A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA CONCORRÊNCIA INTERNACIONAL E O PAPEL DA OMC NA RESTRIÇÃO DA ADOÇÃO DE MEDIDAS ANTICOMPETITIVAS

September 2, 2017 | Autor: A. Soares Peres | Categoria: International economic law, WTO law, Antitrust & Competition Law
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A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA CONCORRÊNCIA INTERNACIONAL E O PAPEL DA OMC NA RESTRIÇÃO DA ADOÇÃO DE MEDIDAS ANTICOMPETITIVAS* Ana Luísa Soares Peres**

RESUMO

O presente trabalho analisa a importância de uma política internacional da concorrência, já que o tema ultrapassou as fronteiras dos Estados nacionais, e o papel da OMC nas discussões sobre o assunto. Pretende-se buscar uma definição comum para concorrência e delimitar os seus efeitos no âmbito internacional. Posteriormente, será avaliada a possibilidade da elaboração de uma política internacional sobre a questão na esfera da OMC, considerando-se os seus princípios e objetivos, os casos já decididos no tocante à matéria e os desafios a serem enfrentados. Esse estudo é concluído com observações que podem auxiliar na redação de um acordo sobre concorrência na OMC, ressaltando a necessidade do envolvimento dos governos dos Estados membros e de outras organizações internacionais.

ABSTRACT

The present paper analyzes the importance of an international competition policy, since the subject has transcended the borders of national States, and the role to be played by WTO in the discussions about the issue. It intends to reach a common definition for competition and to delimit its effects on the international sphere. Later, it will be examined the possibility of formulating an international policy about the matter within the WTO scope, taking in regard its principles and objectives, the cases already decided related to the topic and the challenges to be faced. *

Artigo elaborado a partir de trabalho de conclusão de curso. Agradecimentos à orientação do professor Dr. Aziz Tuffi Saliba e às sugestões das professoras Jamile Bergamaschine Mata Diz e Carla Ribeiro Volpini Silva. ** Bacharel em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estudos realizados em Baylor Law School (TX, EUA).

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This study is concluded with observations that might assist in the elaboration of an agreement about competition in the WTO, emphasizing the need for member State governments to take part in the process, as well as other international organizations.

INTRODUÇÃO

O direito da concorrência é um tema que, devido à evolução das relações comerciais entre os Estados, adquiriu um caráter internacional. Mais do que isso, as práticas referentes à concorrência não estão restritas ao âmbito privado, das empresas, mas se tornaram muito mais abrangentes, repercutindo também nas políticas governamentais. Em decorrência da internacionalização das atividades comerciais, bem como da globalização do processo de competição, as práticas anticompetitivas, tais como carteis, monopólios e estratégias predatórias e excludentes, também foram internacionalizadas. Tornou-se fundamental, dessa forma, criar uma política internacional de controle da adoção de medidas anticompetitivas, uma vez que as regulações domésticas não são mais suficientes para coibir tais práticas.1 Além disso, na medida em que os instrumentos, tanto nacionais quanto internacionais, de tal política possuem efeito direto sobre o comércio internacional, a livre concorrência representa um importante fator para se alcançar a eficiência econômica e o acesso aos mercados externos. Assim, devido a todos esses fatores, a defesa da concorrência internacional é um dos novos temas que merece atenção e que deve ser discutido no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). A OMC foi criada em 1994 com a finalidade de substituir o GATT 47 e possui objetivos bastante similares aos deste Acordo. É necessário, pois, para se realizar um estudo sobre a OMC, fazer uma breve análise sobre o GATT 47, a fim de entender seus princípios basilares e sua evolução, que resultou na atual estrutura de regulamentação do comércio internacional. O GATT 47 surgiu em um contexto pós-guerra, no qual era imprescindível a criação de mecanismos de cooperação entre os países, visando à persecução de

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BUDZINSKI, Oliver. An international multilevel competition policy system. International Economics and Economic Policy, Springer, v.6, n.4, pgs.367-389, 2009, pg.368.

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objetivos comuns, com o intuito de superar as divergências e fortalecer os laços de confiança entre eles.1 Desse modo, o GATT 47, desde sua origem, possuía a pretensão de eliminar as barreiras que impediam o desenvolvimento do livre comércio internacional entre os Estados, de forma a minimizar a sua ingerência nas relações comerciais e permitir o livre trânsito de mercadorias e serviços. Com o aumento dos conflitos comerciais na década de 80, em decorrência da intensificação do processo de globalização, mostrou-se indispensável uma reformulação nas regras de comércio. O GATT 47, como único diploma regulador do comércio internacional, já não era mais suficiente para acompanhar as alterações sociais, que resultavam em um constante processo de criação de medidas de defesa comercial. As novas negociações, além de girarem em torno da liberalização comercial e da necessária modernização do GATT 47, também abordaram novos temas, tais como agricultura, têxteis, serviços e propriedade intelectual, áreas nas quais, anteriormente, as regras eram estabelecidas por cada país, o que favorecia as práticas protecionistas.2 Essas negociações, que ficaram conhecidas como Rodada do Uruguai, culminaram na criação da OMC. Segundo o preâmbulo do Acordo Constitutivo da Organização, os países membros, além de se comprometerem a observar os esforços para liberalização comercial já realizados anteriormente, também desejam Contribuir para a consecução desses objetivos mediante a celebração de acordos destinados a obter, na base da reciprocidade e de vantagens mútuas, a redução substancial das tarifas aduaneiras e dos demais obstáculos ao comércio, assim como a eliminação do tratamento discriminatório nas 3 relações comerciais internacionais.

É importante ressaltar que esse sistema de reciprocidade e vantagens mútuas previsto pela OMC é composto por dois mecanismos distintos. Reciprocidade pode ser definida como uma prática na qual uma parte condiciona sua ação à atuação da outra

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NASSER, Rabih Ali. A liberalização do comércio internacional nas normas do GATT-OMC: a institucionalização como instrumento de liberalização. São Paulo: LTr, 1999, pg.40. 2 THORSTENSEN, Vera. OMC - Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. São Paulo: Aduaneiras, 2. ed. 2001, pgs.2631. 3 Marrakesh Agreement Establishing the World Trade Organization. Apr. 15, 1994. The legal texts: the results of the Uruguay round of multilateral trade negotiations. 4 (1999), 1867 U.N.T.S. 154, 33 I.L.M. 1144 (1994); entrada em vigor em 1º de Janeiro de 1995.

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parte.4 Já o conceito de vantagens mútuas está relacionado à obtenção de um benefício em um setor, em troca da concessão de uma vantagem em outro. Dentro dessa perspectiva de assegurar o compromisso de liberalização comercial assumido pelos países, através do qual se torna possível a eliminação das barreiras comerciais e do tratamento discriminatório, se mostra cogente a existência de condições não discriminatórias de concorrência entre os Estados. Nesse sentido, o GATT e o GATS já possuem regras sobre monopólios e fornecedores exclusivos de serviço. Ademais, o GATS e o TRIPS reconhecem o direito dos governos de agir contra práticas que restrinjam a livre concorrência, bem como o direito de trabalhar em conjunto para limitá-las. Outros acordos, analisados posteriormente, também possuem alguns dispositivos relativos à concorrência. Em julho de 2004, o Conselho Geral da OMC decidiu que a concorrência internacional, assim como a questão dos investimentos, não faria mais parte do cronograma a ser debatido na Rodada de Doha. Entretanto, devido à importância que tal assunto vem adquirindo atualmente, é essencial haver uma regulamentação ou, pelo menos, uma orientação sobre tal ponto. A matéria existente nos acordos da OMC sobre esse tema ainda é muito restrita e não consegue atender todas as exigências dos mercados, nem tão pouco abordar todos os aspectos da concorrência internacional. A concorrência, dessa forma, apesar de ser uma realidade nos mercados globalizados atuais, não tem recebido o adequado tratamento no cenário internacional. Os efeitos da adoção de práticas anticompetitivas repercutem, negativamente, no comércio internacional, constituindo verdadeiras barreiras à liberalização comercial. A OMC, como Organização que busca promover o desenvolvimento do comércio internacional, bem como o crescimento econômico e social de seus Estados membros, deve assumir o papel de ser um foro de discussão para a elaboração de um futuro acordo sobre a matéria. Obviamente, a regulação internacional da concorrência pela OMC, por ser um tema complexo e controverso, encontra grandes desafios, representados, principalmente, pela divergência de interesses entre os países nesse assunto e a grande desconfiança existente entre os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento ou menos desenvolvidos. Contudo, tais desafios podem ser resolvidos pela reformulação do processo de tomada de decisão da OMC, de forma a democratizar a Organização e reafirmar sua legitimidade, como será discutido mais a frente. Existe também um grande 4

HOEKMAN, Bernard M.; KOSTECKI, Michel M. The political economy of the world trading system. 2nd Edition, Oxford University Press: New York, 2001, pg. 122.

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receio de que uma regulamentação internacional irá usurpar a competência doméstica dos Estados soberanos, além de versar sobre ações de entes privados. No entanto, como será analisado, uma política internacional abordaria apenas princípios e conceitos comuns, deixando aos Estados a tarefa de regular as práticas anticompetitivas adotadas pelas empresas dentro de seu território. 1 – A POLÍTICA DE LIVRE CONCORRÊNCIA

A definição de concorrência está relacionada com a busca por uma vantagem comercial, envolvendo esforços e ações de duas ou mais partes interessadas em um mesmo negócio. Ademais, uma concorrência justa é aquela na qual os competidores se comportariam de maneira aberta e equitativa.5 O regime jurídico concorrencial é, seguindo esse raciocínio, um conjunto de normas e instituições que regulam as formas de aquisição do poder econômico e o seu exercício, com o intuito de garantir a concorrência justa, conforme os valores presentes no ordenamento jurídico. 6 Um mercado regido pela livre concorrência resulta em um mercado mais competitivo, onde apenas as empresas que realmente são eficientes conseguem se manter. Exclui-se, pois, todos os subterfúgios que possam conceder algum tipo de vantagem injusta, não relacionada com eficácia e produtividade. Como já sustentado pela Suprema Corte norte-americana, a livre concorrência possibilita uma melhor alocação dos recursos econômicos, promovendo uma diminuição nos preços, um aumento na qualidade dos produtos e um progresso tecnológico.7 De fato, a eficiência econômica alcançada pelo incentivo à concorrência constitui um fator importante para o desenvolvimento dos mercados, resultado da correta distribuição dos recursos existentes. Entretanto, a livre concorrência não está pautada somente no aspecto econômico, de proteção à liberdade para competir e à integração no mercado. O objetivo basilar de um mercado livre e acessível a todos deve ser a garantia do bem-estar dos consumidores. Os consumidores devem possuir todos os meios necessários para se manterem informados e realizarem uma escolha consciente, acerca do produto ou serviço que desejam adquirir. Além disso, o consumidor, por ser a parte mais fraca em

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Black`s law Dictionary, 9th, 2009. VAZ, Isabel. Direito Econômico da Concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993, pg. 262. 7 U.S. Supreme Court, Northern Pacific Ry. Co. v. U.S., 356 U.S. 1, 4. 1958. 6

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uma relação de consumo, deve ser protegido contra práticas predatórias que impliquem em um aumento injustificado do preço de determinado produto ou serviço; na eliminação de competidores e, consequentemente, de opções de fornecedores; e na diminuição da qualidade de um bem ou serviço. A política de livre concorrência fundamenta-se em dois pilares: a promoção da concorrência, caracterizada pelo encorajamento e pela conscientização da importância da adoção de práticas compatíveis com o livre acesso ao mercado; e a execução das leis referentes ao Direito da Concorrência, na qual há investigação e punição de práticas que violem a livre concorrência.8 Além do mais, a regulação da concorrência possui um alvo ambicioso- alcançar o estado de concorrência perfeita, no qual há uma situação de completa eficiência do mercado. Nessa hipótese, haveria vários vendedores e consumidores vinculados a um mesmo produto, suficiente informação para todas as partes e completa liberdade para entrar e sair do mercado, isto é, livre iniciativa.9

1.1 A Livre Concorrência no Cenário Internacional O Direito da Concorrência, originalmente, era uma questão apenas de direito doméstico. Entretanto, com a evolução do comércio internacional e a intensificação das relações entre os Estados, a matéria adquiriu uma dimensão internacional.10 Essa nova estrutura também resulta na extensão da jurisdição das leis domésticas para abranger condutas praticadas por agentes internacionais no mercado nacional, com a finalidade de proteger os cidadãos e a economia daquele determinado Estado.11 Tal aspecto do Direito da Concorrência, relacionado com a expansão da jurisdição doméstica quando há implicações internacionais, deverá ser objeto de um futuro exame.

