A (IN) APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO: A LIBERDADE DE IMPRENSA VERSUS O \" DIREITO DE NÃO SER LEMBRADO \" FRENTE À RESSOCIALIZAÇÃO E À ESTIGMATIZAÇÃO DE EX-DETENTOS

June 5, 2017 | Autor: Mônica Locatelli | Categoria: Direito Ao Esquecimento
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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA CAMPUS DE SÃO MIGUEL DO OESTE CURSO DE DIREITO

MÔNICA LOCATELLI

A (IN) APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO: A LIBERDADE DE IMPRENSA VERSUS O “DIREITO DE NÃO SER LEMBRADO” FRENTE À RESSOCIALIZAÇÃO E À ESTIGMATIZAÇÃO DE EX-DETENTOS

SÃO MIGUEL DO OESTE 2015

MÔNICA LOCATELLI

A (IN) APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO: A LIBERDADE DE IMPRENSA VERSUS O “DIREITO DE NÃO SER LEMBRADO” FRENTE À RESSOCIALIZAÇÃO E À ESTIGMATIZAÇÃO DE EX-DETENTOS

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito, Área das Ciências Sociais, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de São Miguel do Oeste – SC.

Orientadora: Prof. Ma. Mixilini Chemin Pires

São Miguel do Oeste – SC 2015

MÔNICA LOCATELLI

A (IN) APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO: A LIBERDADE DE IMPRENSA VERSUS O “DIREITO DE NÃO SER LEMBRADO” FRENTE À RESSOCIALIZAÇÃO E À ESTIGMATIZAÇÃO DE EX-DETENTOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito, Área das Ciências Sociais, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de São Miguel do Oeste – SC.

Aprovada em ...... de ............................. de 2015.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Ma. Mixilini Chemin Pires Universidade do Oeste de Santa Catarina

__________________________________________________ Prof. Universidade do Oeste de Santa Catarina

__________________________________________________ Prof. Universidade do Oeste de Santa Catarina

Dedico o presente trabalho de conclusão de curso aos meus pais, Irene Daltoé Locatelli e Ilso Locatelli, meus maiores amores e exemplos, que deram o melhor de si para mostrar-me a importância da educação e da humildade, sempre me apoiando e me compreendendo nos momentos em que não cabia mais em mim.

AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial minhas irmãs Marciana e Ilse Locatelli, por toda ajuda dispensada quando dela necessitei. Aos meus colegas de trabalho, com os quais convivo diariamente desde o início do curso acadêmico, por todo o aprendizado, incentivo, apoio e compreensão que sempre encontrei em vocês. À minha professora orientadora Ma. Mixilini Chemin Pires, pelo exigente suporte e auxílio prestados, sem os quais, o presente trabalho não se tornaria possível.

Temos nosso próprio tempo. (Renato Russo)

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso discorre acerca do direito ao esquecimento e sua (in) aplicabilidade no âmbito da ressocialização de egressos do sistema prisional que sofrem com os estigmas deixados pelo cárcere. Tal escolha motiva-se no intenso avanço das tecnologias da informação no cenário atual que, apesar de garantirem a rápida e facilitada troca de ideias entre indivíduos, também ameaçam direitos personalíssimos como à privacidade, à imagem, o nome, à honra e a vida privada. O embate entre a liberdade de informação e de imprensa e os direitos da personalidade supracitados instigou ainda mais a elaboração da presente pesquisa, visto que, tratando-se de direitos constitucionais que não conseguem coexistir em uma mesma situação, há que se analisar o caso concreto para se chegar a melhor solução ao conflito. Além disso, a doutrina e jurisprudência cada vez mais, tem-se voltado no sentido de que o direito de “ser deixado em paz” é merecedor de amparo legal, especialmente nos casos de reintegração de exdetentos em sociedade, eis que a Carta Magna veda penas de caráter perpétuo, motivo pelo qual tais cidadãos fazem jus a uma vida digna após terem cumprido sua “dívida” para com a justiça e a sociedade. Assim, e tendo em vista a dificuldade do sistema carcerário em concretizar a finalidade ressocializadora da pena, o direito ao esquecimento serviria como meio auxiliar de preservar a memória individual do excondenado e proporcionar-lhe os sustentáculos necessários para que tenha uma vida digna longe da marginalidade.

Palavras-chave: Direitos da personalidade. Liberdade de informação. Direito ao esquecimento. Ressocialização.

ABSTRATC

This college course conclusion paper discusses about the right to be forgotten and it's (in) applicability within the rehabilitation of former convicts who suffer from the stigma left by the prison. The choice to motivate yourself in the intense advancement of information technology in the current scenario that despite ensure a rapid and facilitated exchange of ideas between individuals also threaten personal rights like privacy, image, name, honor and privacy . The clash between freedom of information and of the press and the rights of the aforementioned personality instigated further elaboration of this study, since, in the case of constitutional rights that can not coexist in the same situation, it is necessary to analyze the specific case to reach the best solution to the conflict. In addition, the doctrine and jurisprudence increasingly, we have focused in the sense that “the right to be let alone” is worthy of legal protection, especially in cases of reintegration of ex-offenders into society, behold, the Higher Law seals perpetuity feather, which is why such people are entitled to a dignified life after serving their "debt" to justice and society. As soon, and in view of the difficulty of the prison system in achieving the resocialization purpose of punishment, the right to be forgotten would serve as an aid to preserve personal memory of ex-con and provide you the underpinnings necessary for it to have a dignified life away marginality.

Key words: Rights of personality. Freedom of information. Right to be forgotten. Resocialization.

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11

2

DIREITOS DA PERSONALIDADE ................................................................. 13

2.1

CONCEITUAÇÃO ........................................................................................... 13

2.2

SURGIMENTO E CONTEXTO HISTÓRICO .................................................. 14

2.3

CARACTERÍSTICAS ...................................................................................... 16

2.4

DIREITO À INTEGRIDADE MORAL ............................................................... 18

2.4.1 Direito à honra .............................................................................................. 19 2.4.2 Direito à intimidade e à vida privada ........................................................... 20 2.4.3 Direito à imagem ........................................................................................... 23 2.5

A LIBERDADE DE IMPRENSA E DE PENSAMENTO ................................... 25

2.5.1 O direito à informação .................................................................................. 27 2.5.2 A difusão da informação no cenário atual.................................................. 29 2.5.2.1 O marco civil da internet ................................................................................ 30 3

DIREITO AO ESQUECIMENTO ..................................................................... 32

3.1

CONCEITUAÇÃO ........................................................................................... 32

3.1.1 Memória x esquecimento ............................................................................. 34 3.2

A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO VERSUS O “DIREITO DE NÃO SER LEMBRADO” .................................................................................................. 36

3.2.1 Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil ............................................ 38 3.2.2 A posição jurisprudencial ............................................................................ 39 3.2.2.1 Caso Aída Curi .............................................................................................. 40 3.2.2.2 Caso Chacina da Candelária......................................................................... 42 3.2.2.3 Caso Lebach ................................................................................................. 44 4

O DIREITO AO ESQUECIMENTO E SUA (IN) APLICABILIDADE ............... 46

4.1

A

ESTIGMATIZAÇÃO

DO

EX-DETENTO

E

O

DIREITO

AO

ESQUECIMENTO............................................................................................47 4.2

AS FINALIDADES DA PENA .......................................................................... 49

4.2.1 A reabilitação criminal.................................................................................. 51 4.3

INSTRUMENTOS

DE

AUXÍLIO

À

EFETIVIDADE

DO

DIREITO

AO

ESQUECIMENTO ........................................................................................... 52 4.4

PONDERAÇÕES ACERCA DA (IN) APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO ........................................................................................... 55

