A imagem fluxo e o espectador no espaço institucional da arte

June 28, 2017 | Autor: Lorena Travassos | Categoria: Museum Studies, Expanded Cinema, Estética Da Recepção
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14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART: arte e desenvolvimento humano

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A imagem fluxo e o espectador no espaço institucional da arte Cristiane Herres Terraza1 Lorena Travassos2

Resumo O artigo dispõe-se a refletir sobre a obra The Clock (2014), de Christian Marcley, em suas possibildades de fruição, como proposição artística que atende à categorização empreendida por Parente (2009) de cinema expandido, considerando a atitude do espectador impelida pelas experiências da flaneurie e da basbaque. Além desses conceitos, tem-se em conta o aporte teórico que trata do cinema lento e do espectador pensativo em relação à provocação primeira da referida obra: o tempo. Palavras Chave: estética da recepção, cinema expandido, espaço institucional da arte. Palavras-chave: estética da recepção, cinema expandido, espaço institucional da arte. No que tange às proposições de imagem fluxo, em certa parte ligadas ao cinema por integração ou oposição a ele, as reflexões sobre a arte tecnológica invocam uma relação ampla na concepção de significações fundadas nas possibilidades formais intentadas pelos artistas, bem como no tratamento de temas circunscritos às realidades históricas e à criação de uma memória, mobilizando os espectadores em torno dessas realidades e, por conseguinte, de si mesmo. Considerando que o fenômeno da arte realiza-se no entremeio das relações de seus agentes - criador (artista), criação (obra) e espectador (sujeito fruidor) - a este último, no intuito de apreensão e de significação da obra, cabe um exercício do livre querer, relativo ao pensamento, numa busca de significado. Seguindo o pensamento de Deleuze (1998), este espectador ao empreender relações de significância na fruição da obra, é também atravessado pelos dispositivos societários que conformam seus comportamentos, sua sensibilidade, seu olhar, sendo estes dispositivos construídos historicamente. Assim, “(...) cada formação histórica vê e faz ver tudo o que pode em função das suas condições de visibilidades, assim como diz tudo o que pode em função das suas condições de enunciado” (Deleuze, 1998, p. 87). Por este viés, entende-se que as sensibilidades individuais e coletivas são também conformadas pelas circunstâncias, bem como pelos espaços temporais e culturais em que estão inseridas, ou seja, as percepções e as visibilidades de cada um dos indivíduos são compostas pelos atravessamentos sociais a que cada um está sujeito. Assim também seu olhar está condicionado pelas possíveis formas de visualidade oferecidas pelas atuais técnicas de elaboração de imagens, sejam elas estáticas ou em movimento. A obra The Clock (2014), de Christian Marcley, suscita discussões sobre questões pertinentes aos processos desenvolvidos no contexto da arte tecnológica, voltandose também para argumentações que envolvem o conceito de cinema expandido (Parente, 2006) e de espectador pensativo (Bellour, 1987). Esta proposição de artigo procura

analisar a provocação primeira da referida obra, o tempo, considerando a abertura dada ao espectador pela experiência da flânerie em oposição ação advinda do espectador tomado pela basbaque. Trata-se de considerar a disposição do espectador para a articulação conceitual da imagem em movimento no espaço instituído da arte, bem como a sujeição do objeto artístico a uma prática temporal particular do espectador que atualiza a proposição inicial do artista na concepção da obra.

