A HISTÓRIA EM QUADRINHOS LE CAHIER À FLEURS: UM CONTO SOBRE O GENOCIDIO ARMÊNIO

July 4, 2017 | Autor: Rogério Fernandes | Categoria: Armenian Studies, HQs
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Anais da VI Semana de História Política | III Semana Nacional de História: Política e Cultura & Política e Sociedade Rio de Janeiro: UERJ, 2011 (ISSN 2175-831X)

A HISTÓRIA EM QUADRINHOS LE CAHIER À FLEURS: UM CONTO SOBRE O GENOCIDIO ARMÊNIO Rogério Fernandes da Silva Resumo: na história em quadrinhos francesa Le Cahier à fleurs o tema é o Genocídio Armênio e seus desdobramentos, podemos analisar a representação da memória pessoal que foi construído como narrativa ficcional. A obra pode servir para a discussão sobre a geopolítica internacional também. O roterista Laurent Galandon e a desenhista Viviane Nicaise contam a história do extermínio armênio, em que milhões de pessoas foram mortas pelo Império Otomano. Palavras-chave: guerra, histórias em quadrinhos, genocídio. Abstract: in the French comic Le Cahier à fleurs the main subject is the Armenian genocide and its consequences. It can be analyzed as the representation of personal memory which was built as fiction, but based on historical research. The work can serve for discussion of international geopolitics too. The screenwriter Laurent Galandon and designer Viviane Nicaise tell the story of the Armenian extermination, in which millions of people have been killed by the Ottoman Empire. Keywords: war, comics, genocide.

1. Introdução

Em 2010, na França foi lançada a primeira parte da história em quadrinhos Le Cahier à Fleurs, cuja autoria e roteiro são de Laurent Galandon e os desenhos de Viviane Nicaise, como parte das comemorações dos 95 anos do Genocídio Armênio.1 Segundo o autor, a motivação para obra seria que nas pesquisas que fazia sobre o Holocausto judaico, também conhecido pelo nome Shoah, havia se deparado com a afirmação de Hitler de que ninguém se lembraria dos um milhão e meio de armênios mortos pelos turcos.2 Disse o ditador alemão, no discurso aos chefes militares do III Reich, em Obrsalzberg: “Afinal quem fala hoje do extermínio dos armênios?” Essa citação do líder nazista é de um discurso proferido em 22 de agosto de 1939.3 O autor Laurent Galandon nasceu em 1970, em Issy-les-Moulineaux, e cresceu nos subúrbios de Paris. Em 1996, deixou a capital e assumiu a administração do cinema de arte em Trappes. Ele apresentou seu primeiro roteiro de quadrinhos publicados pela editora francesa Bamboo. Em 2006 lançou o primeiro volume de L’envolée Sauvage sobre a jornada de vida de um jovem órfão judeu durante a Segunda Guerra Mundial. 1626

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Suas outras obras: Gemelos, Quand souffle le vent, L’Enfant Maudit, Tahya El-Djazaïr, Shahidas, Le Cahier à fleurs, Les Innocents coupables, La Reine Apache, La Vénus du Dahomey. Suas estórias são sobre grupos marginalizados e étnicos e os problemas enfrentados por eles ao longo da História.

Figura 1 – Capas das edições francesas.

O Genocídio Armênio não tem o mesmo espaço que o Holocausto judaico (Shoah), que foi a eliminação de 6 milhões de judeus promovida pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Nas diversas mídias e nos estudos acadêmicos a produção é muito maior para questão judaica. Temos que levar em conta o papel do Estado de Israel no mundo e a influência cultural das comunidades judaicas espalhadas pelo Ocidente. O Estado Turco nega sistematicamente o genocídio e faz campanha internacional para que ele não seja reconhecido. A Turquia moderna não quer ser responsabilizada pelo passado. A campanha gera tensões diplomáticas com os países que já reconheceram o fato histórico e os envolvidos no genocídio como Grécia e Armênia, diretamente prejudicadas. Ainda hoje existe um grande ressentimento nas relações entre eles. Um acontecimento curioso foi gerado nas Olimpíadas de Atenas, de 2004, quando a delegação desportista turca entrou no estádio e foi fortemente vaiada pelo público, majoritariamente grego. Os gregos foram duramente reprimidos e massacrados pelos turcos, pois seu país, durante séculos pertenceu ao Império Otomano. A história em quadrinhos Le Cahier à fleurs, de Laurent Galandon, apresenta como tema a execução planejada de um milhão e quinhentos mil armênios na Turquia no período da Primeira Guerra Mundial. Le Cahier à fleurs foi lançado em duas partes no

