A implantação da televisão digital na Argentina: padrão nipo-brasileiro se expande ao vizinho platino

July 7, 2017 | Autor: Juliano Carvalho | Categoria: Televisão Digital
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A implantação da televisão digital na Argentina: padrão nipo-brasileiro se expande ao vizinho platino Juliano Maurício de CARVALHO1 Patrícia Benetti IKEDA 2 Renan Schlup XAVIER3 Gabriela CLETO4

RESUMO: Na últimas décadas, o debate da TVD se intensificou em todo o mundo e governos latino-americanos sentiram-se pressionados a definirem padrões e estabelecerem a transição. A implantação começa a fazer parte da agenda política dos países, em especial do Brasil, que passa a considerá-la estratégica a sua política externa. Após fase de atrelamento ao padrão norte-americano (ATSC) durante o governo Menem e fase de instabilidade econômica e política, a Argentina, com Cristina Kirchner, considera a adoção do padrão nipo-brasileiro como oportunidade de fortalecer laços com Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Televisão Digital. Economia política da informação. Argentina.

1 Introdução

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Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital e docente do Programa de PósGraduação em Comunicação Midiática e do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação de Bauru (FAAC) da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”(UNESP). Pesquisador e líder do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC). Doutor em Ciência da Comunicação. Contato: [email protected]. 2

Estudante de Graduação em Jornalismo pela UNESP. Membro do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC). Bolsista do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq). Contato: [email protected] 3

Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento (UNESP), membro do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (Lecotec). 4

Estudante de Graduação em Jornalismo pela UNESP. Membro do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC). Bolsista do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq). Contato: [email protected]

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A implantação da televisão digital tem feito parte da agenda midiática e política dos países da América Latina, mas torna-se peculiar em cada um devido às distintas características econômicas, políticas e culturais. A discussão latinoamericana sobre a digitalização do sinal televisivo começou a permear, de maneira embrionária, as agendas governamentais nos anos 1990, mesclada aos discursos de democratização, inclusão social e convergência. Estes temas foram pautados a partir das discussões em torno da Campanha Cris e das Cúpulas Mundiais sobre a Sociedade da Informação, sediadas sob o auspício da ONU em Genebra e Túnis na última década. A necessidade de introduzir os países latinoamericanos na chamada Sociedade da Informação encontrou obstáculos em problemas estruturais, no qual pobreza e desigualdade ainda são grandes desafios a serem superados. A televisão digital terrestre se mostra uma das ferramentas com grande potencial para superar a exclusão digital ao permitir o acesso à rede em suas três dimensões: físico, econômico e sócio-cultural (GARCÍA, 2006). No começo do século XXI, o debate da TDT se intensificou em todo o mundo e governos latino-americanos sentiram-se pressionados a definirem padrões e estabelecerem cronogramas de transição. Em 2004, a “Declaração de Buenos Aires” foi assinada entre Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Chile e Peru prevendo um acordo para o desenvolvimento das comunicações que continha a troca de experiências, a realização de ações coordenadas, as reuniões de consultas e o estabelecimento de medidas que atendam às necessidades dos países nesse setor. No documento da Anatel5 é citado os avanços alcançados pelo Brasil no estudo de um padrão próprio de televisão digital e a boa receptividade dos demais países em relação à adesão à iniciativa. Os anos de 2009 e 2010 representaram um momento importante na consolidação do padrão nipo-brasileiro de televisão digital. O Brasil incluiu a expansão do padrão em sua política externa, fortalecendo e consolidando o ISDB-T, anteriormente desacreditado.

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ANATEL. Anatel e agências reguladoras do MERCOSUL assinam acordo comum para o desenvolvimento das comunicações. Brasília, 2004. 1 página.

