A Ideia de Arte como Fabricação ou como Imitação: uma discussão a partir do livro I d\'A República de Platão

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A IDEIA DE ARTE COMO FABRICAÇÃO OU COMO IMITAÇÃO: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DO LIVRO I D'A REPÚBLICA DE PLATÃO 1

Davi Galhardo Oliveira Filho 2

A questão que investigaremos hoje é esta: de que forma deve-se compreender a Ideia de Arte numa perspectiva Platônica? Para tanto, tomemos como pano de fundo de nossa análise o Livro I de A República. Nesse sentindo, vale ainda ressaltar que o tema que dispara toda a discussão em tal escrito de Platão, surge do seguinte questionamento: o que é a Justiça? Como sabemos, vista na sua totalidade tal obra é recheada por diversas temáticas, dentre as quais a Educação, a própria Justiça, a Felicidade e ainda — dentre tantas outras — a Beleza, ou seja, sobre o Belo. As reflexões Platônicas sobre a natureza do Belo já haviam sido largamente investigadas pelo Filósofo de Atenas em outros diálogos. No Hípias Maior (Sobre o Belo) por exemplo, a investigação do personagem Sócrates com Hípias passa em refutação pelos seguintes conceitos: 1) o belo é uma bela rapariga; 2) o belo é o ouro; 3) o belo é aquilo que é apropriado; No entanto, o diálogo termina em aporia, pois no último momento Sócrates subverte ao afirmar que: “O Belo é difícil” (PLATÃO. 1980, p. 20), cabendo-nos a observação de que Platão não logrou êxito em sua investigação sobre o Belo enquanto este manteve-se atrelado ao âmbito sensível. Em O Banquete as reflexões de Platão sobre o Belo são retomadas numa perspectiva diferenciada: o Belo é pensado por Diotima – de quem Sócrates [Platão] admite reproduzir o discurso do que entende por ser o amor/beleza –, em si mesmo, ou seja: o Belo em si, numa perspectiva Transcendente, Ideal e Eterna, ou seja: Metafísica. Por hora voltemos nossas atenções para o Livro I de A República; Para tanto vejamos no que consiste toda a estrutura deste primeiro livro de nossa obra aqui em análise na passagem que se segue, que a nosso ver é de fundamental importância em nossa empreitada:

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O presente texto foi elaborado para a disciplina de Estética do Curso de Licenciatura Plena em Filosofia da Universidade Federal do Maranhão.

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Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID. E-mail: [email protected]

No Livro I, Céfalo, o primeiro personagem a ser apresentado, apresenta uma forma de vida baseada nos valores religiosos (ritos e mitos vigentes) e sua definição de justiça segue a dos poetas aceitos por Atenas como educadores; Polemarco, o segundo, ao definir a justiça como "fazer bem aos amigos e mal aos inimigos" também apresenta uma tese da época, proveniente da cultura grega mais próxima ao século IV a. C. e suas guerras; e Trasímaco que, segundo Platão, é representante dos sofistas, defende a justiça como a "a conveniência do mais forte" e indica a prática usada nos debates cívicos, característica das assembleias públicas e dos tribunais, em que o poder de persuasão prevalece para a vitória.

(LEITE. 2009, p. 28)

No começo de sua narrativa, Platão (pela boca de Sócrates) apresenta-nos o local onde os personagens encontram-se: o Pireu — um dos mais importantes Portos da Grécia —, pela ocasião da realização de um festejo novo, e com intenções de louvar à Deusa Bêndis. Vejamos: "Ontem fui até ao Pireu com Gláucon, filho de Aríston, a fim de dirigir as minhas preces à deusa e, ao mesmo tempo, com o desejo de ver de que maneira celebravam a festa, pois era a primeira vez que a faziam" (PLATÃO. 2001, p. 01) quando deixava o local Sócrates fora convidado por Polemarco para ir até a casa deste último, no intuito de encontrarem outros amigos. Ao chegarem à casa de Polemarco, encontram-se lá também: Nicérato, Lísias, Eutidemo, Trasímaco, Carmantidas, Clitofonte e Céfalo (ancião e dono da casa). Logo que viu Sócrates o anfitrião Céfalo foi saudar-lhe com as seguintes palavras: “Ó Sócrates, tu também não vens lá muitas vezes ao Pireu para nos veres. Mas devias fazê-lo, porque, se eu ainda tivesse forças para ir facilmente até a cidade, não seria preciso tu vires cá, mas nós é que íamos visitar-te“ (Idem. p. 4), após as devidas saudações Céfalo começa finalmente expor a Sócrates como os anciãos de então veem a existência, ou seja: as vantagens e desvantagens que a velhice pode trazer. Ainda do ponto de vista de Céfalo, as riquezas não são tão vantajosas quanto se pode pensar, pois mesmo aquele que tenham conquistado grandes montantes, se lamentarão ao final da vida, caso tenham vivido de forma desmesurada, ou seja: como homens sem moderação. Em acordo com as reflexões propostas por LEITE (2009, p. 45) poderíamos nos perguntar: "Se muitos forem os homens com caráter não excessivo, podemos imaginar uma cidade organizada do mesmo modo. Seria uma cidade justa?" do ponto de vista de Céfalo a Justiça consiste em "falar a verdade e restituir o que se recebe, como foi dito". Obviamente o personagem Sócrates procurou examinar tal conceito, no entanto o ancião dispersou-se do diálogo, pois precisava dar continuidade ao seu ritual a Zeus, cabendo então ao seu primogênito dar continuidade ao assunto.