5

CONCLUSÃO ................................................................................................. 58

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 60

11

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso irá tratar da (in) aplicabilidade do direito de ser esquecido, em especial no âmbito da ressocialização dos egressos do sistema carcerário que amargam os estigmas deixados pela pena privativa de liberdade. O tema surge da colisão de direitos previstos na Constituição que, no intento de bem acompanhar a complexidade e pluralidade das sociedades contemporâneas, muitas vezes, abriga valores e interesses opostos quando aplicados ao caso concreto. Fala-se aqui, do embate existente entre a liberdade de imprensa e pensamento e os direitos personalíssimos da intimidade, da vida privada, da imagem e da honra. Assim, da colisão dos direitos fundamentais supracitada, surge o recente direito ao esquecimento, que se manifesta da necessidade sentida em se preservar a própria memória individual diante de terceiros que queiram reavivá-la a qualquer tempo, causando constrangimentos e sofrimentos ao reascenderem lembranças de fatos pretéritos já superados. Ocorre que, os atuais avanços tecnológicos, de modo fácil e rápido, possibilitam acumular, obter, transferir e divulgar dados e registros que, corriqueiramente, vão de encontro ao direito de ter a própria imagem, nome, honra, privacidade e memória pessoal resguardados; em especial, quando trata-se de exdetentos que pretendem ultrapassar o crime outrora cometido e os estigmas do sistema penal por intermédio de sua reinserção em sociedade. Tendo por base o enredo supra, o presente trabalho busca verificar a efetividade do direito de ser esquecido no campo da ressocialização dos apenados, visto a dificuldade de se manterem intocadas e longe da imprensa, informações pretéritas acerca de fatos delituosos. Para facilitar a compreensão acerca do tema, a presente monografia restou divida em três capítulos. O primeiro discorrerá sobre os direitos da personalidade, particularmente daqueles em que se sustenta o “direito de não ser lembrado”. Ainda, tratará das liberdades de imprensa e pensamento, bem como da difusão da informação no contexto atual. Por conseguinte, o segundo capitulo conceituará o direito ao esquecimento, revelando os principais casos levados até as Cortes Superiores em que o mesmo

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tenha sido suscitado. E, por fim, será analisada a (in) aplicabilidade do direito em questão, como ferramenta de efetivação da função ressocializadora da pena. Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo e como metodologia a pesquisa bibliográfica, tomando por base as decisões jurisprudenciais e orientações dos Tribunais.

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2 DIREITOS DA PERSONALIDADE

Visando a permitir que um fato ocorrido em determinado momento da vida pretérita não seja eternamente exposto ou relembrado ao público em geral, causando sofrimento e transtornos aos personagens desse fato, o direito ao esquecimento encontra-se basilado nos direitos constitucionais da personalidade, como o da imagem, da intimidade, da vida privada e da honra. Sob o mesmo aspecto, a larga ampliação das tecnologias de informação, tornou esses direitos mais suscetíveis à violação. Para tanto, vale conhecer o surgimento, as características e a aplicabilidade de tais direitos personalíssimos, norteando, assim, a importância do “direito de não ser lembrado” no contexto atual.

2.1 CONCEITUAÇÃO

Preceitua o Dicionário Aurélio que personalidade, nada mais é, do que o “caráter ou qualidades próprias da pessoa; individualidade consciente”. Contudo, não há que se confundir personalidade com os direitos dela decorrentes, conforme disciplina Goffredo Telles Jr. (apud DINIZ, 2015, p. 135): [...] a personalidade consiste no conjunto de caracteres da própria pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.

Nesse sentido, os direitos da personalidade encontram-se diretamente ligados à projeção da pessoa ante a sociedade na qual está inserida. Esses direitos, em verdade, são inatos ao homem, eis que já nascem com o mesmo, fato que os caracteriza como naturais, por serem indissociáveis à condição de pessoa humana. Como exemplos, pode-se citar o direito à vida, à honra, à liberdade, à imagem e à privacidade. (GUERRA, 1999). Por seu turno, incumbe ao Estado criar previsibilidade no ordenamento jurídico aos direitos de personalidade, uma vez que do convívio em sociedade serão consequentes e frequentes os choques entre os direitos supracitados. A Constituição Federal de 1988 abrigou os direitos personalíssimos em seu art. 5°, inciso X, nos seguintes termos: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a

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honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Vê-se que a preocupação do legislador com os direitos da personalidade atingiu sua máxima, eis que previstos expressamente na própria Carta Magna. Ainda, conforme ora aclarado, os direitos da personalidade são distintos do conceito de personalidade propriamente dito, visto que aqueles decorrem do convívio em comunidade, do modo como a pessoa se comporta perante o coletivo. Assim, cumpre verificar qual é a acepção jurídica do termo “pessoa”. Segundo Diniz (2015, p. 129), “pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito”. Buscando o convívio em sociedade, o indivíduo assume obrigações ao passo que também adquire direitos, tornado-se sujeito passivo e ativo de relações jurídicoeconômicas. Nesse sentido, o art. 1° do Código Civil disciplina tal matéria nos seguintes termos: “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Na busca pela satisfação de suas necessidades materiais, o homem se insurge em um dos polos da relação jurídica: compra e venda, contração de matrimônio, elaboração de testamento, entre outros. O conjunto dessas relações passíveis de valoração monetária intitula-se patrimônio que, por seu turno, é a projeção econômica da personalidade (VENOSA, 2015). Ocorre que há direitos que atingem diretamente a personalidade do sujeito, os quais denominam-se direitos personalíssimos, vindo a tutelar bens incorpóreos e inalienáveis. Dentre esses, é válido destacar, o direito à vida, à liberdade, ao nome, ao próprio corpo, à manifestação do pensamento, à imagem e à honra. Importante ter presente que, inclusive, as pessoas jurídicas são titulares dos direitos personalíssimos, em função de que fazem jus à reparação por dano moral quando violada sua honra objetiva ou imagem, por exemplo, nos termos da súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

2.2 SURGIMENTO E CONTEXTO HISTÓRICO

No contexto histórico, os direitos da personalidade são de construção recente e revelam a posição central que o homem assumiu no ordenamento jurídico, uma vez que este passou a adaptar-se às necessidades daquele (homem), e não o contrário (TEPEDINO, 2003).

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Sobre o assunto, elucida Gagliano (2015, p. 185): Trata-se de um dos sintomas da modificação axiológica da codificação brasileira, que deixa ter um perfil essencialmente patrimonial, característico do Código Civil de 1916, concebido para uma sociedade agrária, tradicionalista e conservadora, para se preocupar substancialmente com o indivíduo, em perfeita sintonia com o espírito da Constituição Cidadã de 1988.