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SHELTON, Joanna R. Competition policy: what chance for international rules? OECD Journal of Competition Law and Policy, v.1, n.2, April, 1999, pg.53. 9 Black`s Law Dictionary, Op. Cit. 10 A preocupação com o assunto, contudo, não é tão recente como alguns possam inferir. O projeto da Carta de Havana, de 1947, que previa a criação da frustrada OIC, incluía um capítulo inteiro regulando situações em que práticas restritivas do comércio afetassem o comércio internacional. A atenção dedicada à concorrência internacional, nessa época, era ainda uma consequência da 2ª Guerra Mundial. Havia um consenso de que os cartéis alemães e japoneses forneciam recursos econômicos que auxiliavam no patrocínio às atividades do fascismo e da monarquia, respectivamente. Ademais, no período pós-guerra, a grande maioria dos Estados sofria com uma inflação ameaçadora, o que resultou no interesse por políticas econômicas que promovessem a diminuição dos preços. Para mais detalhes, ver PITOFSKY, Robert; GOLDSCHMID, Harvey J.; WOOD, Diane P.. Trade regulation: cases and materials. New York: Foundation Press, 6th ed., 2010, pg.7. 11 SHELTON, Op. Cit., pg.54.

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No presente estudo, busca-se enfocar o Direito da Concorrência no cenário internacional sob a perspectiva de uma regulação comum, no âmbito de uma organização internacional, tal como a OMC. Nesse sentido, primeiramente, é imprescindível estabelecer um parâmetro do que seria o Direito da Concorrência, a fim de evitar mal entendidos e identificar a natureza do projeto. Desse modo, os Estados membros poderiam expor suas preocupações e proteger seus interesses legítimos. É importante ressaltar que o Direito da Concorrência não se confunde com a regulação da concorrência desleal.12 Essa última modalidade refere-se a princípios e procedimentos que permitem a um ente privado a adoção de medidas legais contra condutas anticompetitivas e, consequentemente, prejudiciais praticadas por outros agentes econômicos. Esse tipo de regulamentação está, pois, relacionada com a proteção de interesses econômicos privados.13 O Direito da Concorrência que deve servir como fundamento para uma possível regulamentação internacional, por sua vez, relaciona-se com a proteção do próprio processo da concorrência. O objetivo seria, dessa forma, proteger a concorrência contra qualquer restrição que ameace a efetividade do processo14. Somente sob essa abordagem o Direito da Concorrência poderia satisfazer suas principais finalidades- a promoção de interesses públicos e a proteção dos consumidores. Por fim, a necessidade da adoção de uma política internacional da concorrência pode ser atribuída a fatores como a inexistência de uma preocupação acerca dos aspectos internacionais na maioria das legislações domésticas sobre o tema, a utilização de políticas concorrenciais como barreiras ao comércio e a existência de mercados imperfeitos, dentre outros.15

1.2 A Defesa da Concorrência no Direito Comparado O Direito da Concorrência em algumas legislações estrangeiras é um campo bastante desenvolvido e objeto de muito estudo. Para ilustrar, nos EUA, que possuem uma regulamentação muito avançada sobre a matéria, a legislação antitruste remete ao final do século XIX, com a aprovação do Sherman Act em 1890.16 Desde esse período, 12

GERBER, David J., Competition law and the WTO: rethinking the relationship. Journal of International Economic Law, 10(3), 707–724, 2007, pgs.719-720. 13 Ibidem, pg.720. 14 Ibidem, pg.720. 15 HEAD, John W. Global business law: principles and practices of international commerce and investment, Durham, North Caroline: Carolina Academic Press, 2 nd edition, 2007, pgs.702-703. 16 PITOFSKY, Robert; GOLDSCHMID, Harvey J.; WOOD, Diane P.., Op. cit., pg.1.

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a legislação norte-americana já passou por vários níveis de aplicabilidade, de acordo com as necessidades da sociedade da época17. Com relação ao propósito de tal lei, atualmente, chegou-se à conclusão de que é a promoção do bem-estar dos consumidores. Esse objetivo é alcançado pela eliminação das transações e práticas economicamente ineficientes18. Já outros países, principalmente aqueles em desenvolvimento, além de considerarem o bem-estar dos consumidores, também incluem outras preocupações em suas legislações sobre o tema, como o desenvolvimento da economia doméstica, incentivo ao comércio internacional e proteção das empresas de pequeno e médio porte. A lei de concorrência da África do Sul, por exemplo, tem por finalidade a proteção de interesses públicos mais amplos, como a promoção de empregos e a inclusão de pessoas historicamente excluídas.19 O Japão é outro país que também possui uma legislação desenvolvida sobre concorrência. A lei antimonopólio foi promulgada em 1947, no período pós-guerra, e estabeleceu uma Comissão para fiscalizar as indústrias japonesas, além de proibir a fixação de preços e as fusões com efeitos anticoncorrenciais, dentre outras práticas anticompetitivas.20 Como alvos de tal legislação pode-se citar a tentativa de trazer modernização para o país, já que esse se encontrava destruído devido à guerra, e de tornar a economia japonesa competitiva no panorama internacional.21 Na União Europeia, por sua vez, o Direito da Concorrência reflete o ideal de integração comercial, ao focar em medidas que impeçam grandes firmas de ameaçar a integração econômica.22 A versão original do Tratado de Roma, que constituiu a Comunidade Econômica Europeia, em 1957, já previa, como um dos seus principais objetivos, a criação de um sistema que assegurasse a proteção da concorrência no 17

Para ilustrar, até a Segunda Guerra Mundial o Sheman Act não possuía muita aplicabilidade. Entretanto, com o fim da grande guerra, foi adotado o programa mais agressivo de aplicação da lei antitruste da história dos EUA, desconsiderando o efeito de tal política ofensiva na eficiência econômica. Já na década de 70, percebeu-se o perigo de tal posição drástica para o desenvolvimento da economia. Surgiu, desse modo, a Escola de Chicago, a qual defendia uma análise das condutas praticadas no campo dos negócios sob um enfoque meramente econômico, desconsiderando qualquer outro valor social ou político. A década de 80 foi marcada pela administração Reagan, que, por sua vez, praticamente não se preocupou com a execução da legislação antitruste. Nos últimos anos, tem-se percebido uma tendência em direção à adoção de um meio termo entre a agressividade dos anos 60 e a negligência dos anos 80, sendo tal postura adotada pelo governo de Bill Clinton e retomada pela administração de Barack Obama. 17 PITOFSKY, ROBERT; GOLDSCHMID, HARVEY J.; WOOD, DIANE P, Op. Cit., pgs.1-5. 18 Idem, Ibidem, pg.6. 19 Idem, Ibidem, pg.6. Nesse sentido, ver também GERBER, Op. Cit., pg.721. 20 HEAD, Op. Cit., pg.706. 21 Idem, Ibidem, pg.701 22 GERBER, Op. Cit., pg.721.

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mercado comum.23 Atualmente, a Comissão da União Europeia possui amplos poderes que, em algumas situações, vinculam até mesmo as empresas que violam a legislação europeia de concorrência. Criou-se, também, uma rede de autoridades em Direito da Concorrência que atua juntamente com a referida Comissão, trocando informações e consultas. Assim, eles cooperam para a executividade da lei europeia, que deve ser aplicada quando medidas adotadas por um membro afetem o comércio com outros.24 Por fim, vale fazer uma breve consideração sobre a defesa da concorrência no Brasil atualmente. A Lei 8.884, de 1994, representou um marco para a legislação antitruste nacional, transformando o CADE em uma autarquia federal, de forma a lhe conceder independência funcional, além de implementar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência- SBDC. O enfoque brasileiro, que busca proteger os envolvidos no processo concorrencial, vai além da análise preventiva ou repressiva de práticas anticompetitivas, abarcando também a difusão da cultura concorrencial.25 Como se pode depreender dos exemplos acima, cada legislação possui diferentes abordagens e objetivos. Dessa forma, torna-se imprescindível a criação de uma política sobre concorrência internacional, a fim de se alcançar o maior grau de harmonização possível e de se estabelecer um padrão internacional, concomitantemente com o respeito à perspectiva de cada país. Tal proposta somente é possível se os Estados estiverem abertos à negociação, no sistema de concessão e reciprocidade apresentado pela OMC, visando sempre à persecução de um bem comum. Com essa proposição em mente, passamos agora para o estudo da viabilidade da criação de tal acordo no âmbito da OMC. 2 – A REGULAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA NO CONTEXTO INTERNACIONAL

Como já discutido anteriormente, com o processo de globalização as relações comerciais se tornaram internacionais, bem como a questão da concorrência nos mercados, que não se limita mais às fronteiras territoriais. Como consequência, as práticas anticoncorrenciais, tais como carteis, preços predatórios, monopólios e fusões,

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Tratado estabelecendo a Comunidade Econômica Europeia, 25 de março de 1957, 298 U.N.T.S. 11. PITOFSKY, ROBERT; GOLDSCHMID, HARVEY J.; WOOD, DIANE P, Op. Cit., pgs.8-12. 25 Para mais detalhes, conferir FORGIONI, Paula A.. Os Fundamentos do Antitruste, São Paulo: RT, 2 ed, 2005. 24

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também foram internacionalizadas. Desse modo, ao promover uma política do bemestar global, é forçoso tratar também do tema da concorrência internacional,26 uma vez que o assunto está diretamente relacionado com o desenvolvimento econômico e com a proteção de consumidores em todo o mundo. As regulações domésticas já não são mais suficientes, pois estão cheias de lacunas e falhas, além de não abordarem, adequadamente, as exigências internacionais.

2.1 O Direito da Concorrência nos Acordos Bilaterais e Multilaterais Os acordos bilaterais constituem um importante instrumento para a promoção de uma política da concorrência, uma vez que, comparados aos multilaterais, são mais fáceis de serem celebrados e implementados. Deve-se incentivar a conclusão de tais acordos, principalmente na área de cooperação, a fim de fomentar a troca de experiências e assistência técnica.27 Com relação ao tema da concorrência, além da cooperação, acordos bilaterais são importantes para permitir um sistema de consultas entre as autoridades reguladoras dos países.28 Contudo, um acordo bilateral sobre concorrência será, usualmente, mais bem sucedido se for celebrado entre Estados que possuam regimes concorrenciais similares, já que assim será mais fácil a negociação e a observâncias das cláusulas acordadas.29 Dentre as vantagens de se celebrar um acordo bilateral de concorrência, estão: I) a possibilidade de negociar problemas relacionados ao exercício extraterritorial da jurisdição; II) a facilitação do processo de investigação e cumprimento das obrigações concorrenciais, uma vez que há acesso a dados e informações e colaboração entre as autoridades concorrenciais de ambos os países; III) o impedimento de um processo redundante, onde autoridades dos dois Estados realizam a mesma investigação, evitando, assim, gastos desnecessários. 30

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BUDZINSKI, Op. Cit., pg.368. ANDRADE, Maria Cecília. Concorrência. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed, Curitiba: Juruá, 2002, pgs.316-317. 28 Um exemplo de acordo bilateral sobre concorrência é o celebrado entre a União Europeia e os Estados Unidos, em 1991, que prevê a cooperação na aplicação de regras sobre o tema, as quais devem sempre apreciar os interesses de todas as partes. Há também a exigência de notificação toda vez que alguma prática adotada possa prejudicar os interesses da parte contrária, bem como a existência de regras sobre solicitações de investigação de práticas anticompetitivas. 29 PIILOLA, Anu, Assessing theories of global governance: a case study of international antitrust regulation. Stanford Journal of International Law, 2003, 39 Stan. J. Int'l L. 207, pg.239. 30 Idem, Ibidem, pg.239. 27

