A igualdade jurídica no direito e na prática: desafios e conquistas LGBT+ na política brasileira

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A igualdade jurídica no direito e na prática: desafios e conquistas LGBT+ na política brasileira

Tatiana de Souza Sampaio1

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Declaração e o Programa de Ação de Viena de 1993 e a Constituição Brasileira de 1988 garantem que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e que esses direitos são universais, inalienáveis, indivisíveis, interrelacionados e interdependentes, assegurando a tod@s a não discriminação por raça, gênero, credo, ou distinção por qualquer natureza. No entanto, não há nenhuma forma explícita que garanta os direitos LGBT+. O objetivo desse trabalho é entender quais os ganhos jurídicos para a população LGBT+ no Brasil e os principais desafios para sua total plenitude.

O princípio da igualdade

O conceito de igualdade é tão remoto, que acompanha o ser humano desde sua origem. Apesar de ser notável que a igualdade de fato não pode ser aplicada, pois há sempre uma particularidade entre as pessoas, a busca por respostas que indicariam o que há de comum na essência dos homens data desde os escritos dos filósofos pré-socráticos. A primeira tentativa de resposta surgiu com a ideia de que a unidade fundamental da matéria seria a água (Tales de Mileto), surgindo, a partir de então os quatro elementos naturais: ar (Anaximandro de Mileto), a terra (Anaximandro de Mileto) e o fogo (Heráclito de Éfeso) e o conceito de essência. Aristóteles desenvolveu o tema de igualdade, ligando-o diretamente à ideia de justiça, os dividindo em justiça distributiva e justiça corretiva: A justiça distributiva baseia-se em uma relação de subordinação entre os indivíduos e o 1

Doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Professora de Relações Internacionais da Universidade Veiga de Almeida.

Estado, onde há uma igualdade proporcional, onde a distribuição é feita de acordo com os méritos de cada indivíduo. A justiça corretiva, por sua vez, é aquela que coloca os indivíduos em um mesmo patamar, buscando igualar os desiguais. No entanto, existe uma hierarquia entre os seres, que legitima uma hierarquia social e política, onde os escravos seriam seres inferiores. Com o Cristianismo, o conceito de igualdade é ampliado, onde a virtude está expressa em quem usa seus talentos, seus dons naturais. Não existe uma hierarquia entre os homens como dizia Aristóteles, mas uma igualdade onde todos são filhos de Deus. Com Lutero, em 1517, à frente de uma Reforma Protestante, iniciaramse as críticas sobre o poder supremo do Papa e da Igreja Católica. Para o teólogo, não haveria diferença entre os homens perante Deus, mas essas diferenças se expressavam sim nas leis humanas. Há a reafirmação da igualdade perante Deus, com a crítica às leis criadas pelos homens. Na Idade Média, a política foi marcada pelo feudalismo, com seus laços de suserania e vassalagem, com a divisão social da nobreza, do clero e servos, sem mobilidade social. No século XVIII, surge o Iluminismo, movimento que busca utilizar a razão como maneira de reformar a sociedade e o conhecimento, promovendo as trocas intelectuais e indo contra a intolerância da Igreja e do Estado. Essas ideias influenciaram a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a Carta dos Direitos dos Estados Unidos e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão. Nesse ínterim ocorreu a Revolução Francesa, que teve impacto em todo o continente europeu, baseada dos princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Em 26 de agosto de 1789, foi assinada na França a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no período de Assembleia Nacional Constituinte (1789-91). A declaração fixa os direitos naturais de cada homem e suas limitações em prol da sociedade, quais sejam: a liberdade de opinião, o direito à propriedade e a igualdade jurídica dos homens. É a declaração de princípios que orientou a redação da Constituição e a disseminação da primeira geração de direitos humanos (direitos civis e políticos). Entretanto, ela não

representa a totalidade dos cidadãos, como vista em seguida na crítica de Eric Hobsbawm: “(...) Mais especificamente, as exigências do burguês foram delineadas na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Este documento é um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres, mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária. “Os homens nascem e vivem livres e iguais perante as leis”, dizia seu primeiro artigo; mas ela também prevê a existência de distinções sociais, ainda que “somente no terreno da utilidade comum”.2