Vê-se que, apesar do grande salto dado pelo ser humano em termos de proteção legal, direitos atualmente tidos como básicos, fundamentais e essenciais, são ainda “crianças aprendendo a caminhar” quando analisados na linha do tempo que os concebeu. Há que se ter presente, todavia, que a tutela jurídica dos direitos da personalidade remonta à Antiguidade, por meio do actio injuriarum de Roma, que punia ofensas morais e físicas à pessoa, por exemplo (DINIZ, 2015). Ainda, dois momentos históricos foram incisivos na promoção jurídica da pessoa humana. Primeiramente, o Cristianismo que individualizara o ser e o dotara de livre-arbítrio. Mas, principalmente, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que valorizou o homem e a liberdade do ser, livrando-o do sistema feudal e apontando para um novo momento histórico onde figurava o Estado de Direito (TEPEDINO, 2003). Com a notória agressão à dignidade da pessoa humana na Segunda Guerra Mundial, os direitos da personalidade tomaram força no âmbito jurídico, “[...] resguardando-os na Assembleia Geral da ONU de 1948, na Convenção Europeia de 1950 e no Pacto Internacional das Nações Unidas”. (DINIZ, 2015, p. 133). Apesar desses importantes passos, os avanços dos direitos personalíssimos no campo do direito privado têm sido muito lentos, conforme revela Diniz (2015, 133) ao abordar os principais Códigos de Direito Civil dos últimos dois séculos: “O Código Civil francês de 1804 os tutelou em rápidas pinceladas, sem defini-los. Não os contemplaram o Código Civil português de 1866 e o italiano de 1865. O Código Civil italiano de 1942 os prevê nos arts. 5° a 10; o atual Código Civil português, nos arts. 70 a 81 [...]”. Nesse quadro histórico, em especial após a Segunda Grande Guerra, conforme relata Tepedino (2003) é que passaram a ser traçados os direitos personalíssimos vigentes, considerados pela doutrina como tutores de um mínimo essencial no âmbito privado para o pleno desenvolvimento da pessoa, um mínimo

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onde cada indivíduo possa exercer sua personalidade. Nos dias atuais, os direitos da personalidade são abrigados pelo art. 5°, X da Constituição Federal do Brasil de 1988, conforme outrora mencionado, bem como no Código Civil de 2002, que dedica seu primeiro capítulo, de seu primeiro título, de seu primeiro livro, de sua parte geral, a tratar dessas garantias. Tal prestígio aos direitos personalíssimos é reflexo de um longo processo histórico, que passou a ver na pessoa humana valores máximos dignos de proteção legal (TEPEDIDO, 2003).

2.3 CARACTERÍSTICAS

O Código Civil dispõe, em seu artigo 11, que os direitos da personalidade, “com exceção dos casos previstos em lei, são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. Ocorre que, na condição de direitos conaturais da pessoa, são providos de outras características particulares além das supracitadas no presente artigo, as quais se passam a aclarar. Inicialmente, tem-se que os direitos personalíssimos são absolutos. Sua oponibilidade erga omnes é o que confere tal caráter absoluto, eis que como primordiais à pessoa, impõe o dever de respeito em sociedade. Sobre tal característica, exemplifica Gagliano (2015, p. 195): Assim, mesmo reconhecendo que o suicídio não é considerado crime, ninguém tem o direito de dispor da própria vida, sendo indicativo de tal condição, inclusive, o fato de o induzimento, a instigação ou o auxílio ao suicídio ser previsto como conduta tipificada criminalmente. Por força dessa indisponibilidade necessária, impõe-se, pois, a sua observância erga omnes.

O absolutismo dos direitos da personalidade possui, consequentemente, forte correlação com a característica da indisponibilidade que também os regem, eis que essa,

como

segunda

característica

abordada,

abriga

as

concepções

da

intransmissibilidade e irrenunciabilidade, e traz a ideia de impossibilidade de mudança do titular dos direitos da personalidade, ou seja, torna impraticável sua transferência à esfera jurídica de outrem (GAGLIANO, 2015). São, portanto, intransmissíveis na medida em que “nascem e se extinguem ope legis com o seu titular, por serem dele inseparáveis. Deveras ninguém pode usufruir em nome de outra pessoa bens como a vida, a liberdade, a honra, etc.” (DINIZ, 2015, p. 135).

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Excepcionalmente, a indisponibilidade poderá ser relativizada frente a interesses sociais. É o caso das celebridades que exploraram sua imagem em comerciais ou outras estratégias de venda, figurando, nesse caso, os direitos da personalidade, como objeto de contrato (DINIZ, 2015). Os direitos da personalidade são, por seu turno, ilimitados, eis que não dispõe de um numerus clausus, sendo que os previstos expressamente nos arts. 11 a 21 do Código Civil não representam um rol taxativo. Essa característica se funda no fato de tais direitos, manifestarem-se à medida que o contexto histórico assim exigia. Assim, não é palpável precisar que os direitos personalíssimos, atualmente legislados, serão suficientes para todo o sempre (DINIZ, 2015). Cumpre ressaltar que novas problemáticas poderão exigir tutela de novos direitos personalíssimos. Nos dizeres de Gonçalves (2015, p. 191): Na atualidade, devido aos avanços científicos e tecnológicos (Internet, clonagem, imagem virtual, monitoramento por satélite, acesso imediato a notícias e manipulação da imagem e voz no computador), a personalidade passa a sofrer novas ameaças que precisarão ser enfrentadas, com regulamentação da sua proteção.

Ou seja, os direitos da personalidade vão muito além do disposto na Carta Magna e nas legislações esparsas, e requerem constante atenção legislativa. Por conseguinte, são também imprescritíveis, ao passo que buscam ser exercidos a qualquer tempo, não sendo extintos pelo não uso, tampouco condicionados a um prazo temporal para sua aquisição, visto que, segundo a doutrina dominante, tais direitos são inatos ao homem (GAGLIANO, 2015, p. 198). Não se pode confundir, todavia, com a prescritibilidade da pretensão para se requerer reparação de possíveis danos causados pela violação dos direitos personalíssimos, conforme muito bem esclarece Gonçalves (2015, p. 191) nos termos que seguem: Embora o dano moral consista na lesão a um interesse que visa a satisfação de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade, como a vida, a honra, o decoro, a intimidade, a imagem, etc., a pretensão à sua reparação está sujeita aos prazos prescricionais estabelecidos em lei, por ter caráter patrimonial.

Não é possível afirmar, desse modo, que é imprescritível a reparação por meio de dano moral, ainda que venha a ofender direitos da personalidade. Ainda, torna-se impossível a constrição de tais direitos, visto que são inerentes e inseparáveis da pessoa humana, tornando-se, assim, insuscetíveis de

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penhora; impenhoráveis, portanto. Ocorre

que,

conforme



aclarado

quando

abordado

acerca

da

indisponibilidade, apesar dos direitos da personalidade não serem passíveis de restrição, seus reflexos patrimoniais são, como é o caso dos lucros obtidos com a venda de CDs decorrentes de direitos autorais (GONÇALVES, 2015, p. 192). Apesar de dotados com todas as características supramencionadas, apenas a intransmissibilidade e irrenunciabilidade são reconhecidas expressamente pela legislação vigente, no art. 11 do Código Civil. Indiretamente, o art. 13 do diploma legal aludido, reconhece a relativização da indisponibilidade dos direitos da personalidade, ao passo que autoriza a “doação de órgãos e tecidos para fins terapêuticos e de transplante desde que não venha a lesar permanentemente a integridade física do doador, e sua vitaliciedade [...]”. (DINIZ, 2015, p. 136). O projeto de Lei 699/2011, que altera diversos artigos do Código Civil, prevê uma redação mais abrangente ao art. 11, nos seguintes termos: Art. 11. O direito à vida, à integridade físico-psíquica, à identidade, à honra, à imagem, à liberdade, à privacidade, à opção sexual e outros reconhecidos à pessoa são natos, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis. Parágrafo único. Com exceção dos casos previstos em lei, não pode o exercício dos direitos da personalidade sofrer limitação voluntária.