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No entanto, os acordos bilaterais possuem o grande problema de serem incapazes de promover uma política da concorrência mais ampla, o que restringe a discussão de questões correlatas, como a liberalização comercial e a globalização econômica.31 Como exemplo dessa limitação, pode-se citar ocasiões em que a fusão de empresas repercutem nos mercados de vários países, de maneira a tornar imprescindível a aprovação das autoridades concorrenciais de todos eles, o que, devido à desarmonia das regulações, pode levar a conclusões divergentes.32 Nesses casos, os acordos bilaterais seriam ineficazes, pois em nada poderiam acrescentar à discussão de caráter multilateral. Dessa forma, os acordos bilaterais não são suficientes para combater as práticas anticompetitivas dos mercados globalizados, nem tão pouco para desenvolver uma política internacional da concorrência fundada em princípios e objetivos comuns. Faz-se necessário, pois, a celebração de acordos multilaterais, os quais, apesar de serem mais complexos e demandarem mais tempo para serem negociados, são mais adequados para os propósitos buscados por uma política de concorrência internacional. Em 1993, um grupo de especialistas, conhecido como Grupo de Munique, propôs um ambicioso projeto de acordo sobre concorrência, o DIAC. Esse modelo sugerido, que poderia ser incluído, posteriormente, na estrutura da OMC, abordava padrões mínimos a serem obedecidos pelas partes, bem como a criação de uma agência internacional sobre concorrência para fiscalizar a aplicação das legislações domésticas sobre o tema. Essa proposição, apesar de ter sido bastante criticada, foi importante para estimular o debate sobre a necessidade de adoção de uma política internacional da concorrência.33 Em 1995, outro grupo de especialistas foi formado, dessa vez pela Comissão Europeia sobre Concorrência, com o propósito de analisar possibilidades para uma política internacional sobre o assunto. O relatório desse grupo, além de recomendar a criação de uma estrutura multilateral para regular a concorrência internacional, a fim de assegurar que princípios básicos sobre a matéria fossem incorporados no âmbito

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Idem, Ibidem, pg.240. Este foi o caso da fusão Gillette-Wilkinson, na qual foi necessária a aprovação de autoridades concorrenciais de 14 países diferentes. BERCERO, Ignacio Garcia; AMARASINHA, Stefan D. Moving the trade and competition debate forward. Journal of International Economic Law, (2001) 481-506, pgs. 484-485. 33 PIILOLA, Op. Cit., pg.228. 32

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doméstico, também ponderou sobre a importância de se estimular a cooperação bilateral e o aprimoramento daqueles acordos bilaterais já existentes.34 Várias organizações internacionais, como a ONU e a OECD, já tratam sobre a concorrência, inclusive com a elaboração de pareceres e recomendações. Atualmente, o assunto também entrou para a agenda de discussões dos blocos econômicos, seguindo o bem-sucedido exemplo da União Europeia, na tentativa de criar regras que favoreçam a integração dos mercados.

2.1.1 As regras sobre concorrência na UNCTAD A ONU, desde os anos 50, tem adotado algumas providências a fim de tentar controlar as práticas comerciais restritivas, principalmente através de acordos internacionais. Em 1980, foi adotado o The SET, um conjunto de princípios sobre concorrência, com caráter de recomendação, aprovado pela Assembleia Geral da Organização, a pedido dos países em desenvolvimento. 35 Esse dispositivo possui o propósito de garantir que práticas comerciais anticompetitivas não interfiram nos benefícios resultantes da liberalização comercial, além de assegurar maior eficiência ao comércio internacional.36 Como exemplos dos princípios contidos nesse Conjunto, pode-se citar a eliminação de práticas restritivas que afetem o comércio em âmbito nacional, regional e internacional; colaboração governamental, tanto bilateral quanto multilateral, e a troca e disseminação de informações sobre práticas anticompetitivas; facilitação da realização de consultas multilaterais sobre o tema; e a aprovação e execução da legislação sobre o assunto, bem como a implementação do controle judicial e administrativo de práticas restritivas ao comércio.37 Entretanto, como o The SET é somente uma recomendação, ele não cria uma política vinculativa para os Estados membros da ONU e nem inclui sanções para aqueles que não o observam. Desse modo, apesar de sua adoção ser do interesse de todos, por ser um importante instrumento para o desenvolvimento econômico mundial, tal dispositivo é deficiente em virtude da carência de eficácia.

2.1.2 A OECD e a política da concorrência 34

Idem, Ibidem, pgs.228-229. THORSTENSEN, Op. Cit., pg.324. 36 Idem, Ibidem, pg.324. 37 Idem, Ibidem, pgs.325-326. 35

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A OECD vem, desde 1967, se dedicando à análise e à elaboração de recomendações no âmbito do Direito da Concorrência, por meio de seus grupos de trabalho. Tal organização fundamenta seus estudos nas noções de que I) as práticas anticompetitivas adotadas por entes privados podem restringir o acesso ao mercado; II) medidas relacionadas ao comércio podem ter efeito na concorrência; III) as regulamentações governamentais são passíveis de influenciar a concorrência, uma vez que também podem limitar o acesso ao mercado.38 A OECD concluiu que para a execução de uma política de concorrência eficaz é necessário levar em consideração alguns fatores relevantes, como a cobertura e a abrangência da lei, o seu real cumprimento e a identificação das práticas restritivas que devam ser incluídas nos dispositivos legais.39 Contudo, assim como na UNCTAD, as recomendações elaboradas pela OECD não possuem caráter obrigatório e são apenas aspirações.

2.1.3 A União Europeia Como já abordado previamente, a questão da concorrência, na União Europeia, é regulada pelo Tratado de Roma. O principal objetivo desse documento é assegurar a integração econômica e comercial dos países membros do grupo, com a garantia que práticas anticoncorrenciais não sejam um obstáculo para a realização desse propósito. As regras sobre concorrência, que se aplicam a empresas públicas e privadas e aos subsídios fornecidos pelos Estados, versam sobre: a) a proibição de práticas concertadas que tenham como efeito impedir, restringir ou distorcer a concorrência no mercado comum; b) a vedação do abuso de posição dominante no mercado; c) a restrição da adoção de medidas contrárias à concorrência por parte dos governos; d) o impedimento na concessão de auxílios governamentais que distorçam ou ameacem distorcer a concorrência.40

2.1.4 O NAFTA O capítulo XV do acordo que deu origem ao NAFTA discorre sobre a política da concorrência ao determinar que Estados Unidos, Canadá e México adotem e mantenham medidas contrárias a práticas anticompetitivas, como forma de fortalecer os objetivos do

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Idem, Ibidem, pgs.328-329. Idem, Ibidem, pg.329. 40 Idem, Ibidem, pgs.326-327. 39

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bloco. Ademais, há um enfoque na importância da cooperação entre as autoridades dos países, a fim de que exista uma colaboração na aplicação da política de concorrência e na troca de informações e experiências.41

2.2 A Viabilidade da Regulamentação no Âmbito da OMC A decisão de incluir o Direito da Concorrência nas discussões da OMC veio em 1996, na Conferencial Ministerial de Cingapura, com a criação de um grupo de trabalho sobre a integração entre comércio e política concorrencial, cujas atividades seriam apenas analíticas42. Tal decisão foi uma resposta aos crescentes problemas relacionados às práticas restritivas adotadas pelas empresas. Os efeitos prejudiciais das referidas condutas anticoncorrenciais ficaram ainda mais em evidência frente à redução, pelos governos, das barreiras ao comércio, tanto tarifárias quanto não tarifárias.43 Primeiramente, é importante ressalta que a OMC é uma Organização internacional de direito público, com legitimidade para tratar das questões referentes ao comércio internacional que envolvam políticas governamentais. Desse modo, a atuação dos entes privados está além da competência da OMC, a qual, por lidar com Estados soberanos, deve ficar adstrita aos assuntos que lhe foram outorgados. Contudo, medidas adotadas por entes privados são passíveis de afetar a relação comercial entre os governos. Sob esse aspecto, os resultados alcançados pela OMC podem ser ameaçados por práticas anticoncorrenciais que estão fora do alcance da regulação da Organização. Faz-se necessário, pois, a elaboração de uma política internacional sobre concorrência que vincule os Estados membros, a fim de que esses assumam o compromisso de regular e fiscalizar as condutas dos entes privados localizados em seu território.44 Uma vez que uma legislação internacional envolverá práticas e princípios comuns para os Estados membros, esses só irão aceitá-la se tiverem a oportunidade de influenciar, de alguma forma, sua elaboração, e se seus interesses estiverem incluídos nas discussões.45 É importante, pois, reconhecer que

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Idem, Ibidem, pg.327. De acordo com o parágrafo 20 da Declaração de Cingapura, os estudos desse grupo de trabalho deveriam incluir práticas anticompetitivas e todas as suas atividades deveriam levar em conta o aspecto do desenvolvimento. Ademais, futuras negociações multilaterais sobre o assunto somente poderiam ser realizadas se houvesse um consenso entre os Estados membros. World Trade Organization, Singapore Ministerial Declaration, 1996, WT/MIN(96)/DEC. 43 HEAD, Op. Cit., pg.712. 44 GERBER, Op. Cit., pgs.707-708. 45 Idem, Ibidem, pg.716. 42

15 diferentes países, em diferentes níveis de desenvolvimento, terão diferentes prioridades, tanto entre uma política de concorrência e os objetivos de outras políticas, quanto com relação a objetivos internos da própria política de concorrência, além de reconhecer que diferenças significativas existem com respeito ao papel atribuído à concorrência e ao setor privado pelos diversos 46 governos.

2.2.1 A OMC como uma Organização reguladora A OMC, para realizar seu objetivo principal de abolir os entraves ao comércio internacional, criou um sistema normativo ao qual estão submetidos todos os Estados membros, instituindo, assim, um sistema multilateral de comércio conduzido por regras. A justificativa para a criação de normas na estrutura da OMC está na concepção de que a economia mundial é um recurso comum a todos os países e que as regras são apenas instrumentos para garantir o melhor aproveitamento desse recurso por todos.47 Por isso, não se pode acreditar ser contraditório o fenômeno da liberalização comercial acompanhado pela elaboração de normas, desde que essas sejam criadas com o intuito de garantir o cumprimento do propósito de eliminação das barreiras mercantis. A desregulamentação que deve ocorrer é aquela referente a políticas nacionais de cunho protecionista, que limitem o livre fluxo comercial. Assim, os dispositivos normativos criados pela OMC são imprescindíveis para a efetivação da liberalização comercial, pois é através deles que se torna possível a eliminação das barreiras comerciais e do tratamento discriminatório, de forma a favorecer a existência de igualdade de concorrência entre os Estados.

2.2.2 A insuficiência das normas existentes em outros acordos da OMC A OMC possui alguns dispositivos relativos à concorrência nos acordos já existentes, os quais, contudo, apenas regulam o tema de forma limitada, conforme os interesses da matéria principal tratada em cada documento. Há, pois, muitas questões capazes de suscitar conflitos entre concorrência e comércio, o que demanda a elaboração de um acordo específico sobre a concorrência internacional. Por exemplo, o GATT de 1994, no art. III: 9, dispõe sobre os efeitos negativos da regulação de preços para produtos importados, em comparação com produtos nacionais. Já o art. VI regula a prática de dumping, que é utilizada para obter poder de mercado nos mercados estrangeiros, a partir da fixação de um preço artificialmente mais 46

GESTRIN, Michael, Competition policy. IN: OECD. Policy framework for investment, a review of good practices. OECD, Chapter 4, 2006, pg.100. Tradução livre. 47 GERBER, Op. Cit., pg.708.