A prática espectatorial O conceito de tempo operado na modernidade promoveu uma grande diferença entre as sociedades ocidentais e orientais (Woodcock, 1986). Na modernidade, o tempo passa a ser visto como mercadoria, “tempo é dinheiro”. No entanto, nesse período a dependência do tempo matemático, imposta inicialmente só ao proletariado, se estendeu às demais classes sociais. Devido a isso, a figura do flâneur, aquele que “mata o tempo”, apontado por Baudelaire, representa um confronto direto à prática capitalista. Segundo Benjamin, são conspiradores profissionais: “Eles são os alquimistas da revolução e compartilham plenamente da confusão das idéias e da parvoíce dos antigos alquimistas” (Benjamin, 1991, p.50). O flâneur foge de uma normatividade que polariza o homem e o cidadão, divisão do espaço moderno. O flâneur não existe sem multidão, ao mesmo tempo que não se confunde com ela, caminha na multidão como se fosse uma autoridade, desafiando assim a divisão de trabalho. Submetido ao próprio ritmo, e por isso, seu próprio tempo, ele sobrepõe o ócio ao lazer, e sua mobilidade no interior da cidade dá a ele um sentimento de poder e a ilusão de estar isento à temporalidade que o determina histórica e socialmente. Ao considerar a experiência da flâneurie como uma das possibilidades que norteiam o deslocamento do espectador no espaço museu e de como este estabelecerá sua fruição e suas relações com o acervo, supõe-se o abandono daquilo que se pode considerar ‘produtivo’, evitando as orientações instituicionais como direções de percurso ou de apreciação. São, assim, evitados os textos curatoriais, a sugestão de sequências, de modo que a relação com a obra seja estabelecida de modo singular, constituindo-se mais pela disposição do espectador a partir de seu próprio “território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva.” (Guattari, 1992, p.19). A obra de arte, portanto, configurase como uma alteridade em relação ao espectador. O espectador é um interator no processo entre obra/espaço, e sua fruição se realizará considerando também como ele se desloca em relação à obra no espaço em que está instalada, bem como os modos de visualidade decorrentes desse deslocamento e de sua atenção, seu olhar e seu pensamento para a obra a ser apreciada. Museus e galerias instituem-se como lócus do contato do espectador com as obras histórica e socialmente nomeadas

1 Doutora em Arte pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Docente no Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília. Email: [email protected]. Tlm: +55 618415-7003. 2 Doutoranda em Ciências da Comunicação - FCSH/NOVA, através do programa de Doutorado Pleno pela CAPES - Brasil. E-mail: [email protected]. Tlm. +351 918 588 256.

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e valoradas como objetos artísticos, aspecto que revela a compleição de discursos constituintes do que seja a própria Arte. A fruição de obras ali expostas parte do assentimento de que tal local se constitui como um território privilegiado da arte. Por meio da fruição de obras dos acervos constituídos nestes espaços, o espectador dialoga com práticas discursivas engendradas na própria constituição de acervos e nos modos e proposições de exposições dos mesmos. Tais práticas compreendem os atravessamentos de outras instâncias sociais que contribuem na estruturação de sentidos: a arte “[...] é, na verdade, uma prática social, e a gama de possíveis significados a sua disposição em qualquer tempo e período é circunscrita por um contexto histórico” (Wood, 2002, p.15). A ação do espectador, porém, que se organiza pela experiência da flânerie, leva a crer numa apropriação compromissada com a formação de sentido autêntico conformado a partir da relação estabelecida de modo peculiar com o acervo e mesmo com a obra a ser fruída, uma vez que o “flanêur propriamente dito está sempre em plena posse de sua individualidade” (Benjamin apud Gil, 2011, p. 40). Neste sentido, mesmo diante dos discursos constituídos, conforme anteriormente dito, o espectador, consoante à experiência do flanêur, mantém o domínio de sua subjetividade. Em “Passagens” (2006), obra inacabada, Walter Benjamin usa a fala de Victor Fournel para mostrar a diferença entre flanêur e badaud (babasque) ao dizer que a atividade do flâneur é livre e consciente, enquanto que a do babasque é impulsionado pelas coisas que ele contempla. Para o autor, “(...) o simples flâneur está sempre em plena posse de sua individualidade; a do badaud, ao contrário, desaparece, absorvido pelo mundo exterior (...) que o impressiona até a embriaguez e ao êxtase” (2006, p. 473). O flâneur está em posse da identidade em seu processo, enquanto que o babasque se dispersa na multidão. Assim, o basbaque, no espaço instituído da arte, à semelhança da atitude frente à cidade, abre mão do domínio de sua singularidade, plasmando-se nos discursos construídos e neles se abandonando: “Sob a influência do espetáculo que se lhe oferece, o basbaque torna-se um ser impessoal: deixa de ser um humano, torna-se público, multidão.” (Benjamin apud Gil, 2011, p. 41) Todavia, o processo de recepção é complexo e pode vir a fazer-se na interseção de atitudes oriundas de uma cooptação entre a flaneurie e a basbaque. Não se pode afirmar que a relação do espectador com o objeto artístico ocorra de todo como experiência de subjetivação e singularidade, visto que a arte se constitui, conforme apontado acima, como prática social e, neste sentido, invocada dos discursos que também compõem os indivíduos. Assim, acompanhando o pensamento de Deleuze, não se pode referir a “uma enunciação perfeitamente individuada, mas de componentes parciais e heterogêneos de subjetividade.” (Deleuze, 1992, p. 162)

