A Igreja de Santo António do Estoril - estudo para uma publicação

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A Igreja de Santo António do Estoril – estudo para uma publicação A Igreja Ao entrarmos na Igreja de Santo António do Estoril é impossível ficar indiferente à beleza e harmonia do seu interior; desde logo parece tratar-se de um belo exemplar da arquitectura do século XVIII com os altares em rica talha barroca, as paredes revestidas de painéis de azulejos que retratam quadros alegóricos do Santo e o tecto em abóbada que logo nos capta o olhar, pintado num rasgo de genialidade, de perfeição no traço, representando cenas da vida de Santo António. Aliada a esta riqueza no interior, a fachada harmoniosamente concebida numa linguagem e gosto muito português designado por arquitectura chã 1 da qual constitui, aliás, um dos exemplos a destacar nesta zona. Poucas pessoas terão no entanto a percepção de que, o seu interior é resultado de um intervenção do segundo quartel do século XX… A igreja de Santo António do Estoril, tal como hoje a conhecemos, exceptuando o adro e a fachada, é uma obra de reconstrução fruto do extraordinário espírito empreendedor de um grupo de pessoas que, chocadas com o incêndio que a destruiu quase por completo no dia 22 de Julho de 1927, imediatamente se reuniram criando a Grande Comissão de Reconstrução da Igreja e com grande esforço e notável capacidade de organização, levaram a cabo a sua reedificação. A igreja tem, é claro, uma origem mais remota e, embora seja escassa a informação, sabe-se que começou por ser uma capela composta por uma única nave, associada a um convento franciscano de devoção a Santo António que data do primeiro quartel do século XVI. O conjunto subsistiu e foram-se fazendo algumas alterações à sua estrutura, nomeadamente na segunda metade do século XVII, tal como o refere a Chronica Seráfica da Santa Província dos Algarves 2 o documento de 1758 que descreve a história do convento e da

igreja até essa data, quando estava já reconstruída após a catástrofe de 1755. Com efeito o terrível terramoto que ocorreu em Lisboa nesse ano, foi igualmente fatídico na zona de Cascais; a igreja ficou destruída mas o processo de reconstrução começou, quase de imediato, dinamizado pelo guardião franciscano frei Basílio de S. Boaventura, tendo a obra sido concluída em 1758. Surgiu então uma nova igreja agora de maiores dimensões, com a fachada que actualmente se conhece, numa composição de grande equilíbrio de três arcos em cantaria que dão acesso ao adro, o central de maior dimensão, encimados por três janelas grandes que deixam entrar a luz pelo coro; na parte superior surge rematada por uma moldura, também em cantaria, que acolhe o nicho com a imagem em pedra de Santo António com o menino Jesus. A composição da fachada resulta na harmonia entre a alvenaria de pedra rebocada e pintada, as molduras das janelas e dos arcos em cantaria, e o remate superior com os fogaréus (símbolo devocional) e a cruz no ponto central mais alto, que lhe conferem grande beleza. O século XIX veio dar outro destino a este convento uma vez que, com a instauração do liberalismo após a guerra civil, em 1834, se decretou a extinção das ordens religiosas masculinas; assim, em 1835 acabou por ser vendido em hasta pública a Manuel Joaquim Jorge sem que, no entanto, fosse incluída a igreja na arrematação, apenas o encargo de a manter fechada e minimamente preservada; de facto, só no início do século XX a igreja voltou a conhecer uma nova dinâmica com a criação da Irmandade de Santo António, dirigida por Monsenhor António José Moita que assumiu a sua responsabilidade em 1914 e a reabre novamente ao culto. No ano seguinte, a Irmandade tomou oficialmente posse da igreja, e com grande determinação Monsenhor Moita revitalizou a vida deste templo, numa época de grande hostilidade ao catolicismo, em pleno arranque da 1ª República; entretanto, depois do incêndio de 1927 e finalizada a

reconstrução da igreja, a 13 de Junho de 1929, tornou-se no primeiro pároco da recém criada paróquia de Santo António do Estoril; a sua presença e personalidade vincada, ao longo de dezenas de anos, até à sua morte em 1956 foi de extrema importância para a paróquia. O Estoril, entretanto, estava a tornar-se numa estância termal com alguma procura, o embrião daquilo que viria a ser o projecto turístico da Costa do Sol, impulsionado por Fausto Figueiredo. 3