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baixo em relação ao do mercado doméstico. Ademais, esse dispositivo, bem como o Acordo específico sobre antidumping, autorizam os países a adotarem medidas em resposta a práticas de preços tidas como desleais.48 O art. XI do GATT versa sobre as únicas práticas que resultam em restrição ao comércio aceitas pela Organização e suas especificidades, dentre as quais não se encontra referência às medidas anticompetitivas. Nesse mesmo sentido, o art. XXIII do mesmo diploma e o DSU também abordam os efeitos prejudiciais de práticas anticoncorrenciais de entes privados.49 O TRIPS, na seção 8, faz referência ao controle de práticas anticoncorrenciais nos contratos de licença. Além disso, na área de patentes, o Acordo, no art. 31, permite aos governos a concessão de licenças compulsórias, desde que preenchidos certos requisitos, a fim de evitar comportamentos abusivos.50 Já o GATS, em seu preâmbulo, discorre sobre a intenção de promover a participação dos Estados em desenvolvimento no comércio de serviços através de, dentre outros fatores, o fortalecimento da eficiência e da competitividade de seus mercados, ideia corroborada pelo art. IV (a). O Acordo também possui dois dispositivos que versam sobre a influência restritiva de práticas de empresas no comércio internacional. O primeiro deles, o art. VIII, relaciona-se com a questão dos monopólios e prestadores de serviços exclusivos, proibindo que estes ajam de forma incompatível com as obrigações assumidas no GATS. O segundo, art. IX, impede a adoção de práticas anticompetitivas pelos prestadores de serviço em geral, uma vez que reconhece que essa medidas limitam a concorrência e, consequentemente, o comércio de serviços. Por fim, o Acordo incentiva a realização de consultas entre os Estados membros, quando necessárias, a fim de eliminar práticas que restrinjam a concorrência (art. XII).51 Outro dispositivo importante sobre a matéria é o Anexo em Telecomunicações do GATS, o qual, na seção 5 (a) e (b), trata do acesso aos meios de telecomunicação públicos de forma não discriminatória, além de conter um compromisso dos Estados membros em evitar a adoção de práticas anticoncorrenciais. O Acordo de Salvaguardas, por sua vez, estabelece, em seu preâmbulo, a necessidade de melhorar, ao invés de limitar, a concorrência nos mercados 48

THORSTENSEN, Op. Cit. pg.333. World Trade Organization. Communication from Asean: relationship between the objectives, principles, concepts, scope and instruments of trade and competition policy and their relationship with development and economic growth, WT/WGTCP/W/33, pg.4. 50 THORSTENSEN, Op. Cit., pg.331. 51 Idem, Ibidem, pgs.331-332. 49

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internacionais. O art. 11 também proíbe os Estados membros de incentivarem ou apoiarem medidas restritivas. O TRIMs, em seu preâmbulo, institui como um de seus objetivos a promoção da livre concorrência. O Acordo também prevê, em seu art. 9, uma revisão do texto, após cinco anos de sua entrada em vigor, pelo Conselho de Comércio de Bens e, se necessário, sua complementação com dispositivos relativos à concorrência.52 O Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio dispõe, em seu preâmbulo, sobre a possibilidade de adoção de medidas relativas ao meio-ambiente, aos consumidores, à saúde e à segurança, dentre outros, desde que tais práticas não constituam obstáculos injustificados ao comércio internacional.53 Pode-se citar também o art. 8 do Acordo sobre Agricultura, o qual versa sobre o compromisso assumido pelos Estados em manter a concorrência nas suas exportações, e o Acordo em Compras Governamentais54, cujos arts. VI:4, VII:2 e X determinam que as compras governamentais devam ser realizadas em conformidade com a livre concorrência. Entretanto, além das limitações já discutidas, grande parte dos dispositivos não aborda a questão da cooperação e do desenvolvimento e não considera um dos aspectos mais importantes do direito da concorrência – o interesse público, representado pela proteção aos consumidores.55

2.2.3 A questão do mecanismo de solução de controvérsias No tocante ao órgão de solução de controvérsias em uma política internacional da concorrência, os governos dos Estados membros desempenharão um importante papel. Além de promoverem a transparência das medidas adotadas pelas empresas, o que será discutido posteriormente, os governos também precisam incentivar a utilização de mecanismos domésticos para efetivação das normas da OMC no setor privado. Essa efetivação, no âmbito nacional, ocorre de duas formas distintas: por divulgar as informações imprescindíveis para a proteção dos direitos assegurados pela OMC e por

52

Idem, Ibidem, pg.331. Tal revisão foi introduzida na agenda da Rodada de Doha, mas com a exclusão do tema investimento das discussões, essa revisão parece ter sido adiada. 53 Idem, Ibidem, pg.332. 54 Lembrando que o Acordo em Compras Governamentais é um Acordo Plurilateral, isto é, só é válido para aqueles Estados membros que o assinaram. 55 World Trade Organization. Communication from Asean, Op. Cit., pg.5.

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desenvolver instituições internas que reduzam a necessidade de se recorrer ao órgão de solução de controvérsias da Organização.56 Em um acordo sobre concorrência, assim como já é previsto em outros acordos, haveria duas opções para questionamento das medidas de governos estrangeiros, ou sua falta de ação frente às práticas restritivas do setor privado. A primeira delas é a possibilidade de peticionar ao governo estrangeiro, seja por lobby, seja através de seu sistema legal, quando uma norma do acordo fosse violada. A segunda alternativa é requerer ao governo do seu próprio país que ele assuma a questão e entre em consulta com o governo do outro país ou comunique a OMC para que o caso seja analisado pelo órgão de solução de controvérsias, se nenhum outro recurso pareça ser viável.57 É importante ressaltar que, quanto ao órgão de solução de controvérsias, ele não poderá decidir sobre a conduta de entes privados, mas somente sobre a negligência dos governos ou sobre a inadequação das regulações domésticas, como ocorre nos dois casos discutidos a seguir. Vale mencionar também que ao tratar de uma hipótese de violação da concorrência, o órgão de solução de controvérsias da OMC terá que considerar aspectos econômicos mais abrangentes, realizando uma análise das características e dos fatores dos mercados envolvidos na disputa. Desse modo, a melhor escolha seria promover instrumentos de negociação entre os governos e o acesso à justiça doméstica para os entes estrangeiros, com o intuito de evitar que a disputa fosse levada aos mecanismos de solução de controvérsias da OMC, o que pouparia tempo e recurso para todas as partes. 2.2.3.1 O caso Japão- Filmes (Kodak-Fuji)58 Nesse caso, os Estados Unidos argumentaram que corporações japonesas, por vários anos, restringiram o acesso ao mercado interno de filmes para produtores estrangeiros, por manter um acordo vertical ligando fabricantes, representantes e comerciantes. O governo norte-americano reclamou que as medidas adotadas pelo governo japonês eram discriminatórias com relação a filmes e papéis fotográficos importados, violando os princípios do tratamento nacional e da transparência.

56

HOEKMAN; KOSTECKI, Op. Cit. pg.92. Idem, Ibidem, pgs.92-93. Para essa segunda possibilidade, é necessário demonstrar que o caso exige uma atenção especial e que uma intervenção da OMC é realmente imprescindível, o que requer pesquisas e estudos sobre a questão. 58 World Trade Organization. Japan – Measures Affecting Consumer Photographic Film and Paper, WT/DS44/R. 57

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O Painel foi estabelecido em 1996 e, apesar de abordar todos os pontos levantados pelos Estados Unidos, decidiu contra os pedidos norte-americanos. Nesse sentido, o Painel conclui que os Estados Unidos falharam ao provar que as práticas japonesas anularam ou comprometeram benefícios que o país teria, na acepção do art. XXIII: 1 (b) do GATT.59 Também foi decidido que as medidas eram neutras quanto à origem dos produtos e, portanto, não violavam a norma do tratamento nacional do art. III:4 do GATT. Por fim, ficou resolvido que não houve violação ao princípio da transparência disposto no art. X:1 do GATT. Ademais, o Painel decidiu que os Estados Unidos poderiam apenas contestar as medidas implementadas pelo governo japonês e não a estrutura do mercado resultante dessa política, uma vez que esse último ponto não havia sido explicitamente levantado nas requisições feitas ao órgão. O Painel também concluiu que não houve restrição ao acesso ao mercado japonês de filmes, pois não ficou constatada nenhuma política pública de exclusão de produtores estrangeiros e que a estrutura desse mercado era condizente com a estrutura dos demais mercados de filmes e papéis fotográficos.60 2.2.3.2 O caso México-Telecoms61 Já nessa disputa, a questão analisada foi a prestação de serviço de telecomunicação em observância às regras da concorrência. Os Estados Unidos acusaram o México de dificultar o acesso ao mercado de telecomunicações, violando o compromisso assumido de liberalizar o setor. De acordo com os Estados Unidos, a agência reguladora de telecomunicações mexicana, a Cofetel, não teria processado e punido a Telmex, empresa mexicana de telecomunicações, a qual cobrava taxas muito altas das operadoras norte-americanas para completar ligações no México. Como consequência, as operadoras norte-americanas não possuíam condições de oferecer taxas competitivas aos seus clientes, ao contrário da SBC, operadora norte-americana de capital mexicano pertencente ao mesmo grupo da Telmex, que, por receber descontos, cobrava uma tarifa menor.62

59

Essa é uma queixa de demanda por não violação, o que significa que um acordo não foi violado, mas que o autor da alegação foi privado de uma vantagem em potencial, devido à ação do governo da outra parte ou por qualquer outra razão. 60 Para mais detalhes sobre o caso, ver HOEKMAN; KOSTECKI, Op. Cit., pgs.86-87. 61 World Trade Organization. Mexico – Measures Affecting Telecommunications Services, WT/DS204/R. 62 FIORATI, Jete Jane, Direito do comércio internacional: OMC, telecomunicações e estratégia empresarial. UNESP: São Paulo, 2006, pgs.379-381.

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Um Painel foi estabelecido em 2002 e decidiu que o México havia violado suas obrigações perante a OMC, nos termos a seguir. O Painel concluiu que o México descumpriu as obrigações adicionais assumidas no GATS, pressentes no Referent Paper. As seções 2.1 e 2.2 do Referent Paper do México foram infringidas devido ao fato das taxas de interconexão cobradas pelas operadoras mexicanas às norte-americanas não serem determinadas pelos custos, representando um excesso ao real valor das tarifas. A seção 1 também foi violada, uma vez que o governo mexicano falhou em promover medidas apropriadas para evitar práticas anticompetitivas, constituindo as ações da Telmex restrições à concorrência. Por fim, o Painel considerou a infração ao Anexo de Telecomunicações, seção 5 (a) e (b), já que a Telmex controlava a rede pública de telecomunicações. O México fracassou em fornecer às operadoras norte-americanas acesso ao seu mercado, de acordo com termos razoáveis, ao cobrar taxas excessivas que impediam a concorrência de preços no setor de telecomunicações. O governo mexicano não adotou nenhuma política para assegurar o acesso adequado ao mercado de telecomunicações para as operadoras estrangeiras, de uma forma consistente com o Anexo. Com base na discussão desses dois casos, conclui-se que o tema concorrência é uma realidade no cenário do comércio internacional e, consequentemente, na OMC. Desse modo, fica evidente a necessidade de se discutir um acordo sobre concorrência internacional junto à OMC, a fim de que a matéria tenha regulação própria, em reconhecimento de sua importância para a economia mundial. É necessário prover ao órgão de solução de controvérsias mecanismos particulares para o exame de casos envolvendo condutas anticoncorrenciais, além de propiciar a qualificação necessária para a análise econômica que o tema exige. Somente assim será possível evitar que questões referentes à concorrência sejam uma lacuna no cenário internacional, decididas com base em regras formuladas para aspectos específicos do comércio.

2.2.4 As vantagens em se incluir um acordo sobre concorrência na estrutura da OMC A OMC é uma Organização que conseguiu, com eficiência, se estabelecer como um foro de negociação de acordos internacionais complexos, contando, atualmente, com cerca de 60 documentos63, além de também possuir procedimentos para garantir a observância a esses instrumentos regulatórios. Nesse sentido, a Instituição seria capaz

63

World Trade Organization. Understanding the WTO, 5th Edition, 2010, pg.23.

