seja uma pessoa jovem e quiser subir correndo a escada, não terá ânimo para isso, precisará tomar fôlego a cada dois ou três lances. Pelo que foi exposto por Moreno, a respiração como auto arranque começa no nascimento. Acrescentemos dados complementares trazidos à luz por Gaiarsa, sobre a condição respiratória do recém nascido: “É a sensação de asfixia do neonato que põe em ação a musculatura respiratória, e a ação desta é o protomodelo e o fundamento de toda a atuação chamada ego. Os músculos que FAZEM a respiração são estriados, POTENCIALMENTE VOLUNTÁRIOS.” (14, pg 28)

Segundo Gaiarsa, o que podemos definir como “indivíduo” COMEÇA com a primeira RESPIRAÇÃO, pois que “é o primeiro ato que a criança faz por si e para si (...) e EM BENEFÍCIO de si mesma” (14, pg 28). Segundo Gaiarsa, as duas primeiras funções do ego estão ligadas a “percepção da sensação crescente de asfixia” e o “alívio da asfixia” (14, pg 28). Lembremos que a função respiratória no neonato ainda é imatura e que precisa se contrapor a 9 meses de respiração via placenta e cordão umbilical. Nascer é, sob muitos aspectos, uma mudança radical. Outro dado apontado por Gaiarsa é de que a musculatura respiratória é estriada. Isso significa que, do ponto de vista histológico e do controle nervoso (SNC), eles são VOLUNTÁRIOS (14, pg 29), quer dizer, que “toda a musculatura estriada pode se fazer acessível à vontade” (14, pg 29). O imperativo fisiológico é indiscutível, principalmente para recém-nascido, que é só papel psicossomático. Se tem fome quer comer, se tem sede quer água..., e se sofre asfixia, quer, precisa respirar! Reflitamos um pouco sobre o impacto deste dado diante do número de vezes que respiramos ao dia (sejamos bebês ou adultos). “Convém notar que o ciclo asfixia-inspiração se repete, aproximadamente, 30 mil vezes por dia (20 por minuto); e convém confrontar esta frequência e seu valor vital com os 5 a 7 períodos de amamentação, a fim de bem compreender que o ego tem que ser muito mais respiratório que oral (digestivo).” (14, pg 30)

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Acrescente-se o fato de que, diferentemente da amamentação (que é um ato de dependência do outro), a respiração é ato individual, primeiro ato de independência do ser humano, contrariamente à condição de vida intrauterina, na qual o fornecimento de oxigênio era sustentado pela mãe. (14, pg 30) A respiração é continua e urgentemente necessária, sempre - do primeiro instante do nascimento, ao último momento, no suspiro que precede a morte (14, pg 135). O oxigênio é vital e praticamente não temos uma reserva em nosso corpo, e isso é um grande problema caso haja alguma interrupção em seu fornecimento. Construamos a “ponte” entre Gaiarsa e Moreno. Moreno defendia a tese de que o papel precede o eu: “O desempenho de papéis é anterior ao surgimento do ego” (4, pg 210). Com tudo o que se disse até o momento, podemos admitir que há uma extraordinária importância no “papel de respirador” (papel psicossomático) sobre a formação da identidade. Inclusive, quanto mais primitiva uma função, maior importância para o organismo vivo ela tem e, à vista disso, supor que a relevância deste papel transpassa a nossa tenra idade, já que “a respiração é atividade constante do instinto de autopreservação” (14, pg 136). Sendo a respiração o primeiro ato voluntário de um ser humano, isto implica em correlacionarmos esta condição a noção elementar do “eu”. Se é um esforço VOLUNTÁRIO, ele exige algum grau de CONSCIÊNCIA. Consciência em meio a severas limitações funcionais e relacionais. Este é um ponto notável de corroboração à ideia de como um papel psicossomático influi na formação do ego. É bom lembrar que Moreno alerta que o papel psicossomático (incluamos o de “respirador”) surge quando não há linguagem “nem maquinaria social disponível para a sua comunicação” (4, pg 210). Muitas das limitações físicas e sociais vividas pelo nascituro podem ser abrandadas por alter egos (egos auxiliares). A alimentação, como já foi dito, é uma delas. Outras dizem respeito as necessidades de segurança, afeto etc. A mãe, quando atenciosa e amorosa, procura cumprir da melhor forma o papel de ego auxiliar, principalmente praticando o duplo e a inversão de papéis. No caso da respiração, o exercício deste papel psicossomático é solitário. Numa situação “normal”, como respirar pelo bebê?? Não há ego auxiliar para este fenômeno neste momento. Na fase adulta, pode-se dizer, a pressão por respirar não é mais de nossa imaturidade funcional, posto que já temos bem formados nosso sistema cardio respiratório e nervoso, mas das restrições sociais, do superego, da conserva cultural, da própria neurose. Em compensação, diferentemente do neonato,

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podemos contar com ajuda para “aprender a respirar” de formas diferentes, seja por imitação ou recebendo instruções. Estão aí as escolas que ensinam pranaiama, Yôga etc. Para o recém nascido, respirar é urgente, tanto pela iminência de asfixia, como pelas terríveis limitações interacionais que sofre nesta fase. Acrescente-se a este dado que, no Brasil, é comum que o cordão umbilical seja cortado imediatamente após o nascimento do bebê (prática efetiva em outros tantos países do mundo). Contrariamente a esta conduta, o médico francês Leboyer sugere que o cordão umbilical seja cortado quando parar de pulsar, pois isso ajudaria na transição para a respiração pulmonar (15). A relação do que podemos chamar de “Eu” com a respiração é primitiva, primordial, “onipresente” (acompanha-nos por toda a nossa existência como organismo vivo), “onipotente” (ela se impõe com força, pois sem respiração não existe vida e nem “Eu”, ao menos não como o concebemos) e, de certa forma, “onisciente”, pois está presente nos fenômenos da mente, já que quaisquer oscilações nos níveis de oxigenação cerebral afetam seu funcionamento e, portanto, impactam naquilo que denominamos consciência. Destas premissas é possível deduzir-se que o “papel de respirador” é um papel sempre notadamente presente em nossas vidas e está ligado desde o início aos processos de autoarranque (warming up) que desenvolvemos como mecanismo de adaptação.

4.2.

O Resgate da “unidade” Alma e Corpo

Philippe Pinel (1745 – 1826) foi quem revolucionou pela primeira vez a psiquiatria. Ele “pela primeira vez atribuiu status apropriado à doença mental e foi o pioneiro no tratamento humanitário dos insanos” (16, pg 64). A Freud coube a segunda revolução psiquiátrica, pondo o paciente a “falar” sobre sua doença (16, pg 65). Cada época com seus mestres e seus ensinamentos em saúde mental, porém, para fins deste trabalho, cito dois contemporâneos de Freud, que marcaram sua época pelas contribuições que deram com seus trabalhos, embora, não sejam citados com frequência em trabalhos científicos. Falo de Reich e do próprio Moreno. Wilhelm Reich, que esteve oficialmente vinculado ao movimento psicanalítico entre 1920 e 1934 (17), trouxe o corpo para a relação terapêutica e uma nova psicologia surgiu, a psicologia do corpo, ou como disse Gaiarsa, a “Psicanálise sistemática das expressões corporais” (18, pg 105). A “transgressão” de Reich foi olhar para o paciente e tocá-lo. Enquanto isso, Moreno vislumbrava e dava vazão a uma nova forma de psicoterapia desenvolvendo-a a partir do que ele chamou de uma metodologia microssociométrica e Página 17 de 64

psicodramática (3, pg87), onde o corpo do paciente, sua presença e, SOBRETUDO, seu ATUAR, eram fundamentais na relação terapêutica. Moreno tratou do corpo em cena. Tanto em Reich como em Moreno, podemos dizer que ocorre uma importante retomada do mundo homérico, objetivando um homem que “... experimenta [a vida] enquanto é, ao mesmo tempo, alma e corpo e essa união preside as suas atividades” (19, pg 5). E mais, enquanto o homem freudiano tinha apenas “Aparelho Digestivo (“Fase” oral e anal) e aparelho Sexual (“Fase Edipiana e Genital...)” o homem reichiano ganhou também tórax (respiração, circulação, sentimentos, quer dizer, “...SENSAÇÕES que se formam CONTINUAMENTE EM NOSSO TÓRAX...” (20, pg 11) Mas há quem possa dizer que o dilema entre o monismo (como em Spinoza) e o dualismo (como em Descartes) do Homem6 não esteja resolvido. Para fins deste trabalho, lancemos mão de Henri Ey que, embora considere esta questão como um dos grandes problemas em psicologia (21, págs. 4 e 5), propõe que o dilema dualidade X unidade do ser humano deva estar submetida a uma análise “transcendental” da constituição de sua atividade psíquica, de seu corpo e de seu mundo. Ou seja, de como se dá a organização do ser psíquico, afrontando as relações entre o físico e o moral, segundo uma perspectiva dinâmica. (21, pg 5). Uma vez a hiperventilação eleita como instrumento iniciador do aquecimento psicodramático, devemos nos submeter a mesma análise transcendental proposta por Ey e afrontar as relações ocorridas entre a respiração e os conteúdos psicodinâmicos trazidos pelos pacientes no grupo.

4.3.

Epítome sobre a Psiconeurofisiologia da Hiperventilação

Que efeitos psicológicos a respiração, sobretudo, a hiperventilação tem na forma de organização das atividades psíquicas? O cérebro é a central de comando que a tudo controla (quando em pleno e saudável funcionamento). Os nervos captam as informações provenientes de dentro e de fora do organismo, e no cérebro estas informações são processadas e integradas. Para que? Para dar respostas adaptativas e propiciar ao indivíduo um existir com outrem para algo no mundo. Na selva primitiva isto era uma questão de vida ou morte, mas podemos afirmar que nos dias de hoje também o seja, ainda que sob uma ótica dita “civilizada”. Ou, para 6

Monismo como identidade entre corpo e mente e Dualismo como o seu contrário: irredutíveis entre si e incapazes de uma síntese final ou de recíproca subordinação.

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utilizar um termo mais atual: sob uma ótica hipermoderna 7. O objetivo básico da psico neuro fisio logia do cérebro é a adaptação! O cérebro comanda desde funções vitais como a respiração autônoma, o batimento cardíaco, a regulagem de anticorpos até chegarmos a funções entendidas como sofisticadas: o pensamento abstrato, a respiração voluntária, a fala8 etc. O “cogito, ergo sum” 9 não é resultado de um ou outro neurônio isolado no cérebro. Nosso pensar (e agir, falar, controlar índices de açúcar no sangue etc) é resultado de uma rede de neurônios que “constitui bilhões de caminhos alternativos para os impulsos nervosos” (22, pg 245). Podemos nos perguntar então, o que sustenta todas essas operações de processamento, integração e comando cerebral? Tudo se sustenta à custa de energia. “Os bilhões de células existentes no encéfalo, desde as galáxias cintilantes do córtex até as profundezas dos núcleos basais (...) necessitam de sangue para funcionar” (22, pg 243). O sangue arterial para levar OXIGÊNIO e outros nutrientes e o sangue venoso para retirar os resíduos e o dióxido de carbono. Este é o processo que possibilita a vida celular, o que inclui nossos neurônios. A energia de nossos pensamentos vem da metabolização do O2 no interior de nossas células10. Viver, do ponto de vista do organismo vivo, é viver sob o imperativo e a guarida da voracidade, ou seja, a mercê constante da necessidade de energia. Dentro de nossos corpos, a fonte de tão apreciável energia está no nosso sistema cardio respiratório. E neste nano cardápio energético, o oxigênio é elemento fundamental para nossa sobrevivência. Mas o que então poderia acontecer ao organismo, sobretudo, no Sistema Nervoso Central, se faltasse oxigênio? Experiências demonstram que o cérebro sofre perturbações funcionais mesmo com poucos segundos de falhas no fornecimento de oxigênio. A anoxia atinge o cérebro como um todo, mas podemos dizer que seus efeitos aparecem em cascata: as funções superiores são as primeiras a serem afetadas, enquanto as inferiores são as mais resistentes. Primeiro na lista a sofrer influência da deficiência da respiração aeróbica (respiração celular) é o Córtex Cerebral (funções de condicionamento social e treinos aprendidos, equilíbrio do

7

Hipermodernidade é o termo cunhado pelo filósofo Gilles Lipovetsky a delimitar o momento atual da sociedade humana. É porque conseguimos respirar voluntariamente que podemos falar. “Podemos impor a nossa vontade sobre eles [os movimentos respiratórios] e alterá-los quando quisermos – por exemplo, quando se discursa ou se tosse” (22, pg 73). 9 Penso, logo existo”, Descartes. 10 A central motriz de toda e qualquer célula em nosso corpo é a mitocôndria. 8

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corpo no espaço, movimentos finos, visão, audição etc); depois vem os Núcleos de Base (motores automáticos) e Tálamo (sensório afetivo); seguidos pela Circunvolução Límbica e Sistema Hipotálamo – Hipofisário (sexo, fome e saciedade; sono e vigília; ataque e fuga; respiração e circulação). Também o Bulbo regula estas duas últimas funções. Por fim temos a Medula (reflexos primários de marcha, postura e movimentos primários de equilíbrio, e reações locais de defesa); e os Gânglios Simpáticos - que sobrevivem até 40 minutos sem oxigênio (1, pg 304). Paradoxalmente ao que se possa pensar, os principais efeitos (bioquímicos) provocados pela hiperventilação (HPV), não são devidos ao volume de oxigênio inalado, mas ao volume de CO2 expelido pelo organismo. É importante atentar-se para este fato, pois ele é fulcral para o entendimento deste trabalho: a HPV desencadeia no organismo uma rápida queda nos níveis de CO2. E o que este fenômeno causa? No capítulo “Fisiologia da Hiperventilação”, tradução do professor Bernard Rangé de texto produzido por Craske e Barlow (1994), verificamos que a hiperventilação leva a uma redução do conteúdo ácido do sangue [pela queda de CO2 na corrente sanguínea], deixando-o alcalino. Disto decorrem mudanças físicas importantes como vasoconstrição cerebral associada ao fato das hemoglobinas tornarem-se mais “pegajosas” ao oxigênio. Assim sendo, “não apenas o sangue alcança menos áreas do corpo, como o oxigênio carregado pelo sangue também é menos liberado para os tecidos”. (23). Paradoxalmente, a hiperventilação afeta as funções cerebrais porque reduz a oxigenação intercelular. A hipóxia cerebral pode ser induzida pela HPV de forma voluntária. Pois bem, a esta altura podemos concluir que a baixa oxigenação cerebral, como já vimos, altera a relação dos circuitos cerebrais, responsáveis estes pela nossa consciência e pela forma como compreendemos o mundo e representamos nossas vivências.