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O padrão ganhou reconhecimento com a aprovação de normas para o Ginga6 , middleware adotado pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), componente do set-top Box que concentra serviços e facilidades. O incentivo da produção de um produto brasileiro adequado às características do mercado nacional, constituído por um conjunto de tecnologias padronizadas e inovações brasileiras, foi essencial para o sucesso da ferramenta, apesar de ainda não estar disponível de maneira massiva à população. O Ginga-NCL7 foi reconhecido internacionalmente como o quarto padrão digital televisivo mundial pela UIT (União Internacional de Telecomunicações) e terreno, em especial, na América Latina, com a adoção ao padrão pela Argentina, Equador, Chile, Peru, Paraguai, além de Filipinas. Ainda, tem avançado nas discussões com Venezuela, Nicarágua, Uruguai, Colômbia, Belize, Angola e África do Sul. Levando em consideração a importância do cenário particular de cada país na implantação da televisão digital, será observado aqui o caso da Argentina. Em uma perspectiva história, discorre-se sobre os processos envolvidos na implantação da televisão digital neste país. O ponto de partida se dá nos anos 1990, com Carlos Menem no poder executivo, no qual foi elegido o padrão norte-americano de televisão digital para ser adotado em território argentino. Seguem os mandatos de Fernando de la Rúa e Néstor Kirchner, respectivamente, com questões decisivas para culminar em uma nova reeleição de padrão de televisão digital, o nipo-brasileiro, no governo de Cristina Kirchner.

2 Início do debate sobre digitalização

É possível dividir a implantação da televisão digital na Argentina em três fases: a embrionária, que se dá no segundo mandato de Carlos Menem (1995-1999), caracterizada 6

Produzido pelos laboratórios Telemídia da PUC-RIO e LAViD da Universidade Federal da Paraíba, é dividido em dois subsistemas principais interligados: o Ginga-J (para aplicações procedurais Java e o Ginga-NCL (para aplicações declarativas NCL). Disponível em : < http://www.ginga.org.br>. 7

“NCL é uma linguagem de aplicação XML com facilidades para a especificação de aspectos de interatividade, sincronismo espaço-temporal entre objetos de mídia, adaptabilidade, suporte a múltiplos dispositivos e suporte à produção ao vivo de programas interativos não-lineares”. Disponível em: < http://www.gingancl.org.br/>.

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pelos primeiros debates sobre digitalização e pela política bilateral com os Estados Unidos que culminou na adoção do padrão de televisão digital ATSC; a de renegociação, durante o governo de Fernando de la Rúa (1999-2001) e de Néstor Kirchner (2003-2007), quando se permitiu novamente testes com os padrões de televisão existentes para uma nova eleição; e a revolucionária, no qual existiu uma aproximação das negociações entre Brasil e Argentina e, finalmente, Cristina Kirchner assinou acordo de adoção do padrão nipo-brasileiro de televisão digital brasileiro. As fases são reflexo da própria política interna e externa argentina, que atrelada aos interesses e à política norte-americana durante o governo Menem, enfrentou crises, problemas com a dolarização de sua moeda e diversas manifestações sociais, durante os governos de Fernando de la Rúa e Nestor Kirchner, e atingiu fase mais estável e de aproximação com o Mercosul a partir de Cristina Kirchner, recentemente. O primeiro passo para a transição do sinal na Argentina aconteceu em 1997, no segundo mandato de Carlos Menem. A iniciativa partiu do setor empresarial, foi impulsionada principalmente pela Asociación de Teledifusoras Argentinas (ATA), que decidiu fazer parte do Advanced Television System Committee (ATSC) e passou a adquirir equipamentos e tecnologia para realizar testes de transmissão do padrão de televisão digital norteamericano. Esse grupo iniciou as negociações com o governo objetivando definir um novo marco regulatório de acordo com interesses próprios (BIZBERGE, 2008). Em julho do mesmo ano, por meio da resolução 2128/97, a Secretaria de Comunicaciones (SECOM) criou a Comisión de Estudios sobre Sistemas de Televisión Digital8 , ampliada no ano seguinte para Comité Consultivo sobre Televisión Digital9 , integrado por “quatro organismos públicos dependentes do Poder Executivo, seis câmeras

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Segundo a resolução 2128/97 é de competência da Comissão de Estudos sobre Televisão Digital: a) realizar uma avaliação dos sistemas de televisão digital; b) elaborar um Plano de Distribuição de Canais nas bandas VHF e UHF; c) efetuar análises das implicâncias econômicas que podem existir para a população; d) elaborar e propor um projeto de Normas de Regulamentação Técnicas de aplicação para os Sistemas de Televisão Digital; e) propor as normas técnicas provisórias que permitam o funcionamento de sistemas de televisão digital em qualidade de prova de novos sistemas. 9

