A importância da Liberdade Religiosa para o Estado

June 29, 2017 | Autor: Diego Cavalcante | Categoria: Teoría Política, Liberalismo, Laicismo, Liberdade Religiosa, Limitação do Poder Estatal
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A Liberdade Religiosa e o Estado.
Normalmente o tema é tratado de maneira superficial, considerando apenas o tratamento que é dado ao exercício religioso nos Estados, todavia o aprofundamento da matéria demonstra tratar-se de um tema muito mais complexo.
Primeiramente, a relação entre o Estado e a Religião será decorrente de alguns pressupostos essenciais do Estado, como o tipo de Estado. Certo é que, independemente da doutrina religiosa adotada, ter-se-á que num Estado Liberal, isto é, aquele que é organizado ao redor da neutralidade ética, será mais fácil a adoção e verificação de uma Liberdade Religiosa. Por outro lado, em Estados Sociais ou Estados Totalitário, nos quais o Estado atribuía um julgamento à ética de sua população, considerando uma correta, seja ela qual for, tem-se uma maior dificuldade de exercício livre de todos os credos ou mesmo de qualquer credo.
Tal distinção decorrerá do fato que os preceitos adotados pelo Estado Liberal, necessariamente, devem pautar-se pela neutralidade, ou equivalente dignidade à convicções ou credos, de modo a não prestigiar, ao menos em teoria, qualquer um destes em detrimento do outro. Por outro lado, num Estado Autocrático, existirão os valores que são superiores aos demais, razão pela qual todos os valores, inclusive religiosos, que não se coadunarem com a ética estabelecida serão preteridos ou até mesmo perseguidos.
Esse escopo pode ainda ser analisado em face de dois outros institutos, a saber, o Estado de Direito e o Estado Social ou de Justiça. No primeiro, haverá uma depreciação ou desvalorização da Verdade e da Justiça em prol da Segurança Jurídica, de maneira a tornar as relações menos surpreendentes para os indivíduos, no outro, a Justiça e a Verdade serão prestigiadas, de maneira que a Segurança Jurídica será por sua vez diminuída. Sendo o mesmo pensamento capaz de ser aplicado ainda à distinção do Direito Estatutário e do Direito Consuetudinário.
Outro aspecto relevante sobre o tema e de abordagem mais comum refere-se à laicidade, isto é, a neutralidade ética do Estado especificamente em relação às Religiões. Ou, de um ponto de vista mais filosófico, a Tolerância Religiosa. A análise nesta perspectiva impõe uma cuidadosa análise da questão, uma vez que ao revelar que a Neutralidade Ética ou a Laicidade são expoentes da Tolerância, se enuncia que a mesma não pode ser considerada como necessariamente benéfica, uma vez que, tal como ocorre com a Tolerância, o seu oposto, a Intolerância, também é um valor. Por exemplo, o exercício extremado da Tolerância poderia levar a aceitação de injustiças, como um espancamento ou um estupro, afinal, tolerar-se-ia o exercício da liberdade daquele que está ofendendo direitos alheios.
A experiência religiosa também pode importar num duplo aspecto em relação ao Estado e ao seu desenvolvimento. Por um lado, tem-se que durante a evolução dos Estados Ocidentais e Orientais o trato e a influência destas se impuseram, ainda que acidentalmente, como fatores de criação de institutos jurídicos de suma importância. Exemplo disso é o Primado da Lei, o qual é fortemente arraigado na sobreposição das normas religiosas aos desígnios do soberano, como ocorreu no Estado Hindu com os Brâmanes ou com o a Igreja Católica Apostólica Romana nos Estados Europeus. Por outro lado, Estados Cesaropapistas como a China e a Rússia acabaram por se desenvolver como Estados Absolutistas muitíssimo mais fortes.
Contudo, não apenas esses são os exemplos de influência acidental da religião, em especial da Religião Organizada no panorama político e ético dos povos. Pode-se afirmar, por exemplo, que é apenas com o estabelecimento do paradigma cristão que se tem o rompimento com o pensamento grego, estabelecendo assim não apenas a igual dignidade entre os homens como também a importância da livre deliberação e, consequentemente, avaliação da ação e não da pessoa, que culminou no Iluminismo.
Em verdade, alguns autores chegam a afirmar que o Feudalismo e a relevância a emancipação da propriedade privada também é fruto da influência da Igreja, ao menos na Europa Ocidental, haja vista que, interessava à Igreja que as pessoas pudessem deliberar mais livremente sobre seus bens, ao contrário do necessário consentimento do grupo familiar que ocorria e ocorre na China e na Índia, por exemplo, de forma que por tal razão robusteceu não apenas a dignidade do indivíduo, como também da própria mulher, pois tais posturas permitiram que a seus fiéis transferissem mais bens à Igreja ao invés de mantê-los sob o poder familiar.
Há ainda a importância de eventos como o protestantismo na Dinamarca, que permitiu uma maior conscientização da população, pois os protestantes que ali se instalaram entendiam que era um direito inalienável de todo homem ler a bíblia e, por conseguinte, implementaram alfabetizações em massa. Por sua vez, o protestantismo também é apontado como um dos liames entre os diversos estamentos do parlamento inglês em sua união para resistir ao poder dos monarcas, em especial para evitar o retorno de monarca católicos ao trono Inglês.
Contudo, não apenas na formação dos Estados a religião apresenta relevância, servindo ainda nos dias de hoje como uma maneira de unir indivíduos completamente distintos em prol de determinados valores, podendo estabelecer assim também grupos de resistência ao poder central ou à visão de outros grupos, colaborando com a tensão entre as partes necessárias para a manutenção do Estado Liberal.
É claro que nem todos os efeitos religiosos serão benéficos ou quistos, como é o caso da confusão entre o Estado e a Religião, como acontece nos Estados Teocráticos, nos quais haverá sempre uma tendência à intolerância ao pensamento divergente, nos mesmos modelos, ou quem sabe num patamar ainda mais profundo, do Estados Totalitários estabelecidos pela ideologia Nazista ou Comunista.
De maneira que, levantar-se-á a questão da possibilidade de implementação da religião não mais como contrapeso ou foco de resistência, mas sim de autofagia do próprio Estado, como é o que acontece com os levantes armados guiados por ideologias religiosas. Ou ainda, a interferência e intromissão de movimentos religiosos na atualização racional do Direito, como é o caso do casamento homoafetivo, o aborto, as drogas, células tronco, etc. de forma que se de excessiva relevância esta postura tornará impossível às instituições se atualizarem e, assim sendo, sobreviverem ou se adequarem às mudanças sociais.
Seja como for, a Religião, quer se professe um credo ou não, certamente não pode ser totalmente ignorada ainda no estabelecimento de um Estado pautado pelo ateísmo ou com prevalência de ateus, como acontece na Suécia, sendo um dado que deve ser levado em consideração e análise, mas de forma despida de interesses e paixões pessoais, pois, quer se queira ou não terá seus benefícios e malefícios para qualquer Estado, sendo, por conseguinte, matéria sobre a qual deve a Teoria Geral do Estado traçar linhas gerais, mas que, definitivamente, deve ser enfrentada pelo Direito Constitucional e, em especial, a Ordem Jurídica de quaisquer países.


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