Frente a esses fatos, surgiram idealismos que buscavam construir uma sociedade mais justa e igualitária, com destaque para os pensamentos de Karl Marx e Friedrich Engels, teóricos do socialismo científico. Eles propunham o rompimento com o capitalismo, buscando igualdade entre todos e direitos sociais. Tais pensamentos foram a base para a eclosão da Revolução Russa em 1917, que implantou o socialismo. Após os horrores já sofridos com a Primeira Guerra Mundial, conjuntamente a Segunda Guerra Mundial foi o grande marco para que fossem construídos direitos humanos universais, especialmente devido ao abusivo tratamento dados aos seres humanos no Regime do Terceiro Reich, que objetivava desumanizar grupos como os judeus, homossexuais, ciganos, pessoas com deficiências e demais minorias. A presença de campos de concentração, atos de limpeza étnica e de crimes contra a humanidade marcaram para sempre a história como atos degradantes que deveriam ser contidos. O Tribunal de Nuremberg julgou os crimes do nazismo entre 1945 e 1946, considerando-os crimes contra a humanidade. Em 1945, é realizada a Conferência de São Francisco que culmina na entrada em vigor, no mesmo ano, da Organização das Nações Unidas. No preâmbulo de sua carta constitutiva, nota-se a preocupação com as graves violações de direitos humanos:

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS 2

Eric Hobsbawm. A era das Revoluções. Pg. 77.

a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla (...)

Em 1948, para delimitar e afirmar esses direitos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos entra em vigor; aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas. A declaração foi redigida por membros de diferentes culturas e proveniências e foi fundamentada nos ideais iluministas. Já no seu preâmbulo, nota-se que a intenção da elaboração do documento é levar todos os seres humanos a terem seus direitos fundamentais garantidos: direito à vida, à liberdade, ao reconhecimento perante a lei, a uma nacionalidade, à propriedade, entre outros.

Artigo 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 2° Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.

Os princípios nela estabelecidos devem ser transportados para as constituições de todos os países democráticos. No caso brasileiro, estes princípios estão contidos no artigo 5o da Constituição Federal de 1988. A partir de então, vários outros tratados internacionais priorizaram questões de direitos humanos, como a Convenção contra a Tortura, Convenção contra o Genocídio, Convenção dos direitos das crianças, Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre diversos outros. Em 1968, a Proclamação de Teerã afirmou a universalidade e interdependência dos direitos humanos, isto é, que estes são

aplicados a todos os povos e indivíduos e que não podem ser separados, mas devem ser pensados como parte de um mesmo corpo. A Convenção de Viena, em 1993, se preocupou em criar mecanismos concretos de intervenção para regular determinadas situações; é nela que os esforços em relação a praxes dos direitos humanos são colocados em evidência. A Organização das Nações Unidas (ONU) cria o posto de alto comissário para direitos humanos neste ano. Ademais, a Declaração da Conferência buscou acabar com o debate entre universalismo e relativismo cultural, afirmando em seu artigo 5º: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais devem ser levadas em consideração, assim como os diversos contextos históricos, culturais e religiosos, mas é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais“. (Declaração de Viena, 1993, art. 5º)

Entre os avanços da Declaração, constam: a universalidade dos direitos humanos; a legitimidade da proteção internacional aos direitos humanos; o reconhecimento consensual ao direito ao desenvolvimento; o direito à autodeterminação; o apoio ao fortalecimento da democracia sem, no entanto, condicionamentos à assistência econômica; a indivisibilidade dos direitos; a aproximação com o direito humanitário, sem, entretanto, reconhecer a ingerência humanitária; direito de grupos menos favorecidos, como da mulher, índios, crianças, estrangeiros e pessoas de diferentes raças; e a criação do cargo de Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos. A partir da Convenção de Viena, seguiram também a Conferência sobre Povoamento e Desenvolvimento, no Cairo (1994), a Conferência sobre Desenvolvimento social, em Copenhague (1995), e ainda a Conferência sobre os Direitos da Mulher, em Beijing (1995), entre outros.