Resolução 1637/98

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empresarias do setor, uma associação de consumidores próxima ao governo e um conselho profissional10” (KRAKOWIAK, 2009). Os parâmetros técnicos mínimos que proporcionariam o marco normativo necessário para a eleição do padrão definitivo foi estabelecido na resolução 433/98, dentre os quais foi estabelecido a adoção do uso de frequência de 6MHz de largura de banda para todos os canais de TVD. Segundo o INFORME DE GESTIÓN ANUAL DE 1998 da Comisión Nacional de Comunicaciones (CNC), realizado por 21 especialistas entre empresários, defensores dos consumidores, licenciados em potencial e engenheiros, a primeira audiência pública aconteceu no dia 22 de setembro de 1998. Na ocasião foram analisadas questões técnicas e regulatórias para a migração do sistema analógico para o digital, de forma não traumática e gradual. Entretanto, é alegado que esta audiência pública teve mero papel formal, com objetivo de apontar que a escolha do padrão televisivo tenha sido democrática.

No es casualidad que los asistentes a la consulta resultaron ser los radiodifusores privados participantes de ATA que hicieron presentaciones individuales en nombre de cada una de las empresas. En este sentido, tampoco resulta azaroso que, según las crónicas periodísticas, en la audiencia se haya observado la clara inclinación sobre ATSC sobre DVB (BIZBERGE, 2008, p.97-98).

É de grande importância lembrar a forte relação bilateral da Argentina com os Estados Unidos nos anos 90, por meio do desenvolvimento de uma política econômica neoliberal. Em relação às políticas de comunicação, são abarcados valores econômicos e consumistas, além de ser incorporado um novo ator: as corporações com intenso perfil financeiro (RODRÍGUEZ MIRANDA, 2009).

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Foram convocados a Secretaría de Prensa y Difusión, o Comite Federal de Radio Difusión (Comfer), a Asociación de Teleradiodifusoras Argentinas (ATA), a Asociación de Televisión por Cable (ATVC) e a Cámara Argentina de Aplicaciones Satelitales (CADAS).

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O padrão norte-americano de televisão digital ATSC é adotado em outubro de 1998, mediante a resolução 2357/9811 . O texto do acordo indicava que o padrão escolhido seria o melhor para os períodos de simulcasting12 e switch over 13. Além disso, considerou-se que existiam receptores do padrão ATSC disponíveis para comercialização no mercado internacional, enquanto a provisão de televisores no padrão DVB encontravase limitada a larguras de banda de 7 ou 8 MHz. Afirmava-se que diversos parâmetros de qualidade (qualidade de áudio, velocidade de transmissão, entre outros) demonstraram a superioridade do ATSC para a largura de banda de 6 MHz. Alegava-se também que diversos setores da sociedade consideraram prioritariamente o desenvolvimento da televisão digital de alta definição (HDTV), que é a principal qualidade técnica do padrão estadunidense. Posteriormente, a adoção do ATSC foi questionada, visto que não existiu participação de organismos não comerciais, permitindo que interesses privados estivessem acima da legítima importância de qualidade técnica do padrão a ser escolhido. “Lo cierto es que esta opción tan solo responde a los intereses económicos de la industria, donde juegan un papel preferente los radiodifusores existentes, ya que los canales privados más fuertes, existentes en esse momento estaban afiliados al sistema ATSC” (GARCÍA, 2006, p.6). A escolha pelo ATSC claramente possibilitou a manutenção do status quo do setor audiovisual ao levar em consideração somente aspectos técnicos como a alta definição, e excluiu o potencial sócioeconômico que o novo modelo de negócio poderia trazer com a inclusão de novos atores e novas instâncias de acesso e participação democrática. Em uma perspectiva de política latinoamericana, a repercussão da escolha argentina pelo padrão estadunidense de digitalização do sinal televisivo foi negativa. A resolução do MERCOSUL 24/94 sobre a harmonização das novas tecnologias em telecomunicações 11

SECRETARÍA DE COMUNICACIONES, Televisión digital – Estándar Técnico ATSC – Establece el Estándar Técnico ATSC para los sistemas de Televisión Digital Terretre para la Republica Argentina. Buenos Aires: 1998. 12

Período de convivência das transmissões analógicas e digitais.

