A História das Invenções: possibilidades de utilização da História da Ciência no Ensino

June 29, 2017 | Autor: S. Vissicaro | Categoria: História das Ciências, Ensino Fundamental
Share Embed


Descrição do Produto

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

A História das Invenções: possibilidades de utilização da História da Ciência no Ensino Suseli de Paula Vissicaro1

Introdução

Diferentes pesquisadores (Matthews,1995; Cachapuz, Carvalho, Forato, 2009; Peduzzi, 2001) e publicações diversas tem apontado para a importância da utilização da História das Ciências no ensino de ciências, nas diferentes modalidades de ensino, observando-se uma gama de trabalhos voltados para sua utilização no ensino médio e superior. Contudo, pouquíssimos trabalhos destacam sua contribuição no ensino fundamental, destino para onde este estudo se volta. Assim, o presente estudo discute sobre a inserção de componentes históricos no

ensino das Ciências, no Ensino Fundamental I, a partir da construção e análise de uma proposta didático-metodológica, organizada em forma de sequência de atividades, que busca integrar as disciplinas de ciências, história, geografia e matemática, para a compreensão do conteúdo referente à Era das navegações/descobrimentos e, para tal, também elegemos uma abordagem do conhecimento: a interdisciplinar. As atividades planejadas, organizadas em forma de sequência didática, foram aplicadas e analisadas a luz dos referenciais teóricos que embasam esta investigação, cujos resultados, corroboram com a inclusão e utilização da HC no ensino, aliada a atividades que possibilitem ao aluno perguntar, pesquisar, refletir, investigar, contribuindo para sua alfabetização cientifica, discutindo a ciência enquanto construção humana, dentro de uma proposta de Educação Científica. Caracterizada como estudo de caso, buscou-se inserir a História das Ciências

em sala de aula, através da História das Invenções (neste caso, dos Instrumentos de navegação marítima dos séculos XV e XVI), justificando-se que ela favorece a compreensão da natureza da ciência e de como o conhecimento científico é construído, contribuindo para a formação crítica do cidadão, em uma proposta de Educação Científica. Desta forma, buscou-se responder se é possível utilizar a História da Ciência nos anos iniciais do Ensino Fundamental, numa perspectiva interdisciplinar, como

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC. MESTRE EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

elemento contextualizador, de modo a favorecer a compreensão do processo de construção dos conhecimentos científicos bem como analisar a contribuição da HC para o ensino das ciências.

O Ensino das ciências hoje: por uma Educação Científica

No contexto em que a Educação desempenha um papel fundamental na formação do cidadão, que deve começar desde cedo já nos anos iniciais da escolaridade, declarou-se na Conferência Mundial sobre a Ciência para o século XXI, realizada em Budapeste (1999, apud CACHAPUZ, 2005:20), que,

Para que um País esteja em condições de satisfazer as necessidades fundamentadas da sua população, o ensino das ciências e a tecnologia é um imperativo estratégico. Como parte dessa educação científica e tecnológica, os estudantes deveriam aprender a resolver problemas concretos e a satisfazer as necessidades da sociedade, utilizando as suas competências e conhecimentos científicos e tecnológicos.

Assim, diante de um cenário no qual ciência e tecnologia são presença cada vez mais constantes no cotidiano da população, o ensino de ciências passa a ser cada vez mais valorizado na formação do cidadão e discute-se como torná-lo significativo e mais próximo do indivíduo. Neste contexto, emerge um termo cuja prática ainda é desconhecida por boa parte dos professores: a Educação Científica. Ela é apontada em documentos e produções acadêmicas como o caminho para se promover o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida, devendo ser acessível a todos (UNESCO, 2005). Segundo SANTOS (2007:487) os significados da Educação Científica podem ser entendidos como processos diferenciados de alfabetização e letramento científicos, porém tratam-se de domínios da mesma (EC). Numa abordagem contextualizada a educação científica se configuraria em “um processo de domínio cultural dentro da sociedade tecnológica, em que a linguagem científica seja vista como ferramenta cultural na compreensão de nossa cultura moderna”. A atribuição de significado cultural também está presente em muitos estudos, sendo que hoje “a educação científica tem sido vista como um processo de Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