O incêndio de 1927 e a reconstrução da Igreja: a pintura do tecto por Carlos Bonvalot O destino trágico que marcou a igreja de Santo António em 1755 com o terramoto, veio novamente a tocar-lhe no dia 22 de Julho de 1927, quando um violento incêndio a destruiu, quase por completo. Monsenhor António José Moita, homem de grande carisma, reuniu à sua volta pessoas de grande influência política e social, designadamente o Conselheiro Ernesto Driesel Schroeter, capazes de dinamizar a angariação de fundos e organizar a tão desejada e rápida reconstrução do templo. Formada a Grande Comissão de Reconstrução da Igreja imediatamente se impulsionou toda a organização, felizmente registada em actas repletas de preciosas informações que hoje se encontram no arquivo da igreja; para elaborar o projecto de reconstrução foi nomeado o arquitecto Tertuliano Marques e, ao longo de dois anos, o tempo que duraram as obras até ser de novo inaugurada no dia de Santo António, a 13 de Junho de 1929, a todas as pessoas envolvidas e a todas as intervenções foi exigido o maior rigor. A pintura do tecto da igreja da autoria do pintor Carlos Bonvalot foi, pode dizer-se, uma das felizes intervenções na reconstrução deste templo; o nome do pintor foi proposto pelo arquitecto à Comissão ao que todos

concordaram e, com efeito, a acta de 21 de Novembro de 1927 refere já a apresentação de uma primeira proposta em esboço para apreciação. Até se decidir e definir, entre a Comissão e o pintor, o trabalho a realizar, a assinatura de um contracto e o início da realização do trabalho, levou alguns meses, pois tudo se fez com todo o detalhe; o contracto ficou finalmente acordado em Abril de 1928: «Entre a Comissão Promotora da Reconstrução da Igreja de Santo António do Estoril e Carlos Bonvalot, pintor d’Arte (…) pela quantia de sessenta mil escudos, a decoração do tecto do corpo da igreja (…) em pintura a tempera, no estilo século XVII» 4 Todas as clausulas ficaram cuidadosamente definidas mas as indicações precisas dos temas retractados nos painéis foram sendo dadas por Monsenhor Moita, à medida que o pintor foi realizando, um por um, os esboços dos quadros a executar, até finalmente dar inicio ao trabalho em Setembro desse ano. A proposta ao pintor e a decisão de se encarregar igualmente da pintura do tecto da Capela-Mor, acabou por surgir posteriormente, à margem do previsto, apenas porque resultou da disponibilidade financeira da Comissão, que desde o princípio se caracterizou pelo grande rigor na gestão dos seus recursos; ficou assim acordado com o pintor a realização da pintura do tecto da Capela-Mor, com a temática sugerida por Monsenhor Moita, pelo preço de 12.000$. Toda a obra executada por Carlos Bonvalot merece o devido destaque, pela sua originalidade e qualidade e pode considerar-se inédita na época; a qualidade e perfeição no traço são uma nota dominante, não só pelo pormenor dos quadros em si, mas a forma como envolve as personagens que retracta, o cuidado no detalhe quer nas feições quer no traje, quer no espaço que recria e por todo o ambiente místico que reflecte; da mesma forma se deve realçar o uso da cor em tonalidades suaves, o movimento das volutas que envolve o medalhão central, ao qual o pintor deu um destaque