filmes de autoria de artistas visuais como Andy Warhol e chegando a atualidade com cineastas que realizam trabalhos na intersecção com o campo anteriormente distinto das artes visuais, como Peter Grenaway, faz-nos chegar a criações que borram e fazem sumir as fronteiras e as especificidades de cada uma dessas áreas. Para André Parente (2009), todas essas manifestações, mesmo estando fora da sala escura, se configuram como “forma cinema”, sendo a televisão, a internet, o museu e a galeria de arte, a fotografia, as histórias em quadrinhos e pinturas icônicas pós-modernistas dos anos 1970 e 1980, também classificados pelo autor com o mesmo termo. Entretanto, Parente (2009) cunha a concepção de cinema expandido destinando o termo às obras que operam na esfera das instalações. Tal termo nomeia obras caracterizadas por dois princípios: a reinvenção da sala de cinema em outros espaços e a hibridização entre cinema e diferentes mídias que radicalizam os processos de criação e exposição. Assim, de modo diferenciado da forma cinema, o cinema expandido é o próprio cinema de forma ampliada. Para Elsaesser (2011), a projeção do cinema no museu foi responsável por reter a atenção dos visitantes por uma fração maior de tempo do que as pinturas emolduradas, esculturas e objetos “encontrados” e expostos no museu. Ele esclarece que a “caixa preta” pode estar pronta para constituir-se no “cubo branco” com apenas algumas paredes escuras e tela para projeção. O contrário, se pensarmos, poderia ser muito problemático, visto que o cubo branco, em geral, precisa de muita luz para apresentar suas pinturas e demais objetos. A configuração espaço/temporal de museus e galerias opõese à do cinema visto que a fruição da obra raras vezes se realiza em um espaço imersivo. Assim, o espectador define o tempo a se dedicar à obra. Ocorre para o espectador (atento e disponível) presente neste espaço uma constante redefinição da sua relação com o objeto artístico e com o próprio campo da arte, uma revisão do conceito e do caráter da arte. As contradições que se apresentam na imbricação cinema/ museu são apresentadas por Elsaesser em The Museum and the Moving Image: A Marriage Made at the Documenta? (2011). Entre elas, o autor discorre sobre a recepção, considerando a condição do espectador no que tange à apreciação de filmes de longa duração: uma ansiedade gerada pela possibilidade de ausentar-se, perdendo o “ponto chave” do filme, vez que na prática espectatorial no museu há a dedicação de poucos minutos a cada instalação ou objeto. Entretanto, o autor considera que o clima de silêncio aurático do ambiente dos espaços instituídos da arte, mesmo com o conflito entre a concentração-dispersão do espectador, consolida-se como um espaço de refúgio em relação a um mundo que se movimenta sem controle.

Obra e atribuição de sentido Cinema expandido A imagem em movimento adentrou, já há algumas décadas, o espaço do museu, levando os filmes de reprodução mecânica ao ambiente de culto do objeto original. Desde então, o cinema em sua condição estética e de dispositivo (movimento, luz, projeção, imaterialidade, tempo, etc.) faz parte da arte (Elsaesser, 2011). As experiências e proposições da videoarte, desde os anos 60/70, como as de Nam June Paik, Wolf Vostell e Bill Viola, passando pelos

Edmond Couchot (2003, p. 141) ao tratar a possibilidade de interatividade entre obra e espectador cita a transformação em uma “economia simbólica”, que provoca modos diferenciados de relações entre obra, autor e espectador. Assim, a relação sugerida  e não explícita  entre os elementos visuais conformados em uma composição derivada de uma construção simbólica é o que constrói a significância: As tecnologias mudam somente as condições de criação

