A Importancia Geopolitica do Mar do Sul da China I Conferencia de estudos asiaticos

May 24, 2017 | Autor: F. Gusmao Carioni... | Categoria: China, South China Sea, Geopolítica, Economia Politica Internacional, Mar do Sul da China
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Artigo apresentado no I Encontro Nacional de Economia Política Internacional, Rio de Janeiro, 2016.
Bacharel em Relações Internacionais. Atualmente, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Endereço eletrônico: [email protected]


A Importância Geopolítica do Mar do Sul da China e sua relação com os interesses estratégicos chineses
"The geopolitical Importance of the South China Sea and its relation to the chinese strategic interests"

Felipe Gusmão Carioni Fernandes

RESUMO
O Mar do Sul da China se constitui em um dos mais tensos tabuleiros geopolíticos da atualidade. Dados os recursos energéticos presentes neste espaço, ademais de sua localização geográfica, entre os Oceanos Índico e Pacífico e margeado pelos países que em anos recentes apresentam as mais altas taxas de crescimento econômico do mundo, este tem sido visto como uma área de controle estratégico no que tange o projeto de construção de poder desses Estados, especialmente da China. Desde a segunda metade do Século XX o Estado chinês, para desgosto de seus vizinhos do Sudeste asiático, vem aumentando sua assertividade quanto ao domínio deste mar, causando o incremento de atritos político-diplomáticos entre as partes em disputa. Da mesma forma a expansão marítima chinesa através da Ásia começa a preocupar não só sua vizinhança imediata como também potencias extra regionais. Portanto, o objetivo deste trabalho é demonstrar através da geografia, da história e de dados empíricos que as ações chinesas no MSC se inserem dentro de um projeto maior de expansão marítima com fim último de incrementar o poder deste Estado dentro do Sistema Internacional. Para tanto, a abordagem teórica será focada no Realismo Ofensivo, onde sua análise da estrutura ajudará a compreender em que termos se dão as relações entre os Estados da região e destes com potências extra regionais. Também se trabalhará com teorias geopolíticas, consagradas e atuais, para melhor entender como a geografia influência nas decisões políticas dos Estados e no interesse de longo prazo dos mesmos.

Palavras-chave: Mar do Sul da China. China. Sudeste Asiático. Geopolítica.

Abstract
The South China Sea constitutes one of the most tense geopolitical boards today. The existence of energy resources in this area, in addition to its geographical location, located between the Indian and Pacific Oceans and bordered by countries that in recent years have shown the highest rates of economic growth in the world, has motivated these States to seeing this sea as a strategic control área, specially in respect to their power construction projects. Since the second half of the twentieth century the Chinese state, to the chagrin of its neighbors in Southeast Asia, is increasing its assertiveness as the dominant power in the area, causing increasing political and diplomatic friction between the parties that dispute this sea. Similarly China's maritime expansion through Asia begins to worry not only its immediate vicinity as well as extra-regional powers. Therefore, the objective of this work is to demonstrate through geography, history and empirical evidence that Chinese actions in the SCS fall within a larger project of maritime expansion, which has as the ultimate goal increasing the power of this state a head of the international system. Therefore, the theoretical approach will be focused on offensive realism, where the analysis of the structure will help to understand in what terms are given the relations between the states of the region and of those with extra regional powers. Also, knowledge of geopolitical theories, consecrated and current, will help to better understand how geography influences political decisions and interests of states in the long term.

Key words: South China Sea. China. Southeast Asia. Geopolitics




1. Introdução
Recentemente o Tribunal Internacional de Justiça expediu uma decisão onde fica posto que os direitos históricos chineses ao espaço do Mar do Sul da China não são reconhecidos internacionalmente, logo para todo caso são sem efeito. Além de ter arbitrado que a China violou as águas territoriais Filipinas e cometeu crime ambiental ao explorar o mar e seu subsolo. A China imediatamente reforçou sua soberania e interesses sobre este espaço e descartou a arbitragem vinda de Haia como invalida e unilateral, ademais criticou o governo filipino por levar uma questão regional para o âmbito internacional. Esse é apenas o mais novo desenvolvimento na disputa que já se prolonga desde o Século XX entre China e os Estados do Sudeste asiático pela soberania deste espaço marítimo e ao que tudo indica esta não terá solução definitiva no futuro breve.
O Mar do Sul da China (MSC daqui para frente) é uma área marítima de aproximadamente 3 milhões de km², localizado no Sudeste Asiático, margeado por China, Taiwan, Malásia, Brunei, Indonésia, Cingapura, Vietnã e Filipinas. Partes, ou até mesmo a integralidade, deste espaço são cobiçados por estes Estados dada a sua reconhecida importância, a qual reside no fato de que é sabido que o subsolo marítimo é rico em recursos minerais e energéticos (petróleo e gás natural), apesar da incerteza quanto à quantidade exata dos mesmos. Além disso, a área possui grande diversidade de vida marinha e regiões pesqueiras, sendo de grande interesse para satisfazer a demanda crescente por segurança alimentar desses Estados. Ademais, é uma das zonas de tráfego marítimo mais movimentadas do planeta e, logo, de importância econômica vital para os países da região. Por esses motivos o MSC é uma das regiões de maior tensionamento geopolítico atualmente, não só entre os Estados regionais como entre estes e a potência hegemônica do sistema, os Estados Unidos. Logo, vide sua importância global, fica clara a necessidade de se estudar este espaço, os Estados que o margeiam e os acontecimentos políticos, militares e econômicos que nele se desenvolvem.