4.4.

A Hiperventilação como Iniciador do Aquecimento Inespecífico em uma sessão de Psicodrama de Grupo

Os Iniciadores são usualmente utilizados, em psicodrama, no aquecimento inespecífico, e Almeida assim os conceitua: “Para efeito didático, podemos conceituá-los como estimulações

internas

ou

externas

ao

indivíduo,

voluntárias ou involuntárias, físicas ou mentais, utilizadas

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para o aquecimento (warming-up) do paciente, de forma a sensibiliza-lo e introduzi-lo no desempenho espontâneo e criativo dos papéis na dramatização pretendida” (5, pg 32)

Os Iniciadores desencadeiam elementos mnemônicos, motores e ou afetivos, favorecendo a incursão do indivíduo em sua história e sua ressignificação quando se fizer necessário. (5 , pg 32 e 33) Almeida também classifica os Iniciadores em: físicos, intelectivos, temáticos, sócio relacionais, psicoquímicos, fisiológicos e mentais ou psicológicos (5, pg 34). A hiperventilação, como expansão e contração respiratória cíclica, voluntária e intensificada, enquadra-se como Iniciador Físico. Segundo Almeida (5, pg 33), um Iniciador precisa de um locus, uma matriz e um estatus nascendi. Como ele próprio descreve: “locus (zona) que delimita a área onde vai ocorrer o processo; de um matriz (foco) para onde convergem os elementos participantes do locus; e do status nascendi (aquecimento propriamente dito), que traduz o momento e o modo como o processo se inicia” (5, pg 33)

A finalidade principal do uso de um Iniciador (que inclusive, pode surgir de forma espontânea) é a “mobilização de afetos e explicitação de emoções” (5, pg 34). Neste trabalho, a aplicação da hiperventilação como Iniciador ocorreu em uma sessão grupal. Para tanto, levou-se em conta que o resultado de sua aplicação deveria desencadear uma dramatização centrada em um protagonista. Desta feita, é possível inferir que a natureza instrumental de um Iniciador é sua essência dentro de uma sessão de psicodrama. Tal missão só será lograda se promover o aquecimento dos elementos participantes da sessão psicodramática. Como sugere Bermúdez, isso será factível se o Iniciador puder contribuir para uma das qualidades do aquecimento dentro de uma sessão psicodramática que é propiciar a retração do Si Mesmo Psicológico

11

e, assim, permitir o afloramento de papéis pouco ou medianamente

desenvolvidos (9, pg 55). Entendamos que o Si Mesmo Psicológico é instância

11

Transcrevo referência feita a Bermúdez no livro Psicodinâmica e Neurociência, no que tange ao si mesmo psicológico: o si mesmo psicológico é “uma espécie de membrana que envolve o eu...” e “a dilatação crônica do si-mesmo psicológico leva à alienação do meio, desvinculação da estrutura social e ao ensimesmamento...”. (24, pg197)

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psicodinâmica que serve de filtro sensitivo e emocional para o “eu”, ele “expresa, dentro del esquema de roles, los estados de alarma o bienestar en relación con el yo...” (9, 448).

5. METODOLOGIA APLICADA PARA ANÁLISE FENOMENOLÓGICA DA HPV COMO AQUECIMENTO INESPECÍFICO NUMA SESSÃO DE GRUPO

5.1. Viés Fenomenológico

Este não é um trabalho de pesquisa qualitativa ou quantitativa, é um Ensaio Científico. Porém, uma forma de corroborar com a TESE apresentada neste ensaio foi obter dados complementares. Para isto, foi proposto à pacientes de um grupo psicodramático que hiperventilassem. Definiu-se como perspectiva de estudo e ponto de referência metodológico a fenomenologia existencialista, entendendo fenômeno como Fainomenon ou fainestai, que significa “mostrar-se a si mesmo”, (25, pgs 21 e 22). Embora já dispusesse de uma TESE, foi muito positivo considerar dados a partir de um certo rigor, ou seja: “...um rigor, que não o da precisão numérica, aos fenômenos que não são passíveis de serem estudados quantitativamente, tais como, angústia, ansiedade, medo, alegria, cólera, amor, tristeza, solidão etc.” (25, pg 27)

Em síntese, busquei a observação e compreensão daquilo que ocorreu com os pacientes em grupo, estimulados pela hiperventilação como Iniciador psicodramático. Utilizei-me do viés fenomenológico existencialista nesta observação e das contribuições dos autores listados na bibliografia para compreensão dos fenômenos observados. A coleta e tratativa de dados complementares a este ensaio (observação do fenômeno) deram-se pela: a) Representação corporal estática de imagens (“fotografias cênicas”), por parte dos pacientes do grupo, provenientes da vivência ocorrida durante e imediatamente após a hiperventilação. Trata-se de uma representação NÃO VERBAL (simbólica);

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b) Observação e descrição – pelo diretor do grupo - das imagens cênicas estáticas expressadas pelos pacientes (“fotografias cênicas” tanto individuais quanto grupal); c) Narrativa dos pacientes interpretando a representação feita (significados). Esta narrativa incluiu tanto a descrição quanto a interpretação que os pacientes deram das imagens produzidas (“fotografias cênicas” individuais e grupal); d) Cruzamento das informações coletadas na anamnese com as oriundas do momento do aquecimento psicodramático na sessão de grupo.

5.2. Formação do Grupo Segundo Moreno, um grupo começa “com duas pessoas, quando o terapeuta é um verdadeiro segundo e não apenas um observador” (3, pg 92). Ainda, segundo Moreno, a psicoterapia de grupo “inicia-se com três, dois pacientes e um terapeuta” (3, pg 92). O número de participantes alcançado para este trabalho foi de três pacientes mais um diretor, sem ego auxiliar, configurando, segundo critério moreniano, um grupo psicoterapêutico. Os pacientes foram provenientes de triagens para atendimento psicoterápico de base psicodramática, feitas por intermédio do Instituto da ABPS (Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama), ocorridas no segundo semestre de 2012.

5.3.

Critério de Escolha de Pacientes e Seleção para o Grupo

Como critério de escolha busquei na triagem identificar pacientes com Hipótese Diagnóstica de neurose ou personalidade psicopática12, não importando o gênero. A Hipótese Diagnóstica teve como base o conceito de Matriz de Identidade e, uma vez apto a praticar a hiperventilação, o paciente era convidado a participar do grupo de psicoterapia. Outros critérios adotados foram: a) Ter idade entre 18 anos e 55 anos; b) Buscar espontaneamente o Instituto da ABPS (cadastro para realização de triagem);

12

Como descrito por Kurt Schneider: “Personalidades psicopáticas são aquelas personalidades que sofrem por sua anormalidade ou fazem sofrer, sob influência dela, a sociedade” (26, pg 32).

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c) Estar psicologicamente em condição de escolha. Como “situação de escolha” quero dizer que o paciente não poderia estar acometido de doença mental que lhe comprometesse o existir, como a esquizofrenia, por exemplo.

As entrevistas individuais para composição do grupo iniciaram-se em 22/09/2012. As entrevistas foram concluídas duas semanas depois. Foram entrevistadas 8 pessoas13 (7 mulheres e 1 homem). Os critérios utilizados para seleção de pacientes como “aptos” a hiperventilar foram: A) ter hipótese diagnóstica de neurose / psicopatia, não configurando quadro clínico psiquiátrico; C) não apresentar quadro grave de cardiopatia ou pneumopatia; D) não fazer uso de drogas que alterem a consciência (ex: drogas estimulantes como a cocaína, craque etc, perturbadoras como o LSD); E) não estar grávida.

Dos 8 entrevistados, 5 concordaram em participar do grupo, mas apenas 3 efetivamente iniciaram o processo de psicoterapia, deixando explícita sua autorização em participar deste estudo (documento sob guarda da ABPS). Tivemos então um “afunilamento” do contingente de pacientes entre a etapa inicial de captação no banco de pacientes do Instituto da ABPS e o efetivo comparecimento de pacientes ao grupo psicoterápico. O início das sessões de psicoterapia de grupo se deu no dia 20/10/2012, com 3 pacientes e o diretor psicodramatista (sem ego auxiliar), perfazendo um total de 4 pessoas. A sessão, utilizando-se da hiperventilação como instrumento iniciador de aquecimento inespecífico, ocorreu no terceiro encontro. Isto se deu em 3/11/2012.

5.4.

Consolidação do grupo

O grupo foi consolidado com a participação de três pacientes, todas mulheres, com as idades de 36 (paciente C), 40 (paciente R) e 42 anos (paciente M).

13

Nota do autor: na fase de captação (via telefone) foram contatadas 12 pessoas, destas, apenas 8 compareceram as entrevistas de anamnese. As anamneses estão em anexo no final deste ensaio.

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Todas as pacientes morando em SP, capital. Todas trabalhando (embora C, durante o processo terapêutico, tenha ficado o período de quase 2 meses desempregada).

5.5.

Contrato Psicológico

Contrato sobre as regras de funcionamento do grupo (faltas, atrasos, honorários etc) deu-se na primeira sessão. Aproveitou-se este momento para avisar o grupo de que seria necessário trazerem “roupas leves” (exemplo: moletom) para participarem das sessões (isto facilitaria, inclusive, a prática da HPV).

5.6.

Descrição das etapas utilizadas para a inserção da HPV como instrumento iniciador de aquecimento inespecífico numa sessão de psicodrama de grupo Foi utilizado como etapas de sessão psicodramática, o formato indicado por

Bermúdez: aquecimento (inespecífico e específico), dramatização e comentários ou compartilhamento (9, pg 54 a 62). Todas as sessões seguiram estas etapas, alterando-se apenas a utilização dos instrumentos e técnicas psicodramáticas pertinentes ao momento (incluindo a HPV), bem como as contribuições do diretor, protagonista e egos naturais. A seguir relato os procedimentos adotados na inserção da hiperventilação como iniciador de aquecimento inespecífico em um grupo psicoterápico. 5.6.1. Preparação antecipada da sessão No dia da sessão (3ª sessão) em que foi introduzido o iniciador HPV, a sala foi preparada com almofadas (os pacientes praticam a HPV deitados em decúbito dorsal), cobertores (caso desejassem se cobrir), música tipo new age (durante a hiperventilação foi utilizado CD Player “Só o melhor da música Celta”, Vol. 2, 1ª Ed. 2003 – Sum Records). 5.6.2. Orientações dadas aos pacientes sobre a prática da HPV voluntária a) Após os cumprimentos habituais de início de sessão, como o ambiente fora previamente preparado para os participantes com colchonetes e lençóis / cobertores a disposição, a orientação inicial dada foi para que cada paciente deitasse sobre um colchonete e, se quisesse, poderia utilizar cobertor;

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b) O diretor lembra aos pacientes de que eles utilizariam de vários instrumentos psicodramáticos com fins terapêuticos, dentre eles a hiperventilação, e que nesta sessão iriam realizar a HPV. Assim, partiu para as instruções: 

Instrui-se preliminarmente aos pacientes que devem estar com a bexiga vazia antes da HPV, pois que ela pode estimular a função renal;



Respirem na posição deitada, barriga para cima, braços acompanhando o corpo, de olhos fechados;



Respiração deve ser preferencialmente torácica;



Respiração deve ser pela boca, mantendo-a aberta, de forma relaxada e de maneira a facilitar a entrada e saída de ar;



Respiração deve ser contínua, ou seja, a expiração e a inspiração se encadeiam sem pausas (tipo “circular”, ininterruptamente)14;



Foi informado que a HPV pode ou não provocar reações, isso dependo da forma como cada um hiperventila e das características pessoais. Também foi dito que o papel do diretor é de acompanhar e orientar o paciente em qualquer eventual ocorrência. O fundamental no processo é o ato de “respirar”, de “continuar respirando”;



Diretor solicita que os pacientes demonstrem se compreenderam as instruções (ensaio da intensificação da respiração).



Diretor inicia o processo de hiperventilação servindo de modelo e pedindo para que os pacientes o acompanhem (este processo leva cerca de 3 minutos).



Diretor deixa os pacientes do grupo seguirem seu ritmo respiratório de HPV e introduz música tipo new age. A partir deste ponto, o diretor assume ativamente o papel de ego auxiliar “respiratório”, acompanhando e estimulando os pacientes a hiperventilarem. Por vezes, hiperventilando junto com um ou outro paciente;



Após o período de hiperventilação coletiva (que neste caso foi de cerca de 20 minutos), o diretor instrui que os pacientes devem retornar a sua condição respiratória habitual (neste caso, este tempo de restabelecimento respiratório durou cerca de 5 minutos e não foi acompanhado por música).

