A idade da revolução: Uma cultura política em Astrojildo Pereira e José Carlos Mariátegui

July 14, 2017 | Autor: Hélio Júnior | Categoria: Marxism
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A IDADE DA REVOLUÇÃO: Uma cultura política em Astrojildo Pereira e José Carlos Mariátegui Hélio de Lena Júnior Doutorando em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRuralRJ. Não há dúvida que ao se propor o estudo sobre uma cultura política, descortina-se um conceito polissêmico. Segundo Karina Kuschnir e Leandro Piquet Carneiro, trata-se de um conceito multidisciplinar. Apoiando suas análises na renovação proposta por Gabriel Almond e Sidney Verba a partir dos anos 60, Kuschnir e Carneiro afirmam que, “o objetivo era incorporar nas análises da política da sociedade de massas contemporânea uma abordagem comportamental, que levasse em conta os aspectos subjetivos das orientações políticas, tanto do ponto de vista das elites quanto do público desta sociedade”.i De uma forma geral, ambos entenderam o conceito como a noção que se refere ao “conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores”.ii Entendo que uma cultura política pode ser caracterizada das mais variadas formas, mas prefiro aquela caracterização que aponta a cultura política para “um conjunto de procedimentos, princípios e valores que se traduzem numa prática necessariamente ideológica, no sentido de refletir uma visão de mundo”.iii Ressalto que este conceito distingue-se das demais concepções teóricas e filosóficas, embora “as incorpore porque o termo cultura pressupõe um acúmulo de experiências vividas socialmente, implicando, portanto, numa tradição do fazer”.iv Uma cultura, e mais especificamente, uma cultura política, qualquer que seja ela, está associada diretamente a uma realidade concreta e objetiva, surgindo, então, como fruto das experiências históricas vividas ao longo do tempo e, somente assim, será possível a apreensão e, bem como, o respectivo exame do objeto. Para o vocábulo cultura, é possível uma aproximação daquela apresentada por Edward Said, “a cultura é uma espécie de teatro em que várias causas políticas e ideológicas se empenham mutuamente. Longe de ser um plácido reino de refinamento apolíneo, a cultura pode até ser um campo de batalha onde as causas se expõem à luz do dia e lutam entre si, deixando claro, por exemplo, que, dos estudantes americanos, franceses ou indianos ensinados a ler seus clássicos

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nacionais antes de lerem os outros, espera-se que amem e pertençam de maneira leal, e muitas vezes acrítica, às suas nações e tradições, enquanto denigrem e combatem as demais”.v Para dar uma historicidade ao conceito e à sua respectiva aplicação, destaco algumas correntes interpretativas construídas ao longo do tempo; ressaltando, que existem divergências a respeito do tema e, assim, faz-se necessário o reconhecimento do terreno para a real compreensão e aplicação desta categoria analítica. Maria Celina D’Araújo, Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro em “A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura” destacaram, pertinentemente, a construção de uma tradição no pensamento ocidental a respeito da cultura política. Segundo eles, “começando pelos gregos, particularmente Sólon, que considerava como adequadas não as melhores leis em abstrato, mas leis tão boas quanto a população pudesse aceitar. Montesquieu foi, entre os clássicos franceses, o primeiro a enfatizar a relação entre normas culturais e leis, e Rousseau, em o Contrato social, defendeu a existência de uma relação íntima entre as normas sociais e as instituições. Entretanto, foi Alexis de Tocqueville quem mais influenciou a escola americana de cultura política ou cultura cívica. Em grande medida porque escreveu muito sobre os Estados Unidos, e de maneira elogiosa”.vi Alexis de Tocqueville – em “Democracia na América” – foi o responsável pela adoção do supracitado procedimento de investigação no seio das ciências humanas. Ressalto, contudo, que a obra de Tocqueville se destacou pela capacidade de unir a “tradição culturalista, ainda não claramente esboçada, com duas outras vertentes de análise da democracia: a associativa e a localinstitucionalista”.vii Somente nas décadas de 60 e 70 que a tradição da cultura política renasceu, sobretudo nos Estados Unidos, capitaneada pela obra de Gabriel Almond e Sidney Verba – “The Civic Culture: Political attitudes and democracy in five countries” – publicada em 1963. Este estudo baseado num survey comparativo entre vários países, usando o mesmo questionário, demonstrou “que a população dos países considerados menos democráticos tinha um sentido de eficácia política mais baixo e atribuía menor legitimidade à política e às suas instituições”.viii O pioneirismo do trabalho de Almond e Verba residiu na introdução de uma nova perspectiva interpretativa para a cultura política. Segundo eles, esta podia ser caracterizada como o conjunto de tendências psicológicas dos membros de uma sociedade em relação à política. Mesmo com este forte conteúdo psicológico, ressaltado por ambos, observo dois pilares deste conceito. O primeiro se refere ao reconhecimento das tendências, “isto é, atitudes que mesmo sendo diversificadas compõem uma unidade comum”.ix Mesmo que sejam díspares, as tendências apenas representam pontos eqüidistantes