A

garantia

de

igualdade

para

a

população

LGBT

nas

normas

internacionais

Na 59ª sessão da Comissão de Direitos Humanos da ONU (2003), a delegação Brasileira propôs uma Resolução sobre Direitos Humanos e Orientação Sexual, que ficou conhecida como Brazilian Resolution. Desde a Conferência sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Relacionadas (2001), o Brasil objetivava incluir o termo orientação sexual e direitos humanos no contexto das Nações Unidas e na Declaração Universal de Direitos Humanos. Por exemplo, em 2000, 2002 e 2003, a CDH debateu a inclusão do termo sexualidade na resolução sobre execuções extrajudiciais, arbitrárias e sumárias. O debate sobre a condenação à morte devido à orientação sexual reemergiu quando a reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas abordou essa resolução. A Brazilian Resolution reconhece a existência de discriminação baseada em orientação sexual ao redor do mundo, que isso vai contra o que está estabelecido em todos os grandes instrumentos de proteção aos direitos humanos e pede que todos os governos promovam e protejam os direitos humanos de todas as pessoas, independente da sua orientação sexual. Sua aprovação garantiria apoio à mudança de legislação contrária a Declaração Universal dos Direitos Humanos, poderia invocar maior atuação dos Estados em caso de assassinato, torturas e prisões arbitrárias, reforçaria o pedido de asilo baseado na perseguição por orientação sexual e ajudar ativistas a lutar pelo apoio dos direitos humanos da população LGBT. O Brasil teve o apoio da União Europeia, Canadá e Austrália. Costa Rica e México foram a favor, mas deram um passo atrás quando o Vaticano começou

a

pressioná-los.

Países

da

Conferência

Islâmica

(PCI),

particularmente Paquistão, Malásia, Arábia Saudita e Bahrain, tal como Zimbábue, atacaram fortemente a Resolução e inclusive afirmaram que esse não era um tópico válido a ser discutido na ONU. Os governos trabalharam por trás e à frente das cenas para garantir que não apenas a Resolução fosse

rejeitada, mas que nem fosse pauta de discussão. O Paquistão, à frente da PCI enviou um aide memoire, pedindo que os PCI votassem contra a resolução. Foi um texto com caráter de ódio e que buscava táticas para postergar o debate, como colocar um número excessivo de emendas. A Resolução foi mantida na agenda da Comissão, mas postergada para o ano seguinte. Apenas em junho de 2011, a ONU declarou pela primeira vez na história que os Direitos LGBT são direitos humanos, na Resolução da CDH de número L93, na Assembleia Geral: The Human Rights Council, Recalling the universality, interdependence, indivisibility and interrelatedness of human rights (…) Recallling also that the Universal Declaration of Human Rights affirms that all human beings are born free and equal in dignity and rights and that everyone is entitled to all the rights and freedoms set forth in that Declaration, without distinction of any kind, such as race, color, sex, language, religion, political or other opinion, national or social origin, property, birth, or other status; (…) Expressing grave concern at acts of violence and discrimination, in all regions of the world, committed against individuals because of their sexual orientation and gender identity

Segundo Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos de 17 de novembro de 20114, que debate as leis e práticas discriminatórias e atos de violência contra indivíduos baseados na orientação sexual, The application of international human rights law is guided by the principles of universality and non-discrimination enshrined in article 1 of the Universal Declaration of Human Rights, which states that “all human beings are born free and equal in dignity and rights”. All people, including lesbian, gay, bisexual and transgender (LGBT) persons, are entitled to enjoy the protections provided for by international human rights law, including in respect of rights to life, security of person and privacy, the right to be free from torture, arbitrary arrest and detention, the right to be free from discrimination and the right to freedom of expression, association and peaceful assembly. The Vienna Declaration and Programme of Action confirms that, “while the significance of 3

Disponível em http://pt.scribd.com/doc/58106434/UN-Resolution-on-Sexual-Orientation-and-GenderIdentity, acesso em 22/09/2015. 4 Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos A/HCR/19/41. Disponível em http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Discrimination/A.HRC.19.41_English.pdf, acesso em 24/09/2015.

national and regional particularities and various historical, cultural and religious backgrounds must be borne in mind, it is the duty of States, regardless of their political, economic and cultural systems, to promote and protect all human rights and fundamental freedoms.” (II A 5)

