A Importância Dos Elementos Geomorfológicos Na Valorização Da Paisagem: Exemplos Em Morfologias Cársica E Granítica

June 29, 2017 | Autor: Antonio Vieira | Categoria: Geomorphology, Cultural Landscapes, Karst Geomorphology, Geomorphological Heritage
Share Embed


Descrição do Produto

“A importância dos elementos geomorfológicos na valorização da paisagem: exemplos em morfologias cársica e granítica” António VIEIRA Escola Superior de Educação da Guarda antó[email protected] Lúcio CUNHA Centro de Estudos Geográficos – Univ. Coimbra [email protected]

RESUMO A originalidade e espectacularidade dos elementos geomorfológicos presentes nos maciços calcários e graníticos do território português tem ganho especial relevo na valorização ambiental e na potencialização turística destas áreas de montanha, constituindose como factor básico e incontornável para o processo de revitalização económica destes espaços economicamente deprimidos num quadro de um desenvolvimento verdadeiramente sustentado. As paisagens de montanha são hoje importantes reservatórios de biodiversidade e de recursos hídricos, energéticos e florestais. Podem, também, considerar-se como as que menor pressão humana evidenciam e, consequentemente, onde as marcas da acção antrópica são menos evidentes ou, pelo menos, menos chocantes. Além disso, as condições topográficas e climáticas das áreas de montanha implicam uma maior dinâmica dos processos geomorfológicos (quer de desgaste, quer de transporte), dando origem a um conjunto diversificado de formas que, pela sua especifidade genética, espectacularidade e singularidade, representam uma mais valia em termos de património ambiental e paisagístico. Através de exemplos de paisagens de montanha, colhidas no Maciço Calcário de Sicó, e na Serra Granítica de Montemuro, procuraremos evidenciar a importância da análise geomorfológica na compreensão dos processos de construção e funcionamento das paisagens, bem como da sua valorização em termos turísticos.

Palavras chave: Geomorfologia cársica, Geomorfologia granítica, paisagem, lazer, turismo.

1. INTRODUÇÃO A constante apropriação dos espaços de montanha e das paisagens que lhe são próprias, por parte das actividades económicas diversas e, particularmente, por parte da actividade turística, tem vindo a suscitar uma preocupação generalizada, em grande parte ligada aos processos de consciencialização e avaliação ambiental com que se devem articular as actividades com que se tenta revitalizar estes espaços economicamente deprimidos. O processo de valorização destas paisagens com características sui generis tem passado, frequentemente, pelo investimento em infra-estruturas, melhoria de acessibilidades e recuperação do património cultural. No entanto, deverá passar, também, pela manutenção ou reabilitação dos elementos naturais, quer através da implementação de instrumentos legais de protecção, nomeadamente através do reforço de competências para a Rede Nacional de Áreas Protegidas e pela instituição dos sítios da Rede Natura 2000, quer pela valorização das diversas formas de património natural,

dotado de características de originalidade, grandiosidade e espectacularidade, como é o caso do património geomorfológico. É, aliás, este tipo de património aquele que melhor caracteriza e valoriza as duas áreas que nos propomos analisar. Desde sempre relacionado com os processos cársicos que estiveram na sua génese e que condicionaram a sua evolução, o Maciço Calcário de Sicó encerra actualmente um conjunto diversificado de elementos geomorfológicos, que se não constituem a imagem de marca da região em muito contribuiram para ela, já que constituem um valioso património a investigar, proteger e explorar de forma sustentada. Quanto à Serra de Montemuro, de constituição predominantemente granítica, apresenta também um património geomorfológico vastíssimo, capaz de projectar de forma eficaz as espectaculares paisagens serranas, aqui ainda mais valorizadas porque pouco conhecidas e pouco alteradas, correspondendo a uma espécie de reserva de imagens e mesmo de sentimentos de um passado agro-pastoril com que se identifica a memória de muitos portugueses.

Localização das áreas em análise

Os elementos geomorfológicos constituem a base sobre a qual se desenvolve a paisagem, condicionam o coberto vegetal e muitas actividades humanas, resultando assim como factor estruturante das diversas paisagens, razão pela qual frequentemente se fala de paisagem de montanha, paisagem litoral, paisagem granítica, paisagem cársica, etc.... Podemos entender, também, o conjunto das formas do relevo como componentes do sistema ambiental que, pela sua originalidade, singularidade e raridade e, mesmo pela sua capacidade estruturante, permitem, em algumas situações mais especiais, como é o caso das paisagens de montanha, dotar a paisagem de características

e dinâmicas muito próprias que lhe conferem um cunho particular e uma identidade própria.