O herdeiro de Céfalo assume a conversa. O ponto de vista de Polemarco defende o que foi ensinado pelo poeta Simônides que segundo ele consiste em: "é justo restituir a cada um o que se deve". As dificuldades deste conceito de Justiça surgem logo quando Sócrates procura examiná-lo mais atentamente, e assim, logo consegue demonstrar a insuficiência deste em situações específicas: seria justo dar uma arma que pertence a um amigo, mesmo quando este estivesse tomado por um momento de devaneio? Os personagens chegarão à conclusiva de que não. Dando prosseguimento para ao texto, agora é chegada a hora da Sofística apresentar-se, tentando solucionar a querela ali constituída, o personagem Trasímaco após ouvir toda a discussão que até então realizara-se entra finalmente no diálogo, com as seguintes palavras:

Que tagarelice é essa, Sócrates, [elevando a voz diante do auditório] e por que agis como tolos, inclinando-vos alternadamente um diante do outro? Se queres mesmo saber o que é justo, não te limites a indagar e não teimes em refutar aquele que responde, mas, tendo reconhecido que é mais fácil indagar do que responder, responde tu mesmo e diz como defines a justiça. E abstém-te de pretender ensinar o que se deve fazer, o que é o útil, proveitoso, lucrativo ou vantajoso; exprime-te com clareza e precisão, pois eu não admitirei tais banalidades.

(PLATÃO. 2001, p. 20)

A tese sobre o que entende por Justiça defendida por Trasímaco é expressa de forma simples e direta: "afirmo que a justiça não é outra coisa senão a conveniência do mais forte" (Idem. p. 23). Após dar sua definição, o Sofista convida Sócrates a investigá-la, este último aceita a tarefa. Em tal emprego, Sócrates nos dá subsídios para acreditarmos que o modelo de democracia da Grécia de então, comporta a tese de Trasímaco, conforme delineado por LEITE (2009. p, 64). Mas o que Sócrates [Platão] se propõe a demonstrar é a Justiça plena em si mesma, e não uma forma de Justiça necessariamente conveniente à Pólis grega. A Justiça deve alinharse ao tripé do sistema idealista de Platão: a Verdade, o Belo e o Bem. Ou seja, o Filósofo deve apresentar-se como Esteta da Cidade, em outros termos: seu artesão, ordenador, fabricador – conforme retomado na continuidade de A República no Livro VII. A discussão caminha para o fim, neste primeiro livro com as seguintes noções:

[Sócrates] coloca a justiça como o suporte para o bom exercício de cada coisa, sendo o contrário, ou vício, a injustiça. Seguindo o mesmo sentido, o homem justo será feliz, e o injusto, desgraçado, não havendo vantagem em ser desgraçado, mas em ser feliz. (...) A introdução da alma nesse momento em que Trasímaco parece arrefecer e que Sócrates já está saindo da ideia de justiça vinculada à lei externa, introduzindo a noção da própria

physis e da areté da alma de cada um, não parecia aleatória. Falta explicar, porém, o que é uma alma com areté e como se comporta numa cidade e vice-versa. (...) [a esta altura] Trasímaco abandona o local.

(LEITE. 2009, p. 72) (Grifos nossos)

Platão aproveitará (adiante) a oportunidade para salientar o que entende por ―verdadeira filosofia‖, diferenciando-a do que considerou como ―pseudo filosofia‖ (na qual podemos compreender a figura dos Sofistas).

Portanto, admitamos confiadamente que também o Homem, se quiser ser brando para os familiares e conhecidos, tem de ser por natureza filósofo e amigo de saber (...) Por conseguinte, será por natureza filósofo, fogoso, rápido e forte quem quiser ser um perfeito guardião da nossa cidade.

(PLATÃO. 2001, p. 85).

Em outras palavras, Platão entende que a verdadeira filosofia, é a luz do esclarecimento humano, para tanto, lembremo-nos da Alegoria da Caverna, onde o filósofo nos adverte a respeito da ―(...) nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta (...)‖ (PLATÃO. 2001, p. 315). E que os governantes para bem conduzirem a cidade, devem ser filósofos, caso contrário não haverá tréguas dos males. Em suma, é necessário que os filósofos se tornem reis, ou os reis se tornem filósofos. Para tanto o Filósofo precisa ser o artesão da cidade, ou seja, estar dotado de uma Téchne, no caso o seu discurso, que por sua vez precisa ter uma retidão para o Bem, para que assim a Pólis possa viver em harmonia. Conforme já observamos, deve alinhar-se ao tripé do sistema idealista de Platão: a Verdade, o Belo e o Bem.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

LEITE, José Assunção Fernandes. A República de Platão: relação entre os livros I, II, III, IV e VIII. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC-SP, 2009.

PEREIRA, Maria Helena da Rocha. In: PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 9. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. págs. V-LX.

PLATÃO. Hípias Maior. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 1980.

______. O Banquete. Trad. José Cavalcante de Souza. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

______. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 9. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

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