A implantação da TV Digital no Brasil: uma abordagem pela teoria crítica de tecnologia de Fennberg

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A implantação da TV Digital no Brasil: uma abordagem pela teoria crítica de tecnologia de Fennberg

Flávio Velame Teixeira da Costa *

Introdução O presente ensaio busca considerar a evolução da proposta da TV digital no Brasil, seus pontos de debate quanto a aspectos técnicos de implantação e o viés de aplicação centrado na inclusão social que foi incorporado ao discurso político. Isso ocorreu durante o período em que a proposta ainda não havia se concretizado, onde sua concepção estava concentrada no Ministério das Comunicações e no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). A partir de 2003, com a definição do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), a proposta foi formalizada como uma ação governamental. A hipótese a ser trabalhada é que o discurso da TV digital como ferramenta desde 2003, para uma ação reduzida ao avanço tecnológico em sentido estrito, mas ignorando os componentes de inclusão social que eram inicialmente previstos e que serviam como aspecto de legitimação governamental da proposta no momento inicial. Os diferentes grupos diretamente envolvidos (emissoras, produtores, indústria, institutos de pesquisa, etc) possuíam interesses comerciais e capacidade de influência que levava a enfraquecer os aspectos que não satisfizessem as razões sociais daqueles mais presentes e organizados. Nisso se buscará a da teoria crítica da tecnologia de Feenberg. Considerando os determinantes sociais, e mesmo políticos, da tecnologia, pode-se observar por esse estudo de caso a forma como o desenho do projeto não corresponde ao resultado que era inicialmente

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Analista em Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e

Mestrando em Política e Gestão de Ciência e Tecnologia do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Artigo apresentado para a disciplina Biopolítica em julho de 2008.

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pretendido, o que geraria um desvio de implementação. Não chegou a se desenvolver um sistema efetivamente novo, e sim um avanço tecnológico apropriado pelo sistema que já era vigente. Por conta do grau de complexidade envolvido no tema, optou-se por uma estruturação seguindo a cronologia da TV Digital, o que permite evidenciar os desenvolvimentos, conflitos e rupturas que aconteceram ao longo do tempo. Conclui-se com uma maior interação entre o estudo de caso e abordagens teóricas que possam trazer explicações sobre os acontecimentos relatados. Primeira fase: até 1999 A idéia da construção de tecnologia de TV digital em substituição do sistema analógico surgiu no Japão nos anos 80, passando posteriormente a ser discutido nos EUA. Na Europa em 1991 encontram-se os primeiros registros quanto a essa possibilidade. A necessidade de se pensar de forma associada a capacidade de infra-estrutura quanto à largura da banda retardou a evolução quanto ao tema (MORAES, 2003). Dentre os padrões já desenvolvidos, o padrão americano (ATSC), possui a desvantagem de não ser concebido para aplicações portáteis. O padrão europeu (DBV-T) possui limitações quando opera para receptores fixos e móveis simultaneamente, com um considerável índice de interferências, além te não contemplar a alta definição, e sim um maior número de canais. O padrão japonês, (ISDB-T), é baseado no DBV-T, porém com correções que dão condições para a recepção das diversas formas com alta qualidade, permitindo reunir diversos serviços digitais independentes, como a televisão de alta definição (HDTV), a de definição padrão (SDTV), difusão digital de áudio (DAB) e serviços móveis de multimídia (MONTEIRO, 2000). Como poucos países de seu porte, o Brasil desenvolveu um sistema de comunicação retrógrado, destacando-se a televisão, por sua inegável centralidade nas sociedades contemporâneas (RAMOS, 2000), caracterizado por privilégios políticos e falta de controle público, onde não há espaço para o debate que contrarie interesses dos proprietários das emissoras.(BOLAÑO & BRITTOS, 2007) O arranjo entre os atores fica bem claro quando percebe-se a composição do grupo de trabalho que iniciou a discussão do tema no Brasil, e que posteriormente foi responsável pela