2. Breve caracterização geográfica das áreas em estudo 2.1. Caracterização do Maciço de Sicó O Maciço de Sicó, também conhecido como “Serras Calcárias de CondeixaSicó-Alvaiázere” (Cunha, 1990) é um dos principais maciços calcários carsificados da Orla Mesocenozóica Ocidental Portuguesa. Corresponde a um conjunto pouco elevado (Sicó, 553m; Alvaiázere, 618m) de serras e planaltos calcários que se estendem por cerca de 430 km2 a Sul de Coimbra. Apesar de, no contexto nacional, se situar no “litoral”, ou seja na porção do país que apresenta maior dinamismo económico, e da qualidade das acessibilidades rodoviárias, as condições naturais, decorrentes do processo de carsificação, têm feito com que o Maciço de Sicó assuma, ainda hoje, formas significativas de marginalidade territorial, com fraco dinamismo demográfico, económico, social e cultural. Os processos de carsificação são responsáveis por uma paisagem sui generis, em que a rocha nua perfurada e lavrada em espectaculares campos de lapiás, as vertentes íngremes e pedregosas associadas a profundos canhões fluvio-cársicos ou a falhas recentes e as depressões fechadas, por vezes com pequenas lagoas de arranjo antrópico para dessedentar o gado, são marcas bem características. A magreza e descontinuidade espacial dos solos e a generalizada falta de água à superfície começam por condicionar o coberto vegetal que apenas assume feição florestal em pequenos retalhos e sempre em consequência da existência, sobre os calcários, de coberturas gresosas de diferentes cronologias e significados genéticos. Com excepção das pequenas manchas florestais, em regra de pinheiro e eucalipto, mais raramente de carvalho cerquinho em associação com sobreiros e azinheiras, é o reino da pedra revestido de forma descontínua de formações arbustivas (em que o carrasco é a espécie mais representada) e herbáceas, com destaque para as odoríferas mediterrâneas que encontram na secura da superfície muita da justificação para a sua presença e abundância relativa. O próprio modo como ao longo do tempo se foi fazendo a apropriação do espaço pelo Homem contribui para o acentuar desta paisagem de pedra. Uma magra agricultura de sequeiro nos fundos das dolinas, doutras depressões cársicas e dos vales secos implica sempre um árduo trabalho de despedrega de que os muros de pedra solta ou simples amontoados de pedra (os “moroiços”) são testemunhos harmoniosamente inseridos na paisagem. A pastorícia, em regra de pequenos rebanhos de caprinos e ovinos, já terá conhecido melhores dias e hoje já não será responsável pelo aspecto calvo de serras e planaltos. Mantêm-se, no entanto, na paisagem cársica os pequenos abrigos de pastor, totalmente construídos em pedra solta. Como acontece com a generalidade das áreas de baixa montanha cársica, o Maciço de Sicó, com muito fracas densidades populacionais, não tem parado de perder população. Uma população envelhecida e ainda dedicada basicamente a actividades do sector primário é um dos principais factores a dificultar a implementação de políticas e de estratégias de desenvolvimento.

Variação populacional nas freguesias do Maciço de Sicó, no período compreendido entre 1991 e 2001 (Fonte: INE).

2.2. Caracterização da Serra de Montemuro A Serra de Montemuro constitui um relevo vigoroso e com vertentes abruptas, atingindo no ponto mais alto 1381 metros de altitude e sendo a forma de relevo mais elevada a Sul do Douro, se exceptuarmos os volumes da Cordilheira Central. Localiza-se no sector Ocidental do Norte da Beira, encontrando-se limitada a Norte pelo Rio Douro, que estabelece a fronteira com a Serra do Marão, e a Sul e Sudoeste pelo Rio Paiva, que a separa do Maciço da Gralheira. A Oriente, o limite corresponde, grosso modo, a uma linha coincidente com o desligamento tardi-hercínico Verín-Penacova. Do ponto de vista estrutural, a Serra de Montemuro integra-se, com o Maciço da Gralheira e a Serra do Caramulo, nas Montanhas Ocidentais do Portugal Central, localizadas no sector Ocidental do Maciço Hespérico (Zona Centro-Ibérica). Esta zona geotectónica é caracterizada pela importante presença de rochas granitóides hercínicas, relacionadas com o magmatismo sin-orogénico abundante, com