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Desligamento total do sinal analógico televisivo

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estabelecia que os países deveriam informar antecipadamente qualquer publicação de regulamentação técnica, mas a Argentina resolveu seguir seu próprio caminho na digitalização (RODRÍGUEZ MIRANDA, 2009). Com a chegada do novo presidente em 1999, Fernando de la Rúa, existiu um processo de revisão do padrão escolhido, bem como das resoluções e medidas tomadas no governo anterior. Foi afirmado que a eleição do ATSC se fundamentou em alicerces incorretos, com testes inexistentes, sem nenhum tipo de coordenação com o Brasil e baseado em considerações falsas sobre o padrão europeu DVB (GALPERIN, 2004). O Secretário das Comunicações, Henoch Aguiar, então, suspendeu a eleição do ATSC e permitiu novos testes de transmissão nos diversos padrões existentes. Todavia, esta suspensão não foi oficial, sem a legitimação documental. É necessário ressaltar que a estrutura da propriedade das principais emissoras televisivas, as protagonistas que pressionaram pela escolha do ATSC, foi modificada. Foi iniciado um acordo entre Telefônica e o fundo de investimento CEI para dividir os meios de comunicação que compartilhavam. Por meio do decreto 1005/99, a Telefônica posicionou-se como o principal operador de televisão aberta na Argentina, e suas companhias subsidiárias se retiraram do grupo americano ATSC. Dos principais grupos de radiodifusores argentinos que se encontravam afiliado ao ATSC estava somente o Clarín, enquanto a Telefônica passou a fazer parte do consórcio europeu DVB. Assim, o cenário de homogeneidade de apoio ao padrão estadunidense se transforma: o sistema público de televisão e os difusores independentes continuavam na expectativa do aperfeiçoamento do modelo norteamericano e europeu, enquanto os fabricantes passaram a estar atentos à opção conjunta com o Brasil devido a sua capacidade de produção de receptores e/ou adaptadores (ALBORNOZ-HERNÁNDEZ-POSTOLSKI, 1999).

3 A reeleição do padrão de televisão digital

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Foi somente com Néstor Kirchner (2003-2007) na presidência que o tema da televisão digital retornou à pauta. Entretanto, os anos do governo Kirchner estiveram mais focados na tentativa de assegurar estabilidade institucional e em reverter os impactos mais graves da crise social e econômica que afetava a Argentina. A demora e a falta de debate da TDT se devem, em parte, pela ausência de pressão dos radiodifusores privados. Em um contexto de crise econômica e incertezas nos modelos de negócio de TV digital, somado à diminuição da participação da publicidade no setor televisivo, a digitalização era um investimento volumoso e incerto (RODRIGUEZ MIRANDA, 2009). A Comisión de Estudio y Análises de los Sistemas de Televisión Digital foi criada pelo governo em abril de 2006 por meio da resolução 4/06. Teve o objetivo de recomendar o padrão técnico de televisão digital e recebeu o prazo de 15 dias para elaborar um informe final. Semelhante à decisão anterior, os radiodifusores foram privilegiados, integrando seis organismos públicos dependentes do governo e duas associações privadas 14. Também ficou especificado que as diferenças tecnológicas não eram determinantes para justificar a eleição do padrão, mas deviam ser considerados fatores econômicos, tais como investimento, criação de emprego, transferência tecnológica e pagamento de royalties (KRAKOWIAK, 2009). Ao comparar os grupos organizados em 1998 e 2006 para o estudo dos padrões de televisão digital, observa-se que existiu a convocação de praticamente os mesmos atores, ficando excluída a participação da sociedade civil. Ambas comissões aparecem monopolizadas pelo Poder Executivo que priorizou o interesse privado. Faltou também a implementação de mecanismos institucionais que dariam transparência ao processo de discussão e decisão, inexistindo informação pública sobre a periodicidade e avanços produzidos nas reuniões (NAVARRO-ROBLES, 2008). 14

Os participantes da comissão, definidos pela SECOM, eram a Secretaría de Medios de Comunicación, a Subsecretaría de Gestión Pública, o Comité Federal de Radiodifusión, a Asociación de Teleradiodifusoras Privadas, a Asociación de Radiodifusoras Privadas Argentinas, a Comisión Nacional de Comunicaciones e a Secom. Depois, foi ainda incorporado um representante da Subsecretaría de Coordinación e Control de Gestión do Ministerio de Planificación Federal.