enculturação” (SANTOS, 2007: 481), ou como intitulou um estudo da UNESCO – cultura científica. Krasilchik e Marandino (2004, apud SANTOS, 2007: 481) “caracterizam a EC também como a capacidade de participar da cultura científica da maneira que cada cidadão, individual e coletivamente, considera oportuno”. Almejando promover esta Educação Científica, um caminho possível, é através da História das Ciências, que apresenta a ciência como um processo e dentro de uma proposta reflexiva, mas que de antemão revela a possibilidade de refletir sobre a natureza da ciência, “o que é essencial para a compreensão das implicações sociais da ciência, uma vez que o aluno passa a entender a ciência como atividade humana e não simplesmente como atividade neutra distante dos problemas sociais” (SANTOS, 2007:483). Educação científica esta, que ao transformar o ensino de ciências (pautado na maioria das vezes pela memorização, no conteúdo e na ausência de significado destes para o indivíduo), “instrumentalize os futuros cidadãos para os desafios que a contemporaneidade irá oferecer, preparando-os através de um ‘conhecimento emancipação’” (ALVIM, 2012: 5). Isto se deve ao fato de acreditar-se que a EC favorece o desenvolvimento de habilidades, conceitos, conhecimentos, “estimulando o aluno a observar, questionar, investigar e entender, de maneira lógica”, os seres, o ambiente e os eventos cotidianos, além de estimular “a curiosidade, a imaginação e o entendimento do processo de construção do conhecimento”, contribuindo para que seus resultados estejam ao alcance de todos (OLIVEIRA; GONZAGA, 2012).

História das Ciências e Ensino

Considerando a História das Ciências no ensino das ciências como uma das possibilidades de promover a Educação Científica dos alunos, convém destacar que existem diferentes formas de utiliza-la em sala de aula: através do uso de episódios de HC em sala de aula (Forato, 2009; Nascimento, 2004; Martins, 2006; entre outros); ou como fonte de reflexão, desde os anos iniciais, através da reconstrução do contexto histórico, não se prendendo a um episódio específico, mas contribuindo para a compreensão do todo. Pois, segundo MATTHEWS (1995:165),

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

A história, a filosofia e a sociologia da ciência (...) podem humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; podem tomar as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, deste modo, o desenvolvimento do pensamento crítico; podem contribuir para um entendimento mais integral de matéria científica, isto é, podem contribuir para a superação do mar de falta de significação que se diz ter inundado as salas de aula de ciências, onde fórmulas e equações são recitadas sem que muitos cheguem a saber o que significam; podem melhorar a formação do professor auxiliando o desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, ou seja, de uma maior compreensão da estrutura das ciências bem como do espaço que ocupam no sistema intelectual das coisas. (MATTHEWS, 1995:165)

No entanto, TRINDADE (2008: 4) nos chama a atenção para o fato de que “a HC durante muito tempo levada para a sala de aula, simplesmente relatava ou descrevia aqueles aspectos da Ciência que dizem respeito às descobertas cientificas, no lugar de refletir sobre a origem e o desenvolvimento desse tipo de atividade humana”. E nesta perspectiva ela pouco contribui para a EC dos estudantes. Neste sentido, reforça-se a importância de compreendermos a ciência enquanto uma construção humana, resultante de um processo, rompendo com a visão apresentada nos livros didáticos e conteúdos programáticos da área. E possibilitar através desta compreender as relações entre ciência, tecnologia e sociedade, localizando a ciência histórica e culturalmente, influenciando e sendo influenciada pela sociedade na qual está inserida. E neste sentido, é fundamental uma mudança de abordagem historiográfica. Por abordagem historiográfica escolheu-se a História dos Instrumentos Científicos, apontada pelos PCN’s como uma das possibilidades de introdução da HC nos anos iniciais do ensino fundamental, favorecendo a construção de uma proposta investigativa e lúdica. Assim, neste estudo em particular, trabalhou-se a partir do estudo de alguns instrumentos de navegação marítima do período tradicionalmente nomeado “Era dos Descobrimentos”, promovendo a reflexão entre os mesmos e o contexto da época, por meio da elaboração de uma proposta didática voltada para as séries iniciais do ensino fundamental. . Ao resgatarmos a história dos instrumentos de navegação, sobretudo, o quadrante, não estamos apresentando “uma história de uma coleção de instrumentos mortos e descartados” (GALISON, 1988 apud LACERDA, s.d.: 2), mas estimulando Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