idades de implantação distintas. Caracteriza-se também pelo predomínio dos dos metassedimentos ante-ordovícicos, pertencentes ao Complexo Xisto-Grauváquico, relativamente às restantes formações Paleozóicas. O predomínio das rochas granitóides, aliado à influência da tectónica (essencialmente de idade tardi-hercínica, com importante reactivação durante a orogenia alpina) e dos processos morfoclimáticos, conduziram ao desenvolvimento de um vasto conjunto de formas, desde os espectaculares vales de fractura e alvéolos graníticos, de dimensões quilométricos, até pequenas “pias” ou tafoni, de dimensão centimétrica a métrica. As características da morfologia geral, marcada por vertentes abruptas e nuas, associadas às adversidades climáticas, desde sempre condicionaram a fixação da população e limitaram o seu desenvolvimento. Após o acréscimo generalizado de população ocorrido ao longo da primeira metade do século XX, verificou-se um progressivo declínio demográfico, condicionada pelos fluxos migratórios para o exterior (inicialmente para o Brasil e depois para países europeus como a França, Suíça e Alemanha), pela diminuição da taxa de natalidade registada essencilamente a partir dos anos 70, e, principalmente, pelos movimentos da população do interior em direcção aos centros urbanos. O fenómeno de desertificação humana dos espaços rurais é sensível na Serra de Montemuro. Pela análise da variação populacional por concelhos e por freguesias verificada entre 1991 e 2001, verifica-se que, em termos globais, se registou uma acentuada redução da população residente, atingindo uma variação de –9,2% no concelho Resende, -6,9% em Lamego, -6,6% em Castro Daire e -4,7% no concelho de Cinfães.

Variação populacional nas freguesias da Serra de Montemuro, no período compreendido entre 1991 e 2001 (Fonte: INE).

Apesar da variação negativa que se verifica em termos gerais, registou-se em algumas freguesias um acréscimo de população. Esse acréscimo foi sentido, basicamente, nas freguesias coincidentes com as capitais de concelho: Cinfães (variação de 14,5%), Lamego/Almacave (12%), Castro Daire (8,7%) e as freguesias de Anreade e Cárquere (3,1 e 6,2%, respectivamente), junto da capital do concelho de Resende. As variações negativas mais acentuadas registaram-se no concelho de Lamego, nas freguesias de Meijinhos (-33,1%) e Pretarouca (-32,7%), aquelas em que a diminuição da população atingiu valores mais elevados. Também no concelho de Resende se verificaram valores negativos de variação em algumas freguesias (Panchorra, –26,9%; Paus, -26,1%; Ovadas, -21,3%;Felgueiras, -20,6%), bem como no concelho de Castro Daire (Cabril, -25,8%; Picão, -22,2%; Ermida, -20,6%). Pelo que foi dito anteriormente, conclui-se que se verifica, na área em análise, uma perda contínua de população, favorecida por factores físicos que conduzem a um certo isolamento das povoações e por factores económico-sociais, como são a reduzida diversificação da estrutura económica da região, a resistência estrutural à mobilidade intra e inter-sectorial e a má qualificação dos recursos humanos para as necessidades do tecido económico.

3. Património Geomorfológico O património geomorfológico do Maciço de Sicó está, como foi já referido, intimamente relacionado com os processos de construção cársica da paisagem. Num muito breve inventário referiremos os muitos campos de lapiás, imagem sugestiva do “deserto de pedras” que é o carso, algumas dolinas com ou sem as características lagoas, os espectaculares canhões fluviocársicos dos Poios, do Rio de Mouros e das Buracas, cuja grandiosidade paisagística é valorizada pela singularidade de pequenas formas abertas nas suas vertentes escarpadas que são as “buracas”, as inúmeras grutas, muitas das quais com significado arqueológico ou mesmo de conservação da biodiversidade, e as espectaculares exsurgências por onde sai, de modo concentrado, a água que entra de modo difuso nas superfícies do sistema cársico e que, muito para lá do significado que assumem em termo paisagístico, representam um recurso de valor inestimável em termos de abastecimento público de água. Mas, para além do património geomorfológico propriamente dito, o Maciço de Sicó encerra outros valores patrimoniais que se relacionam, directa ou indirectamente, com a Geomorfologia e que valorizam as formas e paisagens do Maciço. É o caso das matas de carvalho cerquinho que abundam nos sectores central e meridional do Maciço em relação directa com as coberturas gresosas que cobrem parte do Maciço, soterrando uma superficie carsificada ainda não totalmente exumada. Muito do património construído, para além de ligado às vicissitudes históricas do território tem muito que ver com as características próprias do carso e, particularmente, com a necessidade de recolher e armazenar a água que falta na superfície calcária. Para além das cisternas existentes ainda hoje em muitas casas rurais, assumem particular significado os enormes lajedos das Degracias e do Furadouro, onde até há poucos anos atrás se fazia a recolha directa das águas pluviais que depois eram canalizadas para cisternas comunitárias, filtradas e postas à disposição das gentes rurais através dos populares chafarizes. Os espaços abertos e a grandiosidade da paisagem convidam à meditação e são alguns os testemunhos de sacralização de grutas e “buracas” em relação com a