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de elaborar um acordo sobre concorrência, abordando as particularidades do assunto e seus efeitos diretos sobre o comércio internacional, mas sem priorizar um aspecto em detrimento do outro.64 Ademais, uma vez que a OMC abrange vários temas em seus acordos, é possível negociar a regulação das matérias através do sistema de concessão e vantagens mútuas.65 Dessa forma, por ser a regulação concorrencial um assunto que envolva diversos interesses domésticos dos Estados membros, a negociação de uma política internacional pode ser facilitada quando os países têm incentivos para flexibilizar sua posição. Como exposto no tópico anterior, a OMC possui um já desenvolvido sistema de resolução de controvérsias, o que propicia uma maior executividade das obrigações assumidas nos acordos, sendo mais um instrumento para garantir eficácia a um acordo sobre concorrência.

2.2.5 Os desafios da inclusão de um acordo sobre concorrência na OMC Um dos pontos mais controversos sobre o tema é o posicionamento divergente entre países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento ou menos desenvolvidos e a desconfiança existente entre eles. Os países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos se preocupam com possíveis

práticas

anticompetitivas

de

empresas

multinacionais

originárias,

principalmente, dos Estados Unidos ou de algum dos países da União Europeia, em seu mercado.66 Tal preocupação não é sem fundamento, já que o principal interesse destes Estados em uma política internacional sobre concorrência é a promoção do acesso aos mercados, facilitando as exportações, além de garantir a aprovação da fusão entre grandes empresas.67 A postura receosa entre os Estados membros resultou no fracasso da tentativa de inclusão do tema concorrência nas agendas de discussão da Rodada de Doha.68 Assim,

64

PIILOLA, Op. Cit., pg.231. Idem, Ibidem, pg.232. 66 HOEKMAN; KOSTECKI, Op. Cit., pg.427. Como exemplo de medida anticompetitiva adotada por tais empresas está o cartel de exportação, criado com o objetivo de adquirir poder de mercado nos mercados estrangeiros, controlando os preços dos produtos ou serviços, em detrimento do bem-estar dos consumidores locais. 67 Idem, Ibidem, pg.428. 68 GERBER, Op. Cit., pg.711. Os Estados Unidos temiam que um direito da concorrência na OMC seria dirigido contra grandes empresas multinacionais, dentre as quais, como já mencionado, várias estão localizadas em território norte-americano. Os países em desenvolvimento, por sua vez, receavam que o 65

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pode-se atribuir o insucesso da discussão da matéria na Rodada de Doha à falta de diálogo e à visão restrita dos Estados membros em relação aos seus interesses privados. Esses são, aliás, os principais fatores que têm causado um grande atraso na conclusão da própria Rodada, o que contraria a imagem da OMC de ser um foro de discussão baseado na reciprocidade e nas concessões, com o propósito de se atingir os melhores resultados para a economia mundial. É importante ressaltar que ao se elaborar uma política internacional sobre concorrência deve-se ponderar, como discutido anteriormente, as situações peculiares de cada membro. Dessa forma, um acordo sobre concorrência não pode ser no sentido de “um único tamanho servir para todos”.69 Deve-se, pois, reafirmar a noção de comunidade que sustenta toda a estrutura da OMC e é o alicerce para o êxito da Organização. Cabe à OMC fazer com que seus Estados membros se sintam parte da discussão e capazes de influenciá-la, de forma efetiva, a fim de que tenham seus interesses protegidos70. É evidente que nem todos os interesses de todos os países podem ser satisfeitos, visto que muitas vezes eles são até mesmo antagônicos. No entanto, somente a possibilidade de participar, de maneira equitativa, de um foro de discussão, podendo-se valer dos debates para demonstrar seus argumentos, oferece aos participantes o respeito à sua soberania. Além disso, a oportunidade de expor sua posição e demonstrar seus fundamentos concede uma segurança maior de que a decisão será a mais adequada e razoável possível, o que resulta em um processo mais justo e legítimo.71 A realização das alterações necessárias, que envolvem modificações na própria estrutura da Organização e nos meios de se alcançar seus propósitos, não pode ser subestimada, visto que é um processo longo e desafiador72. Contudo, os resultados

objetivo principal de tal Acordo seria permitir o acesso ao mercado doméstico e à matéria-prima por parte de grandes empresas americanas, europeias e japonesas. 69 HOEKMAN; KOSTECKI, Op. Cit., pg.433. Tradução livre. 70 Sobre a necessidade de “democratização da OMC", ver PETERSMANN, Ernst-Ulrich, Addressing Institutional Challenges To The WTO In The New Millennium: A Longer-Term Perspective. Journal of International Economic Law, 7(3) 585-603, 2005. 71 Para um estudo mais aprofundado sobre a importância do fundamento da cooperação no âmbito da OMC, ver GERBER, Op. Cit.. Nesse artigo, o autor aborda a falta da noção de comunidade como um problema somente para a inclusão do tema concorrência nas discussões da OMC. No entanto, os argumentos expostos pelo autor podem ser válidos para todos os outros aspectos da OMC, visto que a fragilidade da formação de uma comunidade internacional dentro da Organização é um problema geral, inclusive refletido no impasse em que se transformou a Rodada de Doha. Dessa forma, a falta de cooperação não seria um demonstrativo da dificuldade de se tratar sobre concorrência na OMC, mas da necessidade de se reformular a postura da Organização perante seus próprios membros. 72 PIILOLA, Op. Cit., pg.234.

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decorrentes dessas mudanças propiciarão não somente a elaboração de um acordo sobre concorrência, mas também facilitarão todas as futuras negociações. É importante atentar para o fato de que, apesar da concorrência e do comércio internacional se relacionarem, com um exercendo influência sobre o outro, ambos são ramos independentes, que possuem regras e objetivos próprios. Faz-se imprescindível que um acordo sobre concorrência elaborado na esfera da OMC saiba respeitar essas peculiaridades, com o intuito de alcançar uma coordenação harmoniosa entre concorrência e comércio. Desse modo, o grupo responsável por elaborar o acordo terá que abordar o aspecto dos efeitos das condutas anticompetitivas no livre comércio, sem desfavorecer as questões intrínsecas da concorrência. Assim como ocorre nos demais acordos da OMC, uma política da concorrência deve conter dispositivos que reflitam as necessidades da realidade econômica internacional, as quais, por sua vez, por serem reflexo de uma sociedade em constante mutação, não são estáticas. Portanto, deve-se considerar as necessidades dos mercados no momento da elaboração de um acordo sobre concorrência, mas sem enrijecer as regras de forma que elas não possam acompanhar as alterações sociais.73 Nesse sentido, torna-se imprescindível garantir que o acordo sobre concorrência seja adaptável e flexível, tanto às novas demandas dos mercados, quanto às exigências de cada país, o que pode ser feito pelo estabelecimento de princípios e conceitos, a partir dos quais as legislações domésticas poderão ser formuladas. Destarte, apesar de alguns desafios, a OMC ainda é a melhor alternativa para a elaboração de uma política internacional sobre concorrência, devido à importância da Organização no cenário da economia global. A OMC é, comparada a outras organizações internacionais, ainda muito recente, mas que, desde 1995, tem obtido bons resultados e aumentado sua credibilidade. É certo que todos os problemas enfrentados pela Rodada de Doha representaram um banho de água fria para os pretenciosos objetivos da OMC. Entretanto, a Organização não pode deixar que isso afete o seu funcionamento e o que já foi conquistado até o presente momento. É cogente que a OMC se imponha de uma vez por todas como necessária para a regulação do comércio internacional e de todos os outros assuntos a ele relacionados. Para alcançar tal reconhecimento, a Organização precisa dar voz aos Estados membros, para que estes possam influenciar, de maneira eficaz e igualitária, o sistema de tomada de decisões. Somente dessa forma eles poderão

73

Idem, Ibidem, pg.233.

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fazer parte de um verdadeiro foro de discussão e aceitar o sistema de troca de interesses e reciprocidade, fundamental para se atingir os propósitos da OMC.

2.3 Elementos Essenciais para Lograr um Acordo sobre Concorrência A fim de se estabelecer uma política internacional sobre concorrência no âmbito da OMC, o modelo de regulação mais sensato é o mesmo adotado, com eficiência, pelo TRIPS, o qual dispõe, no art. 1, que os países serão livres para escolher a melhor forma de implementar as previsões do Acordo no ordenamento doméstico. O mecanismo escolhido por esse Acordo fundamenta-se, pois, no compromisso assumido pelos países em “estabelecer e manter certas previsões legais domésticas”, além de assegurar sua aplicabilidade, com o objetivo de garantir a proteção da propriedade intelectual no cenário internacional.74 Dessa forma, os Estados membros ainda são os destinatários das regulamentações do TRIPS, mas eles também adquirem a responsabilidade de adotar regimes domésticos para regular as ações de entes privados em seus mercados.75 Respeita-se, pois, a soberania e a liberdade de cada país em elaborar sua própria regulamentação. Assim, para se construir uma política internacional sobre o tema, o melhor é que a OMC comece por certificar que todos os Estados membros formulem uma legislação nacional sobre concorrência, seguindo certos princípios e orientações pré-determinados. Nesse contexto, as condutas do Estado continuariam sendo o objeto para questionamentos perante a OMC, isto é, analisar-se-ia se o país adotou uma legislação doméstica efetiva e se atuou no sentido de combater práticas anticompetitivas, e não se um ente privado violou a lei interna. Os agentes privados permaneceriam, dessa forma, dentro do domínio de autoridades regulatórias domésticas e da legislação nacional.76 A OMC deverá fornecer a base principiológica, com a identificação das práticas a serem combatidas, os valores a serem promovidos e os objetivos a serem alcançados. A partir desse núcleo comum, os países aprovarão suas próprias legislações sobre o tema, com liberdade para escolher a melhor forma de proteção da concorrência. Fundamentando-se, pois, na estrutura do TRIPS77, um acordo sobre concorrência 74

United Nations Conference on Trade and Development, WTO Core principles and prohibition: obligations relating to private practices. National Competition Laws and Implications for a Competition Policy Framework, UNCTAD/DITC/CLP/2003/2, pg.13. 75 Ibidem, pg. 14. No Brasil foi editada, em 14 de maio de 1996, a Lei 9.279, que versa sobre os direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual, em conformidade com as exigências do TRIPS. 76 Ibidem, pg.15. 77 HOEKMAN; KOSTECKI, Op. Cit., pg.285.

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deveria estabelecer padrões mínimos de proteção da livre concorrência; dispor sobre procedimentos e remédios disponíveis para os governos efetivarem a proteção à concorrência; e englobar os princípios basilares da OMC. É importante ressalvar que, em algumas situações, é necessário permitir a adoção de medidas restritivas à concorrência, como em hipóteses nas quais há um interesse nacional também envolvido.78 Ademais, nem toda prática que resulte em uma concentração econômica deve ser proibida, mas somente aquela que é exercida de forma abusiva, resultando em prejuízos para o processo da concorrência e, consequentemente, para os consumidores. Deve-se, pois, estabelecer também os critérios econômicos a serem analisados a fim de se determinar se uma conduta é anticompetitiva. Dentre tais critérios pode-se citar os aspectos que devam ser considerados para a identificação do mercado relevante; os fatores que determinam se uma empresa possui poder de mercado; e o que significa a hipótese de uma empresa ocupar uma posição dominante e até onde isso pode interferir na concorrência. Outro ponto a ser discutido é a necessidade de se incluir em uma política da concorrência, além da aplicação de normas e sanções, dispositivos que previnam a adoção de medidas anticoncorrenciais. Isso significa que é importante adotar uma política de cultura concorrencial, que divulgue os benefícios da concorrência, bem como que estimule o respeito aos seus princípios. A formação de um comitê específico para revisão das legislações domésticas e para armazenar os dados sobre concorrência também deve ser considerada pelo acordo. Tal comitê funcionaria como uma central para fiscalizar as condutas governamentais e requerer mudanças necessárias quando as legislações domésticas não estejam em conformidade com os preceitos internacionais. Um acordo sobre concorrência na OMC necessita ressaltar também a importância das autoridades reguladoras79 sobre o tema, determinando a criação de tais instituições nos países que ainda não a possuem. Essas autoridades reguladoras teriam o papel de: I) estabelecer uma ponte umas com as outras, a fim de comunicar possíveis violações da concorrência, em nível internacional; II) requerer ou coordenar a realização de investigações e de tomada de providências em casos concretos; III) trocar 78

World Trade Organization. Communication from Asean, Op. Cit., pg.5. Pode-se citar como exemplos dessa exceção a exploração dos recursos naturais e algumas atividades econômicas reservadas ao exercício de nacionais. 79 A estrutura das autoridades regulatórias domésticas, por sua vez, dependeria da organização administrativa de cada país, podendo assumir as mais diversas formas, como agência reguladora ou autarquia, caso do CADE no Brasil.