uma análise do que seria a ciência para aqueles que construíram os instrumentos naquele determinado período histórico, por quais motivos e de quais conhecimentos fizeram uso. Pesquisar, construir e utilizar o quadrante na prática, tal como propomos na proposta didática construída e aplicada, implica também no desenvolvimento de conhecimentos e habilidades, advindos de diferentes áreas, demonstrando seu potencial interdisciplinar.

Os instrumentos de navegação no contexto das viagens ultramarinas

No contexto das viagens ultramarinas, os instrumentos de navegação aparecem citados, sem que se discuta o papel que desempenharam na mesma. Acredita-se que mais do que um elemento ilustrativo, acessório, os instrumentos tiveram um papel fundamental, relevante no contexto das navegações marítimas do século XV e XVI, abrindo espaço para uma importante reflexão a ser feita entre os instrumentos e a chegada à América. A utilização dos instrumentos norteou a conquista do mundo, permitindo assinalar novos territórios, pois “o instrumental que serviu às medições astronômicas servirá às mensurações dos sítios, dos domínios em terra” (GIANESELLA, 2008: 19), certificando em cartas as latitudes e longitudes. Assim, “a expansão marítima, com a matemática dos astros, redesenhou o mundo moderno. Sob olhares europeus” (GIANESELLA, 2008: 19). E, se olharmos para os instrumentos e sua história, observamos que eles não são exclusivas criações portuguesas, mas resultado do uso ou aperfeiçoamento de instrumentos já existentes no Oriente e cujo conhecimento se deu por meio das atividades mercantis. Quais foram esses instrumentos? Que contribuições eles deram à arte de navegar? Como e por quem eram utilizados? E talvez a questão mais importante neste estudo: Qual seu papel na expansão marítima portuguesa? Assim, a decisão de abordar o tema por meio da História das Ciências implicou em um olhar para a história dos instrumentos de navegação utilizados no período e, para a possibilidade de uma abordagem interdisciplinar, ao articular as diferentes áreas: geografia, história, matemática e física, uma vez que implicou em conhecimentos diversos: uso de instrumentos e observação dos astros para determinar posições e localização, cálculo de distâncias e posições a partir da leitura de ângulos, construção de

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

caravelas e naus, posição e localização, criação de mapas e portulanos, entre outras; e da técnica, contribuindo na construção da proposta didática.

A proposta didático-metodológica

A proposta didático-metodológica construída, planejada e aplicada está organizada em 5 aulas de 45 minutos e dialoga com a teoria sócio interacionista do conhecimento, que tem o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem. Assim, e almejando uma aprendizagem significativa por parte dos alunos, busca variar as estratégias didáticas utilizadas, bem como diversificar os recursos selecionados, contemplando também momentos individuais e em grupo, favorecendo o diálogo e a interação entre os pares.

Aula

Atividade(s) proposta(s)

Temática(s) trabalhada(s)

1

Leitura do texto paradidático introdutório

Apresentação da obra de Lúcia Fidalgo “Pedro menino navegador”;

Apresentação da problemática: Como os portugueses chegaram ao Brasil? Que conhecimentos eles precisaram desenvolver/construir? Utilização do Mapa Mundi para localização dos paises

Conhecimentos de diferentes naturezas que contribuíram para a viagem;

Desenho de como imaginam a viagem do descobrimento. Registro escrito sobre a chegada dos portugueses e os conhecimentos necessários. 2

Retomada da aula anterior, com destaque para História dos instrumentos de os instrumentos utilizados nas navegações; navegação e o contexto histórico do período Pesquisa sobre alguns instrumentos de navegação;

3e4

Discussão sobre os instrumentos pesquisados;

História do quadrante

Construção do quadrante;

Conhecimento interdisciplinar (matemático e astronômico): Atividade em grupo de cálculo de altura ângulos e a observação dos

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

utilizando o quadrante;

astros no cálculo de distâncias

Registro escrito das observações realizadas.