simbologia uterina destas formas. É o caso da pequena capela da Srª da Estrela que conjuntamente com a capela da Srª do Circo, também no Maciço, integram um conjunto de “sete irmãs” que o povo venera de forma criteriosamente ordenada, por alturas do equinócio de Março (CUNHA et al., 1996). Integram também o património regional alguns produtos artesanais ligados à Terra, de que o exemplo mais conhecido talvez seja o do célebre Queijo do Rabaçal, um dos produtos com que hoje se tenta construir uma imagem de Sicó capaz de promover desenvolvimento, gerar alguma riqueza e fixar as populações jovens. Apesar do valor do seu património geomorfológico, do interesse ecológico da biodiversidade, da especificidade de muito de património construído e da pouco degradação ambiental e paisagística que se regista, o Maciço de Sicó não tem qualquer estatuto de área protegida em termos ambientais, como acontece, por exemplo com o Maciço Calcário Estremenho ou com a Serra da Arrábida que integram a rede de Parques Naturais. Só muito recentemente o sector meridional do Maciço foi proposto, de forma porventura muito criticável, para integrar um dos sítios da rede Natura 2000. Pelo significado que o estatuto de protecção ambiental assume, não só em termos de preservação, mas também em termos de promoção e valorização para actividades de lazer e de turismo, pensamos que, apesar de tudo, este estatuto pode ser bastante positivo para o desenvolvimento do Maciço de Sicó. Na Serra de Montemuro podem observar-se paisagens peculiares, caracterizadas por um cortejo de elementos morfológicos, variados na forma e na dimensão, cuja génese e evolução se relacionam indubitavelmente com as características físicas, químicas e estruturais das rochas granitóides, diferenciando-se dos elementos físicos de paisagens gerados noutros contextos litológicos (xistos, quartzitos, calcários). Na génese e/ou evolução das formas graníticas vamos encontrar um complexo de factores (de ordem climática, litológica e estrutural), interligados entre si, que confluiram para o aparecimento de uma enorme variedade de formas, que subdividimos (Vieira, 2001) em dois grandes grupos: as formas maiores, de dimensão hectométrica ou quilométrica (alvéolos graníticos, domos rochosos, castle koppies e tors) e as formas de pormenor, de dimensão centimétrica a métrica (“pias”, tafoni, fendas e sulcos lineares). Desta forma, os vales de fractura e o modelado granítico apresentam-se como elementos naturais e morfológicos que constituem factor de excelência, originalidade e excepcionalidade na Serra de Montemuro. A actuação dos factores estruturais conduziu à individualização dos vales de fractura, particularmente espectaculares em paisagens graníticas. Vários são os casos presentes nesta área, constituindo o vale do Rio Bestança o exemplo mais espectacular. Alongando-se por cerca de 20 Km, este rio apresenta um traçado bastante rectilíneo, proporcionado por uma falha de direcção NW-SE. A sua rectilinearidade está presente desde a nascente, junto às Portas de Montemuro, a cerca de 1200 metros de altitude, até desaguar no Douro, a 50 metros de altitude. A espectacularidade deste vale de fractura é acentuada pelos contrafortes graníticos da Serra de Montemuro, mais imponentes a Ocidente (margem esquerda do Bestança), que apresentam altitudes mais modestas a Oriente e vertentes com declives menos acentuados. A visão que se tem do soberbo miradouro das Portas de Montemuro para Noroeste é elucidativa deste fenómeno, permitindo uma visão completa de todo o vale até ao Rio Douro.