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de algo que é uno. Em síntese, uma cultura política pode ter “interpretações distintas e até mesmo antagônicas, desde que sejam compartilhadas por todas as tendências e concepções que fazem deles um dado prioritário do processo político”.x O outro pilar a ser destacado é a “interação entre os membros de uma sociedade”.xi Por sua vez, destaco o elemento societário como amálgama das relações sociais e na acomodação das tendências. De uma forma geral, ambos delimitaram a cultura política como a “expressão do sistema político de uma determinada sociedade nas percepções, sentimentos e avaliações da sua população”.xii Assim creio, concordando, que uma cultura política será o conjunto de “atitudes, crenças e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores”.xiii Um outro marco está representado pela obra de Daniel Pécaut. Ao romper com o forte conteúdo psicológico do conceito de Almond e Verba, Pécaut desenvolveu sua interpretação de cultura política a partir de dois eixos constitutivos: “como um fenômeno de sociabilidade política” e “como a adesão implícita a uma mesma leitura do real”. Pécaut alertou para os múltiplos aspectos apresentados pela cultura política, dentre os quais ele considerou três. O primeiro relaciona-se à maneira de definir a posição ocupada na estrutura social dos intelectuais, os critérios “de classe ou de estratificação social mostram-se insuficientes para a análise. Convém considerar o lugar que os intelectuais atribuem a si próprios, e àqueles que lhes reconhecem poder”.xiv O segundo aspecto, segundo Pécaut, “diz respeito às representações do fenômeno político”.xv De uma forma geral este segundo aspecto está relacionado com a configuração e apresentação dos fatos sociais. E o terceiro, relaciona-se, segundo Pécaut, às articulações entre o campo intelectual e o campo político, segundo ele, “uma vez que a atividade intelectual é orientada pela responsabilidade assumida diante do imperativo nacional, em que medida poderiam amas se dissociadas? Ou mais exatamente: seria ainda possível falar num campo intelectual fundando numa lógica interna de funcionamento?”xvi Para retomar as principais idéias de Pécaut, rememoro a cultura política como um fenômeno de sociabilidade política, podendo ser considerada pela localização encontrada “no seio de uma categoria social específica – no caso, os intelectuais e as camadas intelectualizadas”xvii, indo além e se transformando em um “processo de comunicação tal que as idéias se transformam num sentido comum, que é a conversão da teoria em filosofia espontânea da multidão ou conversão da filosofia espontânea em teoria”.xviii Apoiando-se no pensamento de Augustin Cochin, Pécaut concluiu assim, “a produção, primeiro por meio de influência intelectual e de seleção social de um certo estado moral, e depois, de um conjunto de tendências políticas que, embora refratárias na essência às condições da vida e da

