A IMPORTÂNCIA DA AJUDA PSICOLÓGICA NA PREPARAÇÃO PARA CIRURGIA COM CRIANÇAS

June 1, 2017 | Autor: Ces Revista | Categoria: Psicología Infantil, Crianças, Psicologia, Cirurgia, Intervenção Psicológica
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A importância da ajuda psicológica na preparação para cirurgia..., p. 223 - 238

A IMPORTÂNCIA DA AJUDA PSICOLÓGICA NA PREPARAÇÃO PARA CIRURGIA COM CRIANÇAS

Alessandra Bastos Machado* Maria Ângela das Graças Santana de Jesus** Maria Stella Tavares Filgueiras***

RESUMO Este artigo busca investigar os sentimentos e os comportamentos de criança hospitalizada nos momentos que antecedem uma intervenção cirúrgica. Os procedimentos cirúrgicos, embora tenham por finalidade promover o restabelecimento do paciente, adquirem caráter ameaçador, invasivo e agressivo. Desse modo, o trabalho aborda o brincar como fator de prevenção em saúde mental, minimizando, assim, o estresse e a ansiedade decorrentes da hospitalização e da cirurgia. A família, nesse contexto, constitui o suporte mais importante para a criança, pois é parte integrante no processo de doença e hospitalização. O estudo enfatiza, também, que a intervenção do psicólogo, nesse momento, torna-se muito promissora, pois o profissional permite que a criança expresse seus sentimentos e insegurança, fantasias e medos, intervindo como um mediador entre paciente, família e equipe de saúde. Palavras-chave: Criança. Preparação para cirurgia. Intervenção psicológica. ABSTRACT This article researches the feelings and the behavior of hospitalized child in moments before a surgery. The surgery, although have the aim of the patient’s cure, gets a threater, invasive and aggressive character. In this way, the study deals with the play as a prevention factor in mental health minimalizing the stress and the anxious caused by the surgery and the hospitalization. In this context, the family represents the most important base for the child because it makes part of the illness and the hospitalization. The research also prominences that the psychological intervention becomes promising because it allows child to demonstrates her feelings and insecurities, imaginations and fears, being like a judge between patient, family and health team in this situation. Keywords: Child. Surgical prepares. Psychological intervention. *

Graduada no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e Especialista em Psicologia em Desenvolvimento Humano pela UFJF. ** Mestre em Psicologia e professora do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. *** Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-RIO.

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Alessandra B. Machado, Maria Ângela das Graças S. de Jesus, Maria Stella T. Filgueiras

INTRODUÇÃO A criança é um ser em desenvolvimento com características próprias. Nasce totalmente dependente de cuidados e passa por um processo de desenvolvimento progressivo até alcançar a completa independência na maturidade. No contexto da doença e hospitalização, a criança torna-se passiva, deprimida, assustada, rebelde, sentindo-se vulnerável, pois depende do adulto para sua sobrevivência e tem pouco controle sobre várias áreas de sua vida. A criança, como ser em processo de construção, necessita das suas relações afetivas e do cuidado de seus pais para desenvolver o seu potencial. No seio familiar, estabelece suas primeiras experiências como ser humano. Ela busca apoio, orientação, referências de tempo, proteção para o desconhecido e para o sofrimento naquele familiar significativo para ela. Se esse familiar puder assistila, ela será capaz de suportar os sofrimentos e ansiedades surgidas durante a doença e hospitalização. A presença do familiar proporciona à criança segurança durante os procedimentos inerentes ao diagnóstico e tratamento, atenuando os momentos adversos e contribuindo para a aceitação deles. Devido a isso, tratase de um momento em que é preciso permitir à família e à criança serem ativos partícipes quanto às questões relacionadas à doença que as aflige e ao respectivo tratamento. Pode-se destacar que todos os procedimentos cirúrgicos, embora existam com a finalidade de promover a cura ou melhorar a qualidade de vida, remetem os pacientes a um estado conflituoso, adquirem caráter ameaçador, agressivo e invasivo. O presente estudo propõe delimitar o brincar como atividade terapêutica a ser desenvolvida nos hospitais, sendo assim constituída como um instrumento adicional na busca do restabelecimento da saúde da criança hospitalizada. O objetivo deste texto é investigar os sofrimentos, conflitos, angústias tanto do paciente como de seus familiares nas situações que cercam o momento cirúrgico, para com isso favorecer a recuperação da saúde e da qualidade de vida da criança submetida à cirurgia. Com este artigo propõe-se discutir o papel do psicólogo na preparação para cirurgia com crianças. O psicólogo pode proporcionar uma melhor integração entre paciente, família e equipe médica, para com isso, ampliar os sentimentos de confiança estabelecidos e reduzir o impacto traumático dos diagnósticos e/ou da cirurgia, quando indicada. 224 CES Revista, v. 22

