A ilha do Corvo: território remoto com capacidade atrativa?

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X CONGRESSO DA GEOGRAFIA PORTUGUESA Os Valores da Geografia Lisboa, 9 a 12 de setembro de 2015

A ilha do Corvo: território remoto com capacidade atrativa? P. Espínola(a), F. Cravidão(b) (a) (b)

Bolseiro de Doutoramento da FCT/CEGOT, Universidade de Coimbra, [email protected] CEGOT/Departamento de Geografia, Universidade de Coimbra, [email protected]

Resumo As pequenas ilhas estão frequentemente associadas a múltiplos problemas inerentes à sua (reduzida) dimensão, tornando-as pouco atrativas para a fixação humana. Esta comunicação apresenta como objeto de estudo a ilha do Corvo, a unidade insular habitada mais pequena de Portugal e de toda a Macaronésia. O seu povoamento iniciou-se com mão-de-obra escrava, após duas tentativas falhadas que procurou instalar na ilha famílias portuguesas. Historicamente repulsiva, a partir de 1991 apresenta-se como a ilha açoriana com a maior taxa de crescimento populacional (intercensitário), revelando assim a vitalidade demográfica que lhe faltou noutros tempos. Com efeito, o presente texto procura refletir sobre as principais razões que estão subjacentes a este novo tipo de conjuntura demográfica evidenciado pela pequena ilha do Corvo. Palavras chave: Ilha do Corvo, Insularidade, População.

1. A ilha do Corvo e a questão (relativa) da insularidade Os Açores constituem a exceção no enorme “deserto marítimo” que atravessa a zona central do Atlântico Norte, no que aos territórios emersos diz respeito, e por isso, em termos médios, está consideravelmente distante quer do continente europeu (a 1 643 km de Lisboa) como do americano (a 2 889 km de Nova Iorque). As suas nove unidades insulares apresentam-se entre si com uma dispersão máxima de cerca de 600 quilómetros, correspondendo à distância de Santa Maria ao Corvo. É precisamente no extremo noroeste do arquipélago que está situada a ilha em análise, que se destaca por ser a mais pequena, tanto em termos de superfície (17 km²) como a nível demográfico (430 habitantes residentes, em 2011). Com apenas uma povoação, a ilha possui um único concelho, Vila Nova do Corvo, que apresenta a originalidade nacional de não ser formalmente constituído por qualquer freguesia. O Corvo é a única ilha açoriana sem ligações aéreas diárias e, em conjunto com a vizinha ilha das Flores, apresenta normalmente ligações marítimas (carga e passageiros) mais irregulares comparativamente com as restantes ilhas do arquipélago, em virtude de estarem mais expostas a condições atmosféricas adversas e à agitação marítima. Por todas as circunstâncias enunciadas, principalmente a sua pequenez, o seu afastamento e o fraco grau de conectividade com outros territórios, o Corvo é frequentemente apontado como o espaço português habitado mais remoto e por vezes um dos mais isolados da Europa e do mundo. Não obstante, tais constrangimentos não impedem os sucessivos ganhos populacionais. Christian Pleijel (2014) escreve “I like small islands” (p. 99), para este especialista insular, oriundo de uma ilha de 67 360