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No informe final elaborado pela Comisión de Estudio y Analisis de los Sistemas de Televisión Digital não foi feita nenhuma recomendação em relação à adoção dos padrões. Apenas pode ser percebida uma clara inclinação ao DVB. Um acordo com o consórcio ATSC previa investimentos e transferência tecnológica que ficariam sob a responsabilidade da US Overseas Private Investment Corporation (OPIC). As empresas LG, Zenith, Dolby e Harris também se comprometeram no plano de digitalização. Foi proposto um acordo em que a Zenith se comprometia a pagar 75% do valor dos royalties (BIZBERGE, 2008). Em relação ao DVB, a Comissão Europeia colocou à disposição uma linha de crédito por meio do Banco Europeu de Investimento. As empresas Siemens, Phillips, Nokia, Rohde & Schwartz, STMicroelectronics, Telefônica e Telecom ofereceram apoio financeiro e técnico. Ainda, foi assegurada a não cobrança de royalties devido a nenhuma das companhias terem registrado patentes em território argentino. Já em relação ao padrão japonês ISDB, os investimentos não foram estimados (BIZBERGE, 2008). A pauta da digitalização do sinal televisivo só voltou a fazer parte da agenda pública no governo seguinte, de Cristina Kirchner (2007-?). Com a intenção de realizar acordos que promovessem a integração nacional e o desenvolvimento das indústrias, Cristina visitou o Brasil em setembro de 2008, encontrando-se com presidente Luis Inácio Lula da Silva. Na reunião, foi debatida a possibilidade de o país vizinho adotar o mesmo padrão brasileiro, o ISDB. A presidente argentina afirmou que “a integração não é uma opção, é o único caminho possível para remontar uma história de desencontros e de fantasmas que, com outras intenções, tentaram assombrar a Argentina e o Brasil” (PÁGINA/12, 2008). O acordo para adoção Sistema de TV Digital nipo-brasileiro15 foi oficializado na reunião extraordinária da cúpula da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) em agosto de 2009 na cidade de Bariloche. O encontro contou com a presença de Cristina

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O sistema ISDB-T (Integrated System Digital Broadcasting Terrestrial) sofreu modificações tecnológicas de especialistas brasileiros. O grande diferencial é o Ginga, sistema operacional que funciona nos conversores e televisores que devem ser fabricados permitindo a interatividade em código aberto (sem o pagamento de patente) por meio do controle remoto.

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Kirchner, Luis Inácio Lula da Silva, Hélio Costa (ministro das Comunicações brasileiro), Julio de Vido (ministro de Planejamento argentino) e, representando o Japão, o embaixador Hitohiro Ishida e o enviado especial do primeiro-ministro japonês Hiorya Masuda. A Argentina passou a ser o segundo país a adotar o padrão nipo-brasileiro, depois do Peru. Costa vê a adesão argentina como sinal positivo para a região do Cone Sul ao ressaltar que a construção de um modelo comum de televisão digital promove uma parceria comercial e tecnológica que beneficia os parques industriais e a população dos países latinoamericanos e reforça os laços culturais com a possibilidade de intercâmbio de produtos audiovisuais ao ter o acesso ao mais moderno de televisão aberta no mundo16 . Lula ressaltou sobre a importância da criação de um pólo tecnológico regional e do desenvolvimento de tecnologias próprias adaptadas à realidade latinoamericana17. O Sistema Argentino de Televisão Digital Terrestre (SATVD-T)18 foi criado pelo decreto 1148/09, no qual se estabeleceu um prazo de dez anos para realizar o processo de transição do sinal analógico para o digital. Instituiu-se o Consejo Asesor del Sistema Argentino de Televisión Digital Terrestre19 , que junto com o Ministerio de Planificación, deveria assessorar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo documento oficial.

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BRASIL - MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Argentina desiste do padrão americano e adere à TV Digital nipo-brasileira. Brasília: agosto de 2009. Acessado em: http://www.mc.gov.br/noticias-do-site/21298argentina-desiste-do-padrao-americano-e-adere-a-tv-digital-nipo-brasileira. 17

BLOG DO PLANALTO. Brasil e Argentina agora são parceiros na implementação da TV Digital. Brasília: 28 de agosto de 2009. Acessado em: http://blog.planalto.gov.br/brasil-e-argentina-agorasao-parceiros-na-implementacao-da-tv-digital/ 18