O Relatório também prescreve a obrigação dos Estados sob as leis internacionais de direitos humanos, por crimes motivados por orientação sexual ou identidade de gênero, ou para garantir os direitos humanos também para pessoas LGBTs, Os Estados devem: a) proteger o direito à vida, liberdade e segurança, b) prevenir a tortura e outras formas de tratamento cruel, não humano ou degradante, c) proteger o direito à privacidade e contra detenção arbitrária, d) proteger indivíduos da discriminação e e) proteger o direito à liberdade

de

expressão,

associação

e

assembleia

de

maneira

não

discriminatória. Os Estados devem lutar contra assassinatos, estupros, e outros atos de violência discriminatória, tortura e outras formas de tratamento cruel ou degradante, conceder o direito de asilo para aqueles perseguidos devido à orientação sexual ou identidade de gênero. O Relatório orienta que as leis discriminatórias devem ser extintas, tais como leis que criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo entre adultos que o consentem, e outras leis para penalizar indivíduos por orientação sexual ou identidade de gênero, a pena de morte, prisão ou detenção arbitrária, práticas discriminatórias (tais como discriminação no emprego, na educação, assistência de saúde), e restrições na liberdade de expressão, associação e assembleia, negação de reconhecimento das relações e acesso relacionado ao Estado e outros benefícios, reconhecimento de gênero e outras questões relacionadas. Na ONU, foi adotada, em setembro de 2014 no Conselho de Direitos Humanos, uma segunda Resolução sobre combate à violência e discriminação baseadas na orientação sexual e identidade de gênero (L.27/Rev. 1)5 - trazida

5

Disponível em http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/177/32/PDF/G1417732.pdf?OpenElement, acesso em 24/09/2015.

pelo Brasil, Colômbia, Chile e Uruguai e 42 outros países co-patrocinadores – que reforçam os princípios da Declaração Universal de Direitos Humanos.

Desafios e conquistas LGBT+ na política brasileira

Embora o Brasil esteja à frente de resoluções levadas aos auspicies da ONU, ainda há muito a ser validado. Estão em pauta a regulamentação legislativa do casamento entre pessoas do mesmo sexo, projetos contra a discriminação e homofobia, e garantia de direitos previdenciários, por exemplo. O artigo 226 da Constituição Federal Brasileira, que regula o casamento civil, apesar de não estender literalmente essa constituição para a população LGBT, também não a proíbe: “§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher."

Desde 2013, o casamento homoafetivo foi instituído no Brasil. Tal opção tornou-se possível a partir da resolução do Conselho Nacional de Justiça que determinava que todos os cartórios do país realizassem casamentos entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, alguns juízes - diante da ausência de lei federal autorizando o casamento, e pela presença das palavras “homem e mulher” para designar a constituição de entidade familiar no Código Civil 6 - se recusaram a celebrá-lo, forçando o casal a entrar com este pedido na justiça. Tal discussão jurídica levou o Supremo Tribunal Federal a se pronunciar sobre 6

Por exemplo, o art. 1.514 do Código Civil determina que “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”.

as ações ajuizadas na Corte pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Os ministros do STF, então, ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo, afirmando que “a união estável entre pessoas do mesmo sexo pode ser convertida em casamento civil se assim requererem as partes”. No entanto, há desigualdades entre os cartórios que aceitam o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo: são, por exemplo, mais aceitos nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo e em menor quantidade nos estados da Bahia e Pernambuco. Para tentar garantir esses direitos de maneira igualitária, o Poder Legislativo foi acionado. O primeiro Projeto de Lei (PL1151/1995) foi proposto pela então deputada federal Marta Suplicy (PT/SP), para disciplinar a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e dar outras providências. O projeto entrou em pauta mais de dez vezes e nunca foi votado, sendo retirado de pauta no dia 31/05/2001. Em 2013, o deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ) e a deputada Eika Kokay (PT/DF) encaminharam o Projeto de Lei 5120/2013, que prevê a alteração do Código Civil para reconhecer o casamento e a união estável entre pessoas do mesmo sexo, onde “altera os arts. 551, 1.514, 1.517, 1.535, 1.541, 1.565, 1.567, 1.598, 1.642, 1.723 e 1.727 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, para reconhecer o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo”. O projeto encontra-se em tramitação no Congresso, após pedido de arquivamento e posterior desarquivamento, e está sujeito a apreciação conclusiva pelas Comissões (Comissão de Seguridade Social e Família e Comissão de Direitos Humanos e Minorias). Não há impedimentos legais à adoção por casais homossexuais. Segundo o Artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. § 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente

ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009). Em relação à reprodução assistida, a Corregedoria Nacional de Justiça publicou o Provimento n. 52, de 14 de março de 2016, que regulamenta a emissão de certidão de nascimento dos filhos cujos pais optaram por essa modalidade de reprodução. Se os pais, heteroafetivos ou homoafetivos, forem casados ou conviverem em união estável, apenas um deles poderá comparecer ao cartório para fazer o registro. Na certidão dos filhos de homoafetivos, o documento deverá ser adequado para que seus nomes constem sem distinção quanto à ascendência paterna ou materna. Os cartórios estão proibidos de se recusar a registrar as crianças geradas por reprodução assistida, sejam filhos de hétero ou homossexuais. Em relação aos direitos previdenciários dos trabalhadores do setor privado,

em 2000,

o Ministério

Público

Federal ajuizou

uma ação

civil

pública junto à 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre requerendo que o INSS reconhecesse o direito previdenciário do companheiro homossexual. A juíza titular da Vara Federal deferiu imediatamente o pedido, expedindo uma liminar obrigando o INSS a conceder tais benefícios. A abrangência da decisão é nacional, beneficiando casais homossexuais em qualquer parte do Brasil. Para cumprir a ordem judicial, o INSS regulamentou por meio de instrução normativa a maneira como o companheiro homossexual deve comprovar essa união. Atualmente essa regulamentação encontra-se nos artigos 30; 52, §4º; 271 e 292 da Instrução Normativa do INSS nº 20, de 10 de outubro de 2007, que, sempre se referindo à ação judicial que originou a obrigação, prevê o benefício de pensão por morte e auxílio-reclusão, referente a óbitos ou prisões ocorridas a partir de 5 de abril de 1991, exigindo-se apenas a comprovação de vida em comum. Por sua vez, o reconhecimento dos direitos previdenciários dos companheiros homossexuais de servidores públicos federais depende de decisão judicial específica, não havendo lei ou ordem judicial genérica que garanta seu reconhecimento a todos, independentemente de ação judicial. A jurisprudência, contudo, tem reconhecido tais direitos. Há leis ou normas que os garantem nos estados de São Paulo e Paraná e nos municípios de

Recife, Rio

de

Janeiro, Pelotas, João

Pessoa, Belo

Horizonte, Porto

Alegre e Fortaleza. Para conseguir reconhecimento jurídico e custeio de operações de redesignação sexual, o Ministério da Saúde oferece atenção às pessoas nesse processo por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a publicação da Portaria Nº 457, de agosto de 2008. Desde novembro de 2013, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria n° 2.803, ampliou o processo transexualizador no SUS, aumentando o número de procedimentos ambulatoriais e hospitalares e incluindo

procedimentos

para

redesignação

sexual

de

mulher

para

homem. Para obter atendimento os pacientes devem atender requisitos como: maioridade, acompanhamento psicoterápico por pelo menos dois anos, laudo psicológico/psiquiátrico favorável e diagnóstico de transexualidade. Os casais homoafetivos em união estável podem incluir o (a) companheiro (a) como dependente na declaração do IR. Essa possibilidade existe desde 2011. A permissão para a inclusão foi dada pelo parecer nº 1.503, aprovado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em julho de 2010. Está tramitando a PL 3712/2008, que altera o inciso II do art. 35 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, incluindo na situação jurídica de dependente, para fins tributários, o companheiro homossexual do contribuinte e a companheira homossexual da contribuinte do Imposto de Renda de Pessoa Física e dá outras providências (Proposição Sujeita à Apreciação Conclusiva pelas Comissões). Há uma série de projetos de leis e emendas que buscam combater a discriminação e preconceito à população LGBT+. O Projeto de Lei 5.003, de 2001, determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. (Projeto do Senado que tramita sob o nº PLC 122/2006). Atualmente está aguardando apreciação pelo Senado Federal. Há a PEC 110, de 08/11/2011, que proíbe a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Está aguardando designação do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Há ainda o PL 7582/2014, que define os