km² (Kokar, ilhas Aland) que conta apenas com 250 habitantes residentes, “small is beautiful” (p.98). Mas será a sua opinião partilhada pela generalidade dos seus nacionais? Nomeadamente para quem não não nasceu numa ilha? Com efeito, entendemos que a insularidade deve ser relativizada, em conformidade com a interpretação de Joan Marshall (1999), que para além de um conceito geográfico, refere-se também a um estado de espirito. Nesta perspectiva a insularidade situa-se no campo da psicogeografia e como tal o sentimento sobre o espaço e a sua distância a outros lugares sofre alterações consoante o indivíduo, sendo possível encontrar pessoas atraídas por áreas remotas, bem como outras cuja sensação estará próxima de uma situação (algo exagerada) de “claustrofobia”. Colocar o Corvo como uma das ilhas mais remotas do mundo parece-nos um exagero e há vários factos que o comprovam. Dizer que se trata da ilha açoriana mais remota em termos absolutos poderá revelar-se um tanto subjetivo, o argumento é simples: apenas as ilhas do Faial e do Pico se encontram a uma distância menor que as ilhas do grupo ocidental. Há exemplos de territórios insulares, como por exemplo Tristão da Cunha (Atlântico Sul) e Pitcairn (Pacífico), que para além de possuirem menos habitantes, localizam-se a distâncias muito mais consideráveis de outras zonas habitadas, sendo inclusive esta condição agravada pela ausência de aeroporto, o que torna as ligações com o exterior muito difíceis. Outro exemplo tem a ver com a ilha de Ano-Bom, na Guiné Equatorial. Partilhando a mesma área do Corvo, mas com muito mais habitantes (cerca de 5000), encontra-se mais próxima de um país estrangeiro (São Tomé e Príncipe – 180 kms) que do seu próprio país, com o qual não possui ligações maritimas nem aéreas regulares. Circunstância que certamente será responsável pela conservação do Fá d´Ambô, dialeto derivado do português arcaico. Acresce o facto de a ilha do Corvo mesmo com uma dimensão tão reduzida, apresentar uma área superior a dois micro-países europeus, o Mónaco (2 km²) e o Vaticano (0,4 km²). Além disso, Judith Schalansky não integra a ilha do Corvo na sua célebre obra “Atlas of Remote Islands: Fifty Islands I have Not Visited and Never Will”. Por conseguinte, três hipóteses podem ser consideradas: o Corvo não é tão remoto; esta ilha já foi visitada; ou então quer conhecer pessoalmente! Deste modo, falarmos de insularidade na sua vertente mais geográfica poderá não ser a melhor opção, uma vez que se trata de um conceito muito mais abrangente. No entanto, com os exemplos apresentados não pretendemos refutar ou encobrir as reais limitações naturais e humanas inerentes a um território com as características do Corvo, embora a sua evolução demográfica recente parece querer contrariar.

2. A evolução da população da Ilha do Corvo A ilha do Corvo ao longo do último século e meio (1864 – 2011) apresentou diferentes ritmos de evolução demográfica, sendo possível identificar quatro fases principais (Figura 1).

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Figura 1 – Evolução populacional na ilha do Corvo no período 1864 – 2011. (Fonte: elaborado a partir do INE – Recenseamentos Gerais da População de 1864 a 2011)

Aquela que é a mais pequena unidade insular açoriana nunca ultrapassou o milhar de habitantes a nível oficial, aliás o seu máximo demográfico não foi além dos 883 habitantes, valor que coincidiu com a realização do primeiro censo efetuado à população portuguesa, em 1864. O período que se seguiu prolongou-se até 1920, caracterizando-se globalmente por uma descida da população, pese embora o facto de se ter registado nos últimos dez anos do século XIX um acréscimo de 2 habitantes. As três décadas seguintes verificaram subidas demográficas progressivas, correspondendo com efeito à segunda fase. Após o aumento de habitantes observado até 1950, a ilha do Corvo entra num rápido processo de declínio populacional, particularmente acentuado durante as décadas de (19) 60 e (19) 70, contribuindo para que a ilha se apresentasse no censo de 1981 com o mínimo demográfico de todo o período em análise, contando somente com 370 habitantes. No entanto, a partir daquele limite o Corvo não mais verificou perdas populacionais, daí podermos falar numa quarta fase, já que os sucessivos acréscimos demográficos permitiram alcançar os 430 habitantes em 2011. Facto que não deixa de ser surpreendente, uma vez que apenas a ilha Terceira também não registou qualquer variação negativa nos últimos trinta anos. Além disso, das restantes ilhas açorianas somente São Miguel e Faial conseguem obter ganhos populacionais nos intervalos intercensitários recentes. Assim, a tendência evolutiva do Corvo enquadrase no grupo de ilhas mais populosas, sendo inclusive aquela que apresenta a maior taxa de crescimento demográfico desde 1991. Se a evolução positiva das ilhas onde se localizam as antigas cidades capitais de distrito é facilmente compreendida, uma vez que o seu maior dinamismo socioeconómico é capaz de exercer atração sobre os habitantes das ilhas mais periféricas, o caso da ilha mais pequena não é tão claro, dado que logicamente não estamos perante uma economia escala. Afinal, quais as razões que estão na origem desta vitalidade demográfica do Corvo, mas que não conseguem ser reproduzidas nas restantes ilhas de pequena dimensão? No ponto que se segue procuraremos dar resposta a esta questão.