14

Numa sessão de Renascimento convencional o ciclo habitual é de uma hora. Lembremos que esta não se tratou de uma sessão de Renascimento, mas do uso da hiperventilação como iniciador de aquecimento inespecífico, por isso foi adotado um tempo “livre” suficiente para se alcançar a fase de aquecimento pretendida, limitando-se a ela, sem avançar à fase de dramatização.

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Com o encerramento da hiperventilação (aquecimento em seu momento inespecífico), passa-se à transição para o momento de aquecimento específico, que se desdobrou em fase de dramatização e compartilhamento.

5.6.3. Condução dos elementos psicodinâmicos surgidos a partir da experimentação da hiperventilação voluntária Logo após o restabelecimento da respiração dos pacientes e ao comporem em quietude uma formação circular, utilizando-se dos colchonetes, o diretor pede que cada um traduza o que vivenciou durante a hiperventilação, a partir da criação de uma “cena pessoal” (uma “fotografia cênica”). Um a um dos pacientes precisa ir ao centro do palco psicodramático e representar a sua cena (imagem estática) e voltar ao lugar original. Em seguida, o diretor pede que todos os pacientes componham uma imagem compartilhada, única, a partir da imagem original (“fotografia cênica” que sintetizou todas as imagens individuais). O objetivo deste pedido é de que a montagem da cena compartilhada permita condensar as vivências experimentadas durante a HPV, dando ensejo ao surgimento do tema emergente e do protagonista. Esquematicamente, a figura abaixo sintetiza o processo da sessão15: Aquecimento Inespecífico Sala pré preparada, pois esta "alteração de cenário" deu estimulo aos pacientes sinalizando que algo seria diferente naquela sessão Recepção dos pacientes pelo diretor Instruções do diretor quanto a HPV Hiperventilação Fotografia Cênica Individual

Transição para o Aquecimento Específico Fotografia Cênica Grupal Surgimento do Tema da sessão e do Protagonista

Dramatização

Aquecimento Específico

Aquecimento do Protagonista / Egos Auxiliares

Compartilhar Fig. 1

15

Tomando-se como base o descrito por Bermúdez, em seu livro Teoría y Técnica Psicodramáticas, Paidós, 1997, página 56. (9)

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6. RESULTADOS

6.1.

Descrição da sessão de grupo - Aplicação em psicoterapia de grupo da hiperventilação como instrumento iniciador psicodramático de aquecimento inespecífico

Após esclarecimentos de dúvidas e ensaio da hiperventilação por parte dos pacientes, e uma vez estabelecida confiança na condução da sessão, iniciou-se a hiperventilação. O tempo total de hiperventilação em grupo na sessão durou cerca de vinte minutos. Nesta marca de tempo o grupo deu sinais de diminuição do ritmo respiratório e o diretor avaliou sessar o estímulo à HPV. Com a falta de estímulos do diretor, o grupo sessou gradualmente a hiperventilação. Foi solicitado então aos pacientes em grupo que respirassem em seu volume habitual (cada um “a seu tempo”) e descansassem por um breve período. Este tempo teve por objetivo a recomposição do nível respiratório ordinário para cada paciente, o restabelecimento das funções cardiorrespiratórias a “normalidade” e estabilização da taxa de CO2 sanguínea. Na sequência o diretor reuniu o grupo em formação circular. Comentários foram iniciados espontaneamente, como por exemplo: “Nossa, foi muito intenso para mim” (C), “É normal sentir formigar as pernas e os braços?” (M). A paciente R não se manifestou, mas reagiu com interesse aos relatos das colegas. O diretor respeitou os comentários, mas pediu para que, no momento, guardassem para si estes depoimentos, pois tinha uma proposta a fazer ao grupo (foi solicitado silêncio). A proposta foi que cada participante pudesse demonstrar sua experiência vivida durante a hiperventilação, através da criação de uma imagem cênica (como numa fotografia / estátua / retrato) que resumisse essa sua experiência. Pediu que uma a uma se levantasse, fosse ao centro do “palco” e representasse uma cena, utilizando o próprio corpo para produzir numa imagem estática (“fotografia cênica”). Assim tivemos:

Fotografia Cênica I – Fig. 2 Fotografia cênica I representando C: Ela vai até o centro do palco e apresenta uma imagem expansiva, posicionando-se em pé, com pés afastados e braços estirados para cima em “V”. As palmas das mãos também ficam abertas e a expressão de seu rosto esboça alegria, com olhos bem abertos. Exprime sorriso.

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Fotografia Cênica II – Fig. 3 Fotografia cênica II representando R: Ela vai até o centro do palco e representa uma imagem onde fica em pé, cabisbaixo, olhos mirando o chão, ombros caídos. Sua expressão facial denota sofrimento.

Fotografia Cênica III – Fig. 4 Fotografia cênica III representando M: Ela vai ao centro do palco e representa uma imagem onde fica em pé, com os pés muito próximos um do outro e braços ao longo do corpo. Sua imagem é retilínea e ela imprime certa tensão generalizada no corpo. Sua expressão é séria. Os olhos ficam fixos para frente.

O diretor pede então para que voltem as três ao palco. Pede então que criem uma imagem que possa sintetizar todas as anteriores, montando uma única imagem / cena (fotografia cênica coletiva). A figura que se forma é a seguinte:

M

R

C

Fotografia Cênica IV – Fig 5 Fotografia cênica IV representando o grupo: Sendo R a pessoa que está no centro da cena, vemos M à sua direita, pondo a mão em seu ombro direito, e C à sua esquerda, pondo a mão sobre sua cabeça.

Diante da imagem que se construiu, perguntei aos pacientes do grupo que título eles dariam a esta cena? R toma a iniciativa de responder: “Dó, pena”. A partir daí surge o tema emergente e “R” é eleita protagonista do grupo.

6.2.

Aparecimento do Protagonista e a expressão da cena psicodramática Ao passo que R intitula a cena de “Dó, pena” e ocorre o endosso dos outros

membros do grupo, surge então a figura do protagonista (R) e seus egos naturais (M e C). Página 29 de 64

O diretor então parte para a co construção do enredo psicodramático desta cena (entrando na fase de Aquecimento Específico). Pede então para que R fale mais a respeito. R responde que “Durante a hiperventilação lembrei-me de uma cena de infância em que meu pai, quando minha mãe saia para trabalhar, ficava em casa com outra mulher, trancado”. O pai falava para R “Ir brincar do lado de fora de casa, na areia, descalça”. Segundo a paciente, seu pai traía sua mãe e ela limitava-se a reclamar. Então, segundo R, a cena representava sua necessidade de “Proteção”. Paciente relata “estava fora de casa, sozinha e sentia medo”. Observando novamente a fotografia cênica IV (a seguir), é possível interpretar a necessidade de proteção (papel) de R, complementada pela atitude das outras pacientes (contra papel). Ou seja, o papel assumido por R “mobilizou” os contra papéis assumidos por M e C. “M” em contra papel

“C” em contra papel

“R” no papel de “Dó, pena”

Fig. 6

Estes elementos psicodramáticos em cena, que abriram espaço para a fase de aquecimento específico, deram ensejo as fases de dramatização e compartilhamento nesta sessão, incluindo depoimentos do drama vivido pelos egos naturais. Focalizei, para fins deste trabalho, os elementos que descreveram a ocorrência do fenômeno aquecimento (warming up) em seus dois momentos (inespecífico e específico), provocados a partir da hiperventilação dos pacientes. A meu ver, os elementos aqui descritos sugerem a ratificação da tese de que a hiperventilação pode servir de Iniciador de Aquecimento Inespecífico numa sessão de psicoterapia de grupo.

6.3.

Outros relatos dos pacientes e observações do diretor

O uso de hiperventilação por período prolongado de tempo, como no caso do Renascimento (cerca de 1 hora) ou Respiração Holotrópica16 (cerca de 3 horas), podem desencadear:

16

Criada pelo psiquiatra Stanislav Grof e sua esposa, Christina Grof.

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Reações físicas: eventuais desconfortos físicos como o tremor, frio ou calor, enrijecimento de partes do corpo (tetania), acompanhado ou não de algum nível de dor, formigamento, dormência etc. No caso da ocorrência de algum tipo de desconforto, procedem-se variações da respiração, que vai desde o aumento do ritmo respiratório (tipo “cachorrinho”), tornando a respiração mais curta e superficial, até a diminuição do ritmo, tornando-a mais ampla e profunda. De outro lado, após vivências catárticas, é frequente ocorrer grande expansão respiratória, fluidez, relaxamento muscular etc;



Reações emocionais: surgimento de emoções / sentimentos de forma mais intensa (raiva, medo, amor, tristeza, paz de espírito etc), que podem ser acompanhadas de grito, choro, risada etc;



Reações mnemônicas: aparecimento de imagens, visões, lembranças etc. Da mesma forma que as ondas sinestésicas e emocionais, assim podem ocorrer visões.

A orientação básica dada a quem faz este tipo de prática é de que a ocorrência destas ondas físicas / emocionais / mnemônicas são fluídicas e passam da mesma forma como surgem. É comum, para quem completa uma sessão de Renascimento, o sentimento de profunda paz de espírito e plenitude. Vale recordar, porém, que esta não se tratou de uma sessão de Renascimento (ou Respiração Holotrópica), mas de psicodrama em grupo, na qual se fez o uso da hiperventilação como iniciador do aquecimento inespecífico por um período de cerca de vinte minutos. Assim sendo, era de se esperar que qualquer que fosse a reação, ocorreria de forma tênue. No entanto, não havia como prever os resultados, já que não se estipulou antecipadamente uma delimitação de tempo. No caso dos pacientes desta sessão, ocorreram as seguintes observações e relatos: 

C: Respiração ofegante; Manifestação de emoções através de riso, choro, gargalhada e grito;



R: Dificuldade em respirar, associada a tensão / contração ao nível da garganta e boca; Breves episódios de sono (com parada ou diminuição da respiração – paciente chega a ter pequenos “apagões” de sono);

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M: Manifestação de incômodo expressos por recorrentes movimentações sobre o colchonete (de um lado para o outro). Inquietação nos braços e pernas.

7. DISCUSSÃO: ANÁLISE E AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS

Analisaremos aqui a HPV como instrumento iniciador em psicodrama. Foi introduzida a hiperventilação como Aquecimento Inespecífico de pacientes em grupo, com o objetivo de propiciar / facilitar a escolha da situação a dramatizar, preparando terreno para o aquecimento específico do papel psicodramático do protagonista. Como será demonstrado, a HPV compôs um dos marcos da etapa preparatória para a dramatização e compartilhamento em uma sessão de psicodrama de grupo. Para fins deste ensaio, utilizarei como critério de avaliação do fenômeno estudado a análise em etapas da Sessão de Psicodrama, tal qual apresentado por Bermúdez, onde ele descreve as fases de aquecimento, dramatização e comentários (9)17. Eis em forma esquemática, o que propõe Bermúdez:

Primeira Etapa

Aquecimento Inespecífico

Segunda Etapa

Aquecimento Específico

Terceira Etapa

Quarta Etapa

Dramatização

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Fig. 7

Em minha análise, segundo critério acima, o aquecimento inespecífico dos pacientes passou por 11 “marcos crescentes”: i.

Recepção do diretor para a sessão;

ii.

Percepção por partes dos pacientes de que a sala havia mudado em sua apresentação (layout e presença de colchonetes e cobertores);

iii.

Instruções sobre HPV, “tira dúvidas” e exercício inicial com apresentação de modelo respiratório pelo diretor;

iv.

17

Hiperventilação voluntária dos pacientes;

Capitulo 2.3. Etapas de la Sesíon de Psicodrama – Teoría y Técnica Psicodramáticas, 1997.

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v.

Contato com a música new age;

vi.

Audição da hiperventilação realizada pelos colegas pacientes (já que estavam hiperventilando em grupo); Contato com a retomada de sua respiração “normal” (momento de breve

vii.

retrospectiva de seu processo na hiperventilação); viii.

Proposta do diretor sobre a apresentação de uma fotografia cênica individual (síntese retrospectiva da vivência ocorrida na hiperventilação);

ix.

Apresentação da fotografia cênica individual (síntese projetada);

x.

Proposta do diretor sobre a apresentação de uma fotografia cênica coletiva (transição do foco de atenção para o grupo em seu aqui e agora);

xi.

Apresentação da fotografia cênica coletiva (esta ação representou O MARCO DE TRANSIÇÃO PARA A ETAPA DE AQUECIMENTO ESPECÍFICO). O aquecimento específico dos pacientes passou por 3 “marcos crescentes”: 

Apresentação da fotografia cênica coletiva (marco transitório inicial para a etapa de aquecimento específico);



Nomeação semântica da fotografia cênica coletiva (“Dó, pena”) e respectivo surgimento de tema emergente do grupo;



Eleição do protagonista do grupo (paciente “R”) e aquecimento para o tema emergente (esta ação representou O MARCO DE TRANSIÇÃO PARA A ETAPA DE DRAMATIZAÇÃO).