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ano de 2010 e 2011, na França.4 Em 2010 foram lembrados os 95 anos do massacre armênio promovido pelas lideranças turcas e com o apoio da população mulçumana do território do Império Otomano. Galandon situa sua estória nos anos 80, do século XX, que segundo o autor, fora o momento em que os grupos travaram diversas batalhas pelo reconhecimento e preservação da memória dos massacres. Eu conheci Le Cahier através de sites portugueses que

comentavam sobre sua produção e dos escassos

trabalhos dentro do mundo dos quadrinhos sobre o tema do Genocídio Armênio. Me interessei pela história e tive oportunidade de comprá-la no evento internacional de quadrinhos Rio Comicon, em 2010. O autor apresenta a estória como o encontro de duas pessoas bem diferentes, um jovem violinista turco de nome Hasmet e Dikran Sarian, idoso sobrevivente dos massacres armênios. Ao comparecer num recital do jovem, Sarian reconhece a melodia tocada e passa mal. O jovem o visita no hospital e lá começam um diálogo. O genocídio arménio é, então, apresentado através dos olhos de uma criança, pois Dikran Sarian começa a contar em seu leito de hospital a sua infância para o jovem violinista turco. Quem é este jovem? Qual é sua procedência? Este é um dos argumentos de Galandon para revelar como a Turquia moderna desconhece suas próprias origens por negá-las. As revelações sobre esse jovem surgem no final do segundo tomo (tomo = livro). O autor usa poucas palavras com uma narrativa progressiva próxima ao do cinema, muitos quadros silenciosos e com panorâmicas grandiosas. Essa é a linha do selo Grand Angle, da Bamboo éditions, preocupada com temas realísticos e com a aproximação da estética cinematográfica. Os temas apresentados por essa linha editorial francesa são: “la bande dessinée comme au cinema À l’image du grand écran, la collection Grand Angle propose des bandes dessinées sous le signe de la diversité et de l’émotion.”5 Para Cirne, essa aproximação entre o cinema e as histórias em quadrinhos se deve as linguagens parecidas. As histórias em quadrinhos e o cinema se fundam na narrativa, ambos utilizam as imagens, mas com diferenças próprias.6

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Figura 2 – mulheres, idosos e crianças são expulsos de suas casas e aldeias Fonte: Le Cahier à fleurs: T1, 2010, p. 16. O próprio nome traduzido do selo Grand Angle especifica a preocupação com o uso da perspectiva nos desenhos, muitos quadros recorrem à panorâmica como elemento narrativo na estória (figura 2). A lente grande angular é uma lente para fotografar paisagens, muito usada para dá valor as perspectivas. Na figura 2 vemos uma das marchas da morte promovida pelos turcos. Nota-se, nessa figura, uma preocupação com a panorâmica e perspectiva. Os autores não deixam de mostrar que em sua maioria as filas eram compostas por idosos, mulheres e crianças. O governo turco teve a preocupação de eliminar primeiro os homens: os armênios convocados para servir no exército são mortos por exaustão, em trabalhos forçados e os sobreviventes, fuzilados. O que podemos falar sobre os genocídios do século XX? O que de novo pode ser dito? Como nos situamos diante de acontecimentos da primeira metade do século passado? Muitas das testemunhas estão mortas, outras os seus relatos ou estão guardados em instituições especializadas ou foram perdidos. Uma obra como Le Cahier à Fleurs na linguagem das histórias em quadrinhos permite chegar ao grande público os acontecimentos sobre o genocídio. O tema genocídio já foi retratado em outras obras quadrinísticas como Maus: A história de um sobrevivente, de Art Spiegelman, ou Área de Segurança Gorazde: a guerra na Bósnia oriental, de Joe Sacco. 2. Rememorações dos 95 anos do genocídio