especial, recriando o milagre certamente mais conhecido da vida de Santo António: das mãos de Nossa Senhora recebe no seu colo, o Menino Jesus. Aqui transmite toda a força que o momento tem, toda a simbologia que representa, toda a suavidade e ternura no gesto, retratando Nossa Senhora envolta numa nuvem suspensa por anjinhos, entregando o seu filho ao Santo que, estando de joelhos a rezar, o recebe de braços abertos. A beleza e o pormenor no tratamento bem como a firmeza e perfeição no traço, usando o colorido em tons suaves jogando com a luz, recria uma pintura que já se praticara no século XVII, tal como fora pedido ao pintor e estipulado no contracto; trata-se duma pintura decorativa de carácter narrativo com toda a força mística da temática religiosa, utilizando outros elementos que compõem o conjunto e lhe dão alguma dinâmica, como as volutas e os florões. Os quatro quadros que de cada lado do tecto do corpo central da igreja representam cenas da vida do Padroeiro, duas das quais se passaram em Portugal, dando assim algum ênfase aos momentos que o relacionam com a sua terra de origem, aliás ao que se apurou, por sugestão feita ao pintor por Monsenhor Moita. Foram feitos esboços para apresentar à Comissão como vem referido nas actas, mas para alem disso, Carlos Bonvalot pintou óleos sobre tela de todos os quadros que retratou no tecto da igreja, fonte fundamental de suporte ao estudo da obra do pintor. A pintura foi executada utilizando a técnica em têmpera, tal como estava acordado no contracto, uma técnica que usa pigmentos secos temperados ou seja dissolvidos em matéria (goma por exemplo) que os torna aderentes e que os fixa e estabiliza no suporte a que estão destinados. Ao primeiro olhar poderia pensar-se que se trata de um fresco, como aliás apareceu referido em algumas publicações 5 contudo, além de ser claramente mencionado no contracto a utilização da tempera, o uso desta técnica foi identificado e novamente usado, quando em 2001 se fez a intervenção de restauro.

O tecto da Capela-Mor recebeu um tratamento essencialmente decorativo, mantendo os mesmos elementos ornamentais numa composição de grande beleza conjugando molduras em tonalidade azul pastel que acompanham a forma da abóbada, o entrelaçado de volutas também em tons pastel e um conjunto de quatro medalhões de simbologia religiosa relacionada com a eucaristia: a hóstia e o cálice, o cordeiro de Deus, a Cruz de Cristo e o cacho de uvas, o pelicano e as crias e finalmente, no cruzamento das linhas da abóbada, a pomba símbolo do Espírito Santo. Entre Fevereiro e Abril de 2001 procedeu-se ao restauro do tecto da igreja uma vez que apresentava já diversas patologias. A pintura perdia a qualidade com o desgaste notório devido à acção do fumo, resultante do uso abusivo de velas ao logo do tempo, e apresentava manchas de humidade e salitre obrigando a uma intervenção urgente; a qualidade que fixava a pintura ao suporte segundo a técnica em têmpera, tinha desaparecido porque o pigmento estava solto e assim, com um simples assopro apagava-se como se tratasse de giz numa ardósia. Para tal foi feita primeiro a renovação do telhado no sentido de resolver os problemas de infiltrações de água para de seguida se proceder ao restauro.

Os quadros da vida de Santo António na pintura do tecto da nave central Medalhão Central Emoldurado de forma oval, este quadro retrata o milagre mais conhecido da vida do Santo e à qual se associa, geralmente, a sua imagem: o momento em que Nossa Senhora lhe entrega nos braços o Menino Jesus. Em Camposampiero, perto de Pádua vivia um seu amigo, o conde Tiso onde Santo António se hospedou por uns dias; quando o Santo orava no seu quarto, o conde espreitou e viu que ele tinha nos seus braços o Menino Jesus em carne e osso. Esta visão, como prometeu a Santo António, só contou depois da sua morte. Quadro 1 esquerda No Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, quando ainda jovem, além dos estudos e da oração, tinha de fazer alguns trabalhos, como limpar e arrumar. Numa ocasião em que prestava um desses serviços e por isso não podia assistir à missa, embora esse fosse o seu desejo, pôde ver o momento da elevação da hóstia consagrada e prostrou-se para adorar Jesus presente na eucaristia. Erradamente aparece com a veste de franciscano, por lapso de interpretação de quem executou o restauro em 2001, uma vez que esta pintura estava em muito mau estado devido à humidade e ao salitre; o seu traje era, originalmente, em branco como monge agostinho, o que aliás se confirma no quadro a óleo sobre tela. Quadro 2 esquerda Encontrava-se em Marrocos quando caiu gravemente doente; decidiu regressar a Portugal juntamente com o irmão Filipe, embarcou num veleiro