Antes de prosseguir, vale o adendo: abordarei de forma sistêmica a sessão psicodramática em questão, ou seja, levando em consideração que uma sessão psicodramática se faz estruturada em suas quatro etapas, mas analisarei somente as etapas de Aquecimento Inespecífico e Aquecimento Específico por entender que o alvo de nossa análise é a primeira etapa da sessão psicodramática. A justificativa é que, sendo o surgimento da segunda etapa dependente do sucesso da primeira, o aparecimento da segunda é indício suficiente da ocorrência com êxito da primeira etapa. Assim, fica desnecessário avançar comentários sobre as etapas 3 e 4. Além disso, estender a análise para a terceira e quarta etapa da sessão tiraria o foco de estudo a que se propõe este trabalho. Segundo Bermúdez, o aquecimento deve preparar o paciente de modo a estar em condições (ótimas) de entrar em ação (9, pg 55). Por isso ele afirma que o processo de Página 33 de 64

aquecimento deve levar a retração do Si Mesmo Psicológico, permitindo a expressão de papéis subdesenvolvidos (9, pg 55). Como apresentado na figura 7, embora tenha registrado diversos “marcos” preparatórios, o processo de aquecimento seguiu dois momentos distintos no grupo (9, pg 56): Momento 1: Aquecimento Inespecífico, onde: a) O diretor obtém e concentra a atenção do grupo. Este elemento esteve presente na sessão aqui analisada, haja visto que ocorreu a recepção dos pacientes do grupo por parte do diretor e, sobretudo, as instruções quanto a realização da hiperventilação e a disponibilidade do diretor como modelo respiratório inicial. Vale lembrar que, os pacientes entraram em aquecimento inespecífico, a partir do momento que notaram que a sala havia sido preparada para a prática da HPV. Pude observar que, embora múltiplos elementos tenham influenciado no aquecimento inespecífico dos pacientes (a música, por exemplo), a HPV teve peso fundamental nesta etapa; b) Diminuição dos estados de tensão, ou seja, retração do Si Mesmo Psicológico (SMP). O principal fator aqui implícito é a alteração bioquímica provocada pela hiperventilação18. A HPV desencadeia no organismo uma rápida queda nos níveis de CO2. Como vimos, este é o principal fator que leva a vasoconstricção cerebral e a diminuição no índice de hemoglobinas19 no sangue. O resultado dessa reação em cadeia é o rebaixamento discreto da oxigenação celular que atinge, sobremaneira, o córtex cerebral. Do ponto de vista psicodinâmico, o que representaria a indução de uma baixa oxigenação cortical controlada, via HPV, em um paciente? É preciso entender um pouco de neurofisiologia para formular uma resposta plausível. Embora o cérebro funcione em rede, é sabido que é no córtex que ocorrem os processamentos mais refinados das informações recebidas, assim como as representações simbólicas, sendo que tudo o que ele recebe de informações ele processa e integra, ocasionando uma resposta ou ação. Pode-se dizer que é a sede do entendimento e da razão. Sem ele, não teríamos condições de usar a linguagem verbal e, portanto, sem ele não haveria “cultura”, muito menos, CONSERVA CULTURAL. Portanto, inibir a ação do córtex cerebral via hipóxia controlada representaria também uma inibição da força que a conserva cultural tem sobre o paciente, incluindo o que Dias (27, pg 12) definiu como as “Figuras de Assunto já tratado no capítulo 4.3. deste ensaio, cujo tema é a “Psiconeurofisiologia da hiperventilação”. 19 É a hemoglobina a responsável pelo transporte de oxigênio para as células. 18

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Mundo Interno”20. Entendamos que isto tem grande impacto sobre a NEUROSE, já que ela está associada a CONSERVA CULTURAL, ou mais precisamente, ao conflito reinante que ocorre quando há incongruência entre os elementos psíquicos ligados aos desejos e os elementos psíquicos ligados a moral21. Este conflito é entendido como ameaçador ao eu. Como disse Bermúdez, o Si Mesmo Psicológico (SMP) “tiene capacidad para informar al yo de lo que ocurre em su entorno y especialmente de las características de los estímulos y de su mayor o menor proximidad y perigrosidad” (9, pg 448). Tais “informações” integradas pela formação reticular dos sistemas exteroceptivos e neurovegetativos em sua inter-relação com o meio e o sistema límbico, configuram o Si Mesmo Psicológico (9, pg 446). Em situações de alarme, representado graficamente como dilatação do SMP, “dificultan al máximo o impiden el desempeño de cualquer rol social (9, pg 449). O SMP poderá oscilar, dilatando-se, como medida de defesa do ego ou retraindo-se, indicando um contexto de baixa ou inexistente ameaça. A questão crítica para este trabalho foi verificar se a HPV atuaria no paciente a ponto de atenuar os estados de tensão, provocando a necessária retração do Si Mesmo Psicológico. O relato dos resultados revelou que a HPV teve uma influência peculiar para cada paciente, mas em seu conjunto, influenciou na retração do SMP; c) Facilitação da integração grupal. Isto foi ocorrendo aos poucos. Primeiro porque, embora cada paciente estivesse focalizando a sua própria hiperventilação, eles respiraram juntos, então a hiperventilação de um influenciou na do outro. Segundo porque, ao partilharem as fotografias cênicas individuais, ainda que não verbalmente, a cena de um também “sensibilizou” o outro, culminando na integração de uma cena fotográfica única, que representasse todo o grupo. O surgimento do tema emergente e, ao mesmo tempo, do protagonista que o representou, me leva a considerar que ocorreu a integração grupal que permitiu estes desdobramentos. A reunião destes elementos sugere que a hiperventilação em grupo e a partilha não verbal da experiência particular de cada um, direcionou o clima da sessão (ou pelo menos, contribuiu), dando estofo para o desencadeamento do tema emergente e para a legitimação de seu protagonista, marcando a transição para a etapa de Aquecimento Específico.

20

Dentre estas figuras estão os ensinamentos e modelos de condutas culturais, morais, religiosos. 21 Refiro-me a angústia moral inconsciente, não a angústia moral consciente. Para uma compreensão melhor do assunto, recomendo leitura de Armando de Oliveira Neto (Psicopatologias e Psicodrama – ABPS/2004).

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Momento 2: O Aquecimento Específico nasce com a formação da atmosfera grupal que enseja o surgimento do tema emergente, do protagonista e da trama interacional. E estes são os elementos constitutivos que propiciam a etapa de dramatização. Verificou-se que a formação da cena fotográfica coletiva sintetizou o tema da sessão como sendo “Dó, pena”, revelando indícios da trama interacional do grupo e instituindo como seu protagonista a paciente R.

Um ponto a se analisar, antes de qualquer outro, é apurar se a HPV ultrapassou como fenômeno a etapa de aquecimento inespecífico, alcançando a fase de dramatização. Podese pensar que a HPV, como instrumento psicodramático, atuou nos níveis subconscientes e ou inconscientes dos pacientes, ou como Dias diria, nas “Zonas de Exclusão”. Apoia esta percepção o fato da respiração estar afiliada a uma etapa pré semântica do desenvolvimento do eu, lembremos que o papel psicossomático de respirador precede o de falador 22. Se considerarmos que neurose é sinônimo de ambivalência afetiva, ou seja, de angústia moral inconsciente, fica fácil entender o porquê que é na Zona de Exclusão que mecanismos psíquicos repressores agem em “defesa” do ego. Dias afirma que “o psiquismo consciente vai sempre dificultar o contato com o material das Zonas de Exclusão, utilizando-se das Defesas Intrapsíquicas”. (27, pg12). Desta maneira, Dias sugere que a psicoterapia psicodramática, para poder atuar nesta “Zona” e lograr êxito, deveria lançar mão de alternativas, e cita como possibilidades os sonhos, o psicodrama interno e a sensibilização corporal (27, pg 13). Ou seja, os elementos psíquicos reprimidos deveriam ser tratados [na fase de dramatização] por vias que não dependessem da necessidade do entendimento consciente do paciente (27, pg 13). Em relação a sessão psicodramática que está sob análise, teria então a HPV funcionado instrumentalmente como um Psicodrama Interno, dando a entender que foi além da fase de aquecimento inespecífico? Segundo definição do próprio Dias, Psicodrama interno é um instrumento e um “processo de intervenção por imagens internas...” (27, pg 15) ou seja, onde a ação dramática é simbólica. O paciente, pensa, visualiza e vivencia a ação, mas não a executa. Embora haja inúmeras correlações pertinentes entre o Psicodrama Interno e o Iniciador HPV utilizado na sessão como aquecimento inespecífico, podemos estabelecer que o principal coeficiente de tangência é o fato de que, tanto no psicodrama interno como no uso do iniciador HPV, ambos agem dentro dos limites da Zona de Segundo Moreno, tanto Freud como Mead “negligenciaram o desenvolvimento pré-semântico e assemântico da psique e do grupo.” (4, pg 210) 22

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Exclusão. Não obstante, é conveniente apontar os pontos de diferenciação: a primeira ressalva é de que Dias instrui para não tocar o paciente durante o psicodrama interno. Durante a hiperventilação eu, como diretor, me permiti tocar o paciente para que, em certas situações de maior dificuldade respiratória23, ele se sentisse apoiado. Em outras situações eu servi como ego auxiliar, respirando junto com o paciente. Em outras eu toquei o paciente um pouco acima do peito, no intuito de auxiliá-lo a tomar consciência presente do volume e frequência respiratória do momento. Mas estes são pontos secundários a questão, sendo, a meu ver, que a principal diferença entre o psicodrama interno e a HPV como iniciador de aquecimento inespecífico é se houve (ou não houve) a visualização e vivência da ação. Posso atestar que NÃO HOUVE. No psicodrama interno o diretor DIALOGA com o paciente, interage em busca do drama, pesquisa os seus desejos e os personagens que são evocados na busca de ajudar o paciente a vivenciar cenas internamente. Estes direcionamentos não ocorreram por parte do diretor, esta não foi a conduta assumida por mim. A influência e a interação do diretor, tiveram como eixo e limite o estímulo a hiperventilação e o cuidar / acompanhar o paciente em seu processo pessoal de aquecimento. Outra condição que definiu o limite entre aquecimento e psicodramatização (interna) foi o tempo de hiperventilação. Numa sessão convencional de Renascimento, em que se hiperventila por cerca de uma hora ou mais, é quase certo que o paciente ultrapassasse a fase de aquecimento preconizado no psicodrama. Tão pouco, durante os vinte minutos de hiperventilação dos pacientes, surgiu o tema emergente e o protagonista do grupo. Segundo Bermúdez, na etapa de dramatização já temos eleito o protagonista, e o material trazido por ele é tratado, ou seja, observa-se a estrutura psicológica do material investigado, estuda-se seu psico sócio dinamismo, busca-se transformar o material simbólico em presencial e vivencial, comprometendo-se afetivamente todos os participantes do grupo, operando-se no aqui e agora, verificandose modificações ocorridas em função da dramatização terapêutica (9, pg 58). Estas não foram condições supridas pelo período em que os pacientes hiperventilaram. Apurado estes fundamentos, passemos para a compreensão do fenômeno do warning up, ou seja, da ocorrência do aquecimento inespecífico propriamente dito. Considerando a anamnese, poderemos entender melhor que a hiperventilação voluntária favoreceu o Recorro ao conceito de “Couraça Muscular do Caráter” de Reich, como apresentada por Gaiarsa: “aquilo que me IMPEDE de fazer os gestos e movimentos que EU QUERO, DESEJO, ou PRECISO fazer” (20, pg 191). O uso da hiperventilação pode “evidenciar os modos de a pessoa lutar contra seus desejos, os esforços que ela faz para conter-se – reprimir-se” (1, pg 298). Este quadro psicodinâmico é refletido pela hiperventilação e nela reflete. 23

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surgimento do tema emergente e, portanto, do protagonista. Verifiquemos no quadro abaixo uma síntese dos depoimentos coletados nas anamneses:

Paciente

C

M

R

Anamnese Pai hemofílico e mãe mantenedora. Provável tipologia histérica e agressividade a “flor da pele” (descargas emocionais com brigas em casa, separação conjugal por iniciativa do marido), quadro sintomático de ansiedade com presença de elementos fóbicos. Angústia exacerbada “desencadeada” pela gravidez aos 27 anos (comprometimento de projeto de vida, sentimento de culpa etc). Falta de libido. Uso de Fluoxetina para diagnóstico de “depressão”. Temor: “Não saber educar minha filha, passar insegurança a ela...”. “Medo de ficar doente e sem amparo”. Almeja “Autogerir minha vida”, “independência”.

Pai opressor e mãe submissa. Crise de ansiedade generalizada com elementos fóbicos e quadro sintomático. Temor: “Depois que minha filha nasceu tenho medo (diário). Medo de morrer e deixa-la aqui [a filha]. Nunca me imaginei cuidando de alguém. Nunca desejei ter filhos. Mas sempre cuidei de minha mãe. Uma gripe dela [da mãe], ligam para mim. Será que terei capacidade de cuidar da minha filha? Não tenho medo da morte, mas de morrer agora (...) Acho que a crise de ansiedade que passo é pelo nascimento da minha filha I”. Uso de Sertralina (ansiolítico). Separada do marido, sem filhos. Define-se como “insegura”, quadro de crises de ansiedade e elementos fóbicos (Transtorno de Pânico). Quadro neurótico altamente sintomático. Sente-se muito dependente da opinião / aprovação do outro, mas contrapõe: “Deveria fazer o que eu penso. Eu sei o que eu tenho que fazer, mas eu não faço. Não ouço o meu instinto”. Tipologia aparentemente obsessiva. Introjeção do “outro” (eu devo) em conflito com a manifestação de desejos (impulsos / instinto). Conflito obsessivo primário: desafio x obediência. Estabelece como aspirações: “Curar meu pânico. Acho que ter maior consciência de quem eu sou, dos meus medos, ansiedades, angústias que me fazem travar e buscar a opinião do outro. Quero ter autonomia da minha própria vida sem me esconder na ´aba´ do outro”.