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O BRINCAR E A FUNÇÃO TERAPÊUTICA Segundo Grolnick (1993) a vida bem sucedida dá-se entre a realidade e a fantasia, no mundo ilusório, haja vista que a palavra ilusão vem do latim ludere que significa brincar. Para Winnicott (1975), ilusão é o processo que ocorre no conjunto mãe-bebê no início da vida. A mãe que se identifica com seu bebê permite a ele a ilusão de que está criando a mãe, isto é, começa a criar o objeto de sua necessidade. O autor chama esse objeto, fruto da ilusão ou criação, de objeto subjetivo, gérmen do potencial criativo. Winnicott (1975) destaca o fato de que bebês e crianças pequenas fazem uso, habitual e espontaneamente, de certos objetos como o dedo, a fralda, o travesseirinho, e, posteriormente, um brinquedo mais duro como um boneco. Ele compreendeu que esses objetos, que chamou de objetos transicionais, eram representantes da figura materna e tinham a função de permitir lidar com as angústias, principalmente angústias de separação, naturais do processo de amadurecimento. Esses objetos eram o lado objetivo de processos psíquicos importantes, os fenômenos transicionais que estavam se desenvolvendo no interior da subjetividade, ainda em formação da criança. Através da função paradoxal de ser-não-sendo, do objeto transicional, Winnicott (1975) procurou mostrar que o indivíduo necessita, não só no início, mas ao longo de sua vida, de mecanismos psíquicos de mediação que o ajudem a lidar com os conflitos naturais entre a necessidade – desejo e os limites que a realidade impõe. Em outras palavras, entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. Roza (1993, p. 74) enfatiza que: “[...] toda criança que brinca se comporta como um poeta, pois cria um mundo próprio, ou, melhor dizendo, insere as coisas de seu mundo numa nova ordem que lhe agrada”. De acordo ainda com Roza (1993), deve-se levar em consideração que o brincar é uma forma de expressão privilegiada na infância e que a capacidade para produzir associações verbais configura uma importante distinção entre a criança e o adulto. Essa distinção, porém, não constituiu um impedimento para o desenvolvimento da psicanálise com crianças. Ela deve sua existência ao valor da linguagem atribuído ao brincar, como um método que possibilita o acesso à fantasia, às construções de ficção onde se realiza o desejo. A autora descreve que, no brincar, as crianças encontram o enriquecimento de sua condição 225 Juiz de Fora, 2008

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humana e o jogo do prazer, na procura de significar o desconhecido. O brincar é a realização do inconsciente. Para Roza (1993), as crianças repetem as experiências vividas, as dificuldades enfrentadas, dando-lhes sentido no brincar. Expõem na brincadeira os enigmas da existência ligados ao corpo, ao sexo, à morte. Pode-se considerar então, que o brincar da criança exprime a insuficiência humana e a busca da felicidade, e é nesse sentido que se confere a ele um papel fundamental no processo de constituição do sujeito na teoria psicanalítica. Winnicott (1994) alerta para o fato de se suspeitar que algo não vai bem com a criança quando ela é incapaz de brincar. O autor aponta que, através do brincar, podem ser observados índices psicopatológicos, como por exemplo, esteriotipia nos padrões ou sensualização da brincadeira. Além disso, para ele, o brincar em si mesmo é uma terapia e, importante, dispensa interpretação. De acordo com Ortiz (1997), no brincar e no controle sobre a vivência da doença e da hospitalização, a criança tem a chance de perceber que essas vivências estão protegidas por um mundo de fantasias, no qual ela pode experimentar, sem medo, impulsos agressivos ou destrutivos, canalizando sua energia de uma maneira saudável, usando uma linguagem que lhe é familiar. Chiattone e Meleti (2003, p. 86) consideram: [...] A observação da criança durante essas atividades nos dá dicas de como devemos prepará-las para cirurgia, quais são os elementos duvidosos, seus medos e ansiedades. Os desenhos feitos pelos pacientes mostram sempre as suas áreas de inquietação, e a ajuda do psicólogo advém de compreender esses temores e orientá-los da melhor maneira possível, aliviando o sofrimento da criança [...]