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informações, experiências e apoio.80 Além disso, elas seriam o instrumento de ligação entre os governos e o comitê sobre concorrência da OMC, para fornecer as informações necessárias e receber as instruções adequadas. O governo, por iniciativa própria ou a pedido de um agente privado, quando sofresse os efeitos de medidas anticoncorrenciais poderia requerer à autoridade reguladora de um determinado país que investigasse a situação e tomasse as providências. Somente no caso de negativa ou de insuficiência na investigação é que se recorreria ao Painel da OMC, como já abordado previamente. A União Europeia, por meio de sua Comissão de especialistas em Direito da Concorrência, formulou um relatório para a OMC, no qual previa a possibilidade da negociação de um acordo sobre o tema na Organização. O modelo sugerido aborda os aspectos discutidos nessa seção, a saber: I) a necessidade da adoção de legislações domésticas sobre a matéria, bem como o desenvolvimento de uma estrutura administrativa interna; II) a identificação de princípios comuns como fundamento para a elaboração de regras internacionais; III) a promoção de um instrumento de cooperação entre as autoridades dos Estados membros; IV) a implementação de um mecanismo de solução de controvérsias, adaptando aquele já existente para as especificidades da concorrência.81 Obviamente, um acordo sobre concorrência implicará em custos para a adaptação da legislação doméstica e dos institutos internos sobre o tema, o que constituiria um peso, principalmente, para os países em desenvolvimento e para os menos desenvolvidos. Dessa forma, assim como em ocasiões anteriores, é necessário estabelecer um período de transição para que os Estados membros tenham tempo e recursos para realizar as alterações necessárias, a fim de atender às exigências do acordo. Devido à maior dificuldade enfrentada pelos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, o período de transição para eles deverá ser maior, para que novas obrigações não representem um fardo insustentável. Nesse sentido, seria fundamental a existência de cooperação entre os países, envolvendo a troca de experiência e de assistência técnica.82

80

SHELTON, Op. Cit., pg.61. THORSTENSEN, Op. Cit. pgs.229-230. 82 A OMC, ciente das necessidades dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, previu a possiblidade do tratamento especial e diferenciado, pelo qual esses países possuem direitos especiais, como a previsão de períodos mais longos para a implementação dos acordos. 81

27

2.4 A Responsabilidade dos Estados em Assegurar a Concorrência Internacional A política de concorrência relaciona-se com o comércio internacional, uma vez que pode tanto impor restrições à entrada de bens ou serviços no mercado interno, quanto pode beneficiar o processo de exportação.83 Desse modo, os Estados possuem a responsabilidade de atuar no campo do Direito da Concorrência de forma a não frustrar os objetivos da OMC, os quais serão estudados no próximo tópico. Como discutido, devido às peculiaridades do tema, o ideal é que cada governo elabore uma legislação doméstica da concorrência e crie órgãos responsáveis pela regulação e pela execução de uma política concorrencial, sempre em conformidade com as normas acordadas em nível internacional. Nas legislações domésticas, é indispensável que os países protejam a concorrência, combatendo as práticas anticompetitivas. Além de aprovar leis que estejam em harmonia com os dispositivos de uma política internacional sobre a matéria, os governos também precisam se abster de práticas restritivas de mercados e eliminar todas as regulamentações que violem o acordo. Cabe aos Estados fomentar a comunicação com as autoridades reguladoras de outros países, a fim de que seja possível a troca de informações sobre medidas anticompetitivas, bem como proporcionar que entes internacionais tenham acesso aos órgãos jurisdicionais domésticos. Como ressaltado, o mecanismo de solução de controvérsias da OMC deve ser considerado somente como última alternativa, priorizando-se a decisão da disputa nos tribunais domésticos ou de forma diplomática. É fundamental que os países também difundam a cultura da concorrência, de forma a conscientizar todos aqueles que atuem no mercado sobre a importância de assegurar uma competição livre e justa. Sob essa perspectiva, os Estados agiriam de forma preventiva, evitando práticas anticoncorrenciais e a composição de litígios. Assim, os Estados são importantes para a defesa da concorrência internacional e possuem a responsabilidade de adequar as legislações domésticas e de punir as condutas que as violem, além de promover a criação de um aparato administrativo e divulgar os benefícios da livre concorrência.

2.5 O Efeito da Adoção de uma Política Pública do Direito da Concorrência sobre os Entes Privados 83

United Nations Conference on Trade and Development, WTO Core Principles and Prohibition. Op. Cit., pg.15.

28

Para o êxito de uma política internacional da concorrência é imprescindível que os países reconheçam que as ações de empresas podem prejudicar o comércio internacional. A responsabilidade dos Estados deve, pois, ser mais abrangente, a fim incluir também os entes privados que se unem para “criar as mesmas restrições que seriam, de outra forma, acionáveis se praticadas pelo Estado”.84 Nesse sentido, os acordos já existentes da OMC possuem exemplos de preceitos que podem abranger, de algum modo, condutas privadas, atribuindo aos governos a tarefa de fiscalizá-las. O art. XVII do GATT requer que os Estados que concedam algum tipo de benefício para determinadas empresas assegurem que tais empresas ajam de forma não discriminatória com relação às importações e exportações, além de realizarem suas compras seguindo os padrões do comércio.

85

Já o art. VIII do GATS

exige a garantia que o fornecedor monopolista de um serviço irá respeitar o princípio da nação mais favorecida ou qualquer outra obrigação assumida pelo Estado. O art. 61 do TRIPS, por sua vez, demanda que os países prevejam penalidades para aqueles que desenvolvam atividades relacionadas com pirataria. Da mesma forma, em seus arts. 51 e subsequentes, o Acordo requer que os membros possibilitem aos detentores dos direitos de qualquer propriedade intelectual mecanismos para bloquear a importação de produtos pirateados. Assim, apesar de um acordo sobre concorrência ser direcionado aos países, os entes privados sofrerão os efeitos de tal dispositivo internacional, uma vez que os Estados terão o dever de regular e fiscalizar as suas condutas, com a aplicação de sanções para aquelas que forem anticompetitivas.

3- A LIVRE CONCORRÊNCIA E AS FINALIDADES E OBJETIVOS DA OMC

Devido ao fato da OMC ter sido relativamente bem-sucedida nos últimos anos em, progressivamente, eliminar as barreiras ao livre comércio, 86 tal Organização, como demonstrado no tópico anterior, se apresenta como uma boa alternativa para um fórum de discussão sobre uma possível política multilateral da concorrência.87 84

Ibidem, pg. 8. Tradução livre. Ibidem, pg. 12. 86 Juntamente com tal sucesso, a OMC também tem recebidos várias críticas e, atualmente, tem sido objeto de grandes dúvidas. Tais fatores decorrem, principalmente, da dificuldade em se concluir a Rodada de Doha, como abordado no tópico anterior, o que tem levantado muitas críticas e discussões no cenário internacional sobre a eficiência e a credibilidade da Organização entre os Estados membros. 87 HEAD, Op. Cit., pg. 703. 85

29

Alguns Estados membros já têm sua própria regulação doméstica, a qual, por sua vez, possui propósitos específicos, que variam de legislação para legislação, podendo, inclusive, haver objetivos conflitantes. Ao se tratar, porém, de uma política internacional sobre concorrência, é imprescindível alcançar um consenso, com o estabelecimento de alvos comuns, a serem perseguidos por todas as legislações domésticas. Além desse consenso, por ser um acordo no âmbito da OMC, é necessário ter em mente que a forma de regulamentação escolhida deverá estar também de acordo com os objetivos e as finalidades da Organização. Desse modo, o acordo deve fundamentar-se no princípio da cooperação que está presente em toda a estrutura da OMC, por meio do qual os países com mais experiência em uma determinada área auxiliam aqueles com pouco conhecimento e ou recursos. Tal cooperação pode ser exercida de várias formas, como a assistência para a execução das normas concorrenciais; o auxílio técnico e o treinamento de pessoal; e a troca de informações e tecnologia para facilitar a eficiência do processo da concorrência, bem como sua transparência.88 Assim, em razão da diversidade de interesses e aspirações dos Estados membros da OMC, ao se determinar o escopo de uma legislação sobre concorrência internacional, deve-se ponderar acerca de todos os objetivos almejados pelos países, bem como relacioná-los com os propósitos da Organização. Nesse sentido, é indispensável analisar esses objetivos a longo prazo, visto que a matéria, por ser controversa, demandará um esforço constante e sucessivo, além de um desenvolvimento progressivo.89 Nesse contexto, a fim de conciliar os propósitos dos Estados membros às finalidades da OMC, os principais alvos de uma possível política multilateral da concorrência devem estar relacionados à redução da utilização de aspectos concorrenciais como ferramentas protecionistas, ao desenvolvimento econômico e social e à proteção dos consumidores em uma escala global.90 Esses três propósitos estão interligados e dependem uns dos outros, uma vez que a plena realização de um somente será alcançada se os outros dois também forem considerados. Nesse sentido, os efeitos da liberalização comercial só serão perceptíveis se houver esforços para promoção do desenvolvimento e do bem-estar dos consumidores, hipótese na qual tanto o país quanto os seus cidadãos poderão usufruir os 88

World Trade Organization. WT/WGTCP/W/127,1999, pg. 13. 89 Ibidem, pg. 13. 90 HEAD, Op. Cit., pg. 703.

The

Fundamental

Principles

of

Competition

Policy,

30

benefícios do livre comércio. Essa situação pode ser invertida e o resultado será o mesmo. É imperativo, pois, trabalhar em prol dos três objetivos, simultaneamente, sempre sob o ponto de vista da cooperação. 3.1 A Promoção do Livre Comércio A política internacional da concorrência deve estimular uma concorrência livre e eficiente, combatendo práticas que, injustificadamente e de forma abusiva, restrinjam os mercados. Além disso, ela deve punir a utilização de instrumentos concorrenciais como ferramentas protecionistas, em conformidade com o maior e principal objetivo da OMC, a saber, o livre comércio entre os países. Existe uma preocupação de que a liberalização comercial possa ser frustrada pelas práticas anticompetitivas. As vantagens alcançadas pela eliminação das barreiras governamentais ao comércio podem ser ameaçadas quando tais barreiras forem substituídas por práticas anticoncorrenciais. Dessa forma, uma política internacional sobre concorrência, ao combater medidas anticompetitivas, é indispensável para complementar a liberalização comercial.91 Os esforços dispensados para garantir uma maior liberalização comercial são sustentados pela ideia de que a abertura dos mercados conduz a uma conjuntura de bemestar para os países que a adotam. Tal bem-estar tem como uma de suas características o crescimento da economia de uma nação, o qual, segundo um artigo de Sachs e Warner citado por Hoekman e Kostecki, em países em desenvolvimento mais abertos é 3,5% maior do que aqueles com economia fechada.92 Entretanto, os benefícios da liberalização não se limitam ao campo econômico, mas são sentidos também na elevação do padrão de vida global.93 Desse modo, a liberalização comercial pode ser um instrumento para a persecução de vários outros objetivos, tais como a inserção de países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos no sistema multilateral de comércio ou a ampliação no número de postos de trabalho.94 A liberalização comercial possibilita, igualmente, a utilização racional dos recursos produtivos de um país. Isso ocorre devido ao fato de um Estado, para se manter em condições de concorrência leal em um sistema multilateral de comércio, alocar os 91

PIILOLA, Anu, Op. Cit., pg. 225. Esse também é o entendimento de Vera Thorstensen, que afirma que a liberalização comercial deve ser estudada sob uma abordagem mais ampla, de acordo com a realidade atual dos mercados globalizados. Dentro dessa nova perspectiva, a autora cita as medidas anticoncorrenciais como um obstáculo ao livre comércio. THORSTENSEN, Op. Cit., pgs.286-287. 92 HOEKMAN, KOSTECKI, Op. Cit., pg. 16. 93 Idem, Ibidem, pg. 18. 94 NASSER, Op. Cit., pg.49.