Portanto, o objetivo do seguinte trabalho é realizar uma análise das interações políticas e diplomáticas entre os Estados do Sudeste asiático e a China concernentes ao espaço marítimo do Mar do Sul da China. Através da observação histórica dos desenvolvimentos do passado pretende-se explicar o presente e tentar apontar o futuro das relações entre esses dois blocos de trabalho. É importante notar que tanto o espaço chinês quanto o dos Estados do Sudeste (SE) asiático, são áreas de sedentarização de civilizações milenares que se desenvolveram e se relacionaram de forma muito particular e diferente das civilizações ocidentais, pelo menos assim foi até o Século XIX. O "Século de Humilhação" não foi apenas chinês como foi em grande medida asiático (tendo o Japão como exceção), ou seja, o imperialismo europeu desconstruiu todo arcabouço cosmológico, institucional, social, econômico e político que regia as relações entre China e SE asiático e assim os inseriu a força e de forma extremamente subordinada dentro da hierarquia do sistema internacional que se expandia na época, de forma que quando estes Estados reganharam suas independências "de facto" e "de jure" eles se encontravam em um estado de caos social tão grande que para sobreviver numa ordem e estrutura internacional a qual eles não tinham familiaridade não tiveram outra opção senão "jogar segundo as regras ocidentais", uma vez que este era o regime que imperava. Logo, vide tal desconstrução da ordem asiática e inserção forçada no sistema internacional construído pelo Ocidente, aqui se escolheu descartar a observação dos períodos de história antiga e se preferiu fechar o foco para a análise prioritária do Século XX como catalisador principal dos acontecimentos que hoje perturbam as interações entre esses Estados nos temas concernentes ao MSC.
Sendo assim, acredita-se que a disputa geopolítica é o principal elemento que vem causando tensão entre os dois blocos aqui observados. Dessa forma, instrumentos que permitam a análise do espaço e das relações que se constroem sobre ele tornarão o estudo mais eficiente e assim se conseguirá chegar a hipótese do trabalho de que: o aumento da assertividade chinesa para consolidar seu domínio do MSC se insere dentro de um conjunto de projetos de expansão de seu poder pela Ásia via expansão marítima. Para realizar tais objetivos procurou-se usar de uma metodologia pautada pelo método hipotético-dedutivo e da análise qualitativa de dados históricos, geográficos e estatísticos como mapas e gráficos, além produções acadêmicas e teóricas advindas não só das Relações Internacionais, mas também da Geopolítica e da Economia Política Internacional, devido ao caráter interdisciplinar desta pesquisa. Ademais, se tentará usar um método que trabalhe tanto no nível do Estado e quanto no nível do Sistema.
Portanto, findada esta breve introdução, o trabalho segue para sua primeira parte onde se buscará caracterizar geograficamente o espaço do Mar do Sul da China. Neste ponto procura-se averiguar as qualidades, potencialidades e desvantagens que a geografia do MSC oferece aos Estados que o disputam. Em seguida, vai tratar-se de explicitar o histórico das relações entre a China, os Estados do SE asiático e os EUA. Assim, com o tabuleiro geopolítico montado, na quarta e última parte já pode-se concluir o trabalho mostrando os projetos chineses de construção de seu poder pela via da expansão marítima e como o MSC está inserido nesses planos.
2. A geografia do Mar do Sul da China.
Em anos recentes a disputa entre estes Estados pelo controle desta área como meio para garantir a exploração dos recursos estratégicos que ali se encontram tem se intensificado de forma preocupante. Portanto, as perguntas que aparecem são que recursos são esses? E como se daria o controle de uma área tão grande por parte de um só Estado? Ainda que papel desempenha o controle do espaço e dos recursos para estes atores? Para tanto tem-se que fazer um exame da geografia local.
Portanto, como já dito, o MSC é um espaço marítimo de aproximadamente 3 milhões de km², localizado no Sudeste asiático, entre o Oceano Índico e o Pacífico Norte, margeado por China, Taiwan, Malásia, Brunei, Indonésia, Cingapura, Vietnã e Filipinas, Camboja e Tailândia (via golfo da Tailândia). As principais disputas políticas são principalmente entre China, Taiwan, Filipinas, Vietnã, Malásia e Brunei estas se dão em torno da soberania dos arquipélagos presentes na região, como: o arquipélago de Paracel, Spratly e Scarborough (ver Mapa 1).
O arquipélago de Paracel é constituído por um conjunto de aproximadamente 130 ilhas e recifes (onde apenas uma ilha é habitada, "Woody Island") que totalizam uma área emersa de 7,75 km², espalhados ao longo de uma área de 15 mil km². As ilhas pertenciam a colónia francesa da Indochina, com a descolonização foram herdadas pelo Vietnã do Sul e mais tarde, com a vitória do Vietnã do Norte, passaram ao controle de Hanói. Porém, em 1974 a China expulsou as guarnições vietnamitas estacionadas na área e tomou para si o controle da região. Atualmente, as Paracel, ainda, se encontram sob o controle e ocupação chinesa, apesar dos protestos de Taiwan e Vietnã que reclamam para si a soberania do arquipélago. A região é cercada de zonas pesqueiras e indícios de petróleo no subsolo marítimo já foram encontrados pela companhia estatal chinesa CNPC ("China National Petroleum Company") (Li, 2014).