que foi arrastado por uma tempestade indo parar a Itália, perto de Messina na Secília; foi este o momento que se pretendeu retratar aqui. Quadro 3 esquerda Durante a estadia em França os frades estavam reunidos na sala capitular do convento e António estava a pregar-lhes tendo por tema a crucificação. Enquanto explicava o significado da inscrição posta sobre a cruz de Jesus, apareceu S. Francisco que, como suspenso no ar, com os braços estendidos em forma de cruz, abençoava os frades; aqui neste quadro apenas Santo António parece ver S. Francisco, embora na descrição do milagre o episódio tenha suscitado grande emoção e a consolação dos presentes. Quadro 4 esquerda Este foi provavelmente, o último quadro a ser pintado pois foi nele que o pintor assinou a sua obra, Bonvalot 1929; aqui retrata-se Santo António quando se encontrou com o Senhor poderoso e tirano Azzelino de Romano que, perante as suas palavras repreendedoras denunciando a crueldade, em vez de castigar o frade pela sua ousadia, por disposição divina ajoelha-se, humilde perante ele e confessa a sua culpa Quadro 1 direita Estando em Itália Santo António soube, por revelação divina, da injusta condenação do pai em Lisboa, acusado de ter morto uma pessoa. Para o livrar dessa situação aparece nesse momento ao regedor que o condenara à forca e leva-o junto da sepultura; perante a admiração dos presentes, por clemência divina, o morto confirma a inocência do pai de Santo António.

Quadro 2 direita Ao que se sabe, em 1228 o Papa Gregório IX, que já conhecia a fama de santidade deste frade franciscano, mandou-o chamar e ordenou-lhe que pregasse os exercícios a ele e ao Sacro Colégio de Cardeais; tal como acontecera com os apóstolos no dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre ele e todos os presentes, ainda que de origens diferentes, entenderamno com toda a clareza. Quadro 3 direita Morte de Santo António a 13 de Junho de 1231 no Convento de Arcella, rodeado dos seus irmãos frades. Quadro 4 direita Acompanhado de grande multidão de povo e em solene procissão um cortejo fúnebre conduziu-o à sua última morada, a igreja de Santa Maria de Pádua, onde queria ser sepultado. O pintor Carlos Bonvalot Nascido a 24 de Julho de 1893, Carlos Bonvalot teve uma passagem curta pela vida para quem, certamente, teria muito mais para dar; a morte levou-o com apenas 40 anos de idade, deixando-nos o contributo da sua obra, não só no campo da pintura e da decoração, como também na pesquisa, estudo e ensino das artes. A sua pintura, sem que obrigatoriamente esteja associada a uma corrente artística, acaba por se enquadrar num moderado compromisso entre a linha figurativa tradicional e alguma tendência para o modernismo. Manteve assim, uma certa autonomia delineando uma evolução que abrange diversas abordagens temáticas. Esteve presente em várias exposições da Sociedade Nacional de Belas Artes, foi bolseiro em

Paris em 1919 e esteve em Itália entre 1920/21, onde aprofundou os estudos sobre técnica de restauro; na sequência do crescente interesse que desenvolveu por esta temática realizou um importante trabalho científico sobre as pinturas quinhentistas da Igreja Matriz de Cascais. Acabou por se tornar num artista de actividade multifacetada, pintando e ao mesmo tempo investigando e aprofundando conhecimentos nas matérias que maior interesse lhe despertaram, como o restauro e a decoração, assim como a museologia, áreas em que exerceu a sua actividade profissional. A sua pintura atravessou diversos campos que vão da paisagem e cenas de costumes, à pintura temática realista de preocupações sociais, ao retracto intimista dos pequenos quadros familiares, usando aguarela, o guache, o pastel e o óleo sobre tela. Na área das artes decorativas, teve algumas intervenções nomeadamente na sua moradia de Cascais e noutras casas particulares, passando pelo importante contributo, único no género, de pintar o tecto da igreja de Santo António do Estoril, na sua reconstrução após o incêndio de 1927; nesta intervenção, são também da sua autoria os desenhos dos painéis de azulejos, depois executados pelo azulejador da fábrica Santana, Gilberto Renda. Estas terão sido as últimas grandes obras de Carlos Bonvalot que veio a falecer, quando se preparava para assumir o cargo de Director da Oficina de Restauro do Museu Nacional de Arte Antiga, a 13 de Fevereiro de 1934, ano em que completaria 41 anos de idade. A sua pintura está hoje representada em vários museus nacionais dos quais se destaca em Cascais, no Museu Condes de Castro Guimarães, em Lisboa no Museu da Cidade e no Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Porto no Museu Soares dos Reis e em Viseu no Museu de Grão Vasco. 6