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No Brasil, aconteceu nos dias 22 e 24 de abril de 2010, na Universidade de São Paulo promovido pelo Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER-USP) o Seminário Internacional, cujo título foi “95 anos do Genocídio Armênio: o protótipo dos genocídios dos tempos modernos”. Organizado também pelo Zoryan Institute, Consulado Geral da República da Armênia no Brasil e Curso de Armênio da Universidade de São Paulo, o evento é, segundo a organização, único no mundo. O genocídio Armênio é o mais longo da história. Começa em 1895 e vai até 1923, com os massacres de 1895 (duzentos mil a trezentos mil mortos) e que se prolonga atingindo seu clímax em 1915.7 Podemos fazer uma analogia entre os genocídios dos armênios e judeus, respeitando suas características distintas. Ambos foram promovidos pelos Estados Nacionais, turco e alemão em épocas diferentes, um milhão e quinhentos mil armênios mortos e quatro a seis milhões de judeus mortos nos campos de concentração. Quando a ação dos nazistas foi descoberta pelo mundo estarreceu o mundo civilizado e logo foi um termo para designar a prática do Estado hitlerista: um genocídio, termo que até então não existia. Mas no caso armênio ainda hoje ainda não foi amplamente reconhecido como tal. No entanto, várias vezes houve ações genocidas pelo mundo, como no Camboja, na Bósnia-Herzegovina e Ruanda. Parece que, com o passar do tempo, as pessoas continuam com suas consciências anestesiadas. Estes acontecimentos tão brutais foram e têm sido vivenciados por outros povos, uma vez que não há intervenções humanitárias e eles são esquecidos e deixados de lado, por causa de interesses políticos e econômicos. Entretanto, recordar só não basta, pois a história mostra que a experiência genocida se repetiu diversas vezes ao longo do século XX. O exemplo recente de genocídio foi Ruanda, na África, nos anos 90 do século passado, cerca de 800 mil tutsis massacrados, em valores aproximados.8 Conforme o Estatuto de Roma do Tribunal Internacional, entende-se por genocídio:

qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; [...] c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; [...] e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo. 9

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O genocídio é um crime internacional e seguindo os três atos enumerados anteriormente isso foi o que aconteceu no Império Otomano entre 1895-1923 praticados contra a população armênia, e, como a história demonstrou no século XX, o perigo de genocídio sempre rondou e ronda a humanidade. Diversos conflitos atuais envolvendo cristãos e minorias no Oriente Médio estão acontecendo nos últimos anos. Há um alerta de possível genocídio possa acontecer no Iraque. A diplomacia Ocidental deixou de lado a solidariedade com os cristãos do Cáucaso e Oriente Médio em pró de interesses petrolíferos e do conflito árabe-israelense.10 A Turquia atual almeja participar da União Europeia. Porém, umas das quetões para sua inclusão seria o reconhecimento do genocidio armênio. Isto geraria problemas internos, pois os turcos estariam transformando seus herois fundadores em responsáveis como herois nacionais sobre os massacres. Na Turquia moderna os assassinos são reverênciados e os turcos não reconhecem como genocídio os massacres. Os restos mortais de Enver paxá, Talaat paxá e Djemal paxá, entre outros, foram transladados para um memorial, o Monumento da Liberdade, em Sisli, na parte européia de Istambul. O grupo desses paxás governou a Turquia na época dos massacres, incentivados por eles. Esses governantes ficaram conhecidos como Jovens Turcos. A questão permanece atualíssima. O não reconhecimento permite que as sombras do passado não sejam dissipadas. Numa reportagem de 25 março 2010, há uma descrição da contradição turca perante a questão do reconhecimento do genocídio: Imaginemos que Angela Merkel ameaça expulsar todos os turcos sem papéis, por não ter gostado de uma declaração de Ancara sobre o Holocausto. Uma tal reacção da chanceler desencadearia uma enorme vaga de protestos, porque toda a gente espera que a Alemanha assuma a responsabilidade pelo capítulo mais negro da sua História e respeite o direito internacional, que exclui todas as punições colectivas. No entanto, nenhum país europeu reagiu vigorosamente, na semana passada, quando, irritado pela condenação internacional do genocídio dos arménios, o primeiro-ministro turco ameaçou expulsar "os 100 mil naturais da República da Arménia que viverão clandestinamente na Turquia".11