O vale de fractura proporcionado pelo acidente tardi-hercínico Verin-Penacova é outro belo exemplo responsável pelo desligamento da crista quartzítica de MagueijaMeijinhos, obrigando o Rio Balsemão a adaptar-se à estrutura. Na passagem deste curso de água pela referida crista, é possível observar belos exemplos de escarpas de falha que denunciam a actuação de movimentos recentes (quaternários). Paralelamente a este vale de fractura encontramos outro alinhamento, também de direcção NNE-SSW, a favor do qual se instalam o Ribeiro de S. Martinho e o Alto Balsemão. Estes constituem, em conjunto, um belíssimo exemplo de vales de fractura paralelos. Se a presença de vales de fractura marca a paisagem pela sua grandiosidade, também a morfologia granítica imprime um cunho especial a essa mesma paisagem, quer pela sua dimensão, no caso das formas graníticas maiores, quer pela sua peculiaridade e diversidade, no caso das formas de pormenor. Quanto ao primeiro caso, os alvéolos são os elementos morfológicos que apresentam maior espectacularidade, essencialmente pela sua dimensão. São formas graníticas deprimidas, de dimensões hectométricas a quilométricas, originadas principalmente pelo desenvolvimento de processos de erosão diferencial. Na Serra de Montemuro destacamos o Alvéolo de Feirão, forma alongada segundo a orientação NNE-SSW, onde se localizam as localidades de Feirão, Cotelo, Campo Benfeito e Rossão. O Alvéolo da Lagoa de D. João é também um belo exemplo deste tipo de formas, apresentando uma forma irregular e uma cobertura vegetal exclusivamente do estrato herbáceo, sendo local propício para o pastoreio do gado bovino, ovino e caprino. No que diz respeito às formas maiores salientes, destacam-se pela originalidade e espectacularidade os “domos rochosos” de Montemuro e Perneval, o “castle koppie” da Gralheira e os inúmeros “tors” disseminados pelos pontos elevados da Serra. O “castle koppie” da Gralheira, em posição sobranceira à povoação com o mesmo nome, apresenta-se como uma forma muito peculiar, dando a imagem de um imponente castelo com os seus torreões. Quanto às formas de pormenor, elas formam, na Serra de Montemuro, um cortejo de invulgar originalidade e diversidade. Os factores estruturais (litologia e fracturação) estabeleceram o quadro sobre o qual os agentes da geodinâmica externa actuaram e moldaram o maciço granítico, originando uma considerável variedade de formas graníticas. Nos afloramentos graníticos situados acima dos 1100/1200 metros de altitude, estas formas aparecem com grande frequência, rareando à medida que a altitude diminui. As formas graníticas de pormenor mais frequentes são as “pias” e as “pedras bolideiras”, podendo encontrar-se em quase qualquer afloramento acima dos 1100 metros. No entanto, também ocorrem com alguma frequência as fissuras poligonais, as fendas e sulcos lineares, bem como as formas de pseudo-estratificação. Mais raramente encontramos na Serra de Montemuro as “rochas em pedestal”, os tafoni ou as paredes sobre-escavadas. Como se pode constatar, a variedade, a peculiaridade e excepcionalidade das formas presentes na Serra de Montemuro constituem um excelente factor de valorização da paisagem, impondo-se como elemento de intrínseco valor para a promoção turística regional.