Oliveira (1999) enfatiza que, no hospital, o brincar funciona como uma possibilidade de a criança se organizar por meio de uma comunicação e exteriorização de suas tensões, trazendo-lhes a possibilidade de integrar corpo e psique, bem como propiciar uma participação em seu próprio tratamento e uma busca ativa de sua recuperação. Segundo Cunha (1973), no brincar a criança será chamada a trazer à tona o material consciente ou inconsciente, verbal ou não, sempre ligado à operação e à doença que levou à indicação cirúrgica. Para a autora, dependerá do psicoterapeuta relacionar as verbalizações e brincadeiras da criança, com 226 CES Revista, v. 22

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o propósito dos encontros, para que a criança possa ir, aos poucos, tomando consciência de suas fantasias e formando uma idéia mais realista do ato cirúrgico e de suas conseqüências. A PREPARAÇÃO PARA CIRURGIA COM CRIANÇAS E A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NESTE CONTEXTO Winnicott (1983) considera que, no percurso do indivíduo, enquanto tal, uma criança passará por uma jornada progressiva e gradual, indo de uma dependência absoluta à independência e passando por uma fase relativa de dependência. De acordo com o autor, devido à dependência dos recursos ambientais, acaba sendo difícil descrever um bebê ou uma criança pequena sem ser incluída uma descrição dos cuidados que ela recebe e que, apenas posterior e gradualmente, vão ser transformados em algo separado do indivíduo. De acordo com Kelles (1999), o indivíduo nasce, e, aos poucos, vai se formando dentro de um mundo dinâmico, de vivências e relações, onde submetido a situações diversas, ele percebe, apreende, retém e responde, cada qual de um modo particular, dentro da singularidade característica de cada ser humano. Mohallem e Souza (2000) destacam o fato de que a criança, ao nascer, encontra-se em um verdadeiro estado de desamparo. Nesse momento, ela vive em absoluta impotência, sendo incapaz de efetuar uma ação específica que aliviaria a tensão interna causada pelo estado de necessidade. A criança vive, então, totalmente dependente de um outro. É o outro competente que vai cuidar, amar e introduzi-la na cultura. O desamparo e a desolação tornam-se, assim, parte da origem da condição humana no mundo. Segundo Winnicott (1983), a forma e o momento em que o bebê é atendido irão constituir a base para a sua personificação. Tudo que ele precisa é ter suas necessidades básicas de alimentação e asseio mitigadas, assim como precisa de segurança, aconchego, e certa dose de previsibilidade de sua mãe. Devido a isso, pode-se perceber que, nos primeiros tempos da existência da criança, o amor se expressará em termos corporais e o cuidado físico será, assim, também, um cuidado psicológico. No momento em que o bebê começa a se reconhecer, ele está adquirindo 227 Juiz de Fora, 2008