Já o arquipélago das Spratlys é formado aproximadamente 750 acidentes geográficos entre eles ilhas, recifes, atóis, rochedos entre outras formações rochosas. Com uma área emersa de pouco menos que 4 km² que se espalham por mais de 450 mil km² ao longo do oceano. É nesta região que se encontra a maior parte do potencial econômico do MSC, este reside nas áreas de pesca e reservas de óleo e gás inexploradas presentes no entorno e no subsolo marítimo das Spratlys. Quanto à estas reservas, a primeira vez que foi encontrado gás natural na região foi em 1976 pelo governo Filipino, porém até hoje existe grande debate acerca do tamanho das mesmas. Em relatório de 2013 a agência norte-americana "Energy Information Administration" (EIA) estima que não existam reservas provadas ou prováveis de óleo e gás na região das Spratlys, porém a "US Geological Survey" aufere que reservas podem existir, porém ainda são desconhecidas, estas seriam da ordem de 0,8 até 5,4 bilhões de barris de óleo e de 7,6 até 55,1 trilhões de pés cúbicos de gás natural. Ademais, estudos de 2012 da CNOOC ("China National Offshore Oil Corporation"), auferiram que o Mar do Sul da China pode ter reservas ainda não descobertas da ordem de 125 bilhões de barris de petróleo e 500 trilhões de metros cúbicos de gás natural. Assim, é difícil ter estimativas mais confiáveis, pois a conjuntura de contestação política quanto à soberania das ilhas e das águas que as cercam impede que estudos mais aprofundados sejam feitos. Atualmente o controle das Spratlys está dividido e sendo disputado por China, Taiwan, Vietnã, Filipinas, Malásia e Brunei, tendo os cinco primeiros, instalações militares na área. Todos esses países têm demandas de soberania sobre o arquipélago, China, Taiwan e Vietnã reclamam soberania sobre a totalidade da região das Spratlys argumentando que a exploração de tal área está ligada historicamente ao desenvolvimento de suas civilizações, enquanto Brunei, Malásia e Filipinas reclamam apenas partes deste território se pautando nas diretrizes do Direito Internacional outorgadas na Declaração sobre os Direitos do Mar de 1982 (UNCLOS em inglês).
Logo, a região tem, desde os anos 80, sido foco de tensões militares entre esses países. A UNCLOS por estabelecer que ilhas que poderiam suportar vida humana seriam garantidas uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) tanto dos recursos do mar quanto do subsolo marinho, motivou uma corrida pela ocupação das ilhas do MSC, consequentemente aumentando a incidência de atritos entre os Estados costeiros. Ademais, esta declaração não dispõe de instrumentos de resolução de conflitos quando há discordância entre os Estados acerca da demarcação dessas mesmas ZEEs, logo gerando, mais problemas do que soluções.
Começando em 1988, a China entrou em conflito com o Vietnã e passou a ocupar sete ilhas nas Spratlys. Depois, em 1995 os protestos filipinos contra a construção de instalações militares chinesas no recife de Mischief mais uma vez conduziram à um conflito na região, o qual só foi resolvido com a expedição da "Declaração Conjunta de Consultas sobre o Mar do Sul da China e outras áreas de cooperação". Por último, em 1999 mais uma vez a construção de instalações chinesas em no recife de Mischief motivou novos protestos de Manila, porém dessa vez a Associação dos Estados do Sudeste Asiático (ASEAN) optou por não condenar as ações chinesas. Atualmente, a região das Spratlys continua a ser um dos principais tabuleiros de tensão geopolítica internacional, devido às contínuas iniciativas chinesas de construção de ilhas artificiais e ampliação de formações naturais. Com visas a possibilitar a construção de portos, pistas de aterrissagem e decolagem, entre outras instalações militares, com o claro objetivo de aumentar a capacidade chinesa de patrulhamento e vigilância da área, e consequentemente seu controle político e militar em detrimento dos demais atores regionais.
Por último, o recife de Scarborough se constitui de um conjunto de recifes, bancos de areia e rochas que se estendem por um perímetro de 49 km que, de acordo com os critérios da UNCLOS, está dentro da ZEE das Filipinas. Ainda assim, a China contesta a soberania filipina do recife, inclusive impedindo o acesso e exploração econômica da área. Em termos de recursos o recife oferece não mais do que pescado, não há dados sobre possíveis riquezas advindas do subsolo marinho. Contudo, a maior importância do recife de Scarborough é sua posição estratégica quando relacionada com os demais arquipélagos aqui já citados.
O domínio desses três espaços (Paracel, Spratly e Scarborough) proporciona, ao Estado que lograr esse objetivo, grande vantagem na corrida pelo o controle político, militar e econômico total do MSC. Através da construção de um triangulo estratégico bem no meio deste espaço tal Estado poderia facilmente implementar uma estratégia de negação de acesso numa área central do MSC impedindo ou pelo menos dificultando em muito o livre fluxo pelo mesmo (ver Mapa 2) e consequentemente produzindo um severo efeito negativo na economia mundial devido ao fechamento de importantes rotas comerciais. Segundo Pereira (2004):
"As rotas marítimas que ligam o Nordeste Asiático e a zona Ocidental do Pacífico ao Oceano Índico e ao Médio Oriente atravessam o MSC; Mais de 40.000 navios, representando mais de metade da tonelagem total a nível mundial, circulam anualmente no MSC, um volume de tráfego duas vezes superior ao do Canal do Suez e três vezes superior ao do Canal do Panamá; Cerca de 15% do volume total do comércio mundial transita pelas Rotas Marítimas de Comunicação do Sudeste Asiático; Mais de 80% do petróleo com destino ao Japão, Coreia do Sul e Taiwan é transportado via MSC; Cerca de 2/3 do abastecimento de recursos energéticos pela Coreia do Sul e mais de 60% por parte do Japão e de Taiwan transitam anualmente pela região do Sudeste Asiático".