5

Socialização das observações da atividade Importância dos instrumentos prática; nas navegações; Sistematização e avaliação da pesquisa

Relação entre a resolução de problemas e o conhecimento

A proposta foi aplicada em turmas do 3º ano do ensino fundamental, da rede municipal de ensino e foram utilizados diferentes instrumentos para coleta dos dados, que permitiram validar a mesma (proposta didática) e a utilização da História das Ciências no Ensino Fundamental.

Os resultados: um olhar para a proposta didática

A aplicação da proposta didática nas turmas do 3º ano, cujos dados foram coletados pelos instrumentos definidos a priori, possibilitou-nos algumas observações: 1.

No que diz respeito às estratégias utilizadas, avaliamos que o uso

a leitura como elemento disparador e introdutório ao tema despertou o interesse dos alunos pelo assunto e favoreceu o conhecimento de suas concepções iniciais. 2.

A pergunta “Como eles chegaram aqui?” – feita após comentários

sobre o assunto da leitura (As grandes navegações e o descobrimento), instigou o aluno a pensar sobre a questão e buscar inferir sobre o como e o porquê, introduzindo/iniciando a reflexão acerca do conhecimento escolar. 3.

A atividade de pesquisa dos instrumentos e construção do

quadrante oportunizou, além do contato com um instrumento antigo, sua descrição e utilização, a percepção de seu papel no contexto e no desenvolvimento de conhecimentos imprescindíveis para a expansão marítima. 4.

A investigação prática com o quadrante, além de motivar os

alunos, favoreceu a construção de hipóteses sobre as relações entre os astros e a posição das embarcações, e consequentemente, com o conhecimento matemático

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

advindo desta relação, ressaltando a importância que os instrumentos tiveram para a história das navegações, rompendo com a ideia de elemento acessório. 5.

O trabalho em grupo, o diálogo, a socialização e a

problematização acerca das diferentes medidas para a altura do mesmo objeto, favoreceram a compreensão não apenas da definição de medidas padronizadas como da utilização destas em função das necessidades existentes, e as dificuldades enfrentadas para determinar a posição da embarcação em alto mar. 6.

E principalmente, oportunizou a reflexão sobre como o homem,

em sua história, resolve problemas cotidianos através do conhecimento, e como este se interliga com sua história, contribuindo para o entendimento da ciência enquanto construção humana, permeada pelas necessidades de cada tempo e localidade. Entendemos que os instrumentos utilizados neste estudo, produziram uma diversidade de dados e informações sobre a aprendizagem dos alunos, que nos possibilitam refletir sobre o problema de pesquisa e os objetivos deste estudo.

Considerações Finais Este estudo teve inicio com um questionamento: será que “é possível utilizar a História da Ciência no Ensino Fundamental, numa perspectiva interdisciplinar, como elemento contextualizador, de modo a favorecer a compreensão do processo de construção dos conhecimentos científicos”? Para responder ao problema da pesquisa, buscamos fundamentação teórica sobre a utilização da HC no Ensino das Ciências e construímos uma proposta didática, cujos dados foram analisados qualitativamente em função da pergunta inicial, atingindo aos poucos, durante nossa caminhada, os objetivos do estudo, quais eram: 1. Elaborar uma proposta didático-metodológica, utilizando a História das Ciências numa abordagem interdisciplinar; 2. Analisar como a História das Ciências pode auxiliar o aluno a compreender os conhecimentos, práticas e representações que favoreceram a expansão marítima de Portugal; 3. Favorecer a reflexão sobre como o homem, em sua história, resolve problemas cotidianos através do conhecimento, e como este conhecimento se interliga com a história do homem; 4.Relacionar a abordagem da História das Ciências Cultural em diálogo com a Educação Científica Reflexiva.