Independentemente da redação mais apropriada à defesa dos direitos da personalidade, são eles, em suma, os direitos que possui o indivíduo de proteger o que lhe é próprio. Inclusive, o enunciado de número 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça, nos seguintes termos permitiu que o ex-detento buscase sua ressocialização: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Isso quer dizer que a regra que protege a intimidade, a imagem e a vida privada de todos os indivíduos, também se aplica ao caso de informações a respeito do passado das pessoas: ninguém é obrigado a conviver eternamente com os erros ou desvios de sua vida passada. É o direito subjetivo de exigir um comportamento negativo dos demais.

2.4 DIREITO À INTEGRIDADE MORAL

O art. 5°, em seu inciso X, da Carta Magna, tutela expressamente a

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inviolabilidade a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação de tais direitos. Os mesmos são desdobramentos do direito a integridade moral, que resguarda, basicamente, o direito da pessoa de não ter sua imagem, sua honra ou sua moral expostas, mercantilizadas ou caluniadas. A personalidade humana não deve ser alterada material ou intelectualmente (ARAÚJO et al., 2012).

2.4.1 Direito à honra

Tributo inerente à personalidade do homem, a honra é, nas boas palavras de Adriano de Cupis “a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa”. (CUPIS, 1967, p. 112 apud FARIAS, 2000, p. 134). É possível afirmar que a honra se manifesta nas qualidades que caracterizam o bom nome, a reputação, o respeito dos concidadãos e a própria dignidade da pessoa. Assim, a “proteção à honra consiste no direito de não ser molestado, injuriado, ultrajado ou lesado na sua dignidade ou consideração social.” (GUERRA, 1999, p. 49). O referido direito é abrigado pelo art. 11 do pacto de São José da Costa Rica, de 1969, do qual o Brasil é signatário desde o ano de 1992. Em seus termos, tal dispositivo legal garante o respeito à honra e a dignidade de toda e qualquer pessoa, impedindo que o indivíduo sofra interferências “arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.” Ainda acerca da honra, é necessário classificá-la quanto as possíveis formas em que a mesma se manifestará, eis que poderá ser subjetiva quando tratar-se do sentimento pessoal de estima, da consciência do próprio valor e da própria dignidade. Ou ainda, poderá ser objetiva quando cuidar-se da ideia da reputação que a pessoa desfruta em sociedade, o apreço e respeito que lhe são devotos, a fama que ostenta (GODOY, 2001). Buscando resguardar a honra subjetiva é que nasce o direito ao esquecimento,

visto

o

claro

choque entre

os direitos de

“liberdade

de

expressão/informação, ora materializada na liberdade de imprensa, e atributos individuais da pessoa humana - como intimidade, privacidade e honra [...]”

20

(SALOMÃO, 2013)1. Foi o que buscou proteger a apresentadora Xuxa (Maria da Graça Meneghel), ao reclamar judicialmente (Rcl 15955 do STF) o direito de ver desassociado seu nome em buscas na internet com as palavras “pornografia”, “pedofilia” e “sexo”, em razão de cenas de sexo realizadas com um garoto de 12 anos de idade no filme “Amor estranho amor” por ela protagonizado no ano de 1982. O processo ainda persiste em trâmite. Por seu turno, a honra subjetiva tem conexão direta com a qualidade de vida dos egressos do sistema prisional. Questiona-se: O ex-condenado tranquilamente consegue labor após sua liberdade? Mas ele já não cumpriu sua pena? Sua dívida para com a sociedade já não está paga? Nesse sentido é que surge a necessidade de efetivação dos institutos que velam pelo direito ao esquecimento, buscando que ex-detentos não precisem ter eternamente consigo o estigma de ser um criminoso, como se não houvesse possibilidade de recuperação e ressocialização àqueles que outrora cometeram um ato defeso em lei (SANTOS, 2010). Por fim, a proteção à honra é sim merecedora de amparo legal, visto que, conforme Bittar (1995, p.126 apud GUERRA, 1999, p. 51) “a opinião pública é muito sensível a notícias negativas, ou desagradáveis, sobre as pessoas, [..]” cabendo ao sistema jurídico tutelar não somente a satisfação pessoal do indivíduo como oportunizar-lhe o convívio e a integração em sociedade.

2.1.2 Direito à intimidade e à vida privada Apesar de diversos doutrinadores tratarem os termos “intimidade” e “vida privada” como sinônimos, há que distingui-los, dado que, caso quisessem referir-se a mesma coisa, o legislador não teria se dado ao trabalho de tratar expressamente de ambos no texto constitucional (art. 5°, X).2 Primeiramente é necessário esclarecer que “intimidade” e a “vida privada” são espécies do gênero “privacidade”. Neste norte, a esfera íntima se caracteriza pelo modo de ser de cada pessoa, pelos seus sentimentos íntimos (auto-estima, autoconfiança), pelo espaço que a mesma considera impenetrável, intransponível, 1

Não contém número de página por tratar-se de documento eletrônico. X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 2

21

inacessível. Manifesta-se, nos dizeres de Guerra (1999, p. 47), como “os segredos, as particularidades, as expectativas, enfim, seria o que vamos chamar de o “canto sagrado” que cada pessoa possui.” Por conseguinte, a vida privada abriga as relações do sujeito com o meio social, sem que o mesmo tenha interesse em torná-las públicas, ou seja, são situações em que a comunicação é inevitável entre determinados indivíduos, excluindo terceiros indesejáveis (GODOY, 2001). Em resumidas palavras, pode-se dizer que dentro da vida privada há ainda a intimidade da pessoa. O direito à privacidade é assegurado pelo art. 21 do Código Civil de 2002: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” O Conselho da Justiça Federal, por sua vez, na V Jornada de Direito Civil, nos seguintes termos também buscou tutelar o direito em tela: 404) A tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratamento de informações que versem especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas. 405) As informações genéticas são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular.

Lembra-se que determinadas pessoas terão sua privacidade mais exposta que outras, em razão do cargo ou profissão que desempenham, como artistas ou políticos. Trata-se do clássico choque entre os direitos da personalidade e a liberdade de imprensa. É o que se vislumbra no caso de publicações de biografias sem autorização prévia, tema hoje já pacificado pela ADI 4815 em junho do corrente ano, onde se debatia o alcance dos art. 20 e 21 do Código Civil 3 que, no intento de proteger a vida privada e a intimidade das pessoas, não abarcou exceções às obras biográficas, estariam violando as liberdades de manifestação do pensamento, da atividade

3

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

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intelectual, artística, científica e de comunicação. Em seu voto, a relatora da ADI 4815 ministra Cármem Lúcia (2015)4, defendeu a ideia de que indivíduos que se sujeitam ao conhecimento e reconhecimento público em seu meio de vida, como os agentes das instituições estatais (que estão submetidos à transparência plena para ciência e controle dos cidadãos), ou ainda dos que promovam “as suas atividades em público e para o público, do qual extraia a sua condição profissional e pessoal”, não tem direito a exigir a mesma indevassabilidade de sua privacidade daqueles que em nada pretendem ou extraem do público em sua condução de vida. In verbis: […] porque quem faz a sua vida e profissão na praça pública, com a presença e a confiança do povo e angaria o prestígio que o qualifica e enaltece não há de pretender esquivar-se deste mesmo público segundo o seu voluntarismo, como se a praça fosse um mecanismo virtual, com botão de liga/desliga ao sabor do capricho daquele que buscou e fez-se notório. A notoriedade tem preço: ele é fixado pela extensão da fama. E essa é quase sempre buscada. E quando não é, mas ainda assim é obtida, cobra pedágio: é o bilhete do reconhecimento público que se traduz em exposição do espaço particular, no qual querem adentrar todos.