Também é importante observar que o acesso e a saída do MSC se dão através de estreitos como os de Malaca, Sunda, Lombok e Macáçar, pelos quais passam mais de 50% da tonelagem da frota mercante mundial. Sendo o mais importante o de Malaca, o qual segundo a EIA (2011):
"The Strait of Malacca, located between Indonesia, Malaysia, and Singapore, links the Indian Ocean to the South China Sea and Pacific Ocean. Malacca is the shortest sea route between Persian Gulf suppliers and the Asian markets –notably China, Japan, South Korea, and the Pacific Rim. Oil shipments through the Strait of Malacca supply China and Indonesia, two of the world's fastest growing economies. It is the key chokepoint in Asia with an estimated 13.6 million bbl/d flow in 2009, down slightly from its peak of 14 million bbl/d in 2007. At its narrowest point in the Phillips Channel of the Singapore Strait, Malacca is only 1.7 miles wide creating a natural bottleneck, as well as potential for collisions, grounding, or oil spills. According to the International Maritime Bureau's Piracy Reporting Centre, piracy, including attempted theft and hijackings, is a constant threat to tankers in the Strait of Malacca, although the number of attacks has dropped due to the increased patrols by the littoral states authorities since July 2005".
Portanto, o domínio deste triangulo estratégico é um facilitador para o controle dos estreitos e logo fechamento do MSC. Dessa forma, a exploração dos recursos estratégicos, ademais da militarização deste espaço poderiam ser feitos sem a interferência de atores regionais e/ou extra regionais. Logo, este espaço ganha não apenas um caráter político-militar defensivo, como em um momento futuro pode vir a ser ofensivo (ao passo em que são apropriados os recursos econômicos do espaço), na medida em que se transforma em uma plataforma de projeção de poder marítimo e aéreo para fora do Sudeste asiático.
3. Histórico das relações entre China e os Estados do SE asiático.
Durante as décadas de 50 e 60 do Século XX poucas foram as movimentações dos Estados que hoje disputam o MSC em relação a este espaço. Os efeitos da Segunda Guerra Mundial ainda se faziam sentir nas capacidades políticas, militares e econômicas desses atores. É a partir da década de 70 que as relações entre estas partes começam a mudar e ao longo da década seguinte se intensificam. O programa "Reforma e Abertura" posto em pratica por Deng Xiaoping buscava modernizar a China política e economicamente, logo alterou a posição do país em relação a sua vizinha imediata no sentido contrário ao que vinha sendo praticado pelo credo maoísta. A exportação da revolução comunista, promovida através do financiamento de guerrilhas nos países do SE asiático, deixa de ser o objetivo de política externa da China e em seu lugar passa a figurar a busca pela distensão a reaproximação diplomática e econômica com esses Estados. Como consequência, em 1974 a China reatou relações com a Malásia e no ano seguinte fez o mesmo com Filipinas e Tailândia. Outro motivo para a retomada das relações foi graças a concordância entre a China e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN criada em 1967, a partir do consenso entre Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas e Singapura e mais tarde acrescida de Brunei na década de 80, Vietnã, Myanmar, Laos e Camboja na década de 90) quanto à reprovação da invasão do Camboja pelo Vietnã em 1978.
A vitória do Vietnã do Norte contra os EUA, em 1975, não só afastou a presença norte-americana da região do MSC, como também fez nascer o medo em Pequim de que um Vietnã fortalecido poderia buscar anexar o restante da Indochina. Logo, dando capacidade de projeção ao país para o restante do SE asiático e em última instância, para o estreito de Malaca, o qual é um espaço de interesse estratégico chinês, pois é por lá que a maior parte das importações e exportações chinesas (inclusive de recursos energéticos) tem que passar. Dessa forma, uma Indochina unida e com o controle centrado em Hanói incrementaria o "hall" de vizinhos poderosos nas fronteiras chinesas, como também ameaçaria o suprimento energético do país. Portanto, a China cancelou seus acordos de assistência e retirou os chineses que haviam dado apoio logístico ao Vietnã do Norte durante a guerra contra os EUA. Em vista disso, em 1978, Hanói e Moscou assinaram um Tratado de Amizade e Cooperação que incluía cláusulas militares, pouco tempo depois o Vietnã invadiu o Camboja (Kissinger, 2011, pg. 336-338). A criação de uma Federação Indochinesa comanda por Hanói e aliada com a URSS significava que a China teria suas fronteiras Norte e Sul cercadas por governos hostis. Além disso, Moscou cada vez mais fazia pressão sobre o Afeganistão, assim constituindo mais uma possível ameaça de cerco na fronteira Oeste chinesa. Tal situação era inaceitável sob o ponto de vista da segurança do Estado chinês. Portanto, Pequim buscou se aproximar do restante dos países do Sudeste Asiático para, por meio da pressão internacional, demover o Vietnã de seus objetivos. No fim, a pura pressão internacional não foi suficiente e a China teve de ir à guerra, porém as viagens de Deng Xiaoping pelo SE asiático denunciando a ameaça soviético-vietnamita para a região foram a primeira pedra para pavimentação de um novo caminho para a China com a ASEAN.