Tal ameaça parece algo dito no início do século XX, pelos Jovens Turcos, mas infelizmente foi dita por governantes recentes. Diante de uma memória negada e do não reconhecimento dos massacres, se não há reconhecimento não haverá perdão e uma evolução para a convivência. 2.2 Como aconteceram os massacres

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Os armênios durante séculos viveram relativamente seguros no Império Otomano. A partir do século XVI, o Império Otomano estava nas mãos das elites mulçumanas e os grupos não-mulçumanos, organizados, dominados e estruturados conforme suas confissões. Era um Império multi-étnico onde os armênios eram marginalizados. Segundo Boulgourdjian “Esto era así porque según la ley islámica los no musulmanes tenían el status de dhimmi (súbditos protegidos no musulmanes de un estado musulmán)”.12 Havia certa tolerância, mas eram discriminados e vistos como inferiores, sem direitos políticos e excluídos do aparato estatal. Mas, no final do século XIX, o relacionamento com os turcos já haviam se deteriorado. Com a modernização promovida pelo governo dos Jovens Turcos, que havia substituído o califado, esse sistema dhimmi que começa a ruir: El sistema de millet si bien mantenía a las minorías no musulmanas bajo un estatus de inferioridad, a la vez las protegía. Cuando este sistema, basado en la comunidad religiosa fue superado por el “turquismo”, los armenios quedaron desprotegidos. Nos referimos al movimiento encabezado por los Jóvenes Turcos, integrado por jóvenes intelectuales, que inicialmente contó con el apoyo de las minorías (griega, armenia, judía) del Imperio, por sus inclinaciones "liberales". Hasta la revolución “liberal” de 1908 podría decirse que la escena intelectual fue dominada por las ideas otomanistas; luego se impuso lentamente otra vía, el nacionalismo turco o "turquismo". Con el establecimiento de um régimen dictatorial, el triunvirato (formado por Enver Pashá, Talaat y Djemal pashá) de 1913, se fortaleció el proceso de "turquización". [...].13

O processo de “turquização” do Império foi umas das políticas implantadas, ou seja, a eliminação das minorias que não fossem turcas e islâmicas, pois não contavam mais com a proteção da antiga legislação. Tal processo não atingiu somente armênios, também gregos, caldeus e assírios, todos esses grupos cristãos14. Segundo relato do embaixador americano Henry Morgenthau, os turcos desarmaram os cristãos para neutralizar a resistência e destruí-los. Posteriormente, na Primeira Guerra Mundial e com conveniência da Alemanha eliminaram essas populações.15 No deserto os sobreviventes, mulheres, crianças e idosos são mortos ou presos e vendidos como escravos (figura 3). As jovens mais bonitas eram capturadas, islamizadas e casadas à força.

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Figura 3 – massacres itinerantes no deserto Fonte: Le Cahier à fleurs: T1, 2010, p. 22.

2. 3 Reconhecimento internacional Quanto aos armênios e sua tragédia pouco há de produção midiática e acadêmica. Elas acabam não tendo a mesma visibilidade que a comunidade judaica. A Armênia é um Estado pequeno e isolado e pouco influente na política internacional, porém, com algum peso cultural graças aos seus descentes espalhados pelo mundo, principalmente Estados Unidos e França. Apesar de o Holocausto judaico (Shoah) ter tido uma dimensão maior, foi o Genocídio Armênio o protótipo de todos os outros do século XX. No entanto, alguns países entre eles Estados Unidos e Israel não reconhecem oficialmente o massacre de armênios como um autêntico genocídio, pois conforme as alianças políticas não são interessantes tal reconhecimento. Os Estados Unidos não reconhecem, pois a Turquia é um membro da OTAN e os americanos são seus principais fornecedores de armas. Graças à geopolítica da região do Oriente Médio o Estado de Israel também não reconhece a causa armênia, isto porque a Turquia é a única aliada das nações mulçumanas à presença israelense e, portanto, não é sábio contrariá-la. No entanto, em agosto de 2011, o governo turco expulsou o embaixador israelense e suspendeu os acordos militares por causa do ataque de soldados de Israel contra a frota de ajuda humanitária que ia para Gaza onde nove turcos morreram. É mais um capítulo dentro da política internacional instável da região. Há um conflito atual entre a Armênia e o Azerbaijão devido à região de Nagorno-Karabakh. A região possui uma grande concentração de armênios e foi motivo de litígio pela posse da região entre os dois países. Em 1991, Nagorno-Karabakh, que

