A Importância da Fotografia para a Preservação da Memória

May 31, 2017 | Autor: Ubiratan Dias | Categoria: Fotografia
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A Importância da Fotografia para a Preservação da Memória
Leonardo Cury Maroun Ciannella *

A fotografia é basicamente uma extensão de nossos olhos, uma técnica
que apresenta a realidade que, pela sua capacidade de definição, se
expressa com características próprias. A fotografia é um índice do real,
capaz de marcar uma determinada ocasião. Graças à fotografia, torna-se
possível assimilarem-se cenários, eventos, fatos com muito mais precisão e
abrangência do que através da memória escrita.
A invenção da fotografia nota-se que preenche uma grande lacuna,
surgindo como parte de um grande processo de transformação econômica,
cultural e social da Europa, assim como do resto do mundo : a Revolução
Industrial. Tal procedimento viria influenciar completamente os rumos da
história. Ocorre uma nova possibilidade de inovação, conhecimento e
registro. Um instrumento de apoio à humanidade. Diante de tal possibilidade
de expressão, seu uso se alargou, passando de uma coqueluche nos meios
científicos e aristocráticos para um boom mundial, mais particularmente nos
centros europeus e nos EUA, transformando-se até em um meio de equiparação
social, onde pessoas de classes mais abastadas podiam registrar seus
desejos de ascensão social contando com o apoio de um estúdio fotográfico
com cenário montado, onde o fotógrafo era encarregado de fixar aquele
instante para sempre.
A fotografia propiciou, assim como outros meios de comunicação, um
grande processo de globalização. Monumentos, pessoas, costumes, mitos,
cerimônias religiosas, fatos sociais e políticos foram documentados pelas
máquinas fotográficas de todo o mundo. Os retratos se tornaram a maior
febre do século XIX, dividindo-se em vários formatos e processos. O homem
então pôde trocar figurinhas, isto é, conhecer outras realidades que não
lhe eram comuns, até então transmitidas por quadros, livros e imprensa
escrita. Logo uma gama infindável de detalhes passaram a ser conhecidos
através da apresentação fotográfica.
A fotografia tem o poder de "congelar" um determinado fato,
transformando-o em memória, pela modalidade de seu registro. A vida
continua, mas aquele instante retratado pela ação do fotógrafo , não
importando a sua intenção ,está "congelado", imortalizado. Um micro
universo de espaço-tempo passa a ganhar outra dimensão.
Verifica-se então que toda a imagem fotográfica obtida desde a sua
invenção tem auxiliado no papel da preservação da memória, atuando no campo
das percepções visuais e das representações mentais. Cedo estas imagens
transformam-se em documentos, capazes de despertar e denunciar de maneira
crua e verdadeira uma determinada realidade, construindo memória. Seu
conteúdo é capaz de provocar ódio, raiva, nostalgia, amor, sentimentos os
mais variados, ou simples informações para pessoas que olham com olhos de
observação científica, de desprovidos sentimentos em relação à fotografia
em questão.
É de surpreender o descaso com que o documento fotográfico é tratado,
onde a ínfima parte de suas potencialidades foram exploradas. Segundo
Kossoy:
"As fontes fotográficas são uma possibilidade de investigação e
descobertas que promete frutos na medida em que se tentar sistematizar suas
informações, estabelecer metodologias adequadas de pesquisa e análise para
a decifração de seus conteúdos e, por conseqüência, da realidade que os
originou".(1989:20).
A partir do conteúdo que possuem, as fotografias tornam-se importantes
para estudos históricos respectivos às mais diferentes áreas do
conhecimento, como por exemplo : antropologia, etnologia, arqueologia,
história, urbanismo, geografia urbana, ecologia e outros ramos do saber,
representando um meio de apreensão da cena passada ou do que corre risco de
desaparecer.
Os museus brasileiros, assim como os demais congêneres do mundo não
vêem a fotografia como documento de real importância para a preservação do
passado. O historiador Boris Kossoy afirma que a fotografia ainda não
ganhou o status de peça de acervo (no mesmo nível dos demais objetos
encontrados nos museus), assim como o status de documento (dignificando no
estado tradicional o documento escrito e suas derivações). Afirma ainda que
sua relevância não foi percebida e que as inúmeras informações contidas em
seu conteúdo não têm sido empregadas no trabalho de pesquisa histórica.
Para Kossoy, existe um preconceito quanto a sua utilização como
registro e fonte histórica, o que atribui a duas razões :
.Aprisionamento inerente à tradição escrita como forma de transmissão
do saber.
.Resistência em se aceitar a informação quando não é transmitida
segundo um sistema codificado de signos, segundo os cânones tradicionais
da comunicação escrita.
Assim como nos museus e instituições de memória ou congêneres, cada
pessoa possui registros fotográficos próprios e pessoais, que não
necessariamente precisam ser de um passado longínquo. Cabe a estas pessoas
um processo de conscientização sobre seus respectivos acervos , fazendo com
que seus registros permaneçam e possam por ventura ser úteis a terceiros,
no presente ou em tempos futuros.
A fotografia como qualquer outra fonte de registro, por si só não