Quadro 1

A primeira consideração é de que todos os pacientes apresentam um quadro de ansiedade com elementos fóbicos. Não à toa o Laboratório de Pânico & Respiração24 da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, dentro do Programa de Psiquiatria e Saúde Mental, tem interesse em pesquisas voltadas a hiperventilação, apneia voluntária, disfunção respiratória e fisiologia respiratória em pacientes com Transtornos de Pânico, na busca de apurar uma relação mais estreita entre pânico e respiração. Todas as pacientes manifestaram alguma perturbação no sistema cardio respiratório (R: “taquicardia”, “Minha respiração as vezes fica difícil”; C: “Ocorre falta de ar. Piora em “fases difíceis””; M: “Coração acelera”). Outro aspecto é em relação ao estado civil e condição afetiva emocional dos pacientes: C e M casadas, embora M insinue conformarse com seu casamento e C expressar claramente a angústia pela crise matrimonial que vive (com separação iminente). Contrariamente R, expressa que está separada e não dá nenhum elemento afetivo sobre este mote. No entanto, o que chama mais a atenção é

Veja em “Diretório dos Grupos de Pesquisas no Brasil – Lattes” ou no site da UFRJ (http://www.ipub.ufrj.br) 24

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como tratam o tema relação materno filial. Tanto C quanto M exprimem tensão / angústia ao relatarem a relação com a filha e seu papel como mães. R, embora sem filhos, chega a afirmar laconicamente que “A ideia de ter filhos não está bem resolvida”. Quando a expressão temática “Dó. Pena” surge, ela evoca como cena vivencial a relação triangular pai, mãe e filha. Penso que não à toa, as angústias das três pacientes estejam retratadas (ou projetadas) de alguma forma no papel de mãe. Parece que este papel condensa o núcleo conflitivo das pacientes, bem como o modus operandi da trama relacional. O destaque é que a hiperventilação foi a fonte matricial para a emergência da angústia.

Contemplemos outro quadro, a partir dele podemos estabelecer correlações: Paciente

Experiência vivida na

Fotografia Cênica Individual

Observações

Respiração ofegante; Manifestação de emoções através de riso, choro, gargalhada e grito.

Ela vai até o centro do palco e apresenta uma imagem expansiva, posicionando-se em pé, com pés afastados e braços estirados para cima em “V”. As palmas das mãos também ficam abertas e a expressão de seu rosto esboça alegria, com olhos bem abertos. Exprime sorriso.

A experiência da HPV facultoulhe manifestar algumas emoções e isso pode ter relaxado seu quadro tensional, proporcionando-lhe sensação de “alívio”.

Manifestação de incômodo expressos por recorrentes movimentações sobre o colchonete (de um lado para o outro). Inquietação nos braços e pernas.

Ela vai ao centro do palco e representa uma imagem onde fica em pé, com os pés muito próximos um do outro e braços ao longo do corpo. Sua imagem é retilínea e ela imprime certa tensão generalizada no corpo. Sua expressão é séria. Os olhos ficam fixos para frente.

A HPV (enquanto iniciador) leva a paciente a entrar em contato com suas tensões, mas ela restringe-se a um contato num nível mais primário ou ainda superficial. Ela fica circunscrita aos sintomas corporais (incômodos relativos a tensões, inquietação motora e a correspondente angústia).

Tensão / contração ao nível da garganta e boca (correspondendo ao anel oral de Reich, que "compreende toda a musculatura do queixo e da faringe, e a musculatura occipital, incluindo os músculos em torno da boca" (28, pg 332); Manifestação de sonolência (breves períodos de parada ou diminuição da respiração – paciente chega a ter pequenos “apagões” de sono).

Ela vai até o centro do palco e representa uma imagem onde fica em pé, cabisbaixo, olhos mirando o chão, ombros caídos. Sua expressão facial denota sofrimento.

R parece ter sido a paciente que mais profundamente entrou em contato com sua angústia / ansiedade, seja porque a HPV levou-a a isso, seja porque teve dificuldade de imprimir a hiperventilação e isso fez com que ela tenha percebido de forma mais íntima a sua angústia. De qualquer forma, a observação do fenômeno in loco, pressupõe que a paciente hiperventilou, isso porque ela ativou anéis da couraça muscular do caráter, mas esta posição não exclui a ideia de que tenha, em certo momento, evitado a HPV como forma de defesa do ego.

HPV

C

M

R

Quadro 2

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Como já foi explanado anteriormente, a inibição da ação do córtex cerebral via hipóxia controlada, repercute na correspondente inibição da força que a conserva cultural tem sobre o paciente. Isto impacta na potência com que a NEUROSE age sobre o indivíduo, “relaxando-a”. Desta forma, a HPV como iniciador, cumprindo sua função de aquecimento preparatório, leva a diminuição da tensão e a retração do Si Mesmo Psicológico (SMP). É ponto crítico, porém, o “turning point” para esta alteração psicodinâmica, ou seja, em que momento a HPV como iniciador resulta para o paciente no relaxamento dos estados de tensão e na retração do SMP? O quadro acima demonstra que a HPV agiu de diferentes formas na experiência de cada paciente. M foi menos suscetível a HPV nesta sessão, mantendo mais presente seu nível tensional (fica difícil aqui avaliar se manteve ou se intensificou seu estado tensional, mas é evidente que ele não diminuiu). C, por outro lado, experimentou o relaxamento tensional e, aparentemente, a retração do SMP. R, que se tornou a protagonista, vivenciou de forma mais profunda seu conflito psicológico, todavia, embora experimentando tensão, pôde vivenciá-la de tal forma que ela pôde acessar a chamada Zona de Exclusão e evocar uma cena vivencial de infância, cena esta que, pelo seu poder simbólico, mobilizou a todos e levou a sessão à fase de dramatização. É de se deduzir que, ainda que sob tensão, algum nível de relaxamento do SMP houve. Vale acrescentar que, embora M tenha, supostamente, se beneficiado pouco da HPV, esta dedução pode nos levar ao erro. A especulação mais plausível seja a de que a HPV levou M a entrar em contato com aspectos sensoriais de sua angústia, e estes já seria material pertinente ao aquecimento inespecífico. Tanto assim que, M corroborou e foi beneficiada com os desdobramentos ocorridos na fase de aquecimento específico, dramatização e compartilhamento. Não fosse isso, não teria se comprometido com a sessão. Embora cada um dos pacientes tenha sentido algum nível de dificuldade em realizar a hiperventilação, seja porque o esforço mecânico exige vencer a inercia inicial, seja por aspectos psicopatológicos, analisando o quadro 2 podemos dizer que a HPV contribuiu eminentemente na ativação do dinamismo psíquico de todos os pacientes, mesmo que em níveis diferentes de profundidade. A HPV induziu acesso ao campo denominado “Zona de Exclusão”, seja pela vivência sensorial dos efeitos desencadeados pela intensificação da respiração, seja pelo contato com fluxos emocionais, seja pela vivência mnemônica de uma cena de infância. A HPV também ativou mecanismos de alívio e ou intensificação da angústia / ansiedade (ativação de possíveis conteúdos emergentes). Quando a cena grupal, representada pela fotografia cênica coletiva, se faz e é anunciado o tema “Dó. Pena”, vemos uma confluência dos elementos apresentados até aqui neste capítulo. Observando novamente a Fig. 6, o que verificamos? Uma pessoa ao

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centro, acanhada, cabisbaixo, deprimida, apequenada, sendo acolhida por duas pessoas, de um lado solidárias, e de outro sensibilizadas pela tristeza do personagem central. “M” em contrapapel

“C” em contrapapel

“R” no papel de “Dó, pena”

Fig. 6

R veio interpretar a necessidade de proteção que caracterizava o grupo. Ao se por cabisbaixa, R evoca a solidariedade do grupo, que o “acolhe”. Até este momento não há “qualificação” para esta acolhida. Não saberíamos se ela tende a representar elementos psíquicos que levam a saúde ou a doença mental. No entanto, no momento em que R exprime a representação semântica da cena como “Dó. Pena”, temos elementos para deduzir que se trata da simbolização de uma situação simbiótica25. Assim sendo, R manifestou-se vinculada ao papel de vítima e, em contrapartida, levou a necessidade de “acomodação” do correspondente contra papel assumido pelo grupo. Para o diretor foi preciso observar sob que égide a relação grupal ocorreria (télica ou transferencial), para decidir a condução de seu manejo técnico junto aos pacientes. Acredito que este ponto expõe o aparecimento de uma trama relacional peculiar do grupo, indicativo de que o aquecimento inespecífico foi bem sucedido, pois que marca a transição para o momento do aquecimento específico. Complementemos o raciocínio manifesto sobre a dinâmica simbiótica representada. R, vê-se como “insegura” e não consegue enxergar seu “eu” independente do “outro”. Busca por “autonomia”. M paralelamente busca por “independência”, incluindo aspectos práticos da vida, como por exemplo “sair do aluguel”. Lembremos que o papel desempenhado pelo Dr. Wolf como médico de M, foi lhe dar um ultimato (tentativa de “romper” com mecanismos simbióticos da paciente: “Se você não estiver em psicoterapia, não precisa vir tomar meu tempo mais”). A própria irmã de M avalia sua relação com seu marido como de dependência (“Ele é o pai que eu não tive”, diz a paciente). Todos

25

Simbiose é aqui entendido sob seu aspecto psicopatológico. Como referência, utilizei-me da definição de Erich Fromm (Análise do Homem), citada no Dicionário Técnico de Psicologia “a simbiose é uma condição em que a pessoa depende de outras, não para um esforço mútuo de colaboração, mas para a satisfação de necessidades neuróticas”. (29, pg 312)

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elementos não representativos da Tele e, portanto, não representativas da relação de encontro. Avancemos mais um pouco nas etapas da sessão psicodramática, direcionando o olhar para a etapa de aquecimento específico, quando foram colhidas mais informações da protagonista que serviram a encenação na fase de dramatização. R disse que “Durante a hiperventilação lembrou-se de uma cena de infância em que o pai, quando a mãe saia para trabalhar, ficava em casa com outra mulher, trancado”. O pai falava para R “Ir brincar do lado de fora de casa, na areia, descalça”. Segundo a paciente, seu pai traía sua mãe e ela limitava-se a reclamar. Então, segundo ela, a cena representava sua necessidade de “Proteção”. Paciente relata “estava fora de casa, sozinha e sentia medo”. No decorrer da dramatização o tema emergente foi se desdobrando e abrindo questionamentos sobre a abdicação da autoria da própria vida. Ao se inverter de papel com a mãe da cena psicodramática, aquela que se mostrava “negligente”, “vitimada”, “injustiçada”, os pacientes puderam explorar possibilidades outras, só possíveis naquele momento, no palco do como se. Salientemos que a imagem cênica denominada “Dó, pena”, elemento regressivo de R, evocava também o temor de C e M, à medida que viram projetados seus próprios medos. Na fase de dramatização e compartilhamento procurouse identificar núcleos comuns aos pacientes: a (o) filha (o) como elemento projetivo das próprias angústias, eventuais tramas simbióticas fora da cena psicodramática (ou seja, nas relações afetivas, pessoais etc), o impacto da tipologia de cada paciente sobre suas angústias, a abdicação da autoria existencial, a perda da espontaneidade. Evidentemente, o material suscitado nesta sessão, foi estendido para os demais encontros. Retomando a ideia lançada por Almeida de que a finalidade principal do uso de um Iniciador é a “mobilização de afetos e explicitação de emoções” (5, pg 34). O que se manifestou? O que foi trazido à luz? Temos fortes indicativos de que a hiperventilação vivenciada por cada uma das pacientes as induziu a entrar em contato com seus temores e angústias e influenciou, sobremaneira, na construção das fotografias cênicas individuais e que se consolidaram numa única cena grupal (fotografia cênica coletiva). A hiperventilação voluntária serviu de agente catalisador e agregador da angústia do grupo, personificado pela representação cênica e oferecendo o aquecimento preparatório preconizado pelo psicodrama.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Basicamente ocorrem dois fenômenos fundamentais no uso da hiperventilação voluntária: inibição e estímulo cerebral. O córtex, responsável maior pelos automatismos e condicionamentos adquiridos, pela socialização do ego e internalização da cultura e, portanto, da conserva cultural, é extremamente sensível a mínima carência de oxigenação. O resultado disso é a sua perturbação funcional, ou dizendo de forma mais específica, a redução da “força de nossas inibições adquiridas, ou impostas pela educação e pela socialização” (1, pg 305). Por outro lado: “os grandes núcleos da base do cérebro são mais resistentes, e continuam a funcionar plenamente, mesmo com certo tempo de carência do O 2. Eles respondem por nossos automatismos congênitos, complexos, ligados à postura, às sensações e emoções semi-elaboradas” (1, pg 305)

Também a circunvolução límbica, sistema hipotálamo hipofisários, que respondem pelos impulsos, necessidades e instintos humanos são mais resistentes a baixa oxigenação cerebral. Somando-se todos estes elementos à resistência também do tálamo, temos os “responsáveis por tudo quanto temos de infantis, de primitivos e de animais” (1, pg 305) preservados funcionalmente. Com a restrição do controle cortical, estes elementos estão mais “livres” para atuar (de certa forma, são “estimulados”). Adicionemos a este fato que a redução da taxa de cálcio sanguíneo juntamente com o aumento de sua alcalinidade, resultam na “exaltação espontânea da excitabilidade nervosa” (1, pg 306). “Podemos dizer que a hiperventilação funciona como estímulo do “Id (...) assim se consegue estimular os desejos e emoções inconscientes e, no mesmo ato, evidenciar os modos de a pessoa lutar contra os seus desejos, os esforços que ela faz para conter-se – reprimir-se; enfim, assim se consegue “ativar os conflitos entre as forças internas””. (1, pg 298)