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realização dos testes que geraram um relatório quanto à adequação dos diferentes sistemas. O grupo era formado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), e pela Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET), ambos representantes diretos do setor produtivo, em que avaliaram por critérios técnicos tomando-se por referência o modelo televisivo analógico.Estes inicialmente buscavam preparar a elaboração de uma proposta para o planejamento técnico da transição da TV brasileira do atual formato analógico para o digital. Naquele cenário institucional, o grupo técnico realizava interlocução junto à Comissão Assessora para Assuntos de Televisão do Ministério das Comunicações (MORAES, 20003). No período de 1995 a 1999 foram registradas significativas mudanças no arranjo regulatório do setor de telecomunicações, e isolando o setor de radiodifusão dos demais serviços de telecomunicações. Tal separação era aparentemente incoerente levando-se em conta a convergência tecnológica que se observava. A integração entre os meios de comunicação (informação e entretenimento), as telecomunicações (até então restritas a telefonia e transmissão de dados), e a informática (indo além da concepção original de armazenamento e processamento de dados) se consolidou (RAMOS, 2000). Permitiu-se a manutenção dos mecanismos já existentes no período anterior à existência das Agências Reguladoras, em uma situação de continuísmo que interessaa às principais forças políticas do setor, representadas pela ABERT. O Ministério permanecia com responsabilidade de outorga e fiscalização, porém as perspectivas da TV Digital foram assumidas pela ANATEL. Para Castro (2006), apenas em 1999 teve inicio o processo governamental quanto às possibilidades da TV Digital, levando-se a crer que a ineração anterior no Ministério ainda havia sido muito incipiente. Na ampliação da discussão na esfera da ANATEL, percebe-se a presença da ELETROS, representante do setor industrial, com um posicionamento que buscasse reforçar as suas possibilidades de atuação como produtor do aparelho receptor. É interessante perceber que por vezes coloca-se que o interesse é trazer facilidades para o consumidor final (TAVARES, 2001), mesmo que não se observe nas discussões organização efetivamente representando do segmento. A utilização do argumento de que determinada alternativa é supostamente benéfica ao consumidor apresenta uma legitimidade, mesmo que este não esteja presente para a escolha.

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De 1999 a 2003 A inclusão de atores "não-técnicos" na discussão só se observou a partir da realização de audiência pública em 2000, quando grupos de interesse não ligados ao mercado contribuem para a mudança de enfoque da discussão, abordando aspectos políticos, culturais e educacionais referentes à TV digital. A partir desse momento evidencia-se a necessidade do debate se centrar na busca por um modelo de telecomunicações que permita o aproveitamento das potencialidades da TV Digital. Porém, segundo Moraes (2003), a inclusão dos novos atores contribuindo para que o problema da implantação da TV digital fosse encarado sob perspectiva social e política, além da evolução tecnológica, ampliou as potencialidades para além da capacidade do marco regulatório existente. Tal fator teria levado a um congelamento das políticas públicas, pela falta de condições da ANATEL em lidar com tais aspectos. Já para Castro, a desaceleração eria sido muito mais influenciada pela pressão norteamericana, descontente com a preferência que se colocava quanto ao modelo japonês. O papel da ANATEL como agência reguladora de telecomunicações engloba a difusão de sinais de rádio e televisão e prevê uma postura mais avançada quanto à prestação de serviços, com padrão de qualidade e preços acessíveis (MONTEIRO,2000). Porém, os critérios de análise ficam restritos aos aspectos técnicos da transmissão do sinal, com uma lacuna quanto à determinação de conteúdo e construção do sistema de forma a criar espaço para a difusão de material com valor social. Porém, em 2002 a solicitação de estudos técnicos ao CPqD já englobava claramente os aspectos não-técnicos que tinham sido levantados, indo além da dimensão tecnológica. Poucos meses depois o Ministério das Comunicações apresenta uma "Política de Implantação para TV Digital", que se constitui na primeira demonstração governamental sobre o tema. É interessante perceber que até aquele momento não se considerava a possibilidade da criação de um sistema brasileiro. A discussão era estritamente quanto aos modelos já desenvolvidos, com uma inegável preferência pelo modelo japonês, considerado tecnicamente o mais adequado.