Os painéis de azulejos: Carlos Bonvalot e Gilberto Renda Revestir as paredes da igreja com painéis de azulejos foi sempre uma ideia presente entre os membros da Comissão pois essa tinha sido uma das grandes perdas, em termos de património artístico, provocada pelo grande incêndio que praticamente a destruiu em 1927. Apenas se salvaram os azulejos de grande qualidade que ainda hoje existem na velha sacristia, o pequeno espaço que não foi consumido pelas chamas e no adro da igreja e datam do século XVIII. Contudo, foi uma questão controversa, talvez a única que gerou alguma polémica entre os responsáveis pela reconstrução, não só por via dos orçamentos que foram solicitados, mas também pelos mestres azulejadores envolvidos e as temáticas que se exigiam. Depois de sugerias algumas oficinas de azulejos, os projectos e orçamentos que se apresentaram passíveis de serem avaliados, foram apenas os da responsabilidade dos mestres Victória Pereira (que tinha realizado os painéis da igreja de S. Mamede em Lisboa) e Batistini azulejador de renome na época; depois de alguma discórdia, nomeadamente da oposição de Monsenhor Moita, foi a Victória Pereira que se adjudicou a empreitada. A grande polémica surgiu quando, depois de executados os primeiros painéis e transportados para a igreja para começarem a ser colocados, a Comissão numa decisão de grande tensão entre os seus membros, recusou definitivamente,

alegando

a

falta

de

qualidade

e

flagrante

desenquadramento; esta situação levou naturalmente à indignação, protesto e pedido de indemnização por parte do azulejador que desta forma deselegante, viu recusado o seu trabalho. Como entretanto estava-se já em finais de 1928 e o tempo tornava-se curto, foi Carlos Bonvalot que acabou por realizar os desenhos para os painéis, executados por Gilberto Renda (cujo nome está ligado sobretudo a diversos painéis de azulejos realizados em estações de Caminhos de Ferro que entretanto se foram construindo –

Sines, Santiago do Cacém, Vila Viçosa, Caminha etc), o mestre azulejador principal na Fábrica de Santana. A confirmar o nome de Carlos Bonvalot como desenhador e Gilberto Renda como executor na fábrica de Santana, está o registo no canto inferior do painel que retracta O anel achado no Poço, à direita na capela-mor. A estatuária, as talhas e mármores dos altares Toda a estatuária que existe actualmente na igreja de Santo António, assinada e datada (Thedim 1929), foi da autoria de José Ferreira Thedim, (curiosamente o mesmo que executou a imagem de Nossa Senhora de Fátima realizada para o Santuário Mariano) executada em Santo Tirso, em madeira policromada e encomendada especialmente para substituir a que existia antes do incêndio. Assim no altar da Capela-Mor está S. Domingos e S. Francisco de Assis; no altar lateral do corpo da igreja do lado esquerdo, a imagem de Nª Senhora da Conceição de fronte e no altar à sua esquerda, o Sagrado Coração de Jesus, Nª Senhora de Fátima e Santa Teresinha; no altar lateral à direita de fronte para o corpo da igreja Santo António e o Menino Jesus, e à sua direita Nª Senhora das Dores, S. Pedro e S. José e o Menino Jesus. As imagens sacras foram colocadas nos cinco altares em talha dourada de grande beleza que datam dos Séculos XVII/XVIII e eram, originalmente, da igreja de Santa Marta. Para alargamento do Hospital, estes altares tinham sido desmontados e depositados, uma parte no edifício do Museu de Arte Antiga e outra numa cave da Basílica da Estrela; a Comissão encarregue da reconstrução da igreja de Santo António do Estoril conseguiu, após algumas diligências, que estes altares fossem novamente reunidos e assim incluídos no projecto de reconstrução. O seu estado carecia no entanto de restauro pelo que quando ali foram colocados e recuperados, ganharam um novo esplendor; a