O relato em sessão de R, sustenta a ideia de que a hiperventilação voluntária facilita “a recordação e a re-experiência de traumas e emoções infantis reprimidas” (1, pg 299). Em síntese: Inibe-se a conserva cultural enquanto estimula-se a espontaneidade. Eis a dimensão psico neuro física da hiperventilação, que faz coro com o axioma descrito por

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Moreno (4, pg 156), no qual o ser humano oscila entre o máximo de espontaneidade e a conserva cultural total. Mas esta associação entre espontaneidade e respiração, e consequentemente, HIPERVENTILAÇÃO, não é compulsória. A sessão observada demonstra que cada uma das pacientes experimentou DIFERENTEMENTE os efeitos de hiperventilar. O que podemos afirmar de comum entre as três pacientes é que, dentro do processo de hiperventilação voluntária como INICIADOR de aquecimento inespecífico, primeiro, passasse por uma intensificação das defesas psicológicas, para que, na sequência, dependendo de variáveis como o grau de acometimento psiconeuropatológico (neurose), tipologia (um paciente com tipologia histérica poderá se “atirar”, arriscar mais do que um com tipologia paranoica), nível de confiança com o diretor etc, as defesas sejam mitigadas. No caso da sessão analisada, vemos de forma mais evidente a influência da HPV no ativamente do anel oral reichiano em R e, portanto, da expressão, ao menos em parte, de sua couraça muscular do caráter e posterior emancipação da paciente como protagonista grupal. Faço um breve parêntese que servirá de contraponto futuro: lembro-me que uma paciente de muitos anos atrás, sofrendo de pânico, tinha pavor de tempestades com rajadas de trovão. Imagine uma senhora com quase 60 anos, de porte adiposo, enfiando-se para debaixo de sua cama nos episódios de tormenta. Esse era o caso. Destino à parte, no dia de sua sessão de Renascimento, numa tarde de verão, choveu e muito. Trovões não faltaram. E ela ali, hiperventilando sob minha orientação e acompanhamento, com um desejo enorme de sair correndo a fugir. Mas para onde? Esta variável climática não estava sob nosso controle. Não era psicodramatista na ocasião, mas fazendo uma releitura hoje, a senhora passou pelas etapas de aquecimento, alcançou a etapa de dramatização (psicodrama interno), e superou seu trauma. Era uma sessão completa de Renascimento, hiperventilou por 1 hora. Ela se entregou as minhas orientações (fui seu ego auxiliar) e, ao mesmo tempo, ela confiou em sua própria respiração, no autocontrole respiratório possível, no seu proto eu a lhe conduzir. No “eu respirador” que nos acompanha desde que nascemos. E deixou que as alterações bioquímicas que já salientamos neste trabalho fizessem a sua parte, no seu caso, no que tange ao favorecimento da reorganização psíquica de seus elementos fóbicos. Tenho enfatizado neste ensaio que utilizei a HPV estritamente como INICIADOR, não como instrumento de psicodrama interno, nem como Renascimento. Então, que não se compare a sessão alvo de estudo deste trabalho com a digressão que fiz sobre a sessão com a senhora que me procurou porque tinha Página 44 de 64

síndrome de pânico. São propostas de utilização da HPV bem diferentes, mas sob o ponto de vista psicodramático, o que quero salientar é que a intensificação da respiração de forma voluntária, com fins terapêuticos, tem grandes chances de, em sua fase inicial, ativar as defesas do ego e a ação de mecanismos automáticos da conserva cultural. Posteriormente, a HPV tenderá a resultar no relaxamento destes mecanismos, abrindo alternativas para o ego, ou seja, para que se manifeste a sua espontaneidade. O contraponto importante a sinalizar é que, se utilizássemos a HPV dentro de uma sessão de Renascimento tradicional, ao nível neurológico, ela propiciaria ambiente para ocorrência de fenômenos de neuroplasticidade cerebral, ou seja, criação de circuitos alternativos. Evidentemente que, ao utilizá-la restritamente como fase de aquecimento, ela se prestará a abertura de canais, atenuação de defesas, potencialização dos afetos reprimidos, contato mais íntimo com a angústia, acesso do ego a Zona de Exclusão etc. Estes são aspectos pertinentes ao momento que denominamos de AQUECIMENTO INESPECÍFICO. Interromper a HPV neste momento (aquecimento inespecífico) ou prosseguir, é uma questão de objetivos, manejo e competência do psicodramatista. Portanto, embora existam inúmeras variáveis que estão presentes no momento da HPV, algumas sob “controle” do diretor, outras não, temos elementos indicativos do potencial que a hiperventilação tem no uso do tratamento psicológico ou do desenvolvimento pessoal. Fica óbvio que sua aplicação pode ir além do aquecimento inespecífico. De fato, a hiperventilação pode alcançar os níveis de dramatização, explorando-se, por exemplo, a dilatação do tempo de hiperventilação dos pacientes para cerca de uma hora (ou mais). Outra possibilidade seria o seu uso como instrumento de “psicodrama interno”. Neste caso, não vejo grandes complicações fazendo-se isso numa sessão bi pessoal, porém, quando pensamos em uma sessão de grupo, para seguir as etapas preconizadas pelo psicodrama, precisaríamos responder a algumas questões metodológicas, como por exemplo, como se daria a eleição do protagonista do grupo se o psicodrama interno parte do princípio da “encenação interna”? Em verdade, existem muitos grupos de Renascimento e hiperventilar em grupo é muito comum. A questão, para o Psicodrama é preencher os requisitos que caracterizam uma psicoterapia de ou em grupo. Mas esta seria uma preocupação para um novo estudo. Outro aspecto que poderia ser alvo de novos estudos são os paralelos possíveis entre o conceito de conserva cultural de Moreno e de couraça muscular do caráter de Reich, haja visto a intrínseca relação entre a angústia, a restrição respiratória e a perda da espontaneidade. Página 45 de 64

A hiperventilação consolidou-se na sessão como instrumento Iniciador de aquecimento inespecífico, como pede Almeida (5, pg 33), ao ter se constituído através da triangulação locus, matriz e estatus nascendi. Na sessão analisada o Locus foi representado pelo ambiente onde se desenrolou o trabalho de Psicodrama de Grupo. A matriz ou foco, foi representado pela correlação existente entre respiração e angústiamedo, ou seja, o contato possível que os pacientes em grupo puderam ter com suas angústias / medos, quando induzidos pela hiperventilação. O status nascendi, no nosso caso, foi representado pelo movimento respiratório de hiperventilação, ou seja, o aquecimento propriamente dito. O aquecimento inespecífico observado na sessão em análise se deu sob 11 “marcos” crescentes. A HIPERVENTILAÇÃO correspondeu ao marco “iv”. Mas sua função só pôde ser completada a partir do marco “ix” (fotografias cênicas individuais). Isso porque, precisei de uma “metodologia” que pudesse ser eficaz dentro de uma sessão psicodramática de GRUPO. Isto reforça a ideia defendida por Bermúdez de que o aquecimento, como todas as demais etapas da sessão psicodramática se fazem por “espiral” (9, pg 5). Um olhar sistêmico nos permite verificar que, na verdade, todas as etapas de uma sessão psicodramática não são estanques, ou como diria Bermúdez: “pasos sucesivos de un proceso que puede terminar con la etapa de comentarios, o bien ésta puede transformarse en la base de otro caldeamiento para una nueva dramatización” (9, pg 54 e 55).

A quais pacientes podemos indicar como iniciador a HPV? Os transtornos de ansiedade, pânico etc, em seu diagnóstico diferencial (descartados fatores endógenos, tóxicos ou mecânicos), terá sua etiologia na angústia moral inconsciente, e assim, sua correspondente corporal na postura. “As atitudes não são apenas processos mentais, valores subjetivos; elas se retratam inteiras no corpo...” (20, pg 81). A hiperventilação, como instrumento terapêutico de cunho corporal induz o contato íntimo com a angústia do paciente, estabelecendo uma “ponte” com seu núcleo conflitivo. Portanto, estes seriam pacientes que poderiam se beneficiar muito com o emprego deste instrumento. A ressalva é de que a respiração precisa ser voluntária, não obrigatória. Ou seja, o diretor precisa verificar a receptividade do paciente a proposta, haja visto que sua eficácia, como em qualquer processo terapêutico, depende do nível de compromisso do paciente.

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Sendo a hiperventilação uma ação voluntária, ela se faz por um esforço consciente e pessoal. É este esforço voluntário, intenso e ativo de respirar, a contraposição física da angústia como inibição respiratória. Porque, se existe o “papel psicossomático do respirador”, existe com mais força o “papel psicossociocultural do respirador”, ou uma “conserva cultural respiratória” que influenciam excepcionalmente na formação do “eu”, e mais, do “eu-tu”. Ey afirmou ser necessário reconhecer que: “a psicologia médica [e dinâmica] constitui uma “Antropologia” donde se fundem e se integram as perspectivas

neurobiológicas

e

as

perspectivas

psíquicas de uma verdadeira ciência do homem, de sua “natureza” e de sua “cultura”” (21, pg 7).

Poderia dizer que o desenvolvimento de qualquer papel, e que desencadeiam o surgimento do “eu”, são antes, ou no mínimo concomitantemente, vivenciados corporalmente. Portanto, a conserva cultural também tem seu correspondente respiratório, ou seja, caracterizado pelas inúmeras vezes que reprimimos ou sufocamos em nós, aquilo que precisaria (ou mesmo, deveria) ser manifestado e não foi (ou não é!). Procurei demonstrar neste trabalho (e a partir do acervo teórico que pude dispor) que a respiração, pela necessidade vital e urgente que temos dela para sobreviver, imprime um efeito especial na percepção que temos de nossas vivências - incluindo as vivências de nossas angústias. Sendo assim determina uma influência importante no processo de aquecimento que leva à espontaneidade (ou que lhe impede – quando ativa couraças de caráter, por exemplo). Podemos explorar, do ponto de vista psicológico, que relações são possíveis se fazer entre vontade e respiração voluntária; escolha e respiração; autoria e respiração; desenvolvimento do “papel de respirador” e consciência respiratória; etc. A espontaneidade ganha corpo com a libertação respiratória. Dizendo de outra forma: a espontaneidade sem corpo – isto é, sem respiração – simplesmente não existe.

8.1.

Algumas Limitações Identificadas

Este trabalho, sob o ângulo dos elementos que sustentaram sua escrita, teve como principal limite o fato de não contemplar uma PESQUISA QUALITATIVA. Isto porque, a coleta de dados não ocorreu de maneira a atender seus requisitos. Por isso, a solução adotada foi transcrevê-lo no formato de ENSAIO CIENTÍFICO. Porém, ainda que

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tenhamos perdido em precisão, acredito que não perdemos em profundidade. Ademais, procurou-se obedecer ao viés fenomenológico compreensivo. Meu esforço foi de reunir elementos suficientes para permitir a reflexão e agregar uma contribuição científica. A HPV realizada pelos pacientes na sessão analisada neste trabalho correu sem um limite pré estabelecido de tempo. Na prática, transcorreram vinte minutos de hiperventilação e este tempo se mostrou adequado para o objetivo estabelecido neste projeto, que foi o de utilizar a HPV como instrumento INICIADOR de aquecimento inespecífico. Dada a minha experiência prévia na condução e acompanhamento da hiperventilação, pude observar o grupo e interromper os estímulos a fim de cumprir o meu propósito. Isto torna-se um problema no que se refere a reprodução deste trabalho por outros psicodramatistas, sem a mesma casuística que a minha. Como sugestão, pela experiência prática reunida neste trabalho, posso sugerir que o tempo indicado para que se utilize a HPV como instrumento iniciador em psicodrama, seja de 15 a 20 minutos, considerando uma margem de erro de 10 minutos a menos ou a mais. Pode parecer uma margem de erro grande, mas temos que admitir que alguns pacientes demonstram muita resistência em hiperventilar, enquanto que outros terão mais facilidade. Por este motivo e para esta indicação instrumental, também é recomendado que a quantidade de pacientes por grupo oscile entre 2 a 5. Este número ajudará o diretor a ter maior controle no acompanhamento do grupo. Outro aspecto quanto a eventual reprodução deste expediente é a própria casuística em relação a hiperventilação. Para isto, é recomendado que o psicodramatista tenha algum contato com a HPV. Isto é desejável para que ele entenda melhor seus efeitos. Minha sugestão particular é que não se restrinja a hiperventilar por alguns minutos apenas, sem nenhum acompanhamento, mas que passe pelo Renascimento. Ou seja, não me refiro a uma hiperventilação de alguns minutos de “aquecimento”, como no trabalho que analisamos, mas por cerca de uma hora, acompanhado por um renascedor competente26. No meu caso, tenho mais de 600 horas em Renascimento, além de formação na técnica e um número considerável de acompanhamento de pacientes como Renascedor.

26

Uma sessão individual tem uma média de 2 horas (das quais cerca de 1 h é de hiperventilação). Existem também as sessões em grupo, com cerca de 3 a 4 horas. Aprendi com Gaiarsa a realizar processos de Renascimento com 12 sessões. Hoje sou apto a realizar um Renascimento sozinho, sem acompanhamento. Aliás, a técnica pressupõe ganho crescente de autonomia.