Em 1990 o Vietnã desocupa o Camboja e assina com a China o "Memorando de Entendimento Conjunto" mais um marco da melhora das relações entre Pequim e seus vizinhos, ademais no mesmo ano restabelece relações com a Indonésia e Singapura e no ano seguinte fez o mesmo com Brunei. É nesse período que a ASEAN começa sua política de "constructive engagement" com a China. Esta é uma estratégia que preza pelo gradualismo, isto se justifica no fato de que os países do SE Asiático serem receosos quanto à assimetria de poder entre o bloco ASEAN e o Dragão asiático. O tamanho geográfico e demográfico, além do peso que economia chinesa havia ganhado, sem contar o poderio militar do país eram motivos justificados de apreensão e ainda são. Então ano a ano a China começou a ser integrada nas conversações da ASEAN. Pereira (2004, pg. 7) esclarece:
"Esta nova abordagem teve o seu início no convite feito ao então Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Qian Qichen, para participar, como convidado, na reunião Ministerial ASEAN de 1991. Seguiu-se a Cimeira ASEAN de 1992, em cuja Declaração Final ficou bem expresso o interesse de associar a China ao diálogo com os países ASEAN em matéria de segurança. Por outro lado, a alteração do equilíbrio de forças na cena internacional com o fim do período da Guerra Fria, que determinou a necessidade de desenvolvimento de novos meios e formas de lidar com assuntos de segurança, foi a principal razão invocada pela ASEAN para a criação do Fórum Regional ASEAN (ASEAN Regional Forum – ARF), em 1994, com participação alargada a uma série de países asiáticos (incluindo a China) e não asiáticos".
Finalmente em 1997 foi criado o mecanismo ASEAN+3 (Coreia do Sul, Japão e China) e ASEAN+1 (reuniões com cada um separadamente). O fruto dessa reunião foi o documento "ASEAN-China Rumo ao Século XXI" que tratava da ajuda chinesa aos países afetados pela crise financeira asiática, além de questões políticas e de segurança regional, incluído aí o MSC.
No âmbito da política internacional também parecem haver fatores que influenciaram essa maior aproximação entre China e ASEAN. O fim da URSS em 1991 deixou os EUA como a única superpotência mundial. O que permitiu a declaração do "Século americano, uma era de 'pós-soberania', em que as normas internacionais de direitos humanos prevaleceriam sobre as prerrogativas tradicionais de governos soberanos" (Kissinger 2011, pg. 438). Em Pequim essa nova visão americana para mundo causou certo estremecimento, porque com o fim da URSS o próximo alvo de tal "abertura virtuosa para a democracia e para os direitos humanos" era, claramente, a China. Isto foi confirmado durante o governo de Bill Clinton que fez sua plataforma de política externa em cima da ampliação da democracia baseada no mercado e dos princípios liberais ao redor do globo.
As pressões externas nunca foram bem recebidas na China e dessa vez não foi diferente. Pequim se recusou a ceder às pressões de Washington por abertura, mesmo mediante ao risco de perder o status de nação mais favorecida e ser incluída no "hall" de "nações reacionárias". Logo, os desentendimentos dos dois lados causaram a deterioração das relações sino-americanas e a consequente aproximação da China com os países da ASEAN. Portanto, o aumento das relações da China com os países da ASEAN nesta década pode ser lido também como uma medida para fortalecer a posição chinesa de defesa da soberania estatal na Ásia frente ao desafio "universalista" norte-americano. Da mesma forma que a China, muitos dos países do SE asiático partilham do apreço pela soberania e até mesmo pelo autoritarismo na política interna, este visto como medida necessária para controlar populações tão massivas. Assim, as proposições de criação de um mundo "pós-soberania" eram tão pouco atrativas para esses países quanto eram para a China. Kissinger (2011, pg. 448) cita Jiang Zemin, o então presidente chinês, para demonstrar o ponto de vista de seu país:
"A China e os Estados Unidos, como dois grandes países, devem encarar os problemas na perspectiva de longo prazo. O desenvolvimento econômico chinês e a estabilidade social servem aos interesses da China, mas também transformam a China em grande força pela paz e estabilidade, na Ásia e em toda parte. Acho que, ao olhar para os outros países, os Estados Unidos devem levar em consideração a autoestima e a soberania deles. Essa é uma sugestão amigável".
Entretanto, apesar dos avanços em termos de constituição de mecanismos de conversa e aprofundamento da integração e cooperação econômica que permitam a maior aproximação entre China e ASEAN, questões bilaterais quanto ao MSC ainda eram o maior obstáculo no caminho desses atores. Em 1992 a ASEAN aprovou, sem consultar Pequim, a "Declaração sobre o Mar do Sul da China", a qual estipulava que atritos na região deveriam ser resolvidos por vias pacíficas. Em resultado disso, no mesmo ano a China aprovou a "Lei sobre Águas Territoriais" que basicamente reforçou sua reivindicação sobre o MSC. Após, o conflito em "Mischief Reef" com as Filipinas 1995, a China aceitou sentar-se à mesa com a ASEAN e demais atores internacionais e concordou na necessidade de estabelecer um código de conduta para a região com vistas a evitar futuros conflitos. Historicamente avessa ao multilateralismo Pequim temia a internacionalização da questão do MSC, dessa forma se viu forçada a recuar. Como resultado disso, em 2002 foi declarado o "Código de Conduta no Mar do Sul da China". Pereira (2004, pg. 17) explicita os objetivos de tal declaração:
"Reafirmação do respeito e compromisso perante a liberdade de navegação no Mar do Sul da China; Resolução dos diferendos territoriais por via pacífica e sem recurso à força; Autocontenção em atividades que possam gerar conflitos, tais como ocupação de locais atualmente desabitados, e promoção de esforços tendo em vista o reforço da confiança mútua; Troca de informação entre militares dos países signatários, no sentido de notificação prévia recíproca (numa base voluntária) sobre a realização de exercícios militares; Cooperação na proteção de espécies marinhas e na investigação científica, segurança de navegação, entre outros aspectos".