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3. Os fatores subjacentes à última fase de crescimento populacional (1981 – 2011) Em meadas da década de (19) 80, Carlos Alberto Medeiros escreve: “a ilha continua a perder população e o nível demográfico atingido é tão baixo, que se deve ter alcançado um limiar quase absoluto, a menos que se caminhe para o despovoamento total” (Medeiros, 1987, p. 135). Ou seja, este ilustre geógrafo português já colocava a hipótese de se registar uma inversão da tendência demográfica verificada até então, mesmo antes de a mesma se ter iniciado. Para entender este tipo de evolução populacional da ilha do Corvo, que contraria o conjunto formado pelas pequenas ilhas açorianas, torna-se útil analisar o comportamento do saldo fisiológico e do crescimento migratório nas últimas três décadas. Tabela I – Evolução do saldo fisiológico e do saldo migratório na ilha, por médias decenais, entre 1981 e 2010. N.º de habitantes

1981-90

1991-00

2001-10

Saldo Fisiológico

-10

-27

-26

Crescimento Migratório

33

59

31

Fonte: SREA, site da web

Da análise da tabela I resulta no imediato uma conclusão revelante: o crescimento migratório suplantou largamente o valor do crescimento natural. Acresce o facto de nos últimos trinta anos o excedente de vidas ter-se apresentado sempre negativo, enquanto o saldo migratório obteve apenas resultados positivos. Com efeito, esta variável demográfica é nitidamente a única responsável pelo aumento populacional do Corvo, daí merecer uma abordagem destacada. Num trabalho anterior (Espínola, 2010) referimos que o aumento demográfico registado até 2001 se devia no essencial à vinda de população ativa para ocupar as vagas de trabalho geradas pelo aparecimento ou reforço de importância de determinados serviços na ilha (aeródromo, banca, educação, saúde, segurança social, Santa Casa da Misericórdia, etc.). Corresponde a uma fase marcada pela consolidação da democratização do país que procurou aproximar as instituições dos cidadãos, não sendo o Corvo exceção. Por conseguinte, muitos dos postos de trabalho criados exigiam determinados qualificações que nem sempre estavam disponíveis entre a população corvina, daí ser necessário a vinda de trabalhadores qualificados. Além disso, a década de (19) 80 fica marcada pela entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia e poucos anos depois os Açores obtêm o estatuto de Região Ultraperiférica, o que possibilitou à região aceder de forma mais significativa aos fundos comunitários. Desta forma, verifica-se o aumento do investimento público na ilha, traduzindo-se principalmente no ramo da construção civil, que naturalmente atraiu trabalhadores também deste sector profissional. O Corvo passa assim de uma sociedade profundamente rural 1 de baixos salários para uma estrutura económica assente sobretudo em serviços públicos e construção civil de remuneração atrativa para certos nichos do mercado laboral. O Censo de 2011 revelou que do total da população ativa empregada, 17,7% trabalhava no sector da construção (trabalhadores qualificados e não qualificados), seguindo-se os empregados de escritório (11,0%), os agricultores (9,3%), os

1

Em 1981, 61,0% da população ativa corvina encontrava-se ligada ao sector primário. 363

empregados de limpeza (4,2%) e os trabalhadores de cuidados pessoais nos serviços de saúde (3,8%), correspondendo aos principais grupos profissionais da ilha. Um dado surpreendente relaciona-se com o facto de em 2011 a população residente economicamente ativa que estava empregada ser superior em 2 trabalhadores ao tipo de população equivalente no recenseamento geral da população de 1960, ano em que possuía mais 251 habitantes! Facto que apenas é acompanhado pelas duas ilhas mais populosas do arquipélago – São Miguel e Terceira – e que de certo modo confirma a notável criação de emprego na mais pequena ilha açoriana. Com efeito, o Corvo passou a acolher imigrantes, contrariando assim a sua longa história associada ao fenómeno emigratório. Os dados oficiais revelam que essa imigração não foi somente de nacionais, uma vez que é possível observar que os fluxos internacionais desempenharam uma função preponderante no acréscimo demográfico: se em 1981 apenas 1 habitante tinha nascido no estrangeiro, em 2011 esse número aumentou para 55 (dos quais 38 não possuíam a nacionalidade portuguesa). Assim, a população natural de um país estrangeiro perfaz atualmente cerca de 12,8% do total de residentes, que é de forma destacada o valor mais elevado das ilhas açorianas. Tabela II – Habitantes da ilha do Corvo que viveram no estrangeiro (2011). Total