Em igual sentido, o ministro Luiz Fux (2015)5, destacou que a notoriedade do biografado é adquirida pela comunhão de sentimentos públicos de admiração e enaltecimento do trabalho, constituindo um fato histórico que revela a importância de informar e ser informado. Em seu entendimento, são poucas as pessoas biografadas, e, na medida em que cresce a notoriedade, reduz-se a esfera da privacidade da pessoa. No caso das biografias, é necessária uma proteção intensa à liberdade de informação, como direito fundamental. Assim, por unanimidade o Plenário do Superior Tribunal de Federal, julgou procedente tal Ação Direita de Inconstitucionalidade no sentido de não haver necessidade de prévio consentimento dos biografados, demais pessoas retratadas ou de seus familiares para a publicação e veiculação de obras biográficas. A grande preocupação do legislador em tutelar o direito a intimidade e à vida privada se justifica: o avanço tecnológico trouxe consigo não somente a rápida e prática troca de informações, como também passou a ameaçar o direito de estar só, eis que aparatos como máquinas fotográficas de longo alcance, microcâmeras, grampos telefônicos e o próprio uso fácil da internet tornaram simples a violação do direito à privacidade na busca por mais “curtidas” (GONÇALVES, 2015). 4 5

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Sobre o tema, entende Venosa (2015), que “Deve haver sempre posição firme do jurista no sentido de defender a preservação da intimidade, tantos são os ataques que sofre modernamente.” E de fato, este não tem sido somente o entendimento do legislador, que procura tutelar a privacidade do sujeito em sua máxima, como também é o entendimento que vem norteando as decisões dos tribunais. Conforme Salomão (2013), em seu relatório no REsp n° 1.334.097, o direito ao esquecimento, também chamado pelos norte-amercianos de "direito de ser deixado em paz", pode ser entendido como uma “longa manus” das garantias fundamentais da intimidade e da vida privada. Ainda, que a construção de tais conceitos jurídicos vem a auxiliar na ressocialização de autores de atos delituosos, que mesmo após o cumprimento de suas penas, continuam vitimados à estigmatização social.

2.1.3 Direito à imagem

Para Pontes de Miranda (1955, p. 53 apud GUERRA, 1999, p. 55) o direito à imagem deve ser entendido como o “direito da personalidade quando tem como conteúdo a reprodução das formas, ou da voz, ou dos gestos, identificativamente”. Mencionado direito é, sem dúvida, uma das principais projeções da personalidade

do

homem,

e

seu

uso

indevido

acarreta

em

prejuízo

e

constrangimento. Contudo, cumpre verificar se houve um abuso na divulgação da imagem caso a caso, visto que, se toda divulgação fosse indevida, inviável seria a promoção do noticiário televisivo, jornalístico e similares (VENOSA, 2015). O entendimento supra também foi ventilado na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que previu a análise do caso concreto quando houver oposição entre o acesso à informação e a proteção da imagem da pessoa, in verbis: 279 A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levarse-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.

Por seu turno, o ordenamento jurídico brasileiro cuida do direito à imagem nos termos do art. 20 e seu parágrafo único do Código Civil, onde permite o uso da imagem apenas se autorizada ou necessária à administração da justiça ou à

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manutenção da ordem pública. Ainda, que no caso “de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.” Acerca da colisão existente entre o direito à imagem e a liberdade de impressa, vem entendendo a jurisprudência que a atividade jornalística deve ser garantida com prerrogativa de poder informar os fatos de interesse público à sociedade, em observância ao princípio constitucional do Estado Democrático de Direito. Contudo, que referido direito não é absoluto, devendo ser vedada qualquer informação falaciosa ou que tragam danos à honra e à imagem da pessoa, em ofensa ao fundamento constitucional da Dignidade da Pessoa Humana (DINIZ, 2015). A proteção do direito à imagem ao egresso do sistema prisional é de suma importância e deve ser amplamente resguardado, uma vez que, não suficiente a falta de oportunidades e o preconceito já esperados a este indivíduo, a própria mídia muitas vezes viola sua imagem e vida privada, e passa a popularizar todos os seus atos cotidianos pós detenção, principalmente daqueles que cometeram algum crime de grande repercussão na sociedade (SANTOS, 2010). Acerca do direito ao esquecimento na esfera penal, cumpre reportar a Ost (2005, p. 161), ao entender que, independentemente tratar-se de pessoa pública ou não, “temos o direito, depois de determinado tempo, a sermos deixados em paz em recair no esquecimento e no anonimato, do qual jamais queríamos ter saído.” Foi o que buscou Jurandir Gomes França (indiciado como coautor/partícipe da sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, na cidade do Rio de Janeiro, conhecidos como "Chacina da Candelária", posteriormente absolvido), na ação que moveu em desfavor de Globo Comunicações e Participações S.A. Na demanda o autor pugnava a condenação da ré ao pagamento de 300 (trezentos) salários mínimos, em função de exibição de programa televisivo ("Linha Direta – Justiça"), que levou “a público situação que já havia superado, reacendendo na comunidade onde reside a imagem de chacinador e o ódio social, ferindo, assim, seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal, com prejuízos diretos também a seus familiares.” (SALOMÃO, 2013)6. Vê-se que o liame que distingue o livre acesso à informação e a proteção dos

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direitos da personalidade é muito tênue, fato que torna o objeto de estudo do presente trabalho ainda mais instigador.

2.5

A LIBERDADE DE IMPRENSA E DE PENSAMENTO

A comunicação é um dos pilares para o convívio em sociedade. Sem ela, não há troca de ideias e, consequentemente, evolução! Ela é a responsável pelo caminhar dos pensamentos. A transmissão de ideias é tão essencial ao homem quanto sua liberdade física (CARVALHO, 1999). É certo ainda, que a troca de informações e o consequente desenvolvimento em sociedade, só foram possíveis graças à liberdade de pensamento e interpretação detida pelo indivíduo desde sua concepção. Rui Barbosa muito bem reconheceu a importância do livre pensamento em seus dizeres: “de todas as liberdades, a do pensamento é a maior e mais alta. Sem ela todas as demais deixam mutilada a personalidade humana, asfixiada a sociedade, entregue à corrupção o governo do Estado.” (1987, p. 22 apud GUERRA, 1999, p. 71) Cumpre frisar, que o livre pensamento deve ser entendido em seu duplo aspecto conforme esclarece GODOY (2001), eis que além da faculdade de pensar, onde repousa a liberdade de consciência, de crença e de livre convicção religiosa, poderá também ser entendido como o direito que se tem de externar os próprios sentimentos e pensamentos. É possível afirmar inclusive, que a liberdade de pensamento se concretiza a partir do momento em que o indivíduo exterioriza seu pensamento, sua liberdade de opinar. (ALMEIDA, 2010) A liberdade de pensamento é abrigada pela própria Carta Magna em seu artigo 5°, IV, vendando, contudo, o anonimato: “IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”. Em igual sentido, a Constituição torna inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos (inciso VI). Não disforme, a liberdade de “expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, bem como o direito de acesso à informação, resguardando o sigilo de fonte quando necessário, também são direitos protegidos pela Lei Maior, nos incisos IX e XIV de seu art. 5°, respectivamente.