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artística, do trabalho de imaginação criadora [...] Mas elas as mudam radicalmente ao mesmo tempo em que elas trocam também as condições de produção e de circulação de sentido (Couchot, 2003, p. 141). A obra constrói uma realidade a ser digerida na provocação do corpo, imprimindo no espectador um campo de significação aberto pela experiência de fruição poética. A proposição artística pode empreender, por meio de sua forma, uma abertura do espectador a outros modos de pensar as realidades que o afetam. Para tanto, os criadores (artistas), pela estruturação material da obra, fundam um possível modo de apreensão e relação com o mundo. Dois outros autores que refletem sobre os modos de composição de obras que se caracterizam como cinema expandido e a musealização do cinema como prática contemporânea são Mulvey(2006) e Bellour (1984), contribuindo para a análise e fruição de tais obras. Pelo conceito de “Cinema Lento” (Delayed Cinema), Mulvey explica a desaceleração das imagens do filme objetivando a ampliação da percepção dos espectadores sobre a totalidade da imagem. Tal procedimento é também abordado por Bradbury (apud Virilio, 1994, p. 31), ao afirmar que o bombardeamento de imagens que substituem as palavras, acentuando “os detalhes através de trucagens de fotografia e de câmera.” O autor reforça que “pode-se convencer alguém de qualquer coisa intensificando os detalhes” (idem). Já Bellour, na obra “O espectador pensativo” (1984), explica como a desaceleração e mesmo a interrupção do fluxo da imagem em movimento pela introdução de fotografias – apresentadas em geral por uma das figuras pertencentes à trama do filme – permite ao observador estabelecer um ponto de reflexão, ao suavizar a “histeria” do ritmo da exposição. Esta interrupção acrescenta informações, uma vez que há mais tempo para perceber os detalhes, inserindo outra temporalidade em meio àquela própria do filme. Segundo Bellour, devido ao alargamento do tempo de apreensão proporcionado pela diminuição no ritmo da imagem em movimento o espectador assume uma forma mais ativa, tornando-se um espectador pensativo. Assim, a variedade de proposições formais articulam, mesmo em um campo predefinido pelo autor, discursos possíveis a serem conformados a partir da apreciação da obra, revelando construtos singulares referenciados na ação e no contexto do espectador. Tais discursos são também engendrados considerando a ação do espectador no espaço da galeria/museu: seus deslocamentos pelo espaço, escolha e atenção às obras ali dispostas, relações criadas entre as obras vistas. Essa possível criação de discurso singular desloca o espectador de sua condição de observador para ser participante da ocorrência artística.

Marclay, o Tempo e o espectador Segundo Cauquelin (2008), a natureza do tempo “é incorporal;; invisível, intangível, ele só é corpo em um momento: o presente”, ou seja, quando se atribui a ele modos de apreensão pelos sentidos. Assim, é na percepção dos acontecimentos que se atribui consistência ao tempo. Sem a construção do corpo que habita o tempo presente não se pode apreender sua consistência: “o tempo está suspenso em sua própria realização” (idem, p.36). Ainda segundo a autora, o ser, pelos seus cinco sentidos e por sua capacidade de representar, construir sentido e emitir juízo atribui ao tempo uma corporalidade.

Christian Marclay em sua obra The Clock (2010) materializa a percepção do tempo em sequências de breves acontecimentos retirados de filmes produzidos pela indústria cinematográfica. São recortes de filmes de décadas diversas que se apresentam ao espectador de modo a criar certa densidade e tensão à passagem do tempo. Todas as cenas destacam-se de seu contexto original e compõem o desafio de, ao focalizar em detalhe relógios diversos - recurso que retém o ritmo da imagem em movimento - invocar a tensão própria da percepção do tempo na modernidade. Em sua exibição no Museu Coleção Berardo (5 de março a 19 de abril de 2015), em Lisboa, a ambientação seguia a plasticidade do cinema: grande tela, sala escura, poltronas, som estéreo. Porém, a obra que tem a duração de 24 horas, poderia ser vista continuamente, enquanto o espaço estivesse acessível. Ao espectador caberia decidir o tempo que se dedicaria à apreciação da obra, visto que a mesma não apresenta um momento chave pelo qual o sentido da mesma é composto. A proposição de Marclay é montada e exposta de tal forma que os relógios mostrados em detalhe na tela estejam sincronizados ao tempo real do espectador, contabilizado em seu relógio pessoal. O horário em que o espectador assiste a imagem é verificado na tela, e a existência poética da obra se realiza nesta sincronia. Assim, a possibilidade interativa na obra de Marcley revela-se na construção temporal da fruição da obra. A disposição do espectador motivado pela experiência da flâneurie em relação à obra é de construção de significâncias sobre o presente também considerando todo tipo de sensações e de comportamentos - apreensão, ansiedade, tranquilidade, tensão, alívio – expressos pelas diversas situações apresentadas na tela. Além da escolha do momento em que deve descontinuar sua apreciação, a esse espectador cabe a estruturação da própria corporalidade do tempo, ou seja, desenhar uma profundidade constituída pelos diferentes modos de ação e reação dos personagens em relação ao tempo, derivados de comportamentos espacial e temporalmente ancorados em seus contextos levemente sugeridos. Ao mesmo tempo, o observador deve empreender certa linearidade derivada do aplainamento de tempos diversos em uma presentificação: a sincronização entre os tempos da obra (demonstrada pelos relógios do filme) e o do fruidor. Nesse sentido, o espectador flâneur impõe uma subjetividade ancorada em sua própria experiência de tempo, mesmo que a exibição dos relógios na obra se realize no plano subjetivo, e que o espectador, neste momento, assuma o lugar de visão do protagonista. A obra conota a ansiedade da temporalidade moderna e pode envolver o espectador nesta ansiedade, embriagando-o com as cenas cinematográficas de diferentes datas. Há, porém, o recurso de diminuição do ritmo da imagem, uma vez que os relógios de cada cena são mostrados em detalhe e a câmera ali se detém por alguns instantes, o que pode proporcionar ao espectador o tempo necessário à criação de sentidos peculiares na relação com sua própria experiência. O espectador pensativo, conceituado por Bellour, pode, então, fundar-se. A obra, assim, possibilita a realização de “estados potenciais e estados reais que fazem de cada leitura um acontecimento singular e único” (Couchot, 2003, p.141). Entretanto, o ambiente museal tornado imersivo como a sala de cinema, acompanhado de cenas pelas quais muito da visualidade contemporânea foi formada, apresenta-se como desafio a esta reflexão e à subsequente subjetivação: a forma cinematográfica e as imagens em movimento que