4. Em conclusão: a valorização turística de espaços de montanha Os elementos geomorfológicos contribuem, assim, para que a paisagem do Maciço de Sicó e da Serra de Montemuro, assim como de muitos outros espaços de montanha em Portugal, constituam palcos de excepcional beleza, dotados de características ímpares para o desenvolvimento de diferentes actividades de lazer e de recreio ao ar livre e, particularmente, de actividades desportivas relacionadas com a fruição destes espaços naturais e com os desafios que eles colocam (montanhismo, passeios pedestres, escalada, espeleologia, entre outros). A par com estas actividades, o Turismo Natureza e o Turismo em Espaço Rural, enquanto formas organizadas de promover a visita e o alojamento dos forasteiros, começam também a marcar presença. As duas áreas de montanha que estudámos apresentam algumas características, virtualidades e problemas comuns que importa salientar. Uma das mais importantes é a sua localização nas proximidades de áreas que funcionam já como pólos de atracção turística: a estação arqueológica de Conímbriga com mais de 200000 visitantes por ano, para o caso de Sicó e a cidade de Lamego e a área vinhateira do Douro, classificada com património natural pela UNESCO, para o caso do Montemuro. Apesar das qualidade deficiente das acessibilidades, mais patente na Serra de Montemuro que no caso do Maciço de Sicó, um plano de desenvolvimento turístico para estas áreas terá necessariamente de contar com a canalização dos fluxos de visitantes já existentes, propondo novas rotas e percursos, bem como uma diversificação das actividades de lazer e de fruição do espaço. O baixo dinamismo demográfico e económico registado ao longo das últimas décadas nos dois territórios analisados, que persistem hoje como áreas muito marcadas por actividades de carácter rural tradicional, um dos principais problemas para a implementação de políticas de desenvolvimento locais e regionais, trouxe como consequência uma fraca degradação das condições ambientais que representa, agora, uma das principais mais-valias destes espaços. A própria eleição destes espaços como áreas a proteger no âmbito da chamada rede Natura 2000 contribui para a sua valorização. Assim, e apesar de sabermos que as actividades de turismo e de lazer, por si só, são incapazes de induzir uma revitalização económica, social e cultural destas áreas, mas conscientes da sua importância quando integradas em políticas de desenvolvimento mais amplas, deixamos algumas propostas que poderão, futuramente, servir de base para um planeamento sustentado e estruturado da utilização da paisagem como recurso para desporto, lazer, contemplação e diversão, capaz de atrair visitantes e de dinamizar novas actividades turísticas e, consequentemente, a magra economia destes territórios. Em primeiro lugar, consideramos de grande valor a elaboração de itinerários que permitam, de uma forma eficaz e clara, apresentar percursos alternativos de exploração e usufruto das paisagens. Estes poderão ser concebidos em função de uma componente mais generalista, destinada a um sector de visitantes mais interessados pelos aspectos culturais e pela contemplação da paisagem no seu conjunto, ou uma componente mais específica, em que consideraríamos a elaboração de percursos pedestres, inclusivamente com a marcação no terreno e com passagem pelos locais de implantação dos conjuntos morfológicos ou ecológicos mais significativos, destinados, fundamentalmente, aos praticantes de turismo de natureza. Deste modo, faria todo o sentido dotar estas área de infra-estruturas de apoio a este tipo de turismo, como a criação de refúgios de montanha

através da recuperação de alguns abrigos de pastores, a instalação de centros de atendimento e informação em alguns pontos de maior frequência, a criação de equipas de prevenção convenientemente preparadas para situações de emergência em montanha ou para resposta a acidentes, e a criação de infra-estruturas de apoio à prática de alguns desportos radicais (slide; rappel; espeleologia; escalada; BTT; etc.). Além da criação de alguns miradouros e da melhoria das condições daqueles já existentes, a colocação de descritores de paisagem nesses espaços e junto dos principais núcleos morfológicos permitiria ao visitante ter uma percepção mais real e um melhor entendimento da paisagem e dos elementos morfológicos que a estruturam. Este conjunto de tarefas implica entronca também num melhor conhecimento científico destas Serras ou, pelo menos, num aproveitamento e divulgação dos trabalhos entretanto realizados, (re)vistos numa perspectiva de Educação Ambiental. A par com os elementos naturais, estas áreas incluem valiosos recursos patrimoniais a nível de produtos rurais tradicionais (mel e queijo, por exemplo), de etnografia (artesanato; romarias) ou mesmo de património construído (capelas; alminhas; casas rurais) que importa preservar, incentivar e incluir nos planos de desenvolvimento locais. A implementação deste tipo de iniciativas, suportadas por planos estruturados de desenvolvimento de turismo ambiental e de natureza nesta áreas, com a necessária salvaguarda da qualidade ambiental e dos valores sociais e culturais das populações, poderão permitir algum desenvolvimento económico e social, promovendo algum investimento, gerando riqueza e emprego e, consequentemente, fixando, ainda que em termos muito parciais, a população mais jovem destes espaços serranos.

BIBLIOGRAFIA CUNHA, Lúcio (1988) – As serras calcárias de Condeixa-Sicó-Alvaiázere. Estudo de Geomorfologia. Diss. Doutoramento. Coimbra, 329 p. CUNHA, Lúcio, ALARCÃO, Adília e PAIVA, Jorge (c/ col.; 1996) – O oppidum de Conimbriga e as Terras de Sicó. Lisboa, LAC, 145 p. VIEIRA, António A. B. (2001) – A Serra de Montemuro. Contributo da Geomorfologia para a análise da paisagem enquanto recurso turístico, Diss. Mestrado apresentado à Fac. Letras da Univ. Coimbra, Coimbra, 212 p.

Referência: VIEIRA, António & CUNHA, Lúcio - "A importância dos elementos geomorfológicos na valorização da paisagem: exemplos em morfologias cársicas e graníticas", Actas do IX Colóquio Ibérico de Geografia, Huelva, no prelo.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.