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De 2003 a 2006 Um marco na constituição do novo arranjo de prioridades para a constituição da TV Digital no Brasil ocorreu em novembro de 2003, com a instituição do Sistema Brasileiro de Televisão Digital. O Decreto 4.901, demonstra-se claramente a relevância que o SBTVD possuía como ferramenta de política social. Tal nota-se por seus objetivos de promoção de inclusão social, diversidade cultural e promoção da língua portuguesa; permitir a criação de uma rede universal de educação à distância; possuir um processo de transição que permita a adesão de pessoas de baixa renda. (BRASIL, 2003). Tratava-se de uma instrumentalização bastante distante da que se discutia nos anos anteriores, e singular ainda que comparada às experiências que eram desenvolvidas em outros países. Passou a se dar destaque ao fato de que os modelos existentes não atenderiam na totalidade algumas das necessidades específicas para o Brasil, como confiança e estabilidade na recepção, reduzidos custos dos terminais e equipamentos, flexibilidade no modelos de negócio (o que contemplaria a diversidade econômica e cultural) e interatividade de novos serviços ( o que permitiria uma aplicação para inclusão digital). (CPqD, 2006) Em seu princípio, elementos de inclusão social compunham o acervo de legitimação política da TV Digital. Em sua concepção de janeiro de 2003, previa-se um sistema de implantação flexível, recepção em condições difíceis e inclusão digital, por interatividade básica, passando gradualmente a uma interatividade plena. (TELETIME NEWS, 2003). Cabe uma reflexão quanto aos aspectos de conceituação que são centrais para o melhor entendimento do que representa o Decreto 4.901. Inclusão social entendida especificamente como inclusão digital refere-se a diversos componentes como informação e aprendizado, lazer e diversão, comunicação, participação econômica, financeira, política e cívica (HELSPER, 2008). A proposta da inclusão digital como meio de inclusão social apresenta-se de forma muito atraente, na medida em que possibilita o uso em larga escala de componentes tecnológicos já existentes com adaptação para servirem de instrumento para o engajamento de um maior número de pessoas a um ciclo de rotinas que disponibiliza um acervo amplo de informações. A proposta considera que tais informações geram oportunidades diversas para uma expansão das possibilidades de atuação daqueles grupos sociais antes excluídos.

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Percebem-se limitações na incorporação das potencialidades em curto prazo, como em estudos com jovens de Recife (TAUL et al, 2006) onde as maiores mudanças de cotidiano são relacionada ao acesso a novas formas de interação com sujeitos onde já se processam contato. Porém ao longo do tempo a instrumentalização das ferramentas tende a crescer na medida em que o sujeito adquire autonomia e há uma associação entre os estímulos de outras esferas públicas, notadamente o espaço escolar. Mas é importante que se observe que a proposta aplicação da TV Digital como ferramenta de inclusão social vai muito além da inclusão digital no sentido de ampliar a capacidade de acesso a equipamentos de telecomunicações. Trata-se de uma incorporação de valor ao aparelho televisor, doméstico ou não, com uma funcionalidade que dê condições para a redução de disparidades sociais. Outra componente para a inclusão social seria pela ampliação do arranjo produtivo relacionado com a TV Digital, tanto quando à demanda de componentes como à produção midiática. Nisso entraria a combinação que criaria um ciclo virtuoso, onde a melhoria no aprendizado profissional seria influenciada positivamente pelas aplicações da TV Digital, o que traria uma maior capacitação de recursos humanos, os quais seriam incorporados no sistema produtivo. As dimensões de uma estratégia de desenvolvimento nacional dessa forma incorporaria as seguintes dimensões: melhorar a distribuição das oportunidades de investimento, incorporar a questão da sustentabilidade, da inovação e da competitividade, praticar políticas efetivas de distribuição de renda, passando para tanto em uma atuação de valorização de capital humano e social, do protagonismo e valores locais e sociais, e dos recursos e potencialidades locais. (ALVIM, 2005). Nisso é importante observar como o protagonismo vincula a inclusão social à necessidade do indivíduo ter capacidade de gerir seu próprio destino, realizando suas escolhas. (WARSCHAUER, 2004). A proposta da TV Digital incluía melhorias de definição de qualidade e som, e como mudança mais drástica, a transformação do televisor em um aparelho interativo, incluindo um vasto segmento de serviços comerciais que poderia ser disponibilizados (TAVARES, 2001). A incorporação do novo modelo permitiria inclusive a correção da estrutura de domínio midiático presente no Brasil, carcteristicamente concentrador e desvinculado de interesses sociais. Ao invés de surgir uma possibilidade de redesenho que adequasse a tecnologia ao