Por mais que esta declaração pareça apontar para um futuro menos conflituoso no MSC, é importante destacar que tal acordo não possui força vinculativa, portanto nenhum dos atores está legalmente obrigado a cumpri-la. Tanto é que Pequim continua a criar e ocupar novas ilhas, independente das reclamações regionais e norte-americanas. Dessa forma, por mais que o presidente Hu Jintao declarasse que a China do novo milênio seria mais cooperativa, pautada pela política de "Ascensão Pacífica", em seu entorno estratégico esta não parecia ser exatamente a linha mestra a ser seguida. Especialmente após os ataques de 2001 em Nova York que aumentaram a preocupação internacional com terrorismo. O uso da ameaça terrorista com um instrumento Ocidental para realização de intervenções e ataques preventivos, e logo domínio de espaços estratégicos estabelece uma ameaça geopolítica à China, na medida em que os estreitos circundantes ao MSC, por onde passam os recursos estratégicos e mercadorias essenciais para a economia e forças armadas chinesas são possíveis focos de ação terrorista, logo se constituindo em áreas passiveis de intervenção externa. Assim, o controle dessas áreas pelos EUA, por exemplo, daria possibilidade a este Estado de negar o acesso chinês à recursos essenciais o que em última instância poderia levar ao estrangulamento da economia chinesa.
Dessa forma, Pequim pareceu aumentar seu empenho em não ser amarrada por arranjos regionais que limitassem sua capacidade de agir na região do MSC e principalmente no estreito de Malaca, o qual, como já dito, é uma área sensível dentro do quadro de segurança geopolítica do país. Portanto, a China age através do bilateralíssimo político, apoiado em seu peso econômico, para minar a unificação das vozes da ASEAN e assim frear as disposições regionais que a impediriam de avançar em sua agenda de conquista gradual de territórios marítimos. Ademais, ela pode sempre contar com sua capacidade militar dissuasória, a qual continua aumentando, frente aos relativamente mais fracos Estados do Sudeste Asiático.
Diante desse cenário, onde a China continua a avançar em direção ao controle do MSC, os países da ASEAN buscam alternativas junto ao Japão e a Índia e, em última instância com os EUA, para contrapor o poder chinês. Por outro lado, Pequim tem na Rússia e no Paquistão grandes aliados que fortalecem sua posição. Dessa forma, não parece que as questões de soberania no MSC se resolverão no futuro próximo, nem pela via pacífica, pois não parece que os Estados estejam dispostos a negociar concessões em suas demandas, como inclusive ficou provado recentemente com a arbitragem do Tribunal de Haia, tampouco a via da guerra total parece ser uma alternativa viável frente ao jogo de alianças estabelecido. É provável que novos incidentes localizados continuem a ocorrer com resultados em benefício da China dada a assimetria de poder entre esse país e seus vizinhos.
4. Expansão do poder chinês em direção ao mar.
Fora as características próprias do MSC, vistas aqui anteriormente, que o tornam um espaço extremamente desejável à consecução do projeto de incremento permanente de poder de qualquer Estado. A China, especialmente, tem características endógenas próprias que fazem do MSC uma área de interesse estratégico. E estas dizem respeito a suas vulnerabilidades energéticas. Segundo Howell (2009, p. 191) a China tem cinco problemas de segurança energética que não apenas criam uma brecha na capacidade de defesa do país, como também ameaçam em grande medida o projeto de desenvolvimento chinês em termos gerais.
"First, China is located far from its petroleum suppliers. In 2007, 30 percent of U.S. oil imports came from Canada and Mexico, both countries that border the United States and lie securely within its sphere of in uence. Meanwhile, China relies on long-haul tankers maneuvering through dangerous straits for 90 percent of its imported oil. Second, China suffers from a poor geologic endowment, with only 1.3 percent of known world oil reserves. Third, demand is increasing faster than supply can keep pace. China is already the world's second-largest energy consumer and its increase in total delivered energy consumption between 2005 and 2010 is projected to be 40 percent of the global increase. Fourth, China believes that it has little sway in the global arena. Chinese leaders often point out that China, despite its permanent Security Council seat, is a developing country not yet admitted to the G8 great-power club. Finally, the Chinese Communist Party (CCP) is committed to continued improvements in the Chinese standard of living, believing that ful lment of this commitment is vital to the regime's survival. Prosperity brings energy demand, and for 1.4 billion people, this is a tall order".
Entre os objetivos permanentes do Partido Comunista chinês estão a manutenção da estabilidade social por meio da continuidade do crescimento econômico e, logo, melhoria da qualidade de vida da população. Os governantes reconhecem que uma das maiores ameaças a integridade do Estado chinês é a sublevação de sua gigantesca população. A relação conturbada que o governo central tem com as minorias chinesas que vivem em regiões de autonomia alargada (das quais algumas até tem demandas por independência) como o Tibete, Sinquião (Xinjiang), Mongólia Interior, Guanxi, Ningxia, Hong Kong e Macau acaba por criar uma brecha para a intervenção estrangeira no país e aumenta a possibilidade de fragmentação territorial. Para tanto, a continuidade do fornecimento de energia barata com visas a manter os custos de produção baixos e consequentemente possibilitar produtos com preços acessíveis a população é essencial.