crimes de ódio e intolerância e cria mecanismos para coibi-los, nos termos do inciso III do art. 1 o e caput do art. 5o da Constituição Federal, e dá outras providências. (Maria do Rosário PT/RS). No momento, aguarda parecer do Relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. O Projeto de Lei 457/2011 busca aumentar a pena dos crimes contra a honra, previstos nos arts. nº 138, 139 e 140, caput e § 2º; altera a redação do § 3º do art. 140, para incluir a orientação sexual e identidade de gênero como elementos para injúria qualificada e acrescenta a possibilidade de aumento de pena para dois terços no art. 141, todos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. O Projeto está aguardando parecer do Relator na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. A PEC 111/2015, propõe a alteração do art. 3º da Constituição Federal, para incluir entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos relativos a identidade de gênero ou orientação sexual, recebeu parecer favorável do relator, Senador Randolfe Rodrigues, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça (aguardando Parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania). Em relação a garantias sobre o corpo e saúde da população LGBT, podemos citar o Projeto de Lei 2.383/2003, que visa alterar a Lei 9.656 de 03 de junho de 1998, dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelecendo que as operadoras de planos de saúde não poderão criar restrições à inscrição de pessoas como dependentes de outras em função de pertencerem ao mesmo sexo. Esse PL está aguardando deliberação do Recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Pronto para pauta no plenário, segue também o Projeto de Lei 287/2003, que dispõe sobre o crime de rejeição de doadores de sangue resultante de preconceito por orientação sexual. Busca-se, também, a aprovação de leis que regulem o uso do nome social, tais como a) o Projeto de Lei 1.281/2011, que dispõe sobre a mudança

de prenome da pessoa transexual que realizar cirurgia para troca de sexo (sujeito à apreciação do Plenário), b) o Projeto de Lei 2.976/2008, que quer acrescentar o artigo 58-A à Lei dos Registros Públicos, criando a possibilidade das pessoas que possuem orientação de gênero travesti, masculino ou feminino, utilizarem ao lado do nome e prenome oficial, um nome social (sujeito à apreciação do Plenário), e c) o PL 6655/2006, que quer alterar o art. 58 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que "dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências", possibilitando a substituição do prenome de pessoa transexual (aguardando apreciação pelo Senado Federal). Existem duas propostas para combater a discriminação ou desigualdade no ambiente de trabalho. A Proposta de Emenda à Constituição nº 66, de 2003, visa proibir a diferença de salários e de exercício de função e de critério de admissão por motivo de discriminação por orientação e expressão sexual, etnia, crença religiosa, convicção política, condição física, psíquica ou mental. Essa proposta está, atualmente, aguardando criação de Comissão Temporária pela Mesa. O PL 5452/2001 busca alterar a Lei nº 5.473, de 10 de julho de 1968, que "regula o provimento de cargos sujeitos a seleção", proibindo a discriminação ou preconceito decorrentes de raça, cor, etnia, religião, sexo ou orientação sexual, para o provimento de cargos sujeitos a seleção para os quadros do funcionalismo público e das empresas privadas. Essa proposição está sujeita à apreciação do Plenário. Busca-se, ainda no âmbito trabalhista, substituir

a

licença-maternidade

e

a

licença-paternidade

pela licença-

natalidade de 180 dias, a ser concedida a qualquer dos pais. A PEC 111, de 08/11/2011, que visa garantir esses direitos está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Nacional.

Considerações Finais

Segundo Relatório do Grupo Gay da Bahia lançado em 2016, percebese que a população LGBT permanece extremamente insegura e discriminada. Dados revelam que 318 LGBT foram assassinados no Brasil em 2015: um crime de ódio a cada 27 horas: 52% gays, 37% travestis, 16% lésbicas, 10% bissexuais. Nota-se que a homofobia mata inclusive pessoas não LGBT: 7% de heterossexuais confundidos com gays e 1% de amantes de travestis. Relativamente à causa mortis, predominam as execuções com armas brancas 37%, seguidas de armas de fogo 32%, incluindo espancamento, pauladas, apedrejamento, envenenamento. No geral, travestis são executadas nas vias públicas (56%), vítimas de armas de fogo, enquanto gays e lésbicas são assassinadas dentro da residência (36%), com facas e objetos domésticos, ou em estabelecimentos públicos (8%). Há típicos crimes de ódio, muitos com tortura prévia, uso de múltiplos instrumentos, e excessivo número de golpes. No entanto, constata-se forte impunidade em relação a esses crimes, em que somente 1/4 desses homicídios o criminoso foi identificado (94 de 318), e menos de 10% das ocorrências redundou em abertura de processo e punição dos assassinos. Confirmando