31

seus esforços em uma atividade produtiva na qual apresenta certas vantagens e facilidades. Dessa forma, ao invés de tentar possuir uma pequena parcela de participação em várias áreas, valendo-se de recursos protecionistas, tais como subsídios e medidas anticoncorrenciais, o país investe no setor econômico em que se destaca e no qual possui reconhecimento internacional.95 É importante ressaltar que o processo de liberalização não é perfeito e não resulta nas mesmas consequências para todos. Muitos países em desenvolvimento e, principalmente, menos desenvolvidos, os quais não possuem uma economia forte e não se destacam em algum campo econômico específico, encontram dificuldades ao entrarem no sistema multilateral de comércio. Eles não conseguem usufruir as vantagens prometidas pela liberalização dos seus mercados, uma vez que, apesar de se inserirem nesse arranjo de caráter internacional, são incapazes de se manterem competitivos e influentes nas relações comerciais. Faz-se necessário, assim, não apenas introduzir os países no comércio internacional, mas também fornecer as condições apropriadas para que eles consigam se desenvolver sozinhos dentro dele, possuindo a oportunidade de crescimento e desenvolvimento, tanto econômico quanto social. Destarte, uma vez que condutas anticompetitivas também possuem efeito sobre o comércio internacional, podendo ser utilizadas como instrumentos protecionistas, um acordo sobre concorrência, bem como as legislações domésticas, devem ter como um de seus propósitos assegurar a liberalização comercial.

3.2 A Cooperação para o Desenvolvimento Mundial O crescimento econômico mundial deve resultar no aprimoramento das condições de vida das pessoas residentes nos Estados membros da OMC. Nesse sentido, o preâmbulo do Acordo Constitutivo da Organização dispõe: As partes reconhecem que suas relações na área do comércio e atividades econômicas devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos padrões de vida, assegurando o pleno emprego e um crescimento amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva (...).96

95 96

HOEKMAN; KOSTECKI, Op. Cit., pg.28. Marrakesh Agreement Establishing the World Trade Organization. Op. Cit.

32

Existem vários fatores que levam a esse desenvolvimento, dentre os quais está a correta e eficiente alocação dos recursos econômicos, que, por sua vez, só é possível através da adoção de uma política concorrencial.97 Ao evitar que as empresas aumentem seu poder de mercado, através da utilização de outros meios que não a eficiência econômica, uma política da concorrência incentiva a produção de bens ou prestação de serviços que interessem aos consumidores, pelo menor preço possível.98 Assim, um Direito da Concorrência, em nível internacional, permite um maior acesso aos produtos ou serviços essenciais, por um preço coerente, de forma a favorecer, principalmente, os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos. Sob outro enfoque, a OMC também promove o desenvolvimento por disponibilizar aos países em desenvolvimento e aos menos desenvolvidos instrumentos de assistência técnica para a adequação das condutas às obrigações assumidas. Além disso, esses países possuem maior flexibilidade na adoção dos acordos, pois possuem um prazo diferenciado para a sua implementação. Apesar da matéria ter sido excluída da agenda de discussões da Rodada de Doha em 2004, a declaração da Conferência Ministerial de Cancun99, ainda em 2003, dispôs que o grupo de trabalho sobre concorrência deveria considerar as necessidades referentes ao desenvolvimento. Tais necessidades incluíam, por exemplo, a cooperação técnica e a capacitação em áreas como análise e elaboração de políticas sobre concorrência, a fim de que os países em desenvolvimento e os menos desenvolvidos fossem beneficiados pelo esforço internacional em se garantir condições de desenvolvimento. Por fim, foram estabelecidas cooperações com outras organizações, como a UNCTAD.100 Vale ressaltar que o desenvolvimento não está relacionado somente ao aspecto econômico, resultando também no aprimoramento das condições de vida dos cidadãos, com a melhoria da educação e saúde, crescimento dos postos de trabalho, redução da taxa de mortalidade e até mesmo com o aumento da expectativa de vida. Dessa forma, a cooperação para o desenvolvimento mundial por meio de um acordo da concorrência é uma responsabilidade compartilhada pelos países em 97

World Trade Organization. Communication from Asean, Op. Cit., pg.4. SHELTON, Op. Cit., pg.53. 99 World Trade Organization. Preparations for the Fifth Session of the Ministerial Conference – Draft Cancún Ministerial Text, Second Revision, 2003, JOB(03)/150/Rev.2, parágrafo 15. 100 World Trade Organization. Understanding the WTO, Op. Cit., pg.84. 98

33

desenvolvimento e por aqueles desenvolvidos. Os primeiros possuem o papel de implementar e executar, adequadamente e o mais breve possível, políticas concorrenciais domésticas, a fim de garantir o bem-estar dos consumidores e a adoção de outras políticas públicas referentes à matéria. Já os países desenvolvidos devem assumir o compromisso de auxiliar os países em desenvolvimento na aplicação de suas legislações concorrenciais, tanto por fornecer assistência técnica e capacitação, quanto por colaborar com os outros aspectos necessários. 101

3.3 A Proteção aos Nacionais dos Estados membros Como já exposto anteriormente, o Direito da Concorrência possui como um de seus principais objetivos assegurar o bem-estar dos consumidores. Seguindo esse raciocínio, em uma política internacional da concorrência patrocinada pela OMC, a ideia de consumidor é muito mais ampla, abarcando os nacionais de todos os Estados membros. No contexto de uma política internacional da concorrência, a proteção aos consumidores é representada pela proibição da adoção de práticas abusivas que tenham um impacto negativo nos preços cobrados pelo produto ou serviço e/ou que restrinjam as opções de escolha dos consumidores.102 Nesse sentido, o consumidor se beneficia da concorrência por ter à sua disposição o melhor produto pelo menor preço e a possibilidade de optar por aquele bem ou serviço que lhe melhor convém. Entretanto, assim como acontece na questão do desenvolvimento, a proteção aos consumidores não se reduz ao aspecto econômico. Quando a proteção aos nacionais dos Estados ocorre juntamente com os outros dois propósitos já analisados, os benefícios para os cidadãos não se limitam ao campo da concorrência. Há também a promoção dos fatores sociais, com maior inclusão dos indivíduos na sociedade e o aprimoramento de seus padrões de vida. Dessa forma, a concorrência possui caráter instrumental, com objetivos muito mais abrangentes do que garantir apenas a competitividade dos mercados, buscando assegurar a dignidade da pessoa humana e a justiça social.

101 102

BERCERO; AMARASINHA, Op. Cit., pgs.490-491. World Trade Organization. The Fundamental Principles of Competition Policy, Op. Cit., pg.6.

34

4 – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA OMC

No caso da adoção de uma política internacional sobre Direito da Concorrência no âmbito da OMC, é imprescindível que tal acordo, assim como todos os outros já existentes, incorpore os princípios basilares da Organização. Entretanto, como ocorreu com o GATS e o TRIPS, os princípios precisarão ser adaptados para atender às necessidades específicas de um acordo sobre concorrência.103 Somente desse modo é possível que uma regulamentação sobre concorrência na OMC esteja em harmonia com as finalidades da Organização sem, contudo, desconsiderar as características particulares da matéria. Os princípios, além de estarem presentes no acordo sobre concorrência, deverão igualmente ser incluídos nas regulações domésticas sobre o assunto, constituindo sua base legal e um ponto em comum para as políticas concorrenciais de todos os Estados membros. Tal inserção é de extrema importância por também proporcionar maior eficiência para as autoridades reguladoras, uma vez que, com a atuação fundamentada em princípios orientadores, será mais difícil sofrer influência dos entes privados, o que afirma a neutralidade e a segurança do processo. Os princípios aqui referidos são o princípio da transparência e o princípio da não discriminação, o qual, por sua vez, pode ser subdividido nos princípios da nação mais favorecida e do tratamento nacional. Esses princípios devem ser aplicados conjuntamente e, em alguns casos, aceitam exceções, em favor de um bem maior.

4.1 O Princípio da Nação Mais Favorecida De acordo com esse princípio, todo e qualquer favor, vantagem, privilégio ou imunidade concedido a um país deve ser estendido, imediata e incondicionalmente, aos produtos ou serviços similares de todos os outros Estados membros. Essa é a regra mais importante do comércio internacional, pois confere a ele o caráter de multilateralidade, defendendo a não discriminação entre os países.104

4.1.1 O princípio nos outros acordos da OMC

103

World Trade Organization. The Fundamental WTO Principles of National Treatment, Most-FavouredNation Treatment and Transparency, WT/WGTCP/W/114, 1999, pg.3. 104 THORSTENSEN, Op. cit., pg.33.

35

O princípio, conhecido pela sigla MFN, está presente nos três principais acordos da OMC, a saber, o GATT (art. I), GATS (art. II) e TRIPS (art. 4), além de ser incorporado por vários outros acordos sobre o comércio de bens no Anexo 1A.105 A respeito do GATT, o princípio da nação mais favorecida possui o importante papel de garantir a estrutura internacional do Acordo, relevância demonstrada pelo fato de ser este o primeiro artigo. Tal requisito representa um valioso mecanismo para manter o equilíbrio das relações comerciais, fazendo com que todos se beneficiem das medidas de liberalização.106 Já o GATS aceita ressalvas, que devem ser incluídas em uma lista de exceções, em conformidade com o procedimento estabelecido.107 É permitida também a concessão de vantagens a países adjacentes, com o propósito de facilitar o comércio de serviços locais nas zonas fronteiriças. De forma similar, o TRIPS também prevê exceções, as quais se encontram em Convenções específicas e nos acordos estabelecidos pela OMPI.

4.1.2 A aplicação do princípio na política da concorrência O princípio da nação mais favorecida, assim como o princípio do tratamento nacional, é reflexo da ideia já discutida anteriormente de que o Direito da Concorrência deve favorecer o processo da concorrência e não os competidores, independentemente de sua nacionalidade.108 Ao se estimular a não discriminação no cenário da concorrência internacional, a finalidade desejada não é proporcionar o acesso aos mercados estrangeiros para os produtores ou prestadores de serviços, o que é apenas uma consequência, mas sim buscar oportunidades iguais de concorrência, a fim de que os consumidores se beneficiem com o melhor produto, pelo menor preço. Dessa forma, a aplicação do princípio da nação mais favorecida, juntamente com o princípio do tratamento nacional, visa à proteção dos consumidores e do próprio processo de concorrência, não sendo um instrumento para resguardar interesses dos entes privados.109

4.2 O Princípio do Tratamento Nacional 105

World Trade Organization. The Fundamental WTO Principles of National Treatment, Most Favoured Nation Treatment and Transparency, WT/WGTCP/W/114, 1999., pg.11. 106 Ibidem, pg.11. 107 Ibidem, pg.12. 108 World Trade Organization. The Fundamental Principles of Competition Policy, Op. Cit., pg.12. 109 BERCERO; AMARASINHA, Op. Cit., pgs.501-502.

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O princípio do tratamento nacional requer que um Estado membro da OMC não trate os bens ou serviços dos outros Estados membros em desvantagem, em comparação aos bens ou serviços nacionais similares. Desse modo, tal obrigação impede que seja dispensado aos produtos ou serviços estrangeiros um tratamento discriminatório, de forma a favorecer aqueles domésticos, impedindo a livre competição.110 A importância do princípio torna-se evidente em situações nas quais uma legislação sobre concorrência existe e é aplicada,111 para que essa não privilegie as empresas domésticas frente à concorrência internacional.