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sociedade reais, nem por isso deixam de ser um fato grupal, o resultado de um trabalho coletivo tão inconsciente, tão objetivo quanto os costumes ou o folclore”.xix Em relação à adesão implícita em uma mesma leitura do real, Daniel Pécaut afirmou que “é, para além do senso comum, a referência compartilhada com uma concepção de ‘historicidade’, na acepção que Alain Touraine dá a este termo: aquilo que, induzido a partir das relações sociais, define uma pré-interpretação da lógica do social que, por sua vez, comanda a inteligibilidade das relações sociais”.xx Para concluir parcialmente, Pécaut, dialogando com o pensamento de Cochin e distanciando-se de Almond e Verba, afirmou que a cultura política será o “espírito forjador do grupo, resultante de uma influência intelectual, uma seleção social e por um conjunto de tendências irmanadas em torno de uma ação coletiva”.xxi Em suma, “a noção de cultura política destina-se a dar conta do fenômeno: significa, para nós, aderir a uma mesma concepção de formação social. Desse ponto de vista, implica que tendências diversas, num primeiro momento contraditórias, possam surgir de uma mesma matriz geral; supõe também a difusão de um significado comum; e, enfim, refere-se a formas concretas de sociabilidade e comunicação. A cultura política não diz respeito, portanto, ao conjunto dos membros de uma sociedade, mas é antes constitutiva da identidade de um grupo“.xxii Se acreditarmos que uma cultura política pode ser compreendida como um conjunto de práticas, hábitos, atitudes e signos ritualizados ou preservados pela tradição, de modo a integrar-se no comportamento daqueles que deram vida a entidades ou instituições, cuja existência sedimentou tais características, podemos, então, ampliar esta perspectiva, para abarcamos outros vetores que consideramos pertinentes para o nosso estudo. Por isso, para as pretensões teórico-metodológicas deste ensaio, sugiro três vetores interpretativos para o estudo desta cultura política específica, a cultura política dos comunistas: o “tempo”, a “institucionalidade” e a “ação política”; como vetores constitutivos para as análises. Acredito que o tempo esta seria a categoria mais difícil de ser definida, mesmo que a existência dela seja perceptível; concordo que a noção do tempo será em grande medida “resultante de uma convenção, uma vez que o tempo é algo que se tornou necessário em razão para o homem em diferentes culturas administrar seus afazeres, de modo a conciliá-los, é indiscutível, então, a existência de um movimento natural provocado pela própria dinâmica existencial da natureza, especialmente do universo cuja vida pressupõe permanente alteração”.xxiii Para os propósitos imediatos, muito embora exista diferentes dimensões de tempo, tais como o passado, o presente e o futuro, “assim como significados distintos, é evidente que nos interessa sempre,

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nesses estudos, o tempo curto, aquele que é medido pela duração de uma geração histórica”.xxiv De forma combinada, ressalto as referências de conjunturas, “pois estas geralmente situam-se em tempos cuja extensão corresponde ao de uma ou duas gerações, inclusive porque os personagens símbolos ou os líderes mais característicos desses momentos ocupam um espaço de atuação que os tornam representantes do seu tempo, isto é, daquele período de tempo no qual transcorreram os acontecimentos ou os fatos que se pretende investigar”.xxv Basicamente, distingui-se o tempo em duas grandes formas de percepção. A primeira se refere ao tempo físico, ontológico, sempre objetivo. A segunda manifestação pode ser representada pelo tempo perceptual, psicológico, sempre subjetivo. Para a opção metodológica, tenho em mente que estas duas manifestações se confundem em uma só, sendo caracterizada, de modo geral, pelo tempo diferencial, que implica reconhecimento de tempos simultâneos e distintos, partilhados pelo indivíduo e pela coletividade. Um segundo pilar constitutivo na análise de uma cultura política é a presença de uma “institucionalidade”. Esta institucionalidade, no caso dos comunistas, caracteriza-se pela existência de um partido político. Os posicionamentos de Marx e Engels em relação aos partidos políticos podem ser observados a partir da publicação do “Manifesto do Partido Comunista”. Estes dois atores propuseram a constituição e a efetivação de um partido proletário independente. A construção deste foi determinada em grande parte pela própria história política do movimento operário europeu, onde o proletariado romperia a barreira da espontaneidade e consolidaria suas ações políticas por meio de um organismo único, centralizado e disciplinado, capaz de reivindicar não só conquistas econômicas, mas também conquistas políticas. Marx e Engels afirmaram que os trabalhadores travariam suas lutas de emancipação no terreno da política, enfatizando a importância do partido político como instrumento de promoção da “classe em si à classe para si”. Segundo Carlos Nelson Coutinho, o conceito de classe em si à classe para si, deve ser entendido como um fenômeno objetivo do proletariado, que age como sujeito coletivo autoconsciente. Esta visão apenas demonstra a urgência com que Marx e Engels trataram o proletariado em seu compromisso revolucionário, à superação de seus adversários era uma necessidade histórica. Através de uma concepção ampla e atualizada do que deve ser um partido da classe trabalhadora, Marx e Engels libertaram a “Liga dos Comunistas” do jacobinismo e implementam uma renovação as práticas comunistas, defendendo que “os comunistas não constituem um partido especial, separado dos demais