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conjunto de demandas sociais, o que de fato se concretizou não se apresenta como nada além de mais do mesmo, não abrindo espaço para alterações nos arranjos de poder e participação quanto ao acesso tecnológico e de produção de conteúdo. As iniciativas alternativas permanecem com papel marginal, mantendo as possibilidades da tecnologia televisiva muito mais como um instrumento de mercado do que de mudança social. Tal conservacionismo explica-se pelo pelo interesse técnico da conformação da nova tecnologia aos padrões já estabelecidos, onde a alteração de padrões implica freqüentemente em aumento de custos. (DAGNINO, 2008) O conjunto de políticas públicas estruturais de longo prazo incorporariam as inovações da TV Digital, principalmente a modulação digital de sinal, a mobilidade, as transações bidirecionais, a maior definição de imagem e a portabilidade (ZUFFO, 2003). Observa-se que já se destacava a oportunidade da realização do desenvolvimento com suporte financeiro de recursos do Fundo Setorial de Telecomunicações, o FUNTTEL, o que daria plena sustentação para as fases previstas. A priorização como ferramenta de política pública de inclusão social se previa a partir da convergência tecnológica, o que levaria a aqueles que dispunham de aparelho televisor o acesso à internet e seus recursos vinculados. A existência de uma quase universalização do televisor como eletrodoméstico, e sua prevalente influência como recurso de mídia para a população brasileira permitiria que a adaptação tecnológica fosse ampla e sem grandes barreiras de aprendizado ou investimentos pelos usuários. Tomando-se a perspectiva do Movimento de Tecnologia Social, a utilidade estaria em dar condições de melhoria para projetos de difusão científica e tecnológica para ampliação da empregabilidade (NEDER, 2007), o que tenderia a uma redução nas desigualdades sociais. O mercado potencial de equipamentos havia sido superdimensionado em relação aos custos do desenvolvimento e implantação do sistema. (ANDRADE, 2003) Principalmente durante a gestão de Miro Teixeira no Ministério das Comunicações, apresentou-se uma determinação política na adoção de um padrão brasileiro de TV Digital como a melhor maneira de adequar os interesses finalísticos e as potencialidades de desenvolvimento tecnológico, o que traz explicações para a mudanças de rumos que fez surgir a alternativa da SBTVD. A formulação estratégica da política pública para a efetiva constituição do sistema

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chegou a permitir o financiamento de somas consideráveis para sua estruturação inicial, mobilizando grupos de pesquisa nacionais. A proximidade entre os elementos motivadores e a comunidade tecnológica poderia permitir um formato bastante original e adequado para a construção do sistema. Porém, teria faltado ao Governo capacidade para levar o projeto à frente, independente de pressões do setor empresarial Nisso, a capacidade de influências das emissoras teria sido decisivo, no sentido de pressionar pela existência de um sistema que não gerasse grandes mudanças operacionais e aumento de custo para os opeardores, ao mesmo tempo que permitisse a manutenção do sistema comercial vantajoso para as emissoras. (BOLAÑO & BRITTOS, 2007). A ameaça de acusação por parte das emissoras de que o governo estivesse adotando uma posição intervencionista já se tornava real na proposta do Conselho Nacional de Jornalismo, e uma determinação quanto à TV Digital que não se adequasse aos planos das emissoras geraria um novo conflito. O próprio Presidente Lula mencionou que não seria inteligente do ponto de vista político contrariar as emissoras no ano em que disputará a reeleição (ALENCAR & MEDINA, 2006), ao momento em que oficialmente decidiu pelo padrão japonês, em março de 2006, encerrando a possibilidade de um desenvolvimento tecnológico alternativo e atendendo aos interesses das emissoras. Cabe comentar que os ministros posteriores a Miro Teixeira no período, Eunício Oliveira e Hélio Costa, têm estreita relaçâo com as emissoras. A regulação quanto a conteúdo na TV brasileira encontra-se centralizada no Ministério da Justiça, principalmente quanto a mecanismos de controle e restrição de conteúdo por horário por conta da possibilidade de audiência infantil. Porém, faltam mecanismos para uma ampliação do debate, apesar de algumas inciativas de ONGs para a conscientização quanto à necessidade de uma melhoria na qualidade de conteúdo .(BRITTOS & ZUCOLOTTO, 2006). Tal lacuna poderia ter sido preenchida com a instalação do Conselho de Comunicação Social, órgão previsto na Constituição Federal e regulamentado por lei, (RAMOS, 2000) mas que mas que somente foi efetivado pelo Congresso Nacional em 2002. Porpem, este possui uma formação desiquilibrada entre suas representações, não permitindo um debate real de idéias. (BRITTOS, 2006) Outro fator que impedia a evolução da proposta era o fato dela contemplar um conjunto de conflitos de interesses mesmo no âmbito dos novos atores que foram destacados.