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

Propusemo-nos então, a investigar a importância da História das Ciências no Ensino das Ciências, como elemento de reflexão, contextualizador e interdisciplinar. A inserção da abordagem histórica em sala de aula é apontada por diferentes pesquisadores e também nos documentos de orientação curricular (PCN’s), a partir do Ensino Fundamental I, justificando-se que ela favorece a compreensão da natureza da ciência e de como o conhecimento científico é construído, contribuindo para a formação crítica do cidadão, numa proposta de Educação Científica. Porém são poucos os trabalhos encontrados que apontem para sua utilização nos anos iniciais Ensino Fundamental e, neste sentido, apresentamos o primeiro diferencial deste estudo. Voltamos nossos olhos para as salas de aula do Ensino Fundamental e para os alunos que as frequentam, coletando os dados que apresentamos nesta pesquisa nas salas do 3º ano. Nesta, discutimos a utilização da HC através da História dos Instrumentos e realizamos o planejamento e aplicação de uma proposta didática acerca das navegações portuguesas, almejando contribuir para a discussão acerca da inclusão e utilização da História das Ciências em salas de aula desta modalidade de ensino. O planejamento da proposta didática dialogou com a teoria sócio-interacionista que atribui às interações sociais e ao conhecimento prévio dos alunos, um papel importante na construção do conhecimento, além de procurar diversificar as estratégias de ensino utilizadas almejando a aprendizagem do aluno. Pois, segundo SPINOZA (2010:80) “para aprender é necessário viver situações em que se possa refletir, perguntar, discordar, aceitar, reformular; em que seja possível se posicionar de maneira intelectualmente ativa”. Desta forma, ao possibilitar que o aluno, no decorrer das atividades, pergunte, pesquise, reflita, investigue, acreditamos estar contribuindo para sua alfabetização científica, discutindo a ciência enquanto construção humana, dentro de uma proposta de Educação Científica. Assim, a proposta didática analisada buscou promover integrações e articulação interdisciplinar entre conteúdos de natureza diversa, possibilitando ao aluno uma visão mais abrangente, mais global sobre o objeto de estudo, evitando assim, o estudo por vezes descontextualizado, fragmentado, de disciplinas estanques e isoladas. Considerando-se que a aplicação da proposta deu-se com alunos do 3º ano do Ensino Fundamental, cuja faixa etária varia de 7 a 9 anos, o respeito ao nível de conhecimento e compreensão dos alunos permeou nosso estudo. Nas palavras de ROSA et al (2007:362),

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

Ao ensinar ciências às crianças, não devemos nos preocupar com a precisão e a sistematização do conhecimento em níveis de rigorosidade do mundo cientifico, já que essas crianças evoluirão de modo a reconstruir seus conceitos e significados sobre os fenômenos estudados. O fundamental neste processo é a criança estar em contato com a ciência.

E, olhando para todas as atividades que fizemos, e para os dados que coletamos, acreditamos ter possibilitado aos nossos alunos este contato com a ciência, contribuindo para sua formação científica. Não temos, no entanto, a pretensão de esgotar todas as observações e análises que o material possa nos proporcionar, neste estudo, até por entendermos que elas também apontam para novas modificações e inclusões a serem feitas na proposta didática, almejando desconstruir algumas representações dos alunos pautadas no conhecimento escolar. Vide, por exemplo, o registro de um aluno que escreveu que “Os instrumentos serviam para ajudar os portugueses a se localizar, porque eles achavam que a Terra era quadrada”, numa clara referência a informação apresentada no LD, e que aponta para a possibilidade de exploração dos mapas apresentados no capítulo 3 e de outros do período, que desconstroem essa ideia. Das atividades realizadas resultou um rico material, composto por desenhos e textos (além das fotografias e algumas gravações de áudio) que não apenas apresentam as concepções iniciais dos alunos como também representam o nível de compreensão e entendimento acerca da temática escolhida, da importância da contextualização histórica e da interdisciplinaridade da proposta. Por fim, acreditamos que este trabalho é apenas uma ponta do grande iceberg de possibilidades de utilização da abordagem histórica no ensino fundamental, seja através da história dos instrumentos, do estudo dos mapas ou das fontes iconográficas. O importante é entendermos a HC como peça fundamental para a compreensão da ciência, que deve ser fomentada ao longo de toda a escolarização, com a finalidade de promover uma verdadeira Educação Científica para nossos alunos.