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partidos operários. (…). Os comunistas distinguem-se dos outros partidos proletários apenas em dois pontos: de um lado, nas diversas lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns, independentes da nacionalidade, de todo o proletariado; de outro lado, nas diferentes fases de desenvolvimento por que passa a luta entre os proletariado e burguesia, representam sempre os interesses do movimento em seu conjunto”xxvi. Os posicionamentos apresentados por Marx e Engels em 1848 e mais precisamente redigidos no Manifesto refletiam uma exposição de doutrina clara, organizativa e combativa que os trabalhadores deveriam assumir. Marcado por uma plataforma política e programática com vistas a uma revolução especifica, a revolução cujo início consideravam iminente. O Manifesto detém um vigor extraordinário em eleger o proletariado como força motriz da revolução, definindo os objetivos básicos, táticos e estratégicos e identificando a relação íntima entre partido e classe, apresentado não o partido do proletariado, mas o proletariado como partido. Se Marx e Engels defenderam uma concepção de partido como a vanguarda esclarecida do proletariado, a teoria mais acabada de um partido comunista como força propulsora da revolução pode ser encontrada em Lênin, já que este elaborou a melhor concepção de partido operário para a tomada do poder pela classe trabalhadora. Lênin atribuiu ao partido uma grande importância teórica e prática, este seria concebido como uma vanguarda centralizada e empenhada em fundir a teoria e a consciência socialista ao movimento proletário espontâneo. Organizado hierarquicamente e com quadros limitados, o partido imaginado por Lênin era o mais adequado ao estágio em que o movimento operário se encontrava na Rússia. Expresso por uma estratégia política que demandava o primado do engajamento ativo na prática política, este partido político como a “vanguarda” ou direção do proletariado, compor-se-ia de marxistas militantes, dedicados à revolução. O partido leninista tinha a tarefa de dar direção à luta revolucionária contra a burguesia, bem como o importante papel de levar às massas a teoria marxista e as experiências revolucionárias. A natureza deste partido estaria baseada no princípio do centralismo democrático, formado por um amplo partido de massa, onde os membros participariam ativamente da formulação política a ser adotada e da escolha da direção, entretanto a execução dessa política deveria ser disciplinada e a lealdade à direção seria exigida. Somente um partido organizado assim seria capaz de dirigir o processo revolucionário, sintonizado com a classe operária e com as massas, acompanhando as evoluções de sua aprendizagem e de sua socialização política.

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Para a “ação política”, entendemos esta pela capacidade de inserção e de exercício da cidadania dos indivíduos na sociedade. Privilegiamos a “ação política” a partir de uma perspectiva individualizada, utilizando para estes indivíduos um sentido stricto sensu. Ressaltando que os indivíduos são produtos sociais, não seres distantes da realidade; mas sim, fruto do intercâmbio dos indivíduos. Ao longo do tempo, sentidos diversos têm sido dados aos intelectuais. O sentido que nos interessa aqui foi aquele formulado por Antonio Gramsci que se debruçou em um estudo tenaz sobre a analise do significado social, do papel e da conceituação do termo: “intelectuais”. Ele entendeu a política como um caso especial de mobilização cultural, e neste sentido ampliou o conceito quando definiu os intelectuais como todos os trabalhadores que, em maior ou menor grau, portam uma especialização e desempenham um papel organizativo, diretivo ou conectivo na sociedade. Diametralmente oposto à categoria de intelectual orgânico conservador (entendido como aquele nascido ou cooptado no seio da burguesia), o conceito de intelectual de Gramsci está ligado diretamente ao conceito de intelectual progressista desenvolvido por Marx e Engels. Os intelectuais progressistas, segundo Marx e Engels estariam ligados as parcelas mais avançadas da sociedade. Ao observarem, por exemplo, a Renascença Européia, descobriram que alguns espíritos se movimentariam livres e vigorosamente em meio ao bulício e a agitação da vida. Esses homens, na opinião de ambos, expressaram os impulsos de novas e progressistas classes ou correntes sociais. Se ambos não deixaram escritos conclusivos sobre isto, acreditamos que a própria participação e relação de Marx e Engels com o movimento revolucionário europeu são provas substanciais dos compromissos que os intelectuais progressistas deveriam ter. Para Antonio Gramsci, os intelectuais se distinguiram em dois grandes grupos, de um lado os “intelectuais tradicionais”; e de outro, os “intelectuais orgânicos”xxvii. Observamos que, as explicações dadas por ele em relação aos intelectuais estão relacionadas diretamente ao projeto político de uma determina classe social para a realidade concreta. Em relação aos intelectuais orgânicos, Gramsci denominou como aquele “grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político”xxviii. Estes intelectuais são aqueles que formulariam e manteriam coeso um bloco histórico, pois elaborariam a hegemonia de sua classe social.