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gradualmente um esquema corporal. A partir disso, Winnicott (1983) destaca a extrema importância de um meio ambiente facilitador que, num intercâmbio permanente com aquilo que o sujeito traz sob a forma de herança, permitirá um constituir-se do indivíduo. O meio facilitador aparece, então, como aspecto fundamental nos primeiros momentos de vida da criança, sendo representado, na teoria winnicottiana, pelo que se designa função materna. Para Winnicott (1988), no início do desenvolvimento, o indivíduo, que parte de uma não-integração e de uma dependência absoluta, necessita de um meio ambiente ativamente adaptado. Esse meio ambiente é a mãe ou a pessoa que exerça essa função. Ela, que Winnicott vai nomear de mãe suficientemente boa (good enough), é aquela que é capaz de desenvolver um processo de profunda identificação com o bebê, conseguindo, assim, saber traduzir e atender às suas necessidades. O autor descreve que ser ativamente adaptada é não só traduzir as necessidades fisiológicas, como a alimentação, por exemplo, mas, sobretudo, compreender as necessidades de suporte, holding (conceito winnicottiano que significa capacidade da mãe em oferecer ao bebê um ambiente propício ao seu desenvolvimento psíquico) e acolhimento de sua criança. Essa adaptação ativa, fruto de uma identificação, constrói um clima de confiabilidade entre a criança e o mundo para a realidade externa não se apresentar de uma forma intrusiva, não deixando que o bebê tenha interrompida sua continuidade de ser, sinta-se invadido e reaja, criando defesas. Podkameni e Guimarães (2004) enfatizam que a experiência cultural começa essencialmente a partir do nascimento e, portanto, inicia-se com a relação mãe-bebê. Quando tudo corre bem, é a identificação da mãe com o seu bebê, a fidedignidade e confiabilidade por ela impressas nessa relação, uma vez internalizada, que permite a entrada no espaço potencial. O paradoxo da separação do meio ambiente maternante é preenchido normal e gradualmente pelo brincar e a experiência cultural, evidências paradigmáticas da incorporação de um viver criativo. De acordo com Kelles (1999), a criança reflete o que há de sintomático na família, pois está ligada à presença dos pais, dependente do adulto que lhe oferece os cuidados necessários ao seu desenvolvimento. Daí pode-se dizer que todo trabalho com a criança nos remete ao adulto. Campos (2004) enfatiza que a família, crucial para o enfrentamento das 228 CES Revista, v. 22

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crises que, habitualmente abalam a identidade, é a fonte primária da identidade de um indivíduo. A família se constitui na melhor fonte de reforço dessa identidade. Para Campos (2004), a família, também, contribui para fortalecer o ego de seus membros no que tange ao domínio emocional. As crises habitualmente geram ansiedade, raiva, depressão, culpa, e a intervenção dos familiares minimiza esses sentimentos ao expressar solidariedade e oferecer amor, esperança e conforto. Campos, Álvares e Abreu, (2004) acreditam que a família é encarada como um organismo dinâmico, cujos movimentos ocorrem, dependendo das variáveis que incidam sobre o mesmo organismo. Essa dinâmica é bem clara, ao se lidar com famílias que enfrentam a doença de um de seus membros. A partir do momento em que a criança deixa o anonimato, passando a ser o centro das atenções da família nuclear devido à doença, ela também passa a ser o lugar onde serão depositadas as fantasias, os projetos, as frustrações e as expectativas não só de seus pais, como de seus irmãos e outros elementos componentes da família. De acordo com as autoras, o adoecimento pode aparecer, então, como ameaça, não só à criança, mas para todo o grupo que nela depositou uma gama de sentimentos. A ameaça assume proporções equivalentes à gravidade da doença. A família, então, defronta-se com duas tarefas: cuidar da criança doente e lidar com as emoções, a maioria das vezes inconscientes, que passam a transformar as relações entre seus membros. Ismael (2004) enfatiza que a doença pode ser vista como um evento catastrófico, alterando o equilíbrio familiar. No início, os membros da família podem ficar paralisados pelos sentimentos de medo, choque e descrença. Da mesma forma como o paciente sente uma brusca ruptura com o seu meio e sua rotina, a família também tem a sensação de ruptura do seu dia-a-dia, acompanhada por um sentimento de desagregação familiar, percepção de descontinuidade de sua história de vida. Segundo Chiattone e Meleti (2003), quando o paciente é uma criança, a família sempre reage com muita dificuldade. Todo o processo de doença e os sentimentos conseqüentes estarão vinculados a antecedentes como, por exemplo, o nascimento, que pode ter causado decepção, num momento difícil para os pais, ou ainda no caso de crianças não desejadas ou muito desejadas, 229 Juiz de Fora, 2008

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em que a expectativa é muito alta. As reações de culpa e desespero sempre vêm acompanhadas do sentimento de que exigiram demais da criança. Souza e Barros (1999, p. 130) analisam: [...] tanto profissionais como os familiares tentam de alguma forma minimizar esta situação mobilizadora de angústia, pois, como sabemos, não há nada que angustie mais do que ver o outro angustiado. A angústia não é um afeto conhecido, que tenha um lugar definido. Sentir angústia estaria relacionado a uma fragilidade, a um não dar conta frente às situações de limite do Real.