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fica dentro do Azerbaijão, declarou independência e os armênios anexaram à região, rica em reserva de gás e petróleo. Os turcos, aliados do Azerbaijão, fecharam suas fronteiras e sem litoral a Armênia passou por dificuldades econômicas. Apesar de tudo isso, nos anos de 2007 e 2010, a comissão de negócios estrangeiros da Casa de Representantes (Câmara dos Deputados) dos Estados Unidos aprovou resoluções que qualificam o massacre de armênios como genocídio. Contudo, os presidentes americanos tendem a negar o fato em pró de uma política estratégica para a região e, durante os últimos 30 anos, sistematicamente lutaram contra o reconhecimento. O presidente americano Barak Obama limitou-se a reconhecer apenas no plano da opinião pessoal durante o período em que concorria à presidência dos Estados Unidos: The Armenian Genocide is not an allegation, a personal opinion, or a point of view, but rather a widely documented fact supported by an overwhelming body of historical evidence. The facts are undeniable... America deserves a leader who speaks truthfully about the Armenian Genocide and responds forcefully to all genocides. I intend to be that President. (19/01/08).16

Mas não o reconheceu no nível político, tanto que articulou contra a resolução da comissão de negócios estrangeiros, pois estando no poder foi contra a uma matéria sensível para os aliados turcos. Portanto, o reconhecimento total ainda não foi aprovado na Casa de Representantes americana. Há severas críticas quando um político, no poder, não prática ações baseadas em suas opções ideológicas defendidas durante a campanha. Porém, os sentimentos políticos tende-se a se tornar flexíveis quando se negocia com os demais atores sociais quando se está no governo. Ele não pode governar isoladamente e precisa ceder, chocando os que acreditaram de início. Apesar de o presidente Barak Obama ter se expressado a favor da causa armênia sua ação política será de acordo com a política externa de seu país, ou seja, a favor da Turquia. As pressões do exercício do poder são diferentes das promessas, ou supostas promessas, das da campanha eleitoral. O tema do genocídio deste povo é eclipsado por causa das tensões internacional do Oriente Médio. Um país que poderia ajudá-los internacionalmente seria Israel, por ser uma nação nascida das consequências da política de extermínio dos nazistas, entretanto, esse Estado não pretende contrariar sua aliada na região. Os Estados Unidos,

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Turquia e Israel se preocuparam mais com as declarações do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, este dizendo que não houve holocausto judaico (Shoah) na Segunda Guerra Mundial, do que reconhecer os sistemáticos massacres armênios, no período entre 1895 a 1923. A opinião pública internacional chocou-se com as afirmações negacionistas ainda por causa da mobilização de várias entidades judaicas. Aí estar à contradição moral, muita repercussão por causa de Ahmadinejad, pois existe um jogo de interesses políticos a favor ou contra o reconhecimento do genocídio dos armênios e a geopolítica envolvendo as regiões do Cáucaso e do Oriente Médio, este principalmente, tem um peso determinante. 3. Reflexões finais

Hoje, a Armênia é um pequeno território que perdeu dois terços de seu território para a Turquia durante o século XX. Na década de 90 do século passado, graças aos turcos, a nação passou por uma séria crise econômica. O país deles tem pouca expressão internacional apesar de muitos descentes espalhados pelo mundo. Atualmente, há um apaziguamento político entre as duas nações vizinhas, que têm sido lento, com avanços e recuos. A história em quadrinhos Le Cahier à fleurs trás o passado à tona e também joga luzes sobre o momento atual, pois serve como porto de partida, aos interessados, para conhecer questões políticas pouco comentadas pelas mídias ocidentais. A revista é uma homenagem para aqueles que lutam para tamanha tragédia não seja esquecida. As lutas pela memória podem acontecer em diversos lugares inclusive em um simples argumento de um autor francês preocupado que o mundo não se lembrasse dos armênios. Paul Ricoeur escreve que muitos povos sofrem por falta de memória, algumas fogem de seu passado por medo ou vergonha.17 Não podemos desfazer o passado, mas carga moral do acontecimento não pode ser atenuada perante interesses políticos do presente. Toda a memória é seletiva e as narrativas empregadas pelos grupos envolvidos procuram as que melhor lhes convém. Uns como os armênios, lutam pelo reconhecimento, mas tem pouco peso político e econômico. Outros, como o governo turco, que negam e interpretam o passado para legitimar uma democracia liberal nascida sobre o sangue de milhares e utiliza seu forte poder político regional contra as vozes contrárias. As disputas que ocorrem pela direito a memória, num embate político e 1635