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Centros de pesquisa e universidades brasileiras foram alçadas como determinantes para a construção técnica do sistema, mas havia dificuldades em se dialogar com os diferentes movimentos sociais que estariam inseridos. O enfoque sistêmico e mutidisciplinar proposto, abordando aspectos tecnológicos, econômicos, mercadológicos, sociais, culturais e regulatórios (CPqD, 2006) dependeria de um arranjo de organização. O Ministério das Comunicações encontrava-se politicamente enfraquecido pela redução de sua capacidade de ação, com a transferência de muitas atrbuições à ANATEL, e não conseguia construir as redes necessárias para que os grupos envolvidos se focassem quando aos objetivos determinados na concepção do SBTVD. Enquanto o setor tecnológico possuía interesses de aprendizado para o domínio técnico e avanço quanto a possibilidades de recursos de transmissão e qualidade, os movimentos não conseguiam se inserir de forma associada para efetuar uma construção conjunta. Isso se dava dando pela pulverização de movimentos e interesses quanto pela inexistência de pontes de comunicação que permitissem os diferentes atores se ouvirem e se unirem, ao invés de se distanciarem. A descontinuidade de um projeto que fosse efetivamente alternativo e adequado pode ser compreendida pela falta de uma presença de atores políticos que fossem capazes de fazer a defesa sobre o sistema. Os que tinham conhecimento e interesse sobre as potencialidades, não possuíam a força política necessária. Os que possuíam a influência política, não vislumbravam os benefícios da proposta.

Conclusão Tomando-se como referência a teoria crítica da tecnologia de Feenberg, o exemplo discorrido possui grande coesão com a consideração de que a questão central da relação da C&T e sociedade não seria a tecnologia em si, e sim as possibilidades tecnológicas dentre as quais devem ser feitas escolhas. Considerando que as escolhas tecnológicas levam em conta valores sociais, mecanismos de participação anti-democráticos, isto é, que dão poder excessivo para determinado segmento, podem gera distorções de projeto. A manutenção dos códigos técnicos já

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sedimentados no sistema não cria ameaças aos atores dominantes, mesmo que a campanha da TV digital se apresente, com o evidente uso de ferramentas publicitárias, em um instrumento revolucionário. Em momentos determinados havia a percepção de um modelo de escolha diverso, pois levava em conta um conjunto de indicadores diferenciado. Percebeu-se em determinados momentos quanto à necessidade de se procurar desenvolver uma adequação sociotécnica, no sentido de que se buscasse alternativa tecnológica capaz de alavancar empreendimento produtivo portador de evento futuro (DAGNINO, 2008). Tal levaria, inevitavelmente, à considerações sobre uma proposta alternativa à que se concretizou. A consideração da possibilidade da democratização ou anti-democratização a partir da tecnologia leva a uma reflexão quanto ao desenvolvimento de ciclos virtuosos ou viciosos. Em um sistema anti-democrático, as condições colocadas permitem que as escolhas tecnológicas sejam socialmente excludentes, ampliando as diferenças já existentes. Já com um sistema democrático, os mecanismos de controle tendem a refletir quanto às possibilidades tecnológicas de forma a aplicá-las de forma mais devida no interesse público/coletivo. O desequilíbrio de forças que influenciam nas escolhas trazem as inadequações tecnológicas, mesmo que o desequilíbrio de participação não faça que se perceba claramente tal contradição. A possível interpretação da experiência TV Digital brasileira como um desvio de implementação dependeria da concretização de seu projeto com uma instrumentação. Pelo que se percebe, os atributos de valores chegaram a ser especificados, mas a desconexão com as possibilidades técnicas - talvez até pela amplitude que se vislumbrava - acarretou em uma indefinição do seguimento para o efetivo desenho da proposta com o política publica socialmente inclusiva, restringindo-se a fatores puramente técnicos, os quais ainda são bastante valorizados e identificados com o conceitual de progresso. Percebe-se portanto a inevitabilidade de se considerar as opçôes tecnológicas sem se levar em conta as condicionamentes políticas que as determinam, mesmo que as decisões partam de arranjos aparentemente caóticos.

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