Para Ismael (2004), quanto mais a família apresentar dificuldades ao longo de sua história para lidar com frustração, limitação, privação, sofrimento, morte e luto, mais defesas dentro do grupo familiar serão instaladas para poder manter o sofrimento psíquico afastado. Da mesma forma como o paciente pode lançar mão de mecanismos de defesa para evitar a dor psíquica, como negação, idealização, racionalização, a família também pode lançar mão dos mesmos recursos. Outros mecanismos de defesa além da negação, também são utilizados pela família como raiva (após a negação), negociação, depressão e, por fim, aceitação. Campos, Álvares e Abreu (2004) afirmam que o surgimento da doença em qualquer família é sempre um fator desestruturante. Por isso, é importante a orientação e o atendimento a essa família, que poderá lidar com as angústias despertadas pelo adoecimento, de maneira mais consciente, de um de seus membros, permitindo que as emoções apareçam, mas sem deixar de lidar com os fatos que essas situações exigem. As autoras ainda ressaltam que muitas doenças atingem os diferentes membros de uma família, no entanto, cada vez mais, a família é considerada um paciente passível de atendimento, tanto quanto aquele que realmente adoece. De acordo com Chiattone e Meleti (2003), deve ser especialmente levado em conta pela equipe de saúde a atuação junto às famílias, na medida em que elas têm um papel relevante no processo de atendimento. A participação das famílias, principalmente das mães, no hospital, é de fundamental importância para a criança, pois são partes integrantes no processo de doença e hospitalização.

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O PAPEL DO PSICÓLOGO E DA EQUIPE INTERDISCIPLINAR Segundo Moura (2003), ao adoecer, o sujeito humano, que é incompleto, tem sua fragilidade exposta para si e para o outro e, no hospital, essa fragilidade assume maiores proporções. Para a autora, quando o indivíduo adoece, submetese aos procedimentos médicos, pois acredita que eles irão tamponar a falta que a doença evidenciou e aplacar a angústia advinda da possibilidade de morte, podendo, assim, estabelecer uma relação (suposta) de completude com o seu tratamento. Derzi (2003) enfatiza que, no hospital, histórias trágicas ocorrem, pois ele é um espaço de acontecimentos inesperados, onde se presentificam situações de perdas: perda da condição de um ser humano saudável para uma condição de doente, perda de um corpo inteiro para um corpo submetido a uma cirurgia, que pode deixar marcas, cicatrizes, mutilações e, até mesmo, causar a morte do paciente. Chiattone e Meleti (2003, p. 85) descrevem: Preparar uma criança para cirurgia ou exames físicos dolorosos é tarefa imprescindível. Nenhuma criança deve realizar uma intervenção cirúrgica sem a devida preparação e elaboração do fato. O menosprezar de sentimentos envolvidos em uma cirurgia muitas vezes leva a conseqüências desastrosas um tratamento aparentemente simples e eficaz.

Burd (2004) destaca que famílias abertas ao diálogo desde o início do processo de doença parecem, a seu tempo, enfrentar melhor a situação. Todos se beneficiam com a abertura da comunicação franca e dão um passo para mobilizar os recursos da família. Os segredos geralmente causam mais problemas que os próprios motivos deles, e as pessoas envolvidas experimentam um alívio muito grande quando não precisam mais guardá-los. Familiares e pacientes se aproximam e podem se ajudar mutuamente porque a comunicação franca aprofunda a compreensão do sofrimento de ambas as partes. Kruel (1999) pontua que a criança, via de regra, vive as intervenções sobre seu corpo como reais agressões, não tendo ainda a noção de um benefício em direção a sua saúde. No hospital, como lugar dessas intervenções, a criança 231 Juiz de Fora, 2008