As vulnerabilidades expostas por Howell combinadas com esses objetivos permanentes do Estado chinês contribuem para gerar uma estratégia de segurança energética bastante agressiva e voltada para fora do país. A qual preza pela garantia do acesso à fontes diversas com grande potencial e com pouca concorrência. O 10° Plano Quinquenal do país instituiu o fundamento "Going Global", ou seja, a China pretendia estabelecer sua presença no mundo como um ator indispensável à política e economia global. Como uma das medidas necessárias a tal estava a exportação de seus "campeões nacionais" (grandes empresas estatais capazes de disputar de igual para igual com as companhias estrangeiras), este fundamento também era verdadeiro para as empresas do setor de petróleo. Pequim parece buscar especialmente espaços negligenciados pelas grandes potências devido a aversão ideológica e/ou por serem alvo de acusações de violação de direitos humanos, daí a grande presença da China na África subsaariana e nos países bolivarianos da América do Sul, estes, costumam ficar fora do radar das companhias norte-americanas e europeias, logo abrindo espaço para a mais pragmática política chinesa.
É dessa forma, que o MSC se insere neste quadro da segurança energética chinesa, como o natural próximo espaço de exploração chinês. Então, fica claro que para a China o domínio do MSC não é algo trivial. O domínio e obtenção dos recursos de tal área não é, para esse país, um bônus, mas sim é parte integrante do grande plano de desenvolvimento do Estado, melhora da qualidade de vida de sua população e consequentemente aumento de sua projeção de poder pela Ásia. Sendo assim, os projetos de infraestrutura recentes da Nova Rota da Seda (NRS) e do Cordão de Pérolas tem por objetivo retirar a China de seu isolamento continental e conecta-la com áreas do mundo periférico ainda pouco influenciadas pelas potências ocidentais, como a Ásia Central, o Oriente Médio, e a costa Leste da África Subsaariana num primeiro momento.
Por este trabalho se debruçar prioritariamente sobre o mar, os esforços aqui se focarão no Cordão de Pérolas. Este diz respeito ao projeto chinês de construção de portos e oleodutos ao longo da costa do Oceano Índico como medida para contornar o problema de transporte de petróleo pelo estreito de Malaca. Em 2009 foi inaugurado o oleoduto e gasoduto Myanmar-China, este liga a província chinesa de Kunming ao Oceano Índico através do porto de Kyaukphyu em Myanmar. Tal infraestrutura permite que os cargueiros vindos do Oriente Médio descarreguem no litoral do Índico e por meio do sistema de oleodutos transmitam até 12 milhões de toneladas de petróleo por ano até seu destino na China, assim economizando tempo e dinheiro e evitando a passagem pelo estreito de Malaca. Da mesma maneira, o porto de Gwadar, no Paquistão, que vem sendo construído por empresas chinesas possibilita ao país maior capacidade de ação no estreito de Hornuz e no Golfo Pérsico. É importante destacar que a maior parte do petróleo chinês vem do Oriente Médio, mais especificamente da Arábia Saudita (ver tabela 1). Portanto, este porto aumenta a segurança do transporte deste recurso em direção ao seu destino final, ainda ele aumenta a pressão por acesso e expansão até a China do sistema de oleodutos Irã-Paquistão-Índia. Mais recentemente a China também começou a construção de uma base militar em Djibuti, Estado localizado próximo do chifre da África e que por sua localização (de frente para o Golfo de Áden) possui valor estratégico para a segurança do transporte de petróleo vindo do Oriente Médio em direção a Ásia Oriental. Estes são apenas alguns dos projetos que já estão concluídos ou que se encontram em construção, pode-se ver melhor o escopo do Cordão de Pérolas no Mapa 4. Também pode-se ver como o MSC é parte integrante e essencial à consecução e segurança destes e outros projetos ao longo do Oceano Índico e do SE asiático.
Em vista disso não surpreende notar como os investimentos militares do país tem se modificado ao longo dos anos. Especialmente a partir dos anos 2000 é notável o esforço da China em modernizar suas forças armadas, tanto institucionalmente quando tecnologicamente, provavelmente em consonância com os objetivos de expansão externa presentes em seu 10° Plano Quinquenal. Como dado ilustrativo, o orçamento militar chinês era pouco maior que 50 bilhões de dólares em 2005, já em 2015 ele quase supera os 200 bilhões de dólares, sendo o segundo maior orçamento de defesa do mundo, ficando atrás apenas dos EUA (595 bilhões). Nesse ponto destaca-se a maior atenção que o país vem dando a aeronáutica e a marinha, principalmente a esta última, em detrimento do exército que por muito tempo foi a força tradicional do país. Os investimentos feitos na marinha chinesa se concentram em construir com sucesso uma estratégia de defesa pautada pela negação de acesso ao mar por potências hostis. Isso é especialmente verdade no MSC. Kaplan, (2013, p. 221) resume:
"Os chineses estão construindo quatro novas classes de submarinos de ataque e lançadores de mísseis balísticos, tanto nucleares quanto convencionais (...) pretendem usar radares do tipo 'além do horizonte', satélites, redes de sonares de fundo e recursos de guerra cibernética a serviço de mísseis balísticos antinavio com veículos de reentrada, que, aliados à sua florescente frota de submarinos, integrarão seus esforços para bloquear o acesso naval americano a amplas regiões do Pacífico Ocidental. Os recursos de guerra dos chineses também vêm sendo aprimorados e foram adquiridos caças russos de quarta geração Su-27 e Su-30, bem como 1,5 mil mísseis terra-ar russos, distribuídos ao longo do litoral (...). As armas compradas pelos chineses estão mudando a geografia estratégica do Pacífico Ocidental".