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Ressalto que, dentre as categorizações possíveis aos intelectuais, existe a categoria dos “intelectuais revolucionários”. Sua atuação se expressa pela atuação junto ao proletariado; seja organizando-o em um partido político, seja indicando as diretrizes na busca da mudança social. E para isto, penso que a forma de expressão destes “intelectuais revolucionários” será através da imprensa proletária. Consubstanciado pela tradição iniciada com Karl Marx, Astrojildo Pereira e José Carlos Mariátegui desenvolveram em vários momentos de suas vidas e no curso de suas atividades revolucionárias, o oficio de jornalista, assim como Lênin e Trotsky. O objetivo aqui não é construir uma teoria acabada sobre a imprensa operária, privilegio, apenas, a atuação dos jornalistas revolucionários. O propósito aqui é fazer uma exposição sistematizada das ações e concepções jornalísticas assumidas por estes marxistas perante a imprensa, e principalmente em relação à imprensa proletária. Compreendendo que esta imprensa foi uma arma vital para a organização do proletariado enquanto classe e importante nas lutas da classe trabalhadora contra a burguesia e o capitalismo. De acordo com Leon Trotsky, “um jornal serve antes de mais de elo de ligação entre os indivíduos; dá-lhes a conhecer o que se passa e aonde”xxix. Trotsky acreditava que no estágio revolucionário que a Rússia socialista se encontrava era necessário que os órgãos de imprensa, divulgação e propaganda fossem capazes de atender o interesse do proletariado. Que segundo ele, “o que dá alma a um jornal é uma informação atual, abundante e interessante”xxx. Contudo, Trotsky aprofundou suas argumentações em direção a uma visão mais ampla do papel a ser desempenhado por este órgão de agitação, indicando os caminhos pelo quais os jornalistas revolucionários deveriam trilhar. Acreditando que, “um jornal não tem direito de não se interessar pelo que interesse às massas, à multidão operária”.xxxi Ao chamar a responsabilidade, os redatores; “quando um problema é clara e judiciosamente exposto, encontra-se sempre quem seja capaz de o resolver. É preciso antes de mais encaminhar a atenção geral para uma séria viragem. E em que sentido?” Argumenta Trotsky “no sentido do leitor vivo, tal qual é, o leitor de massa, despertado pela revolução, mas ainda pouco letrado”xxxii. Com a revolução em curso, Lênin e Trotsky sabiam que a nova imprensa estaria a serviço da edificação socialista, em todos os níveis; contribuindo decisivamente para a transformação das mentalidades formadas pelo sistema econômico anterior. E inseridos numa perspectiva de combate, onde “primeiro passo da luta na imprensa contra o capitalismo consiste em desmascará-lo; o segundo, é