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se depara com um novo cotidiano, totalmente desconhecido e comumente ameaçador. Ela esbarra com um mundo absolutamente diferente do seu, em que a dor e a doença se instalam. Segundo Brant (1999), apesar de atuarem com referências diferentes, a medicina e a psicologia convergem para o objetivo de aliviar a criança de seu sofrimento. Atualmente, a importância dessa parceria tem se tornado cada vez mais evidente com a presença dos psicólogos nas instituições de saúde, cada qual trabalhando com seu saber em prol do paciente. Campos, Álvares e Abreu (2004) enfatizam que a multidisciplinaridade não é mais suficiente para cuidar da doença e vem dando espaço para o surgimento de equipes que trabalham em um modelo interdisciplinar, ou seja, uma troca de saberes, podendo o repensar práticas e o intercâmbio fertilizador dar subsídios teóricos e práticos para o atendimento do familiar com crianças doentes ou que venham a falecer. Cada elemento da equipe, de acordo com as autoras, terá a importância exigida pelo momento, em lugar de ocupar um espaço que por si só já lhe dê um status de maior ou menor importância. O todo conterá cada parte, dando a cada um a possibilidade de agir, sempre de acordo com a infinidade de demandas que podem surgir quando se propõe cuidar do ser humano. Mohallem e Souza (2000, p. 17) descrevem: [...] Pensar naquilo que é humanamente útil significa dizer pensar naquilo que pode fazer com que a gente viva melhor e mais feliz. Se o objetivo da Psicanálise não for o de ajudar as pessoas a lidar da melhor maneira possível com o sofrimento, para que serviria a Psicanálise? A Psicanálise visa objetivamente encontrar a verdadeira verdade do sujeito, sendo tudo o mais absolutamente indiferente.

Para Campos, Álvares e Abreu (2004), uma família, quando bem assistida pela equipe de saúde, seja na doença ou no luto pela perda de uma criança querida, pode lançar mão de recursos anteriormente desconhecidos, elaborando as dores em uma qualidade de vida melhor, apesar de tudo. Nunca mais será a mesma família, porém vai depender dos cuidadores, se será uma família melhor ou pior. Segundo Mohallem e Souza (2000), percebe-se que, na maioria dos casos, 232 CES Revista, v. 22

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a internação em um hospital é algo que desestabiliza não só o sujeito internado, mas também seus familiares, já que nunca se está preparado para enfrentar a doença, a morte, o imprevisível. Nesses momentos, as respostas que o sujeito sustenta já não são suficientes, pois algo aconteceu que fez vacilar suas certezas. A surpresa, o imprevisto, o acaso da doença, a possibilidade de morte podem caracterizar um momento de crise. Scechehaye (1985) destaca que a relação entre o cirurgião e o paciente é sempre intensamente vivida pelo doente, que atribui grande importância às palavras, às atitudes e às expressões do cirurgião, mesmo quando as entrevistas se limitam a breves períodos de tempo. O cirurgião, sendo ele quem mais traz angústia, é também quem pode melhor tranquilizar. Tal como o paciente o vê, ameaçador, mas onipotente e onisciente, ele tem um impacto psicoterápico comparável à sua habilidade técnica, rápida e eficaz, com a condição de ter tomado consciência disso e a utilize. Oliveira (1999, p. 30) aponta que o psicólogo poderá ajudar a criança na elaboração do processo de “interna-ação”, possibilitando a construção de um saber, o seu saber sobre a doença. Tosta (1997) afirma que, interagindo com a criança doente, o psicólogo procura captar e revelar seu eu, em suas manifestações psíquicas, mentais e orgânicas; o sentido da doença e do sofrimento para a criança e sua família, no contexto sócio-cultural em que vivem. Para Silveira e Outeiral (2005), com o atendimento psicoterápico buscase a compreensão das ansiedades vinculadas ao ponto de urgência, a cirurgia, fornecendo uma informação clara e precisa, o que implica, de certa forma, lograr um insight depressivo, porém com a característica de maior participação cognitiva do que afetiva. Assim, utiliza-se a real capacidade de compreensão da criança, o que, geralmente, é negado por seus pais e mesmo pela equipe técnica. Campos, Álvares e Abreu (2004) enfatizam, em muitos casos, as necessidades da família excedendo às do paciente, tornando-se importante que os acompanhantes sejam incluídos no tratamento da criança, recebendo suporte não apenas para aprender a cuidar da criança doente, mas também subsídios para lidar com seus próprios problemas, conflitos, medos e responsabilidades. Para Chiattone e Meleti (2003), no pós-operatório, a criança deve iniciar o processo psicológico de verbalização da cirurgia e dos sentimentos advindos 233 Juiz de Fora, 2008