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cultural internacional longe de terminar. Porém, a problemática do perdão para o encerramento das hostilidades precisa passar pelo reconhecimento da catástrofe. Não será possível que o diálogo prossiga sem o reconhecimento e perdão. Termino o argumento lembrando que se o homem não estiver sempre se reinventando nunca poderá superar as suas próprias crises. O amor pela humanidade deve ser maior que as diferenças que nos separam, acima de interesses políticos e econômicos. NOTAS

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GALANDON, Laurent. Le Cahier à fleurs: T1 - Mauvaise orchestration. Charnay-lès-Mâcon: Bamboo édition, 2010 2 O Holocausto judaico também pode receber o nome de Shoah palavra iídiche que significa calamidade. 3 KERIMIAN, Nubar. Massacres de armênios. São Paulo: Igreja Central Armênia de São Paulo, 1998. p. 84. 4

GALANDON, Laurent. Le Cahier à fleurs: T2 – Dernières mesures. Charnay-lès-Mâcon: Bamboo édition, 2011. 5 "histórias em quadrinos como nos filmes. Assim como a tela grande, a coleção oferece Grand Angle as histórias em quadrinhos sob a bandeira da diversidade e da emoção (tradução própria)”. Disponível em: http://www.facebook.com/editions.grandangle?sk=info#>. Acesso em: 08 fev. 2011. 6 CIRNE, Moacy. Para ler os quadrinhos: da narrativa cinematográfica à narrativa quadrinizada. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1975. p. 17. 7 MARTINS, A. H. Campolina. Armênia, Um povo em luta pela liberdade: o mais longo genocídio da história. In: Dossiê Direitos Humanos 1. Revista Ética e Filosofia Política, São Paulo, v. 10, n. 1, Jun. 2007. p.3. 8

TEIXEIRA, Francisco Carlos. O Holocausto ou o dever da lembrança. Observatório da imprensa, Campinas, 19 dec. 2006. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2010. 9 Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Gabinete de Documentação e Direito Comparado, Lisboa. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2010. 10 TRAVIS, Hannibal. 'Native Christians Massacred': The Ottoman Genocide of the Assyrians During World War I. Genocide Studies and Prevention, Miami, v. 1, n. 3, p. 327-371, dec. 2006. p. 349. 11

MARTHOZ, Jean-Paul. A UE terá medo de perder Ancara? Presseurop.eu , Paço de Arcos, 25 mar. 2010. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. de 2011. 12 BOULGOURDJIAN, Nélida Elena. El nacionalismo turco en los orígenes del genocidio armenio y la construcción de un discur so excluyente. 2º Encuentro Internacional Analisis de las practicas sociales genocidas. Buenos Aires, 20 -23 de noviembre de 2007. Não paginado. 13

Idem, 2007. TRAVIS, op. cit. p. 337. 15 MORGENTHAU, Henry. A História do embaixador Morgenthau: o depoimento pessoal sobre um dos maiores genocídios do século XX. Trad: Marcello Lino. 1ªed. Petrópolis: Paz e Terra, 2010. p. 327. 16 “O Genocído Armênio não é uma alegação, uma opinião pessoal, ou um ponto de vista, mas sim um fato amplamente documentado apoiado por uma enorme quantidade de evidências históricas. Os fatos são inegáveis ... América merece um líder que fala a verdade sobre o Genocído Armênio e reage de forma 14

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veemente a todos os genocídios. Eu pretendo ser o Presidente (tradução própria). Para comitê dos Estados Unidos, Turquia cometeu „genocídio‟ armênio na 1ª Guerra. BBC Brasil, São Paulo, 4 mar. 2010. Disponível em: . Acesso em: 25 dec. 2010. 17 RICOEUR, Paul. O perdão cura? In: HENRIQUES, Fernanda (org.). Paul Ricoeur e a Simbólica do Mal. Porto: Edições Afrontamento, 2005. p. 35-40. p. 36.

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