Dentre os principais objetivos do SATDVD-T estão: a) promover a inclusão digital, a diversidade cultural e o idioma do país por meio do acesso à tecnologia digital, assim como a democratização da informação; b) facilitar a criação de uma rede universal de educação à distância; c) estimular a pesquisa e o desenvolvimento, assim como fomentar a expansão das tecnologias e indústrias da República Argentina relacionadas com a informação e comunicação; d) planificar a transição da televisão analógica para digital com a finalidade de garantir a adesão progressiva e gratuita de todos os usuários; e) otimizar o uso do espectro radioelétrico; f) contribuir com a convergência tecnológica (ARGENTINA, 2009). 19

Segundo o decreto 1148/2009 , o Consejo Asesor del Sistema Argentino de Televisión Digital Terrestre é composto por um representante dos seguintes organismos públicos argentinos: Jefatura de Gabinete de Ministros; Ministerio del Interior; Ministerio de Relaciones Exteriores, Comercio Internacional y Culto; Ministerio de Economia y Finanzas Publicas; Ministerio de Produccion; Ministerio de Desarrollo Social; Ministerio de Educacion, Ministerio de Ciencia, Tecnologia e Innovacion Productiva.

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O primeiro Foro Consultivo del SATVD-T organizou uma série de encontros sobre a implementação da televisão digital na Argentina em dezembro de 2009, abrangendo debates sobre a produção nacional e a geração de emprego, normas técnicas e promoção de conteúdo. O segundo Foro Consultivo del SATVD-T foi realizado em março de 2010, no qual se deu destaque à criação da Plataforma de TV Digital pelo decreto 364/2010. Desenvolvida pela Empresa Argentina de Soluciones Satelitales Sociedad Anónima (ARSAT), a plataforma foi criada com o objetivo de construir um sistema de radiodifusão diverso e democrático, assegurando a universalidade do acesso. Sobre o Plan Estratégico para la implementación del SATVD-T, organizado pelo Consejo Asesor, foi dada evidência à criação da Red de Conocimiento de la Televisión Digital Abierta, integrada por três grandes áreas: conteúdo, software e telecomunicações. No final do primeiro semestre de 2010 foi criado o plano de distribuição de settop box “Mi TV digital”, denominado formalmente de Plan Operativo de Acceso al Equipamiento para la Recepción de La Televisión Digital20 . O programa do governo argentino é uma política pública que tem como objetivo distribuir sem custo o receptor digital aos cidadãos e instituições que apresentam riscos de exclusão durante o processo de transição tecnológica. A implantação do Sistema Argentino de Televisión Digital Terrestre segue o cronograma estabelecido primeiro Foro del SATVD pelo grupo de trabalho Plataforma Nacional de Televisión Digital Terrestre. Atualmente, o cronograma se encontra na primeira fase, contemplando vinte sitios 21 selecionados.

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Mais informação do programa Mi TV Digital: http://www.mitvdigital.gob.ar

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Baradero, Campana, Cañuelas, Chascomús, La Plata, Lujan, Mar del Plata, Córdoba Capital, Resistencia, San Nicolás, Paraná, Santa Fe Capital, Formosa Capital, San Salvador de Jujuy, Mendoza capital, Confluencia, Rosario, Dantiago Del Estero Capital, Río Grande, San Miguel de Tucumán. Para conferir o cronograma completo acesse: http://www.tvdigitalargentina.gob.ar/tvdigital/cobertura

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Considerações finais No cenário argentino, foi observado que a discussão sobre a implantação da televisão digital ainda é travada, em grande parte, no campo da engenharia. Como no Brasil, os debates devem se acentuar e passar a envolver mais atores a partir das definições técnicas. Além disso, a realidade política da Argentina, em que a presidente Cristina Kirchner enfrenta baixo índice de popularidade, e a discussão em torno da nova lei de radiodifusão tornaram o ambiente pouco propício ao debate intenso sobre a televisão digital. É importante ressaltar que o maior grupo de comunicação do país, El Clarín, foi contra a aprovação da nova reforma dos meios, gerando uma grande tensão no país. Analistas afirmam que essa reformulação das leis de comunicação enfraquecerá a posição do grupo El Clarín como mídia monopolizadora no país. Apesar de a nova lei não fazer nenhuma referência em relação à digitalização do sinal televisivo, é dito também que o El Clarín é contrário, porque disponibilizaria mais espaço para concorrência, sem esquecer também do relacionamento de proximidade com os Estados Unidos, país pioneiro no desenvolvimento do padrão ATSC. O estudo permitiu observar que o país ainda passa por uma instabilidade políticoeconômica que prejudica o debate da digitalização, já que existem assuntos mais urgentes na pauta de discussão. Los medios de comunicación de alcance nacional, hasta el momento, no hacen referencia alguna acerca de las tareas que actualmente desarrollan las distintas áreas del Estado que tienen ingerencia sobre el tema. Tampoco existen, desde el ámbito oficial, anuncios importantes sobre la temática. Sin embargo, el interés empresario de las telefónicas por brindar los servicios de telefonía, Internet y televisión por la misma red, y el aglutinamiento de la televisión por cable en determinado grupo empresario anuncian una disputa más que interesante en este campo que, con seguridad, tendrá un impacto político y mediático difícil de ocultar al público en general22.