esses

dados,

o

Terceiro

Relatório

de

Violência

Homofóbica, lançado pela Secretaria de Direitos Humanos em 2016, indica que a cada 1 hora um homossexual sofre algum tipo de violência no país; que ao menos cinco casos de violência homofóbica são registrados todos os dias no Brasil; e que pelo Disque Direitos Humanos (Disque 100) foram registradas nos últimos anos 1.695 denúncias de 3.398 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 1.906 vítimas e 2.461 suspeitos. Ainda, deve-se levar em consideração que esses dados tratam apenas dos casos denunciados. Para diminuir os índices de criminalidade e discriminação e garantir igualdade e respeito à população LGBT, é necessário trabalhar sobre os pilares básicos da segurança jurídica e educação. Juridicamente, percebe-se (conforme descrito anteriormente) alguns ganhos na garantia de direitos LGBT. No entanto, as regulamentações desses direitos são oriundas de provimentos,

liminares, instruções normativas, portarias – todas consideradas leis menores no arcabouço jurídico brasileiro. Uma série de projetos de lei e emendas que buscavam a proteção dos direitos LGBT foram arquivados. Atualmente, outros tramitam há anos no Congresso e no Senado, à espera de parecer. O crescimento do conservadorismo no Congresso e no Senado (principalmente com o aumento das bancadas religiosas) tem dificultado a aprovação de tais propostas. Propostas tradicionalistas e heteronormativas, por sua vez, ganharam espaço, tal como PL 6583/13, conhecido como Estatuto da família, que busca reconhecer família como “a entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, que já foi aprovada na Câmara e segue para o Senado. A aprovação desse Estatuto levaria a um retrocesso nos ganhos jurídicos da população LGBT, visto que derrubaria os ganhos realizados baseados em leis (menores) que não possuem o mesmo peso normativo. Em relação à educação para os direitos humanos - a base para a inserção, respeito, e combate à discriminação – buscou-se elaborar uma lei que combatesse a homofobia. O Programa Escola sem Homofobia, criado pelo Ministério da Educação, destinado ao combate à homofobia nas escolas públicas, foi vetado em 2011. Os argumentos a favor do veto giraram em torno da valorização da família (tradicional heteronormativa) e de que esse material induziria o comportamento sexual ou identidade de gênero d@s alun@s. Há, ainda, aqueles que acreditam que já existem leis contra a discriminação e a favor da igualdade, não sendo necessário elaborar leis especiais para essa minoria. No entanto, nacional e internacionalmente, percebe-se a necessidade e existência de leis que reforcem esses conceitos, dados os índices de violência e discriminação. É o caso, por exemplo, de leis a favor das mulheres ou contra o racismo.

Conclui-se que uma sociedade realmente igualitária e baseada em princípios de respeito e fraternidade só poderá ser alcançada com a regulamentação dos direitos e com o apoio da educação.

Bibliografia CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. CONSELHO Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra LGBT e de promoção da cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. GORISH, Patricia. O Reconhecimento dos Direitos Humanos LGBT: de Stonewall à ONU. Curitiba: Appris, 2004. ILGA. State-Sponsered Homophobia: a world survey of laws – criminalization, protection and recognition of same-sex love, 2015. Disponível em http://old.ilga.org/Statehomophobia/ILGA_SSHR_2014_Eng.pdf. Acesso em 24 de outubro de 2015. OLIVEIRA, Rosa Maria Rodrigues. Direitos Sexuais de LGBT no Brasil: jurisprudência, propostas legislativas e normatização federal. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário, 2013. United Nations Human Rights Office of the High Comissioner. Nascidos Livres e Iguais: orientação sexual e identidade de gênero no regime internacional de Direitos Humanos. Brasília: UNHROHC, 2013. VITAL, Christina e LOPES, Paulo Victor. Religião e Política. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll / ISER, 2013.

Sites oficiais: Senado Federal: www12.senado.leg.br Congresso Federal: https://www.congressonacional.leg.br/

ONG Grupo Gay da Bahia: www.ggb.org.br

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