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criar uma imprensa proletária”xxxiii. Não somente estava em jogo a construção e consolidação de uma nova ordem econômica, mas também a construção de uma nova ordem social. Ao alertar o escritor, e em particular o jornalista, Trotsky acreditou que o jornalistarevolucionário tinha um papel fundamental a desempenhar nesta construção, eles não deveriam “partir do seu ponto de vista, mas sim do leitor”xxxiv. Ressaltando sempre que este tipo de órgão deveria exercer seu papel de educar, desenvolver e elevar o nível cultural do proletariado e “não” poderia “ser um instrumento de educação se a informação não” fosse “correta, interessante e judiciosamente exposta”xxxv. O “jornalista profissional” deveria se desdobrar “em jornalista proletário”, devendo este marchar ao encontro do jornalista-revolucionário. Onde este assumiria características próprias, tais como: “o ângulo de ataque dos problemas, o tipo de argumentação, a escolha dos termos, são em exclusivo submetidos a este fim: ser compreendido pelos operários”xxxvi. As abordagens jornalísticas destes jornalistas-revolucionários tinham o caráter de agrupar o proletariado em torno de uma nova visão de mundo e como lembrava Trotsky, “somos o partido das massas. Somos um Estado revolucionário e não uma confraria espiritual ou um convento”xxxvii. Lênin e Trotsky expuseram o papel e as obrigações de um jornal operário, acreditando que “o jornal é o lugar de transição entre a teoria ‘pura’ e o apelo a acção. Cada artigo converte a teoria em palavras de ordem e em consignas exatas”xxxviii. Se transportarmos nossas análises para a América Latina, encontramos Astrojildo Pereira e José Carlos Mariátegui atuando efetivamente na imprensa proletária a fim de esclarecer a classe operária e efetivar a realização da revolução socialista. Para um bom desempenho desta imprensa, segundo Lênin, era necessário o estudo de sua inserção na vida do partido, o jornal apenas não deveria ser “apenas um propagandista e um agitador coletivo, mas também um organizador coletivo”xxxix. Para ele, o partido, principalmente os partidos comunistas, deveria reunir em seus seios militantes abnegados responsáveis pela agitação da classe operária e pela real transformação da sociedade e da economia. Considerando aí “a imprensa como o meio de organizar o partido revolucionário”xl. Neste sentido, os editoriais do periódico brasileiro “Movimento Comunista” e da revista peruana “Amauta” são exemplos cabais destes compromissos revolucionários. Para Astrojildo Pereira, o seu periódico seria “um repositório mensal fidedigno de doutrina e informação do movimento comunista internacional”xli. Para José Carlos Mariátegui, publicações deste tipo, em especial “Amauta”, seriam “a voz de um movimento e de uma geração”xlii.

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Astrojildo entendeu o papel desta organização partidária, o partido e sua imprensa deveriam estar “solidamente” baseados “num mesmo programa ideológico, estratégico e tático, das camadas mais conscientes do proletariado”xliii. Mariátegui em relação a esta organização partidária e, principalmente, seu órgão de divulgação, destacando que esta “não é uma tribuna livre e aberta a todos os ventos do espírito”xliv. Contudo, “o objetivo desta revista é o de colocar, esclarecer e conhecer os problemas peruanos a partir de pontos de vista doutrinários e científicos” xlv. A defesa em prol do socialismo parece ser uma constante nos editoriais destas publicações. Mariátegui fala de um socialismo como a criação heróica do povo peruano, não mais baseado em visões européias, muito menos em crenças populistas indo-americana; mas sim uma etapa da revolução mundial. Para Astrojildo Pereira, os comunistas brasileiros estavam trilhando um bom caminho ao afirmar sua fé inquebrantável na vitória do comunismo. A defesa da lealdade partidária, do socialismo revolucionário, da revolução, em especial a revolução socialista, e em defesa da ditadura de proletariado, são matrizes fundamentais para a compreensão do papel dos intelectuais revolucionários. E neste aspecto, Astrojildo Pereira e José Carlos Mariátegui colocariam suas forças em prol dos movimentos proletários de sua época. Bibliografia ALIMONDA, Héctor. Mariátegui: Redescobrir a América. São Paulo: Brasiliense, 1983. ALMOND, Gabriel; VERBA, Sidney. The civic culture: Political attitudes and democracy in five countries. Princeton, Princeton University Press, 1963. BELLOTTO, Manoel Lelo, CORRÊA, Anna Maria Martinez. Mariátegui: Política. São Paulo: Ática, 1982. D’ARAÚJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon Soares, CASTRO, Celso. A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,1995. FEIJÓ, Martin Cezar. Formação Política de Astrojildo Pereira (1890/1920). Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990. _________________. O Revolucionário Cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma Política Cultural. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 1999. GRAMSCI, Antônio. Os Intelectuais e a organização da cultura. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. KUSCHNIR, Karina, CARNEIRO, Leandro Piquet. As dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia da política. In. http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/269.pdf