completar o conjunto juntaram-se os altares em pedra encomendados em Pêro Pinheiro conjugando o mármore creme, encarnadão e o Negro de Mem Martins numa harmoniosa composição jogando cor, formas e volumes de efeitos diferentes, rematados por um friso de decoração de embutidos em volutas, num trabalho de grande mestria . As pedras tumulares no chão da igreja No pavimento da igreja está também, pode dizer-se, parte da sua história. A capela-mor e o corpo central do templo receberam, durante a reconstrução, pedra mármore nova; a capela-mor num arranjo mais cuidado, alternando uma composição a meia esquadria de quadrados em pedra mármore branco e cinza vinda de Pero Pinheiro e no corpo central um pavimento em pedra branca encomendada a um pedreiro do lugar da Galiza (perto do Estoril). Note-se que estas decisões finais, em termos de acabamentos, foram muito discutidas e condicionadas por questões orçamentais. No que se refere aos corredores laterais, guardam conjugadas com o lagedo, as várias pedras funerárias com inscrições gravadas, de túmulos onde foram depositados os corpos de pessoas ilustres em diferentes épocas. Bastante desgastadas pela usura mecânica ao longo dos tempos, algumas das quais já ilegíveis, são uma fonte de grande importância para o conhecimento da história da igreja. Para uma melhor percepção e identificação dos túmulos ali existentes numeraram-se no corredor lateral esquerdo de 1 a 7 e no corredor lateral direito de 8 a 11: 1 Pedra tumular com brasão de armas e inscrição SA D BERNARDO / DO REGO E DE SUA MOLHER MA BOR / GES E DE SEVS ERDEIROS 1593

2 Pedra tumular com inscrição SA DE SEBASTIÃO FRZ PDRO E DE SVA MOLHER ANA LOPEZ E DE SEVS ERDEIROS 1593 3 Pedra tumular ilegível 4 Pedra tumular com inscrição (sec XVI/XVII) SA DE ANTº DINIS E D S MOlhER E ERDEIROS 5 Pedra tumular com inscrição (séc. XVI/XVII) SA DE MANOEL PITO 6 Pedra tumular com brasão e inscrição gravada em toda a volta AQI IAZ DO MA CORNEIO / MVLER QE OI DEL CAPITANO ABERDUGO / DE GUARDALAIARA / CASTELLANO DEL CASTº DE SAMº TEL Pº ROVBENEL / LA QL MORIO A 10 / DE MARZO DE 1..96 / ANOS LAQL SE P / S DEIGº TELº E D … 7 Pedra tumular com inscrição SA DE AMTº FALEIRO FAFE S. E DE SVA MOLHER MA M ANOEL E SEVS ERDEIROS 1577 8 Pedra tumular com brasão ESTA SA MANDO / V REDUZIR A CAR NRº JOSE ANICE / TO TORREANO DE FARIA MORGA / DO DA CAZA DO ES TORIL PA SI SVA MER E / DESCENDENTES ANNO DE 1777 9 Pedra tumular com inscrição (séc. XVII) SA DE ROQE LO / PEZ CAVALEIR O DA CAZA DEL / REI NOSSO SR E D E SVA MOLHE / R R. LIANOR FRZ EM ESTA NÃ SE / E ETERARA NIGE. (Nesta não se enterrará ninguém)

10 Pedra tumular com inscrição (séc. XVI/XVII) ESTA SA DE Iº MANOEL / MESTRE DA CAREIRA DA IMDIA E DE SVA M / OLHER IONA RÕIZ E / DE SEVS ERDOS 11 Pedra tumular com inscrição (séc. XVI/XVII) SA DE IORIE ESTEVEZ E DE IORIE MANOEL E CA LUIZ Esta descrição foi feita a partir de um levantamento realizado pelo Dr José Benard Guedes em Junho de 1974 para o Patriarcado de Lisboa. Existe uma outra pedra tumular ilegível e que não foi inventariada, na passagem da capela-mor para a antiga sacristia Outras obras de interesse Na velha Sacristia que escapou ao incêndio destaque-se os azulejos policromados do século XVIII e o Lavabo do século XVII de grande beleza em mármore de várias cores e qualidades com alçado encimado pela cruz acompanhado aos lados e em cima de volutas. Quanto ao móvel grande de madeira do Brasil, com quatro gavetões ao centro e um armário de cada lado, veio da Capela da Cidadela em Cascais juntamente com outro espólio, ao abrigo de um contracto celebrado em Dezembro de 1927, entre o Palácio Nacional da Cidadela de Cascais e a Irmandade de Santo António do Estoril; em cima deste móvel existe uma Maquineta com Calvário de talha dourada de grande decoração, do século XVIII e no seu interior um curioso conjunto de figuras representando o Calvário com três cruzes e uma série de soldados e outros figurantes, tudo policromado. Existe ainda uma pintura em retábulo do século XVII representando o Calvário, com S. Francisco ao pé da Cruz.