4.2.1 O princípio nos outros Acordos da OMC Esse princípio, assim como o MFN, está incluído no GATT (Art. III), no GATS (Art. XVII) e no TRIPS (Art. 3), bem como em outros acordos, como o de Barreiras Técnicas ao Comércio e o de Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias. 112 No GATT, por exemplo, onde o enfoque é o controle de medidas alfandegárias restritivas, visando à liberalização comercial, O Art. III, sobre tratamento nacional, desempenha um papel muito importante, uma vez que, como seu parágrafo I deixa claro, é designado para assegurar que todas as outras medidas, identificadas como medidas “internas”, não sejam aplicadas a produtos importados ou domésticos, a fim de proteger a produção nacional. Ele serve, pois, ao propósito de garantir que as medidas internas não sejam usadas para anular ou prejudicar o efeito das concessões tarifárias e outras regras multilaterais aplicáveis a medidas referentes a fronteiras. 113

Desse modo, o princípio tem como objetivo proteger os produtos de origem estrangeira. Entretanto, mesmo nos casos em que uma política doméstica seja dirigida a pessoas e não a produtos, ela ainda pode estar sujeita ao princípio do tratamento nacional, desde que ela estabeleça medidas discriminatórias entre pessoas que lidam com produtos nacionais e aquelas que lidam com bens importados.114 No GATS, por sua vez, o princípio é aplicado apenas quando o país tenha assumido uma obrigação específica, registrada em sua lista de obrigações, a qual está incluída no Acordo. A finalidade é que os compromissos presentes em tais listas aumentem, progressivamente, através das sucessivas rodadas de negociação, tendo 110

NASSER, Op. Cit., pg.72. World Trade Organization. The Fundamental WTO Principles of National Treatment, Most Favoured Nation Treatment and Transparency, Op. Cit., pg.2. 112 Ibidem, pg.3. 113 Ibidem, pg.4. Tradução livre. 114 Ibidem, pg.5. 111

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sempre em vista um maior grau de liberalização comercial.115 Ademais, os beneficiários do princípio nos termos do GATS são tanto os serviços quanto os fornecedores de serviços dos outros membros.116 Já o TRIPS possui o princípio do tratamento nacional como o fundamento para todas as suas previsões, uma vez que, com apenas algumas exceções, tal princípio aplica-se a todos os aspectos de proteção da propriedade intelectual.117Diferentemente dos outros acordos, no TRIPS o princípio beneficia apenas os nacionais dos outros países, ou seja, os detentores do direito de propriedade intelectual.118

4.2.2 Aplicação do princípio na política da concorrência O princípio do tratamento nacional, na esfera da concorrência internacional, compara as condições de competição entre um produto ou serviço doméstico e outro importado. Dessa forma, ao ser incluído na legislação doméstica sobre o assunto, tal princípio representaria a obrigação do Estado membro em promover a equidade nas relações concorrenciais. Evitar-se-ia, pois, qualquer comportamento que representasse um tratamento menos favorável para bens ou serviços importados.119 Entretanto, a mera existência de uma legislação não é suficiente. A aplicação do princípio não pode ser apenas formal, mas é essencial que seja também de facto, isto é, que as mesmas condições de concorrência sejam verificadas, na prática, nos mercados domésticos de todos os Estados membros.

4.3 O Princípio da Transparência O princípio da transparência consiste em dois pontos principais. Primeiramente, inclui a obrigação de publicar ou de fazer disponível todas as regulações relevantes, as quais devem ser aplicadas somente após tal divulgação. Outro aspecto é o requisito de notificar a OMC e os Estados membros sobre as ações governamentais adotadas e qualquer alteração que vierem a sofrer. 120 Devido à importância de tal princípio, este possui dupla observância- é aplicado tanto para os Estados membros quanto para a própria OMC. Nesse sentido, vários documentos da Organização são públicos, incluindo decisões do seu órgão de solução 115

Ibidem, pg.4. Ibidem, pg.5. 117 Ibidem, pg.4. 118 Ibidem, pg.5. 119 Ibidem, pg.24. 120 Ibidem, pg.14. 116

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de controvérsias, estatísticas e estudos realizados por seus comitês.121 Dessa forma, tanto os governos quanto os agentes privados e cidadãos saberão quais são as regras fixadas pela Organização, o que resulta em maior segurança jurídica e na garantia de que não haja mudanças repentinas nas políticas comerciais.122 Torna-se imprescindível ressaltar a existência de algumas informações consideradas confidenciais que, se chegassem ao conhecimento público, poderiam prejudicar concorrentes leais. Nesses casos, as autoridades, apesar de terem acesso a tais dados, devem mantê-los em sigilo. A importância do princípio da transparência está na promoção de uma abordagem baseada em regras, possibilitando uma administração imparcial e a revisão dessas normas por um órgão independente. Um segundo fator a ser considerado é o acesso às informações publicadas, o que representa maiores oportunidades de competição para os agentes envolvidos e, consequentemente, maior eficiência econômica. Ademais, tal princípio facilita o monitoramento do cumprimento das obrigações da OMC, de forma a evitar possíveis conflitos. Por fim, assim como todos os outros princípios, o princípio da transparência é essencial para futuras negociações e para a persecução de uma maior liberalização comercial. 123

4.3.1 O princípio nos outros acordos da OMC O compromisso de tornar público todas as principais regulamentações está presente no GATT (Art. X), no GATS (Art. III) e no TRIPS (Art. 63). Há também mais de 200 requisições de notificações espalhadas por todos os acordos da Organização e solicitadas pelas decisões ministeriais e pelos Conselhos. Como consequência, é necessário que os países membros tenham agências ou órgão internos responsáveis por cuidar de todas essas notificações e por analisar aquelas publicadas pelos outros membros.124 As informações disponibilizadas são revisadas pelo TPRM, a fim de assegurar o respeito às normas da OMC e propiciar maior transparência, bem como proporcionar maior entendimento das práticas e políticas comerciais.125

121

HOEKMAN; KOSTECKI, Op. Cit., pg.61. Understanding the WTO, Op. Cit., pg.10. 123 World Trade Organization. The Fundamental WTO Principles of National Treatment, Most Favoured Nation Treatment and Transparency, Op. Cit., pg.15. 124 HOEKMAN; KOSTECKI, Op. Cit., pg.62. 125 Idem, Ibidem, pgs.62-63. 122

39

4.3.2 A aplicação do princípio na política da concorrência No âmbito de uma política concorrencial, o referido princípio representa o reconhecimento de que a publicação de decisões e pareceres judiciais e administrativos, ou qualquer outro tipo de divulgação, contribui, diretamente, para a efetividade da defesa da concorrência.126 Da mesma forma que ocorre com o princípio do tratamento nacional, o princípio da transparência tem sua relevância destacada quando já há uma legislação efetiva sobre o Direito da Concorrência.127 Todo o processo referente à regulação da concorrência deve ser transparente, com o intuito de evitar que tal matéria seja utilizada como subterfúgio para práticas protecionistas. Além disso, ao se adotar o princípio da transparência em uma legislação concorrencial, os entes privados reduzirão seus custos ao cumprir tal regulamento, uma vez que possuirão orientação para interpretar os dispositivos legais e facilidade em obter as informações necessárias. A implementação desse princípio também atribui confiança a todos os concorrentes, nacionais ou internacionais, de que estarão recebendo um tratamento justo por parte do governo daquele determinado país e que este estará exercendo

seus

poderes

de

forma

responsável

e

adequada

aos

preceitos

internacionais.128 O princípio da transparência também promove o respeito ao devido processo legal, assegurando que todos os processos administrativos, assim como as questões que forem para o judiciário, sejam públicos e, consequentemente, de fácil fiscalização. O princípio constitui, pois, um mecanismo de pressão para que os procedimentos apropriados sejam respeitados.

CONCLUSÃO

A internacionalização dos efeitos das condutas relacionadas à concorrência econômica é uma realidade incontestável, para a qual a regulação exclusivamente doméstica já não é mais suficiente. Além disso, a concorrência é um tema que exerce influência direta sobre as relações comerciais, o que torna condizente a formulação de 126

World Trade Organization. The Fundamental Principles of Competition Policy, Op. Cit., pg.12. World Trade Organization. The Fundamental WTO Principles of National Treatment, Most Favoured Nation Treatment and Transparency, Op. Cit., 1999, pg.2. 128 GESTRIN, Op. Cit., pgs.91-92. 127

40

uma política internacional da concorrência em um foro de discussão sobre comércio internacional, como é o caso da OMC. Os relatórios elaborados pelo Grupo de Trabalho da OMC sobre a Interação entre a Política Comercial e a Política da Concorrência demonstraram que os efeitos das condutas anticompetitivas no cenário internacional vêm aumentando e que a efetiva adoção de um acordo internacional sobre o tema é importante para a continuação do processo de liberalização comercial.129 Entretanto, o desenvolvimento de uma política internacional da concorrência é um processo a ser realizado a longo prazo e exigirá esforço e cooperação por parte dos Estados membros da Organização. As discussões sobre o tema deverão ser conduzidas de forma democrática, com o intuito de considerar todos os argumentos e perspectivas apresentados, a fim de se conciliar as diferentes posições, através de um sistema de concessão e reciprocidade, chegando à solução que conceda maiores benefícios a todos e que se enquadre, simultaneamente, nos propósitos da OMC. As negociações também deverão envolver as autoridades reguladoras já existentes sobre o assunto, uma vez que essas possuem conhecimento técnico e prático sobre a matéria, podendo acrescentar muito na proposição de alternativas e nos tópicos debatidos. É imprescindível que um futuro acordo sobre concorrência internacional considere os seguintes aspectos- I) a elaboração ou adequação de legislações domésticas sobre concorrência, de acordo com os princípios, conceitos e objetivos gerais identificados no diploma internacional;

II) a fixação de mecanismos eficientes de

execução das regras, com a finalidade de garantir sua eficácia, sempre buscando estimular a solução nos órgão judiciais ou administrativos domésticos, ou através da realização de consultas entre os Estados, com a finalidade de se recorrer ao órgão de solução de controvérsias da OMC somente em última hipótese; III) a promoção da cooperação entre as autoridades concorrenciais; IV) o incentivo à livre concorrência, por meio da adoção de uma cultura concorrencial, ao desenvolvimento econômico e social e à proteção aos consumidores. Enquanto um acordo multilateral não é elaborado, deve-se incentivar a conclusão de acordos bilaterais. Assim, o respeito às obrigações assumidas em um acordo multilateral não exigirá muito esforço por parte dos países participantes, os quais já estarão habituados aos mecanismos de cooperação e promoção da livre concorrência.

129

ANDRADE, Op. Cit., pg.308.

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Importante enfatizar também que a adoção de um acordo no âmbito da OMC não significa que outras organizações, como a UNCTAD e a OECD, devam deixar de analisar a matéria. Pelo contrário, a contribuição de tais instituições é muito importante para o desenvolvimento e o aprimoramento de uma política internacional da concorrência, enriquecendo os debates sobre o assunto na OMC. Desse modo, apesar de um acordo sobre concorrência na OMC não significar, necessariamente, uma resposta a todos os desafios relacionados à concorrência internacional, ele poderá, ao menos, fornecer a base para uma cooperação multilateral, fomentando discussões futuras sobre o tema.130

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130

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III JURISPRUDÊNCIA U.S. Supreme Court, Northern Pacific Ry. Co. v. U.S., 356 U.S. 1, 4 (1958). World Trade Organization, Japan – Measures Affecting Consumer Photographic Film and Paper, WT/DS44/R. World Trade Organization, Mexico – Measures Affecting Telecommunications Services, WT/DS204/R.

IV OUTROS DOCUMENTOS Brasil: Lei 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Sherman Act- 15 U.S.C. §§1-7, 1890. Tratado de Roma: Tratado estabelecendo a Comunidade Econômica Europeia, 25 de março de 1957, 298 U.N.T.S. 11.

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