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dela, para se ter a oportunidade de se detectar alguma seqüela negativa. Expressar verbalmente ou mesmo em jogos e desenhos os acontecimentos determinados pela cirurgia, faz com que o paciente elimine fantasias, temores e sentimentos de castigo e culpa, seqüelas negativas para o resto da vida. É importante enfatizar o que Winnicott (1975, p. 139) diz: “Podemos curar nosso paciente e nada saber sobre o que lhe permite continuar vivendo [...]. Ausência de doença pode ser saúde, mas não é vida”. CONSIDERAÇÕES FINAIS O compromisso com a transformação no âmbito das intervenções em saúde, em especial no que diz respeito à assistência integral à criança hospitalizada, constituiu a base deste artigo. No decorrer do texto buscou-se refletir sobre a criança hospitalizada e sobre sua possibilidade de assumir uma postura ativa diante da doença. Essa postura é viabilizada pelo apoio lúdico, o qual permite o desenvolvimento de recursos de enfrentamento para conviver com a dor e o sofrimento, mesmo quando a criança está fragilizada devido à doença e às dificuldades de adaptarse às rotinas hospitalares. Tal possibilidade se concretiza ao falar, muitas vezes de forma simbólica através do brinquedo, dos seus medos, sem causar constrangimentos aos pais e às pessoas que lhe prestam assistência. O trabalho de apoio à criança hospitalizada se insere na perspectiva da promoção de saúde, contextualizada na ética no cuidar, ao propor uma nova possibilidade de intervenção junto à criança hospitalizada, por conceber o brincar não apenas como um direito, mas como parte do processo de tratamento, ainda predominantemente centrado na patologia, na busca de um diagnóstico apurado e na instalação das medidas terapêuticas indicadas. O papel do psicólogo, nesse contexto, torna-se fundamental, pois ele é especialista em desenvolvimento humano e poderá criar metodologias de trabalho que visem proteger o desenvolvimento da criança, evitando seqüelas emocionais, embora a permanência da criança no hospital possa ser breve e a cirurgia simples. A intervenção do psicólogo junto à criança poderá dar-se pelo planejamento de estratégias de intervenção, além de preparar a família e orientar a equipe, sobre a necessidade de acolher e informar a criança, a fim de que se minimizem os sentimentos negativos, para a criança se sentir protegida, 234 CES Revista, v. 22

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ou seja, acionando mecanismos de proteção para seu desenvolvimento. O planejamento de estratégias de preparação deverá levar em conta peculiaridades de cada criança, sua condição de saúde, experiência, inserção familiar e sociocultural, além de sua familiaridade com o ambiente, com o pessoal e os procedimentos hospitalares. Visto no decorrer do estudo que a família é uma unidade de cuidado, cabe ao profissional apoiar e trabalhar no sentido de fortalecê-la quando ela se encontrar fragilizada. Há que se entender as suas necessidades, para que seja assistida em suas dificuldades. Ajudá-la a superar seus medos, incertezas e ansiedades certamente facilitará sua adaptação a novas situações e isso se refletirá na assistência prestada à criança, para quem o melhor cuidado é aquele prestado pelo familiar com o qual possui laços de confiança. Artigo recebido em: 29/08/2008 Aceito para publicação: 20/10/2008

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Alessandra B. Machado, Maria Ângela das Graças S. de Jesus, Maria Stella T. Filgueiras

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