Ademais, Moraes (2015) e Kaplan (2013) concordam que no longo prazo a China deve construir uma "marinha de águas azuis", ou seja uma marinha com capacidade de agir em todo o globo e logo capaz de projetar poder nos oceanos. Tal se torna verdade quando se percebe que cada vez mais este Estado passa a depender de recursos que se encontram além de suas costas, portanto o desenvolvimento de uma "marinha de águas azuis" é a medida necessária para assegurar o funcionamento de suas linhas de comunicação. Além disso, uma vez vistos os projetos do Cordão de Pérolas reforça-se a necessidade de uma marinha poderosa para apoiar a consecução dessa infraestrutura e fazer a defesa dos interesses chineses além-mar.
A expansão do poder naval da China tem motivado uma corrida armamentista na Ásia. Segundo Oswald (2015):
"Uma corrida armamentista na região da Ásia-Pacífico começa a determinar um rearranjo na geopolítica militar global (...). Foi ali que os orçamentos de defesa explodiram nos últimos cinco anos. Rússia, Indonésia, Filipinas, Japão, Singapura e China lideram esse movimento".
Ainda, segundo relatório do Centro IHS Jane de Terrorismo e Insurgência (2015) os investimentos em defesa de Malásia, Tailândia, Filipinas, Vietnã, Singapura e Indonésia cresceram no período 2014-2015 respectivamente 10%, 7,1%, 15%, 7,1%, 5,7% e 12,8%. Contudo, este crescimento quando comparado ao chinês ainda é marginal, ou seja, de pouco adiantando para diminuir o "gap" de poder entre a China e o bloco de Estados do SE asiático.
Dessa maneira, como afirma Moraes (2015) a China parece caminhar a "pequenos passos" na direção do domínio do MSC, através da consecução dos projetos do Cordão de Pérolas apoiados e estimulados pela expansão de seu poder naval por meio da modernização de suas forças armadas, especialmente de sua marinha.
5. Conclusão.
Este trabalho deve ser inserido dentro de um esforço maior para se entender as problemáticas da relação entre os países do SE asiático e China. O MSC é apenas um dos pontos de tensão entre estes dois blocos de trabalho. Existem outros aspectos que segundo uma perspectiva de Economia Política Internacional são merecedores de atenção, como por exemplo: o aumento da presença chinesa nas economias dos Estados do SE asiático e logo construção de uma dependência destas economias da chinesa. Portanto, de forma alguma este trabalho está completo. Porém, esta pesquisa se propôs a analisar, exatamente, as relações entre a China e seus vizinhos no que tange assuntos relacionados ao MSC, e pelo que aqui foi demonstrado, concluísse que a hipótese, de que o aumento da assertividade chinesa para consolidar seu domínio do MSC se insere dentro de um conjunto de projetos de expansão do poder chinês pela Ásia via expansão marítima, pôde ser comprovada de forma satisfatória.
Tal foi feito através da análise geográfica do espaço do MSC onde ficou claro a sua importância como fonte de recursos estratégicos para as economias e forças militares dos Estados ribeirinhos, ainda pôde-se notar como este espaço serve aos interesses geopolíticos de segurança do Estado chinês, que ao se mostrar dependente do comércio marítimo para o bom funcionamento de sua economia tem no estreito de Malaca um ponto vulnerável que pode servir à Estados que tenham intenções hostis com relação a China. Ainda, pode-se registrar o desenvolvimento da relação entre a China e os demais Estados do SE asiático no diz respeito às questões políticas e diplomáticas que concernem ao MSC. Por último, foi mostrado como a partir dos anos 2000 a China assume uma nova posição com relação a seu exterior, onde o marco principal foi a elaboração de seu 10° Plano Quinquenal que institucionalizou a doutrina "going global" dessa forma internacionalizando os interesses políticos e econômicos chineses. Dentro desse novo contexto aqui buscou-se destacar que um dos eixos de tal expansão é o mar. Isso pôde ser visto através da elaboração dos projetos de infraestrutura do Cordão de Pérolas. Neste panorama o MSC se insere como uma das principais pérolas do conjunto, porém para a consecução deste grande projeto que engloba boa parte da Ásia uma marinha forte e com capacidade de projeção de poder se faz necessária, daí os esforços chineses para o aumento dos investimentos militares nesse setor com visas a sua reforma e expansão.
Por fim visto tudo pode-se concluir que a China deve continuar avançando no domínio do MSC, especialmente visto que a diferença entre sua capacidade econômica e militar, logo, política de constranger seus adversários regionais é ainda muito grande e deve continuar a aumentar nos anos vindouros. Um ponto que deve ser destacado, porém, é que atitude tomará a potência hegemônica do sistema, ou melhor os EUA frente ao continuo desafio chinês nesta região estratégica da geopolítica mundial.

-Anexos
Mapa 1: Mapa das demandas por soberania no MSC.

Fonte: Voice of America. Disponível em:
Mapa 2: Triângulo estratégico do MSC.

Fonte: Asean Military Defense. Disponível em: http://www.aseanmildef.com/2015/04/strategic-triangle-in-south-china-sea.html






Tabela 1: Principais países exportadores de petróleo da China em 2014.

Fonte: EIA. Disponível em:< https://www.eia.gov/beta/international/analysis.cfm?iso=CHN>


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