Referências Bibliográficas

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

ALVIM, Marcia H. História das Ciências e Ensino de Ciências: potencialidades para uma educação cidadã. VII Seminário Ibérico/ III Seminário Ibero-americano CTS no ensino das ciências. “Ciência, Tecnologia e Sociedade no futuro do ensino das ciências”. Espanha, 2012. ATAÍDE, M. C. E. S. e SILVA, B. V. C. As metodologias de ensino de ciências: contribuições da experimentação e da história e filosofia da ciência. HOLOS, ano 22, vol.4, p.171 – 181, 2011. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9394, de 20 de Dezembro

de

1996.

Disponível

em

:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. ________. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. ________. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. ________. Diretrizes Curriculares nacionais Gerais para a Educação Básica. Parecer CNE/CEB nª 7/2010, aprovado em 07 de Abril de 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=12992:diretrizes-para-aeducacao-basica ________. Diretrizes Curriculares Gerais da Educação Básica. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículo e Educação Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013 CARVALHO, A.M.P.; SASSERON, L.H. Abordagens histórico-filosóficas em sala de aula: questões e propostas. In Ensino de Física. CARVALHO, A.M.P. et al. São Paulo: Cengage Learning, 2010. _______________ (org). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. GRANATO, Marcus. et al. Objetos de ciência e tecnologia como fontes documentais para a história das ciências: resultados parciais. VIII ENANCIB, Salvador, Bahia, outubro de 2007. LACERDA, Janaína. Instrumentos científicos como fonte para a história da ciência: uma

história

possível.

S.d.

Disponível

em:

http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao13/materia01/te xto01.pdf. Acesso em outubro de 2012.

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

MATTHEWS, M. R. História, filosofia e ensino de ciências: a tendência atual de reaproximação. Science & Education, 1(1), p. 11 – 47, 1992 MICELI, Paulo. O ponto onde estamos: viagens e viajantes na história da expansão e da conquista (Portugal, séculos XV e XVI). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1998. MOURA, Breno Arsioli. Formação crítico-transformadora de professores de Física: uma proposta a partir da História da Ciência. 2012. 310 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Educação, Instituto de Física, Instituto de Química e Instituto de Biociências da USP. Universidade de São Paulo, São Paulo. PATACA, Ermelinda Moutinho. Arte, ciência e técnica na iconografia da “Viagem Philosohica” de Alexandre Rodrigues Ferreira: a confecção e utilização de imagens histórico-geográficas na Capitania do Grão-Pará, entre setembro de 1783 e outubro de 1784. 2001, 273f. Dissertação (Mestrado em Geociências) – Instituto de geociências. Universidade Estadual de Campinas. PESTRE, Dominique. Por uma nova história social e cultural das ciencias: novas definições, novos objetos, novas abordagens. Cadernos IG, UNICAMP, v.6, n.1, 1996. RICARDO, Elio Carlos. Educação CTSA: obstáculos e possibilidades para sua implementação no contexto escolar. Ciência & Ensino, volume 1, número especial, 2007. PIMENTEL, Juan. Que és la historia cultural de la ciencia? ARBOR Ciencia, Pensamiento y Cultura, CLXXXVI743, mayo – junio 2010, p. 417-424. SANTOS, Maria E. V. M. Ciência como cultura – paradigmas e implicações epistemológicas na educação cientifica escolar. Química Nova na Escola, v.32, n. 2, p. 530 – 537, 2009. SANTOS, Wildson Luiz Pereira dos. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v.12, n.36, set/dez de 2007. ZANOTELLO, Marcelo. Leitura de textos originais de cientistas por estudantes do Ensino Superior. Ciência e Educação, v. 17, n.4, p. 987-1013, 2011.

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.