constitue uma fonte de informação precisa e completa; isoladamente é como
um ínfimo fragmento da história, precisando interagir com outros
complementos ou fontes, quer sejam escritas, quer sejam visuais ou de
outras naturezas para uma verdadeira apreciação de seus registros. É sabido
que "uma imagem vale por mil palavras", mas esta frase só faz sentido se de
fato o intérprete conseguir extrair a maior quantidade de palavras ( no
sentido de significado ) ocultadas na fotografia, não apenas as ligadas ao
primeiro contato visual. A fotografia gravou com fidelidade uma parcela da
realidade que se situava no campo da objetiva.
Quando observamos uma fotografia, devemos ter a consciência de que a
interpretação do real será forçosamente influenciada por uma ou várias
interpretações anteriores. Apesar da ampla potência de informações contidas
em uma imagem (ela não substitui a realidade como um todo, tal como se deu
no passado), ela apenas traz informações visuais de um fragmento do real
selecionado e "organizado", segundo Kossoy :
" A fotografia ou um conjunto de fotografias não constituem fatos
passados. A fotografia apenas congela, nos limites do plano e imagem,
fragmentos desconectados de um instante de viradas pessoais, coisas,
naturezas, paisagens urbana e rural. Cabe ao intérprete compreender a
imagem fotográfica enquanto informação descontínua da vida passada, na qual
se pretende mergulhar" (1989 : 78).
Com a comunhão entre as informações contidas na imagem fotográfica, com
o conhecimento dos contextos político-econômicos, sociais e costumes,
conseguir-se-á então recuperar pequenas histórias implícitas nos conteúdos
destas imagens, possibilitando reviver o assunto registrado em um plano
imaginário ou, quem sabe, virtual.
Existe a necessidade de uma tomada de consciência sobre a questão
preservacionista dos acervos fotográficos - cabe ao museólogo, ou
respectivo especialista, destinar os devidos acervos as seus devidos
lugares, de acordo com o nível de importância. Porém surge uma questão,
para onde estes acervos devem se dirigir ? Museus? Arquivos ? Bibliotecas
?.
Os acervos fotográficos se destinam a vários locais (de preferência
instituições que possuam compatibilidade com o acervo). Porém por razões de
conservação (micro clima estabilizado, manuseio indevido, transporte
inadequado) não devem ser remanejados dos locais onde já se encontram,
importando somente a real salvaguarda destes acervos, através de condições
favoráveis de conservação. Mesmo os museus devem ter em suas instalações
arquivos-reserva onde os documentos possam ficar devidamente
acondicionados. É recomendada uma maior comunicação entre as instituições
referente ao momento em que as doações são encaminhadas, para que os
acervos se compatibilizem com os seus locais de destino.
Certos de que soluções ideais estão desajustadas da nossa realidade,
deveríamos pensar em uma política de aquisição eficiente, onde a relação
custo x benefício (verba necessária para fornecer suporte de preservação
necessário ao acervo x contribuição ao público ao qual o acervo está
destinado), juntamente com o remanejamento de algumas peças que por ventura
possam ser melhor tratadas e utilizadas em outras instituições, impedindo a
degradação destes. Mesmo com a atual conjuntura política, concluímos que o
custo da ação preservacionista influi na política de aquisição, mais
acentuadamente nas coleções fotográficas, dada a vinculação do homem ao
sistema codificado de signos (escrita) .
A fotografia sofreu uma espécie de esvaziamento de seus significados e
de sua importância, devido ao fotoamadorismo, pela qual a própria
vulgarização da imagem (embora cada imagem possua um significado oculto,
passível de ser extraído) acarretou a contribuição para uma maior
discriminação.
Ligado a isto, os museus hesitam em expor acervos fotográficos com
freqüência. Mesmo que a fotografia possua um número infindável de códigos
subentendidos em suas imagens, suas informações preliminares acabam por
definir muito facilmente uma orientação de leitura direcionando os olhares
do público para a exposição. O que, para alguns, não seria desejável.
Mesmo que a nível amadorístico, a fotografia tem o poder do registro,
isto é, de fixar um determinado momento do espaço-tempo em uma imagem,
guardando características específicas, como qualquer outra espécie de
documento. Por conseguinte, o registro é feito sempre de forma consciente,
pois o homem, através do instinto , possui o sentimento de preservação.
Logo, ele deseja preservar em um suporte uma certa cena que lhe causou
alguma impressão. Este registro é então feito de forma consciente, tornando-
se necessária toda uma atenção para com as fotografias, principalmente as
familiares, partindo do pressuposto que estas imagens podem contribuir para
a preservação da identidade cultural do país, e que poderão por ventura ser
anexadas às coleções institucionais, chegando a ser entendida como uma
espécie de conservação preventiva.


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* Leonardo Ciannella é Bacharéu em Museologia, Conservador, Restaurador
e membro da ABRACOR
Texto oriundo da Monografia Apresentada na Conclusão de Bacharelado em
Museologia na UNI-RIO. A integra desta se encontra à disposição dos
associados na sede da ABRACOR,.
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