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Para finalizar, embora tenha destacado as indicações da HPV (independente de qual etapa do psicodrama), é pertinente apresentar suas contraindicações e comentários adicionais: 

Evitar aplica-lo em mulheres grávidas, a não ser com acompanhamento médico ou especializado;



Não o aplicar em pessoas sobre efeito de drogas;



Não aplicar em pessoa acometida de doenças cardio respiratórias graves. Os pacientes sujeitos deste trabalho descreveram problemas respiratórios leves, não crônicos. Pode-se enquadrar como “grave” uma pneumonia ou uma doença cardíaca que contraindique esforço físico;



Do ponto de vista da hipótese diagnóstica em saúde mental, a hiperventilação pode ser aplicada em qualquer caso que envolva ambivalência afetiva (neurose), exemplos: transtornos de ansiedade, depressão, pânico. Refiro-me aos quadros clínicos de angústia moral inconsciente. Isto independe da tipologia psicológica do paciente. O fato de não haver contraindicação nestes casos não significa que se deva aplicar a hiperventilação. Este julgamento clínico é prerrogativa do psicólogo responsável pelo caso;



Pelo observado neste estudo, recomenda-se que, caso a utilização da HPV seja com o objetivo de AQUECIMENTO INESPECÍFICO, ela se faça dentro de uma estimativa de tempo entre 15 e 20 minutos (com margem de erro de 10 minutos para mais ou para menos). Também se recomenda um número máximo de 5 pacientes para este fim, sobretudo, se o diretor não tiver experiência na condução e acompanhamento de pacientes em hiperventilação;



Nem todo paciente (quadro neurótico) responde em bom termo a HPV. Haverá aqueles que, como a paciente M, entram superficialmente em hiperventilação. Haverá, claro, aquele que de fato, não conseguirá realizar a HPV, seja por mero bloqueio ou sabotagem psicológica ou por rejeição explicita da prática. Como o silêncio muitas vezes comunica mais que a palavra, também estes episódios, se ocorrerem, comunicarão algo sobre o paciente, e isso é material para processamento psicológico. De qualquer forma, hiperventilar significa um ato de VONTADE e de COMPROMISSO. E isso não ocorre por obrigação, mas por livre arbítrio;



Em tese, a aplicação da HPV nos quadros psicóticos e seus correlatos pede por uma formação sólida do aplicador. Não tenho registro de aplicação da HPV nesta área (mas isso não significa que não exista), então, por experiência, posso deduzir que há complicações a serem analisadas. Por exemplo: obter o compromisso de um paciente esquizofrênico para hiperventilar voluntariamente na fase prodrômica não seria uma tarefa fácil, quanto mais na fase aguda da doença. Neste sentido, a fase residual da doença

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poderia trazer maiores benefícios. Outro aspecto a considerar é sobre os efeitos que a baixa oxigenação cerebral poderia provocar nas funções cerebrais psicóticas, que já padecem de desorganização psicodinâmica. Caso haja interesse em se pesquisar aplicação para estes casos, indico que se siga as práticas de formação de grupo convencionais, ou seja, não se misture pacientes de quadro psicótico com os de quadro neurótico; 

A HPV tem como um de seus fundamentos a CONSCIÊNCIA DO PRATICANTE SOBRE O SEU PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL. Porém, a hiperventilação prolongada, em casos raros, pode levar uma pessoa a perda momentânea de consciência. Este fenômeno é chamado de “buraco negro”. Atribui-se a mecanismos de defesa do ego. Neste caso existem manobras que um Renascedor pode adotar para se evitar ou controlar sua ocorrência. Essas manobras podem ser aprendidas nos cursos de formação em Renascimento. A chance de se ocorrer um “buraco negro” na fase de aquecimento inespecífico de uma sessão de psicodrama é deveras remota;



Embora este trabalho seja direcionado ao contexto psicoterápico, vale lembrar que não se deve utilizar hiperventilação para a prática de mergulho, sobretudo, de profundidade. A hiperventilação retarda os mecanismos de alarme que estimulam a vontade de respirar. A hiperventilação dá a sensação de que não precisamos mais de oxigênio, sendo que, na verdade, ocorre uma hipóxia celular. Para um mergulhador, isso é perigoso, pois submerso e não restabelecendo o nível de oxigênio, sua hipóxia se tornará severa, levando a perda de controle motor e perda da consciência.

Antonio AgrismarTavares Grangeiro Contato com o autor: [email protected]

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS (ANAMNESES – TRIAGENS / ABPS)

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Anexo 1 NOME: “R”, gênero feminino

DATA DE NASCIMENTO: 16/05/1972 (40 a)

1. QUEIXA LIVRE: A. Fale de você: Quem é você? Como se define? Definiu-se como “Uma pessoa insegura”. B. Qual o motivo de sua busca por psicoterapia? “Tenho crises de ansiedade, gostaria de me curar. Me reconhecer. Me perceber atuando. Fazendo algo. Não sei se o que faço é relevante. Vivo perguntando para o outro esperando que ele me dê opinião. Deveria fazer aquilo que eu penso. Eu sei o que eu tenho que fazer, mas eu não faço. Não ouço o meu instinto”

2. CONSTITUIÇÃO E RELACIONAMENTO FAMILIAR (genetograma):

R ........................... (40 anos)

// ..................................R (gênero masculino)

“Separada. Meu ex marido chama-se R. Não tivemos filhos”

3. HISTÓRICO ESCOLAR: (primário, ginásio, colégio, faculdade, satisfação, angústias, dificuldades quanto as matérias, professores e classes): “Fiz o ensino médio”. 4. DESENVOLVIMENTO: (nascimento, alimentação, sono, desenvolvimento psicomotor, manipulação) Muito magrinha quando criança, porém saudável. A mãe buscou um médico reclamando de sua magreza, o médico indicou um remédio, e após isso engordou muito (dos 16 aos 18 a). Aos 19 anos emagreceu por regime alimentar. Considerase sedentária. 5. DOENÇAS DE INFÂNCIA (febre, cefaléia, desmaios, convulsões, asma alérgica,...) “Hoje estou bem, mas já tive pneumonia quando criança”. 6. RELACIONAMENTO SOCIAL (amigos, no trabalho, na escola, na vizinhança) “Tenho relacionamento com amigos etc, mas sou reservada. Cobram-me mais participação, e isso me angustia” Página 54 de 64

7. HISTÓRICO MARITAL (namoro, noivado, casamento, expectativa, frustrações, satisfação sexual) “Tranquilo. 3 anos de namoro, um mês de noivado (por insistência minha) e logo depois, casamento. Fui casada por 2 anos. Nos separamos a 1 a. Não houve problemas de adaptação da fase namoro para o estado de casados. Não moramos juntos no namoro. Separamos porque acabou o amor” 8. HISTÓRICO SEXUAL (menstruação, nível de informação, expectativa/está grávida [3 primeiros ou últimos meses?]) Menstruação aos 9 anos. Não tinha ideia do que era isso. Sem diálogo com a mãe. Muita cólica, hoje toma remédios para não menstruar (toma a 11 anos). A ideia de ter um filho não está bem resolvida. 9. MEDOS (tem sentimentos fóbicos e sintomas ligados a pânico: taquicardia, sudorese etc) “Tenho síndrome de pânico, sudorese, taquicardia etc. Medo generalizado” 10. TRATAMENTOS (que já fez, medicamentos que tomou ou toma / enfermidade grave/ cardíaco descompensado / pneumopata) “Já tive pneumonia quando criança. Minha respiração as vezes fica difícil” 27. 11. ALCOOLISMO, JOGOS, TOXICOMANIA “Não bebo” 12. ANTECENDENTES FAMILIARES (convulsões debilidade, internações, etc) Nenhum. 13. HISTÓRICO PROFISSIONAL Trabalha: “Comecei com 23 anos numa central de atendimento. Passei por atendente, caixa, assistente de operação. Hoje sou supervisora”

14. ASPIRAÇÕES PESSOAIS: (pretende casar, ter filhos, possui planos de modificação de vida, expectativas papel pai-mãe, papel profissional) “Ficar boa” [sem pânico] “Curar meu pânico. Acho que ter maior consciência de quem eu sou, dos meus medos, ansiedades, angústias que me fazem travar e buscar a opinião do outro. Quero ter autonomia da minha própria vida sem me esconder na ‘aba’ do outro.” Nota: um dos sintomas da pneumonia é a “falta de ar”. A quem defenda a ideia de que pode deixar sequelas. Embora esta informação não tenha sido apurada junto a paciente, a mesma não demonstrou ter pneumopatia grave a qual levasse a insuficiência respiratória. 27

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1) Comportamento: Foi um pouco ansiosa. Tremulações na região da boca (demonstrando nervosismo). 2) Hipótese Diagnóstica segundo Matriz de Identidade: Segunda fase: Primeira fase da Matriz de Identidade: ansiedade / fobia (embora busque referencial e aprovação externa sobre o que fazer, sabe o que fazer, mas não faz, não segue o instinto. Repressão de impulsos indesejados). 3) Observações: Aceitou o convite para fazer parte de grupo psicoterapêutico. 4) Conclusão/Indicação: Apta a hiperventilação como instrumento de psicoterapia de grupo.

SP, 22/09/2012 PSICÓLOGO RESPONSÁVEL PELA TRIAGEM: Antonio Agrismar Tavares Grangeiro – CRP: 06-46454-4

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Anexo 2 NOME: “M”, gênero feminino anos)

DATA DE NASCIMENTO: 01/08/1970 (42

1. QUEIXA LIVRE: A. Fale-me de você: Quem é você? Como se define? “Com Crise de Ansiedade Generalizada” [Trouxe verbalmente o diagnóstico psiquiátrico que lhe foi dado].

B. Qual o motivo de sua busca por psicoterapia? “Quero a cura das minhas crises. Há um ano tenho crise de ansiedade generalizada, o último médico psiquiatra que me atendeu, Dr. Wolf, indicou psicoterapia”. Paciente descreveu sinais e sintomas como: diarreia, alterações de temperatura (calor e frio), formigamento na cabeça, medo (o que piora a sua condição geral), coração acelera, pressão arterial sobe. Complementa dizendo: “Tomo bastante remédio. Vim aqui para não precisar ficar tomando remédio, para amenizar os sintomas. Dr Wolf disse que somente com terapia que ia conseguir e voltar nele apenas se tivesse passado no psicólogo”. Nota: diz que ficou sem remédios por 1 semana e isso intensificou os sintomas. Sob efeito de medicamento não pensava em fazer psicoterapia. A insistência do Dr Wolf influenciou muito na decisão da paciente por psicoterapia. Embora outros psiquiatras tenham lhe indicado psicoterapia, Dr Wolf foi enfático: ‘Se você não estiver em psicoterapia, não precisa vir tomar meu tempo mais”. Faz um ano que está em crise.

2. CONSTITUIÇÃO E RELACIONAMENTO FAMILIAR (genetograma):

Mãe (mora em Fortaleza / CE)

M ............................................................. J (42 anos) (gênero masculino, 49 anos) I (menina de 2,5 anos)

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M é do CE e J é de SP. Ela veio do CE com 1 a de idade. Está com J a 10 anos. 3. HISTÓRICO ESCOLAR: (primário, ginásio, colégio, faculdade, satisfação, angústias, dificuldades quanto as matérias, professores e classes): No colegial, ia a escola, mas colava tudo. Segundo ela “Estudava zero”. Vivia das amizades, que lhe ajudavam (passando cola, por exemplo). Concluiu o 2º grau. Definiu-se como “Preguiçosa” e seu interesse era namorar os meninos da escola. 4. DESENVOLVIMENTO: (nascimento, alimentação, sono, desenvolvimento psicomotor, manipulação) Infância conturbada, pai bebia muito. Era extremamente agressivo, sobretudo, com o irmão dela, que por diversas vezes dormiu na rua. Mãe também apanhava muito. Separava, fugia, voltava... Ela também, junto com mãe e irmão, chegaram a dormir na rua. Foi assim até o pai ter cirrose hepática e parar de beber. Ele foi embora para o Ceará sozinho (separou-se da esposa). O pai comprou uma fazenda, certo dia passou mal, teve um ataque cardíaco e morreu. Foi um desespero. A irmã (que não acompanhou a fase alcoólatra do pai) e a mãe entraram em pânico. Foram todos para o Ceará. Depois de um tempo, Maria voltou (fugida) para SP sozinha. 5. DOENÇAS DE INFÂNCIA (febre, cefaléia, desmaios, convulsões, asma alérgica,...) Não relatou nenhuma doença. 6. RELACIONAMENTO SOCIAL (amigos, no trabalho, na escola, na vizinhança) “Pouco, não sou de amigos. Amigo, amigo eu não tenho. Tenho colegas de trabalho. Trabalho numa corretora de seguros, administrando seguro saúde” 7. HISTÓRICO MARITAL (namoro, noivado, casamento, expectativa, frustrações, satisfação sexual) Na infância, namoricos. No colégio ficou mais sério, teve três namorados firmes. Com o 1º namorado, ela era fiel, mas ele foi infiel. Época em que trabalhavam numa boate. Ele engravidou uma garota de programa. Com o 2º namorado aconteceu a mesma coisa (ela fiel, ele infiel, engravidou uma garota de programa). Depois disso, M diz ter desandado, saiu da boate e começou a trabalhar na área de seguros. Saiu com vários homens para transar apenas... Conheceu J em sala de bate papo. Ele mais velho, pareceu uma pessoa responsável. Mesmo assim, de início ela não era fiel a ele. Foi embora para Fortaleza, ficou 1 ano lá depois voltou. Ao voltar, reatou com J e começou a morar com ele. A partir deste momento decidiu ser fiel, e acabou engravidando dele. Já está com J a 10 a. 8. HISTÓRICO SEXUAL (menstruação, nível de informação, expectativa/está grávida [3 primeiros ou últimos meses?])