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Revista Entelequia http://revistaentelequia.com.ar/publico/index.pzaShp? m=Noticia&a=verNoticia¬icia_id=1698

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A importância de acordos regionais sempre aparece na discussão, principalmente a aliança Brasil-Argentina. Entretanto, é necessário o maior aprofundamento dessas questões, já que o Brasil está mais a frente no processo e poderá trazer grandes contribuições na implementação da nova televisão no território argentino, assim como este pode trazer grandes contribuições, especialmente na produção de conteúdos cuja qualidade da produção é reconhecida internacionalmente.

Es inédito que los países sudamericanos se sumen en una empresa tecnológica tan importante. Todos ellos podrán, con la ayuda de Japón, generar una solución de TV Digital adecuada para Latinoamérica, que luego pueda incluso ser exportada a otras regiones de similares características. Se puede asimilar de alguna manera a la experiencia de la Comunidad Europea con el GSM y el DVB. Para Sudamérica este puede ser el comienzo de una alianza tecnológica que permita luego avanzar sobre otros temas (VALLE, ON LINE).

A digitalização é uma oportunidade para que o país reverta o quadro de centralização de ciência tecnológica. É preciso que o governo da Argentina olhe para esse processo não como uma consequência de uma sociedade bem estruturada, mas como causa. O redesenho do conjunto de comunicação por que passa o país irá refletir em todos os setores estruturais de seu território.

Bibliografia ALBORNOZ, L., HERNÁNDEZ, P., POLTOLSKI, G. La televisión digital en la Argentina: Aproximaciones a um proceso incipiente. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, XXII, 1999, Rio de Janeiro. ARGENTINA. Decreto 1448/2009 – Creáse el Sistema Argentino de Televisión Digital Terrestre.http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/155000-159999/157212/norma.htm ARGENTINA. Decreto 364/2010 - Declárase de interés público la Plataforma Nacional de Televisión Digital Terrestre. - http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/ 165000-169999/165234/norma.htm BIZBERGE, Ana. Televisión Digital Terrestre: cambio de estatuto de la radiodifusión? 2009, 125 f. Dissertação – Universidad de Buenos Aires. GALPERIN, Hernan. Comunicación e Integración en la era digital: un balance de la transición hacia la televisión digital en Brasil y Argentina. Comunicación y Sociedade, n.1. Guadalajara: 2004.

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GARCIA, Raquel Urquiza. Políticas de implantación para la DTT en el mercado iberoamericano. In: IX Congreso IBERCOM, IX, 2006, Sevilla-Cádiz. NAVARRO, J., ROBLES, M. La Digitalización de la red de televisión terrestre en Argentina. Apuntes para una caracterización de su inclusión em la agenda del gobierno kirchnerista. Perspectiva Latinoamericana, v.1, n.2. Buenos Aires: 2008. KRAKOWIAK, Ricardo. La Televisión Digital Terrestre en Sudamérica: Disputas empresarias y formas emergentes de regulación. Los casos de Argentina y Brasil. In: Encuentro Nacional de Carreras de Comunicación, XII, 2009, Rio Negro. PÁGINA/12. Integración, aviones y TV digital. 7 de setembro de 2008. Acessado em: http:// www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-111152-2008-09-07.html. RODRIGUEZ MIRANDA, Carla. Entre promesas e incertidumbres se dilata la llegada de la televisión digital terrestre. In: Jornadas Nacionales de Investigaciones en Comunicación, XIII, 2009, San Luis.

VALLE, Luis. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por em 17 mar. 2010

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