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se seguiram a ela conformaram muito da organização espaço-temporal atual. A “logística da percepção”, indicada por Virilio (1994, p. 29) condiciona para um certo tipo de olhar e muito do que ocorre nas salas escuras do cinema impulsionado pelas narrativas que seguem o discurso da industria cultural impõe restrições à possivel subjetividade na fruição da obra de Marclay: o encantamento pelo trabalho de pesquisa e sequenciação de imagens sicronizadas ao tempo real do espectador pode embriagá-lo, motivando um abandono do mesmo no discurso construído pela sequência das imagens.

Considerações gerais Na proposição de Marclay, o espectador pode, de modo subjetivo, lidar com as questões de temporalidade proporcionadas pela obra. Raramente, o espectador acompanhará a peça em toda a sua duração, uma vez que a mesma se estende por 24 horas. Porém, as sensações experienciadas por cada um será concernente às imagens que visualizou no momento da obra em que estava presente, considerando ainda o tempo que dedicou a esta visualização. É esta conformação [dramática do espectador a uma sujeição perceptiva] que torna a existência e a significação da obra dependentes da intervenção do espectador. A obra não é mais fechada sobre si mesma, fixa no seu acabamento, ela “se abre”. (Couchot, 2003, p. 137) Vislumbra-se, assim, a possibilidade de subjetivação advinda da experiência da flânerie, uma vez que, mesmo estando em meio a um público de certo número – ainda que não seja uma multidão – a fruição da obra tende a reforçar o domínio da singularidade do espectador. Porém, cabe refletir sobre o risco de incorrer na atitude de basbaque, em que pese a obra ser estruturada por imagens da esfera do cinematográfico, sendo muitas das imagens referentes ao cinema americano, de estrutura endocolonizadora e de educação das massas (Virilio, 1994, p.45). Assim, tornase necessário o entendimento que a obra que promove uma autonomia no sentir e pensar a densidade do tempo moderno, do tempo presente, pode não suprimir a basbaque do processo de recepção. Referências Bibliográficas BELLOUR, Raymond, “Le Spectateur pensif”, in Photogénies, n.5. Paris: Centre Nacional de la Photographie, 1984. BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte e São Paulo: UFMG/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. Willi Bolle (org.) CAUQUELIN, Anne. Frequentar os incorporais. São Paulo: Martins, 2008. COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2003. ELSAESSER, Thomas, “Stop/Motion”. In ROSSACK, Eivind (ed.). Between Stillness and Movement: Film Photography Algorithms. Amsterdã: Amsterdam University Press, 2011, 109-122. GIL, Isabel Capeloa. Literacia Visual. Lisboa: Ed. 70, 2011. GUATTARI, Felix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed.34, 1992. MULVEY, Laura. Death 24 x a second: stillness and the moving image. Londres: Reaktion Books, 2006.

PARENTE, André. “Forma cinema: variações e rupturas”. In Kátia Maciel (org). Transcinemas. Rio de Janeiro: Contracapa, 2009. VIRILIO, Paul. A máquina de visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. WOOD, Paul. Arte Conceitual. São Paulo: Cosac e Naify, 2002 WOODCOCK, G. (Org). Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre: L&PM, 1986. *Texto apresentado no Encontro devido ao financiamento de participação de pesquisadores em eventos do FAP/DF – Brasil.

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