De 1961 a 1970

De 1971 a 1980

De 1981 a 1990

De 1991 a 2000

De 2001 a 2011

118

3

21

29

26

39

(Fonte: elaborado a partir do INE – Recenseamento Geral da População de 2011)

Por outro lado, a tabela II revela que 118 residentes em 2011 (27,4% do total) viveram num país que não Portugal. Se após a experiência no estrangeiro esses habitantes alteraram diretamente a sua residência para a ilha do Corvo ou durante a década seguinte, poderemos quantificar de forma aproximada, mas sempre por defeito2, a chegada destes imigrantes à ilha por décadas. Assim, tudo indica que a partir dos anos (19) 80 as entradas provenientes do estrangeiro registaram um aumento, nunca baixando as duas dezenas de habitantes, tendo o valor mais elevado sido atingido precisamente na última década. Constata-se que o fluxo de entrada até ao final do século XX foi essencialmente constituído pelo contingente oriundo da América do Norte (EUA e Canadá), países que outrora foram o destino da emigração corvina, logo podemos falar de um regresso de emigrantes, dos seus cônjuges e/ou descendentes, motivado por ligações familiares e à terra natal. No entanto, nos últimos 10 anos verificouse uma diversificação dos territórios de origem dos imigrantes, com destaque para a Guiné-Bissau (35,9%), Brasil (23,1%) e São Tomé e Príncipe e Cabo Verde (ambos com 7,7%). Para além dos EUA (10,2%), é possível encontrar habitantes de mais 7 países, sobretudo europeus. Estamos perante uma diversificação cultural na pequena ilha do Corvo, embora com predomínio de imigrantes falantes de português. No essencial trata-se de população ativa: as duas Guinés (Bissau e Conacri), a Roménia e a Ucrânia apresentam características comuns: é exclusivamente masculina, sendo constituída por trabalhadores da construção civil com pouca ou sem qualificação, constituindo o grosso do contingente estrangeiro. Com efeito, a imigração do Corvo deve-se sobretudo a razões de ordem laboral, não sendo 2

Porque naturalmente nas décadas anteriores houve habitantes nesta condição que faleceram e/ou partiram. 364

um território procurado por imigrantes reformados, com exceção dos regressos de emigrantes nesta condição. O atual tipo de afluxo principal, inversamente aos retornados, poderá ser conjuntural, na medida em que a diminuição do investimento nas obras públicas originará a dispensa de trabalhadores que poderão abandonar a ilha. Neste sentido, uma amostra de inquérito realizado aos imigrantes em 2013, no âmbito do nosso doutoramento, revelou que metade não pretende permanecer na ilha, havendo o risco de se retomar a descida demográfica que foi interrompida na década de (19) 80.

4. Notas Finais Se John Gills (2014) afirma que “islands are different from others lands insofar as they are defined by water” (p. 155), podemos dizer que a ilha do Corvo devido às suas especificidades certamente será diferente de outros espaços insulares de maior dimensão, porém tem-se mostrado igualmente capaz para fazer crescer a sua população. Com saldos naturais negativos, como é apanágio da grande maioria das ilhas açorianas, o Corvo tem sido procurado por emigrantes regressados e por imigrantes laborais, o que explica os constantes saldos migratórios positivos. Mas o futuro revela-se algo incerto em virtude de o último crescimento demográfico ter assentado numa imigração laboral estrangeira para a construção civil, sector económico muito condicionado pela conjuntura política e económica, que não garante postos de trabalho permanentes na ilha. Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (Bolsa de Investigação com a referência SFRH/BD/77534/2011, financiada pelo POPH - QREN, comparticipado pelo FSE e por fundos do MEC).

5. Bibliografia Espínola, P., (2010). A Emigração na Ilha Graciosa. Ponta Delgada: Edições Macaronésia. Gillis, J., (2014). Not continents in miniature: islands as ecotones. Island Studies Journal, 9(1), 155-166. Marshall, J., (1999). Insiders and Outsiders: The Role of Insularity, Migration and Modernity on Gran Manan, New Brunswick. In R. King & J. Connell (Eds.). Small Worlds, Global Lives: Islands and Migration. London and New York: Pinter, 95-113. Medeiros, C. A. (1987). A Ilha do Corvo. 2ª ed. Lisboa: Livros Horizonte. Pleijel, C. (2014). How to Read an Island. Mariehamn: April Kommunikation. Schalansky, J. (2010). Atlas of Remote Islands: Fifty Islands I Have Not Visited and Never Will. Wemding: Particular Books.

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