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Menstruou com 11 a. Nunca pensou em casar na igreja e ter filhos. Disse: “1º namorado, tudo bem, 2º namorado era muito bêbado, mas eu gostava dele mesmo assim. Foi minha grande paixão na vida. Com o J eu tive orgasmo quase todas as vezes. Nosso livro chamaria: ‘Amar ou depender’. Minha irmã (que é psicóloga) fala que eu dependo do J. Ele é o pai que eu não tive”. M não concorda com a irmã. Diz que J é chato, muito chato, mas se sente muito segura com ele. Não tem vícios, está sempre em casa. 9. MEDOS “Depois que minha filha nasceu tenho medo (diário). Medo de morrer e deixá-la aqui. Nunca me imaginei cuidando de alguém. Nunca desejei ter filhos. Mas sempre cuidei de minha mãe. Uma gripe dela [da mãe lá no Ceará], ligam para mim. Será que terei capacidade de cuidar da minha filha? Não tenho medo da morte, mas de morrer agora. Exemplo: tenho medo de sair a noite e ter uma bala perdida. Medo de dirigir ... tudo. A TV reforça..” Complementa dizendo: “Acho que a crise de ansiedade que passo é pelo nascimento da minha filha I”. 10. TRATAMENTOS (que já fez, medicamentos que tomou ou toma / enfermidade grave/ cardíaco descompensado/pneumopata) Faz tratamento para ansiedade (Sertralina) e para pressão (depois que filha I nasceu). Pressão arterial sem remédio: 15 / 10; com remédio: 13 / 10 (precisa recalibrar dosagem do remédio de pressão). Também trata hérnia de coluna, escoliose, dores nas costas. 11. ALCOOLISMO, JOGOS, TOXICOMANIA Bebia cerveja de vez em quando antes da filha I nascer. Teve vício de jogar caça níqueis de bar. Mas só perdeu trocadinhos. 12. ANTECENDENTES FAMILIARES (convulsões debilidade, internações, etc) Irmão (que apanhou muito do pai, dormia na rua etc), mora com a mãe. Foi diagnosticado como “transtorno borderline” (SIC). Ele é usuário de cocaína e bebe. Irmã tinha convulsão quando pequena. Ela acha que era devido a mãe apanhar na gravidez. Sua filha I tem convulsões quanto tem febre alta. 13. HISTÓRICO PROFISSIONAL Com 10 a começa entregando “marmitex”. Depois passa a recepcionista de loja, corretora, depois vai trabalhar em boate, volta a ser corretora. Como corretora está a 10 anos. Trabalha numa corretora onde o dono é problemático. Ela administra as contas (executora de contas), a corretora depende muito do trabalho dela. Não consegue tirar férias a 5 anos. Porém, neste meio tempo, tira uma semana de 3 em 3 meses para ir ver a mãe, pois existe uma filial da corretora em Fortaleza, que ela tira para visitar e ver a mãe.

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14. ASPIRAÇÕES PESSOAIS: (pretende casar, ter filhos, possui planos de modificação de vida, expectativas papel pai-mãe, papel profissional) “Comprar um apartamento e sair do aluguel”. 1) Comportamento: Ficou calma na entrevista. Teve fala tranquila. 2) Hipótese Diagnóstica: Primeira fase da Matriz de Identidade: ansiedade, medo / fobia (repressão de pensamentos / impulsos perturbadores). 3) Observações: Aceitou o convite para participar de psicoterapia de grupo. 4) Conclusão/Indicação: Apta a hiperventilação na psicoterapia de grupo.

SP, 22/09/2012 PSICÓLOGO RESPONSÁVEL PELA TRIAGEM: Antonio Agrismar Tavares Grangeiro – CRP: 06-46454-4

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Anexo 3 NOME: “C”, gênero feminino

DATA NASCIMENTO: 15/07/1976 --- 36 a

1. QUEIXA LIVRE: A. Fale-me de você: Quem é você? Como você se define? “Fase difícil profissional. Sou chorona” [paciente chora] B. Qual o motivo de sua busca por psicoterapia? “Sou advogada formada desde 2005, quando iniciei carreira como advogada. O escritório onde trabalho atrasa pagamentos. Tenho dificuldade financeira. Problemas com meu marido, na última conversa com ele, ele disse que se separa de mim após eu concluir a pós [que está fazendo]. Quero por para fora isso”. Acrescentou: “Venho procurar auxílio para lidar com meus conflitos internos, meus medos e minhas frustrações. Estou me sentindo sobrecarregada, choro muito, falta equilíbrio. Quero equilibrar minha vida profissional, pessoal e familiar. Aprender a ter diálogo no meu relacionamento. Formas corretas de me expressar e não estou conseguindo adquirir mecanismos para arriscar profissionalmente. Tenho medo e isso me bloqueia. Eu perco a paciência. Não consigo conversar, grito muito. Uso chavões para I [filha] e F [marido] para agredir, e isso só piora. Fico irritada comigo, faço as coisas e isso é mecânico, sai...”

2. CONSTITUIÇÃO E RELACIONAMENTO FAMILIAR (genetograma): C.............................................................F (gênero masculino) (36 anos) (32 anos) I (menina de 8 anos) Casados a cerca de 9 anos. Tem mãe viva (mora em Florianópolis), ela é “próxima afetivamente” de C, mas segundo a paciente “há o problema da distância geográfica”. Paciente tem uma irmã em SP, casada e irmão no Sul, também casado. Ambos distantes afetivamente. Família do marido complicada, segundo a paciente “sogro e sogra são complicados, mas ajudam cuidar de I [sua filha]”. Irmãos do marido tem um convívio “próximo até demais” (SIC). 3. HISTÓRICO ESCOLAR: (primário, ginásio, colégio, faculdade, satisfação, angústias, Teve dificuldades quanto as matérias, professores e classes. Estudou em escola pública. Na 7ª série tinha pavor de matemática (provavelmente do professor), e isso a atrapalha até hoje, por exemplo, em sua formação em direito, tinha cálculo,

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e isso atrapalhava. Ela afirma: “Trava meter as cara”, e isso lhe gera insegurança: “não sei fazer, é inglês para mim”. 4. DESENVOLVIMENTO: (nascimento, alimentação, sono, desenvolvimento psicomotor, manipulação) Nasceu de 8 meses, porém “grande”. Sempre teve problemas respiratórios na infância. Pai hemofílico, mãe foi a mantenedora da família a partir de seus 5 anos de idade. Um pouco antes de engravidar, engordou muito. Segundo ela foi uma compensação da sua angústia [de estar grávida]. Associado a isso, teve “depressão por conta da mudança e adaptação no Sul” [na época mudara-se para lá]. Paciente mostrou-se expansiva, comunicativa. Em contrapartida, disse que no Sul as pessoas são frias e preconceituosas com paulistas. Desempregada na época, a adaptação demorou 1 ano. Os problemas respiratórios hoje são menores, mas ocorre falta de ar. Piora em “fases difíceis”. Deu como exemplo o seguinte relato: “Ano passado tive pneumonia, eu estava sob muito stress, num escritório de advocacia trabalhava muito e sob pressão por 12h a 14h / dia”. Também diz sofrer de cefaleia.

5. DOENÇAS DE INFÂNCIA (febre, cefaléia, desmaios, convulsões, asma alérgica,...) Problemas respiratórios. Também cefaleia, que piorou na fase adulta. Anticoncepcionais lhe fazem mal, causando inchaço nas pernas. 6. RELACIONAMENTO SOCIAL (amigos, no trabalho, na escola, na vizinhança) Comunicativa, falante. Poucos amigos na escola (“era sazonal”). Na faculdade criou mais vínculos. Chegou a dizer: “Tenho duas amigas do peito. Falamos sobre tudo”. Na pós graduação tem 3 amigos próximos e alguns professores. 7. HISTÓRICO MARITAL (namoro, noivado, casamento, expectativa, frustrações, satisfação sexual) “Com meu marido namoro desde 1999 / 2000. Por um período namoramos à distância [ela estava no Sul e ele em SP]. Relação com muitas brigas. Ele é 4 anos mais novo. Acho que tem os problemas de maturidade. Na distância tínhamos menos brigas. Ficamos noivos em 2003”. F (marido) e ela fizeram uma declaração de convívio, para que ela gozasse do convênio médico dele. 6 meses depois ficou grávida, mesmo usando preservativo. Acredita que foi micro furo no preservativo. Pílulas lhe fazem mal. Sentia-se culpada por ter engravidado com 27 anos, estava no meio da faculdade, tinha pai hemofílico, tinha medo da criança ter herdado a doença, mas quando soube que seria menina a angústia passou, embora a culpa tenha ficado. Fez tratamento para ela depois. A vida sexual com o marido foi se perdendo. “Não sinto mais vontade a muito tempo. Ele procurava antes, mas as relações eram mecânicas. Desistiu. Hoje entendo que existem expectativas sobre ele não correspondidas. Há 2 meses ele dorme no outro quarto”.

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8. HISTÓRICO SEXUAL (menstruação, nível de informação, expectativa/está grávida [3 primeiros ou últimos meses?]) Vida sexual começou aos 18 / 19 anos. Paciente disse: “Quando eu tinha 19 / 20 anos eu tinha picos de apetite sexual. Depois do casamento, com a relação, e com os remédios de depressão [Fluoxetina] e depois da gravidez 28, diminuiu o apetite sexual muito. Hoje é zero”. 9. MEDOS “Muitos. De ficar sozinha, não saber educar minha filha, passar insegurança a ela, mudar de trabalho, encarar coisas novas no trabalho”. Paciente diz sentir muita angústia, desespero e até pânico. Acrescenta: “Medo de ficar doente e sem nenhum amparo” [é profissional autônoma. No instante desta declaração seus olhos lacrimejam] 10. TRATAMENTOS (que já fez, medicamentos que tomou ou toma / enfermidade grave/ cardíaco descompensado/pneumopata) Declara ter realizado cirurgia de varizes, tratamento de problemas respiratórios (bronquite). O parto foi cesariano. Faz tratamentos de depressão e crises de ansiedade. Oscila entre muita tristeza (“vontade de morrer”) e muita ansiedade (“aceleração”). Chegou a receber diagnóstico de bipolar. Chegou a tomar Fluoxetina (primeira vez em 2002 até engravidar em 2003. Depois de 2005 a 2008), mas hoje em dia, não toma nada. Tomou também calmante. Está em tratamento homeopático a 3 meses. A Fluoxetina causou-lhe como efeitos colaterais: irritação, baixa libido, mas melhorava a angústia. 11. ALCOOLISMO, JOGOS, TOXICOMANIA “Não. Nunca. Bebia pouco socialmente. Mas isso hoje em dia não mais, bebida alcoólica ataca estômago”. 12. ANTECENDENTES FAMILIARES (convulsões debilidade, internações, etc) Mãe hipertensa. Pai diabético. 13. HISTÓRICO PROFISSIONAL Trabalha desde 14 anos, trabalhos operacionais. Trabalhou na faculdade para pagar o curso de direito. De 2006 a 2008 trabalhou fora da área de direito. Conseguiu OAB em 2008, depois de 2 tentativas. Fez cursinho para ajudar. Em 2009 começa como advogada. Atua na área trabalhista e empresarial. Afirmou: “Meu sonho é ser professora, mas não realizei ainda. Agora com a pós posso ir ao encontro dele” [referindo-se a aulas em seu ramo de especialidade].

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Paciente disse ter tido depressão pós parto. Paciente também disse ter tratado a “culpa pela gravidez”.

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14. ASPIRAÇÕES PESSOAIS: (pretende casar, ter filhos, possui planos de modificação de vida, expectativas papel pai-mãe, papel profissional) “Minha expectativa principal é autogerir minha vida (independência profissional e financeira), ter um trabalho que me realize: dar aula para faculdade, pós em direito. Estar feliz comigo mesma. Com um relacionamento que me acrescente coisas boas. Não seja tão pesado. Seja soma, não divisão. Quero também êxito na educação de I [sua filha]”. Complementou dizendo: “Ter mais paciência. Pensar antes de falar as coisas. Principalmente ter mais amor. Eu sou amorosa, mas não consigo colocar meu amor / carinho para fora. Estou muito frustrada”.

1) Comportamento: Falante, ansiosa. Chorou por diversas vezes durante a entrevista. Tipologia Histérica. 2) Hipótese Diagnóstica: Parte da angústia trazida pela paciente é REAL (problemas financeiros, os transtornos de uma iminente separação conjugal, uma condição de trabalho insatisfatória e instável etc). Mas devido ao turbilhão emocional vivido pela paciente (o que inclui temores, ansiedades e sentimentos depressivos dominantes), e associando-se isso a sua tipologia histérica, a Hipótese Diagnóstica é de Primeira fase da Matriz de Identidade. 3) Observações: Veio com interesse em participar de grupo. Aceitou o convite para participar do grupo de psicoterapia. Ficou empolgada com a proposta. 4) Conclusão/Indicação: Apta a usar de hiperventilação durante processo de psicoterapia de grupo.

SP, 22/09/2012

PSICÓLOGO RESPONSÁVEL PELA TRIAGEM: Antonio Agrismar Tavares Grangeiro – CRP: 06-46454-4

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