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Frente tais dispositivos legais, fica assim evidenciada a forte preocupação do legislador em proteger a liberdade de imprensa. A imprensa é um poderoso instrumento de formação de opinião, eis que consegue atingir os cidadãos por diversos meios: rádio, televisão, internet, jornais, revistas, dentre outros, tecnologias essas extremamente difundidas na atual sociedade. Exatamente pelo tamanho da influência que exerce em todos os setores sociais, é que a imprensa, usualmente, ficou conhecida como um quarto poder do Estado, ao lado do Legislativo, Executivo e Judiciário (FILHO, 2014). Salomão (2013)7, em seu voto no Recurso Especial de n° Nº 1.335.153 – RJ, deixa claro que não há possibilidade de se ter um Estado Democrático sem a garantia da imprensa livre: [...] nunca é demais ressaltar o estreito e indissolúvel vínculo entre a liberdade de imprensa e todo e qualquer Estado de Direito que pretenda se autoafirmar como Democrático. Uma imprensa livre galvaniza contínua e diariamente os pilares da democracia, que, em boa verdade, é projeto para sempre inacabado e que nunca atingirá um ápice de otimização a partir do qual nada se terá a agregar.

Contudo, apesar da maciça importância de que detém a liberdade em análise, esta não é absoluta, eis que atributos da personalidade humana como intimidade, privacidade e honra, também abrigados constitucionalmente, se insurgem contra a soberania da imprensa. Assim, por tais garantias encontrarem-se no mesmo nível hierárquico e deterem o mesmo grau de importância (GODOY, 2001), é que a jurisprudência vem moldando a liberdade de imprensa sob determinadas limitações, tais como: o compromisso de transmitir somente informações verossímeis, a preservação dos direitos da personalidade e até mesmo a vedação para veicular quaisquer críticas com intuito de difamar, injuriar ou caluniar outrem. (SALOMÃO, 2013). Este também foi o entendimento do Desembargador Miguel Ângelo da Silva, como relator do acórdão proferido pelo TJ-RS n° 70059085720 (2014), ao entender que, sendo fato de interesse público e não destoando a notícia da realidade fática, não há que se falar em reparação de danos morais e materiais, visto que uma “imprensa livre e responsável, consciente da relevante função social que desempenha, constitui pilar indispensável à concretização dos ideais democráticos e à livre divulgação do pensamento, oportunizando o acesso de todos às fontes de 7

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informação.” Por outro lado, para Reis e Monteschio8, por diversas vezes a exploração de casos reais pela imprensa, relembrando e revolvendo acontecimentos pretéritos, com fins exclusivamente comerciais e publicitários, costumam reascender a desconfiança acerca da índole do autor do fato, o qual, certamente, não teve reforçada a sua imagem de inocentado ou egresso do sistema prisional, mas certamente como condenado. Neste contexto se manifesta o objeto de estudo do presente trabalho, dado que o “Direito de Não Ser Lembrado” busca minimizar os infortúnios trazidos pelas liberdades de expressão e impressa aos direitos pessoais do indivíduo, sempre orientado pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

2.5.1 O direito à informação

Um importante invento se deu na Grécia, por volta de 700 a.C.: o alfabeto! Para grandes estudiosos, essa tecnologia serviu de base para o desenvolvimento da filosofia e da ciência hoje conhecidas. Por seu turno, a alfabetização disseminou-se somente mais tarde, com a fabricação do papel e difusão da imprensa. Não obstante, conforme Castells (2000), o alfabeto foi responsável por proporcionar a estrutural

mental

básica

à

comunicação

cumulativa,

baseada

em

conhecimento/informação. O homem do século XXI encontra-se indissociável ao processo informativo. Ele é bombardeado diariamente por uma série de notícias, mensagens e ideias, vindas dos mais diversos meios de comunicação, que variam entre redes sociais no próprio celular ao programa de rádio que ouve na ida ao trabalho. Assim, torna-se imperioso analisar e refletir acerca da informação recebida antes de tomá-la como verdade (CARVALHO, 1999). Conforme ora já mencionado, o acesso à informação é direito fundamental resguardado pela Constituição, que o disciplina em seu art. 5°, XIV e XXXIII, nos seguintes termos:

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XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

A importância desse direito se verifica em sua íntima relação com o exercício digno da cidadania e da soberania popular, que cairiam por terra caso o amplo e difundido acesso a informação fosse inobservado. Além disso, o acesso à informação atua como forma de controle social, pelo qual o povo pode exercer algum

controle

sobre

a

ação

da

Administração

Pública,

monitorando,

acompanhando, elaborando as ações da gestão e dando efetividade ao termo “Estado Democrático de Direito” (OLIVEIRA, 2013). Ocorre que, mencionado direito só restou normatizado com a Lei nº 12.527 (Lei de Acesso à Informação), vigente desde 16 de junho de 2012, ou seja, vinte e três anos após a promulgação da Constituição atual que amparou expressamente o acesso à informação. Buscando a publicidade como regra e o sigilo como exceção, Oliveira (2013) esclarece que a Lei de Acesso à Informação busca no dever de informar, facilitar o acesso dos cidadãos à informações de interesse público. Para tanto, a internet mostrou-se como o meio mais eficaz de divulgação destes dados, de modo que as instituições públicas possuem o encargo de disponibilizar páginas eletrônicas, com linguagem e manuseio acessível ao público mais leigo. Contudo, o livre e fácil acesso à informação, inclusive em razão do advento da internet, colide com os direitos personalíssimos da honra, intimidade e privacidade, resultantes da proteção constitucional conferida à dignidade da pessoa humana. Salomão (2013) dá o exemplo dos bancos de dados restritivos de crédito, aos quais impõe a lei que não sejam eternos, nunca se cogitou, contudo, que tal imposição se materializa como censura ao direito de informação, ainda que haja um inegável interesse social de precaver-se contra quem, um dia, não cumpriu suas obrigações contratuais. Tepedino, em página de opinião publicada em 1989, no “Jornal do Brasil”, já vislumbrava o embate entre os direitos fundamentais à informação e privacidade: “[...] O direito à informação não pode sobrepujar a discrição a respeito de inquéritos que, se divulgados, causam danos irreparáveis ao acusado. Provada sua inocência, ninguém mais se interessa pela notícia, e sua reputação fica definitivamente

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abalada”. Assim, entendia o autor, que o acesso incontrolado à informações de cunho

policial

investigativo,

por

exemplo,

tornariam

os

investigados

irremediavelmente condenados aos olhos do público especulativo.

2.5.2 A difusão da informação no cenário atual

O avanço das tecnologias da informação nunca esteve tão intenso quanto nas últimas décadas, gerando uma consequente mudança de hábitos e comportamentos do homem. Tais novidades proporcionam, além de uma série de benefícios, uma gama de “ameaças”, como a exemplo da invasão da vida privada, cabendo ao legislador traçar limites a estas situações. (MORI, 2001) Contraposto ao período onde a informação era limitada a uma pequena parcela da sociedade, onde o conhecimento circulava lentamente e em quase nada alterava o curso normal da vida em sociedade, hoje, a velocidade e longo alcance da comunicação entre os povos, torna a útil toda e qualquer informação, por mais longínqua e ínfima que possa parecer. Carvalho (1999, p.19) muito bem exemplifica tal situação: A informação da crise na economia da Rússia repercute tão intensamente na cotação das ações em Moscou como no Rio de Janeiro. O lançamento de um míssil pela Coréia do Norte e que violou o espaço aéreo do Japão é tão preocupante para os países do Ocidente como para os do Oriente, na medida em que altera o equilíbrio de forças entre os países da Ásia, o que repercute em todo o globo. O ataque americano a supostas bases no Sudão e no Afeganistão pode desencadear uma violenta retaliação que pode chegar mais próximo de nós do que imaginamos – pensemos em um atentado à filial do McDonald’s da esquina, por exemplo. A divulgação da análise da situação econômica brasileira feita pela agência privada norteamericana Moody’s derrubou as bolsas brasileiras e desencadeou a fuga de capital estrangeiro do País.