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LENA JÚNIOR, Hélio de. Astrojildo Pereira: Um Intransigente Libertário (1917-1922). Dissertação de Mestrado. Universidade Severino Sombra, 1999. MARIÁTEGUI, José Carlos. Textos Basicos. México D.F.: Fondo de Cultura Economica, 1991. MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990. PENNA, Lincoln de Abreu. A cultura política comunista no Brasil: 1950 - 1964. In. PENNA, Lincoln de Abreu. Política e história: Lugares e fazeres. Vassouras: Universidade Severino Sombra, 2000. _____________________. Metodologia de abordagem Biográfica. Mimeo. 1998. PEREIRA, Astrojildo. A Revolução Russa e a Imprensa. Rio de Janeiro: s.ed. 1917. _________________. Formação do PCB. Rio de Janeiro: Vitória, 1962. _________________. Ensaios Históricos e Políticos. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979. _________________. Construindo o PCB (1922/1924). São Paulo: Hucitec, 1980. SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. TROTSKY, Leon. Questões do modo de vida. Lisboa: Antídoto, 1979. WORONTSOV, Madeleine. Nome: Lenine, Revolucionária). Lisboa: Antídoto, 1977. Notas

i

KUSCHNIR, CARNEIRO, 1999, p. 02. KUSCHNIR, CARNEIRO, 1999, p. 02. iii PENNA, 2000, p. 65. iv PENNA, 2000, p. 65. v SAID, 1995, p. 14. vi D’ARAÚJO, SOARES, CASTRO, 1995, p. 19. vii D’ARAÚJO, SOARES, CASTRO, 1995, p. 19. viii D’ARAÚJO, SOARES, CASTRO, 1995, p. 20. ix PENNA, 2000, p. 65. x PENNA, 2000, p. 65. xi PENNA, 2000, p. 65. xii ALMOND, VERBA, 1963, p. 13. xiii ALMOND, VERBA, 1963, p. 15. xiv PÉCAUT, 1990, p. 18. xv PÉCAUT, 1990, p. 18. xvi PÉCAUT, 1990, p. 18. xvii PÉCAUT, 1990, p. 184. xviii PÉCAUT, 1990, p. 184. ii

profissão:

jornalista

(Lenine

e

a

Imprensa

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PÉCAUT, 1990, p. 184. PÉCAUT, 1990, p. 184. xxi PÉCAUT, 1990, p. 184. xxii ALMOND, VERBA, 1963, p. 17. xxiii PENNA, 1998, p. 03. xxiv PENNA, 1998, p. 04. xxv PENNA, 1998, p. 04. xxvi MARX, ENGELS, 1997, p. 79. xxvii Ressalto as palavras Carlos Nelson Coutinho, que alertou para o equivoco em identificar mecanicamente o “intelectual orgânico” como “revolucionário” e “intelectual tradicional” como “conservador” ou “reacionário”. Para Coutinho, a burguesia tem seus intelectuais “orgânicos”, assim como existem intelectuais ‘tradicionais’ (por exemplo, padres ou professores) ligados às lutas do proletariado. xxviii Ver GRAMSCI, Antônio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. xxix TROTSKY, 1979, p. 37. xxx TROTSKY, 1979, p. 37. xxxi TROTSKY, 1979, p. 43. xxxii TROTSKY, 1979, p. 44. xxxiii WORONTSOV, 1977, p. 21. xxxiv TROTSKY, 1979, p. 42. xxxv TROTSKY, 1979, p. 41. xxxvi WORONTSOV, 1977, p. 22. xxxvii TROTSKY, 1979, p. 44. xxxviii WORONTSOV, 1977, p. 19. xxxix WORONTSOV, 1977, p. 33. xl WORONTSOV, 1977, p. 33. xli Ver, especialmente, Movimento Comunista. Movimento Comunista, Rio de Janeiro, n. 1, pp. 01/02, janeiro de 1922. xlii Ver, MARIATEGUI, José Carlos. Editorial-Apresentação. In. ALIMONDA, Héctor. Mariátegui: Redescobrir a América. São Paulo: Brasiliense, 1983. xliii Ver, Movimento Comunista. Movimento Comunista, Rio de Janeiro, n. 1, pp. 01/02, janeiro de 1922. xliv MARIATEGUI, José Carlos. Editorial-Apresentação. Op. Cit., P. 40. xlv MARIATEGUI, José Carlos. Editorial-Apresentação. Op. Cit., P. 41. xx

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