O Púlpito colocado na parede lateral da nave central da igreja é igualmente uma bonita peça a destacar; trata-se de um Púlpito em talha dourada do século XVIII, com decoração recortada assente em base de mármore. O restauro em 2001: recuperação de uma pintura que carecia de intervenção urgente A pintura do tecto da Igreja de Santo António teve, entre Fevereiro e Abril de 2001, uma intervenção de restauro, pois apresentava problemas que comprometiam o seu estado de conservação; além de ter vindo a perder a qualidade com o desgaste notório do passar do tempo, devido à acção do fumo resultante do uso abusivo de velas que, hoje em dia, não é permitido pelo risco que representa, a pintura apresentava manchas de humidade e salitre que impunham uma intervenção urgente. Foi primeiro feita uma renovação do telhado no sentido de resolver os problemas de infiltrações para, de seguida, se proceder ao restauro. A equipa a quem foi entregue o restauro executou um trabalho técnico de grande qualidade, faltando contudo, o fundamental suporte na área da história de arte. O conhecimento prévio da obra de Carlos Bonvalot, nomeadamente dos estudos que realizou antes de pintar o tecto da Igreja de Santo António, teriam sido de grande importância para uma melhor interpretação da sua pintura. Assim, por exemplo, Santo António aparece erradamente retratado com o traje de franciscano (em castanho com a corda na cintura) no quadro 1 do lado esquerdo, quando no momento que aqui se recria, ainda estava no Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra como monge agostinho cujo traje era branco. Este quadro era um dos que apresentava mais patologias antes do restauro, com grandes manchas de humidade e salitre que naturalmente alteraram as suas tonalidades, pelo que exigia desde logo um conhecimento prévio, quer da vida de Santo António, quer dos estudos do próprio pintor, para evitar incorrecções. A pintura, no seu conjunto tinha perdido a qualidade que a fixa ao suporte, uma vez que o pigmento estava solto e facilmente desaparecia com um simples assopro, como de giz numa ardósia se tratasse. Utilizando a técnica em têmpera tal como a que foi usada originalmente, e com boa qualidade no traço, procurou-se dar mais realce à pintura fazendo uso de um produto fixador que permitisse uma maior durabilidade; em algumas zonas parece ter havido um carregamento excessivo no uso da cor que alterou, em parte,

a originalidade da intervenção de Carlos Bonvalot, sobretudo na fase após a conclusão do restauro. Com o tempo, como se tem verificado, esse aspecto tem vindo a tornar-se mais ténue.

Notas 1

A designação de Arquitectura Chã foi criada por George Kubler identificando-a como uma linha tipicamente portuguesa na arquitectura da corrente maneirista. Ver em A Arquitectura Portuguesa Chã, Entre as Especiarias e os Diamantes 1521-1706 de George Kubler, Editora Vega, 1988 2

A Chronica Seráfica da Santa Província dos Algarves é um documento que descreve, em 1758 a fundação e história de conventos franciscanos. Trata-se de uma fonte histórica importante na qual se encontram informações acerca do Convento de Santo António do Estoril. 3

Fausto de Figueiredo foi o grande impulsionador do Estoril como estância balnear de luxo, nesta fase ainda em projecto, delineado pelo arquitecto francês Martinet. 4

In Minuta de Contracto, Arquivo da Igreja de Santo António do Estoril, Pasta 1 CONTAS, Orçamentos, Documentos Vários, Contas e Contractos para a Reconstrução da Igreja 5

O Catálogo da Exposição Retrospectiva Carlos Bonvalot 1893-1934 e o livro O Estoril e a Paróquia de Santo António de João Aníbal Henriques referem-se à pintura do tecto da igreja como se tratasse de um fresco. 6

Ver Catálogo da Exposição Retrospectiva Carlos Bonvalot 1893-1934, Câmara Municipal de Cascais, 1995

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