Recebemos e divulgamos, diariamente, uma sucessão de dados por meio de redes sociais (facebook, whatszap, twitter, instagram, etc.), páginas de websites, noticiários televisivos, programas de rádio, jornais, revistas, dentre outros; cabendo tão exclusivamente ao sujeito que recebe estas informações estabelecer o que tomará como verdade. Como bem destacou Rodotà, ex-presidente da Comissão Italiana de Proteção de Dados e do Grupo Europeu de Proteção de Dados, em artigo escrito para o jornal La Repubblica: “Quem eu sou? Até ontem, mesmo que entre muitas cautelas, podia-se dizer ‘eu sou aquele que digo ser’. Mas já entramos em um tempo em que sempre mais se deverá admitir: ‘eu sou aquilo que o Google diz

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que eu sou’.” Fica assim incontestável o importante papel assumido pela informação e sua difusão na sociedade moderna, merecendo especial atenção e análise, inclusive sob seu aspecto jurídico. Muito bem nos alerta Tepedino (2008), ao fato de que a memória eletrônica, é capaz de armazenar incontáveis associações de fatos, ideias e informações, sendo real e alarmante uma possível intromissão na vida alheia por intermédio de um cruzamento de dados provenientes de múltiplas fontes. Seria o caso de descobrir o que determinado indivíduo esteja fazendo, no simples fato de conferir de onde e para quem suas ligações telefônicas foram feitas ou os locais e com o que utilizou sou cartão de crédito. Trata-se do clássico binômio “progresso tecnológico”x “bemestar”. Neste contexto, lembra Rodotà (2008) que não é somente o cenário tecnológico que vem sofrendo grandes transformações, mas inclusive o ambiente jurídico. Explica que a propagação de ideias alcança contornos ainda maiores se considerarmos que cada ser obterá um significado próprio do conteúdo recebido, tornando ainda mais complexo impor limites e estabelecer prioridades entre o acesso à informação e o direito a privacidade. Será necessário um complexo balanceamento entre os interesses em jogo, para assegurar a coexistência dos direitos personalíssimos com a crescente abertura da sociedade.

2.5.2.1 O marco civil da internet

Com suas raízes ainda em laboratórios militares do período da Guerra Fria, a rede mundial de computadores aliados à popularização de novas tecnologias, como notebooks, smartphones e tablets, tomou dimensões gigantescas, com implicações políticas, econômicas e socioculturais. (BEZERRA; WALTZ, 2014) A internet e o ciberespaço, no dizeres de Rodotà (2008), podem ser entendidos como um imenso ambiente público, capaz de amparar a liberdade de expressão, de apoiar iniciativas cívicas, de possibilitar novas formas de democracia e, por que não, de permitir uma livre formação de personalidade. Por outro lado, este mesmo ambiente muitas vezes torna-se inimigo da segurança de dados e informações de cunho sigiloso, de modo que, por se tratar de uma zona de conflito de direitos, a “web” deve regrar-se de normas que garantam à liberdade de acesso e

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de pensamento, mas não deixem de resguardar elementos merecedores de discrição. Para tanto, a Lei 12.965/2014, mais conhecida como Marco Civil da Internet ou “Constituição da Internet”, que entrou em vigor no dia 23/06/2014, buscou balizar o ilimitado acesso a dados pessoais e privativos. Para

Silva

(2013)

mencionado

diploma

legal,

procurou

estabelecer

parâmetros de funcionamento à internet no Brasil e pode ser divido em quatro partes principais para melhor entendimento: primeiramente, os princípios gerais, seguidos dos direitos e garantias conferidas aos usuários. No capítulo III, expuseram-se as normas aos provedores de conexão e aplicações de internet, e, por fim, tratou-se acerca da atuação do poder público no desenvolvimento da rede. A autora segue trazendo uma das mudanças trazidas pelo Marco Civil da Internet, em seu art. 7°, VII, onde proíbe a divulgação ou utilização de dados e informações de usuários, inseridas na rede com fim diverso, sem o expresso consentimento daquele ou por intermédio de autorização judicial É o que diversas páginas, especialmente de vendas, fazem por intermédio de cookies, ao captar perfis e apresentar anúncios dirigidos. A Lei 12.965/2014, em seu art. 18, excluiu ainda, a responsabilidade civil dos provedores de acesso à internet por possíveis danos que possam ser causados em função de conteúdo gerado por terceiros. Bezerra e Waltz (2014), exemplificam citando o caso de Fábio Coelho, diretor-presidente do Google Brasil, que foi detido pela Polícia Federal em setembro de 2012, após negar responsabilidade por vídeos que acusavam um candidato de Campo Grande, publicados no YouTube. O Marco Civil da Internet constitui ponto decisivo na proteção de direitos fundamentais contraditórios, como a liberdade de expressão e a proteção da vida íntima. Por outro lado, frente o intenso avanço tecnológico atual, é necessário que o legislador não se dê por satisfeito, e esteja constantemente preocupado com os direitos e deveres inerentes à rede (SILVIA, 2013).

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3 DIREITO AO ESQUECIMENTO

Parafraseando Ost (2005), a memória é a primeira forma de tempo jurídico instituinte. É por meio dela que a sociedade busca soluções a conflitos atuais e também àqueles que intrigam o homem desde sua origem: de onde viemos?, para onde vamos?, como surgimos?. É a memória que enraíza a identidade coletiva. Sem ela, seria como se a sociedade fosse construída sobre areia. Nada obstante, é necessário analisar até que ponto a memória deve ser ilimitada, ou seja, até que momento a memória deve ser preservada, ainda que invada direitos fundamentais personalíssimos e gere prejuízos quando relembrada. Visando resguardar esses direitos é que surge um novo instituto jurídico popularmente denominado “direito ao esquecimento”, o qual se passa a tratar.

3.1 CONCEITUAÇÃO O direito ao esquecimento, também é chamado de “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”. Nos EUA, é conhecido como “the right to be let alone” e, em países de língua espanhola, é alcunhado de “derecho al olvido” ou até “caducidade del dato negativo”. Viu-se que os direitos da personalidade não se limitam a um rol taxativo, mas que surgem com a evolução da sociedade e as novas necessidades dessa. Nesse sentindo é que nasce o direito personalíssimo de ser esquecido, não como uma vertente de um direito da personalidade já existente, mas como um direito independente, cujo objeto se relaciona com a memória individual (MARTINEZ, 2014). Já em abril de 1983, em decisão proferida por Tribunal de última instância de Paris, restou reconhecido o “direito de não ser lembrado”, evidenciando a importância desse novo direito no campo da reintegração do egresso do sistema prisional, nos seguintes dizeres (apud OST, 2005, p. 161): [...] qualquer pessoa que tenha se envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua

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dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela.

Nos dizeres de Martinez (2014), o direito de não ser lembrado revela-se no arbítrio de ver-se privado de memórias que não aprecia relembrar. Trata-se do direito de não ter sua memória pessoal revirada a qualquer momento, por força de vontade de terceiros. Dá-se como um meio de defesa, que permite aos particulares proibir a veiculação de fatos pretéritos que, quando divulgados, acarretam-lhes sofrimento e transtornos. Ou seja, funciona como mecanismo de isolamento direcionado à informação intertemporal. A mutabilidade e adequação do ser às adversidades que lhe são impostas no decorrer da vida é a única característica imutável da pessoa. Assim, o titular de direitos possui liberdade para escolher rumos diferentes daqueles outrora tomados. É nesse entendimento que se firma o direito em tela, visto que impedir a realização de mudanças na história pessoal, é acorrentar o indivíduo ao seu passado, impossibilitando um futuro livre em suas opções (BUCAR, 2012 apud MARTINEZ, 2014). O “direito de ser deixado em paz” também restou reconhecido por Gilmar Ferreira Mendes et. al., ao afirmar em seu livro “Curso de Direito Constitucional” (2007, p. 374 apud SALOMÃO, 2013)9 que desaparecendo a notoriedade e o interesse público acerca de determinado fato e/ou pessoa essa merece ser deixada de lado, se assim desejar. Ressalta que tal preceito é ainda mais aplicável àqueles que já cumpriram sua pena criminal e necessitam reajustar-se à sociedade: “Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária.” Entende Santos (2010) que a essência do direito ao esquecimento volta-se aos egressos do sistema penitenciário, buscando que esses não tenham seus nomes ou imagens vinculados, seja pela mídia, seja por particulares, ao delito ora cometido; mas sim que sejam vistos como pessoas comuns, portadoras do direito à uma vida digna, com sua honra e privacidade preservadas. Sem esse respeito, a reintegração de ex-detentos em sociedade resta prejudicada, visto o grande estigma que faz com que esses indivíduos sejam eternamente rejeitados pela sociedade, numa espécie de condenação com caráter perpétuo. Cumpre assinalar o entendimento singular detido pelo jurista e filósofo belga

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François Ost (2005) acerca do esquecimento. Para ele, o esquecimento necessita ser revisitado, selecionado, ultrapassado; é encarado como uma espécie de perdão que ao mesmo tempo é ato de memória e aposta para o futuro, não se bastando o ato de olvidar. O autor vislumbra o direito ao esquecimento como um perdão demasiadamente sublime para ser jurídico integralmente, estando ligeiramente além do direito, bem como todo esquecimento estaria frequentemente aquém de suas virtualidades. Ost (2005) lembra ainda, que existem outros aspectos em que o direito ao esquecimento pode ser vislumbrado, ainda em âmbito privado, como é o caso do anonimato na reprodução humana medicinalmente assistida, em que a identidade do doador do material genético, bem como do casal receptor do mesmo, devem permanecer em sigilo.

3.1.1 Memória x esquecimento “A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; E ela não pode perder o que merece ser salvo.” (GALEANO apud MARTINEZ, 2014, p. 55). A memória encontra-se no centro das preocupações contemporâneas, ao passo que é notória a busca dos indivíduos por encontrar suas raízes, tradições e lembranças pelo viés da música, do gosto por antiguidades, pela expansão dos brechós, pela proteção do patrimônio público, dentre outros, antes que olvidem até mesmo que elas existam. Entretanto, explica Pierre Nora (1989 apud Ost, 2005), que o tema “preservação da memória” só é tão comentado porque, de fato, a memória vem declinando nos dias atuais, como uma memória em migalhas, que toma forma de museus e documentários. Explica ainda, que a superabundância de informações e imagens fornecidas pela mídia, bem como a comunicação instantânea disponibilizada pelos novos meios de comunicação, surgem em detrimento da memória temporal alcançada pela narração dos acontecimentos. Em especial a partir dos anos setenta, houve uma radical transformação no modo de disseminação de conhecimento, alterando-se por completo um sistema que praticamente se limitava à escrita. Essa mudança se deu especialmente pelas vantagens trazidas pela internet, dentre as quais rápidas pesquisas, comunicação

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direta com diversas pessoas por meio das redes sociais, entretenimento e lazer, dentre outros. Tornou-se inimaginável um futuro sem as comodidades trazidas pela velocidade na transferência de informações (MARTINEZ, 2014). Não obstante, essa nova e eficaz ferramenta (a internet), possui uma gigantesca capacidade de armazenamento, de modo que, ao utilizá-la, os usuários deixam um rastro, vestígios de quem são e do que fazem, eternizados em seu banco de dados, não existindo qualquer normatização que preveja a exclusão desses dados com o passar do tempo. Nesse contexto, reporta Martinez (2014), que existe um deslocamento da identidade real para sua representação digital, porém, essa última nem sempre é fiel à primeira, podendo gerar um falso entendimento sobre o indivíduo e inviabilizar o desprendimento de eventos pretéritos que já não mostram relevância. Para tanto, destaca o autor a dialética existente entre a memória e o esquecimento: Esquecer é tão importante quanto lembrar, pois possibilita que o ser humano selecione as informações ininterruptamente recebidas pelo cérebro, preservando somente aquelas memórias que o indivíduo considera como úteis, necessárias ou significativas. Não existe contradição entre lembrar e esquecer, pois os dois atos fazem parte do mesmo processo e, em realidade, são fenômenos complementares, pois é no processo de formulação de novas memórias em que se observa o constante e necessário esquecimento de outras. (MARTINEZ, 2014, p. 62)

Cumpre sublinhar a visão de Maurice Halbwachs (2004 apud MARTINEZ, 2014) acerca da memória. Leciona o escritor que existem dois tipos de memória: a primeira, coletiva, seria concebida por meio da vivência, da troca de informações e das experiências pessoais compartilhadas em grupos; seriam os valores e princípios desenvolvidos com o passar dos anos e o convívio em sociedade. Por outro lado, a memória individual, se daria com as experiências pessoais vivenciadas por cada ser, é um ponto de vista particular sobre a memória coletiva que se altera de acordo com o local em que foi gerado e as relações mantidas em seu entorno. Sobre o tema, Ost (2005) acredita que a memória é social, nunca individual. Para ele, as lembranças pessoais só conseguem ser exprimidas quando tomadas de tradição, quando sustentadas em uma comunidade afetiva e social, de modo que o indivíduo atinge seu ponto de vista sobre determinado tema, somente após ser colocado no meio desta e daquela corrente de pensamento. Em contrapartida, Martinez (2014), vê o direito ao esquecimento sob dois prismas. No primeiro, de viés público, haveria a valorização de eventos históricos,

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com o enfrentamento de arquivos secretos e punição das atividades ilícitas. No Brasil, esse aspecto macro do direito ao esquecimento, foi tratado pela Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia, que buscando a conciliação, extinguiu a retaliação e perdoou aqueles que cometeram crimes políticos e conexos a estes, durante a Ditadura Militar Brasileira. Já em seu aspecto privado, tal direito busca baseado na dignidade da pessoa humana, resguardar o homem frente à divulgação de informações privadas que, fora de um contexto, sem contemporaneidade ou utilidade pública, ainda que verídicas, atingem seu direito à privacidade, à intimidade, ao nome, à honra e, principalmente, sua tranquilidade. Essa perspectiva acerca do “direito de ser deixado em paz” é a que se busca analisar no presente trabalho.

3.2

A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO VERSUS O “DIREITO DE NÃO SER

LEMBRADO”

Ao abrigar simultaneamente dois valores que, no caso concreto, não conseguem coexistir, ter-se-á uma colisão ou conflito de direitos. As normas de direito fundamental mostram-se, no entendimento de Steinmetz (2001), abertas e móveis, motivo pelo qual é frequente a ocorrência de colisões entre si. O conflito de direitos com valores constitucionais vêm despertando grande atenção da doutrina moderna. Para Mendes e Branco (2015), a solução para tais casos residiria em buscar a conciliação entre os direitos em choque, sempre considerando o contexto do caso concreto e pesando os interesses em jogo, estabelecendo qual direito há de prevalecer naquelas circunstâncias ímpares. Assim, verifica-se que a prevalência de um direito sobre outro se determina em função das peculiaridades do caso concreto, não havendo, portanto, um critério de solução válido para tais conflitos em termos abstratos. Buscando acompanhar a evolução tecnológica na sociedade contemporânea, que passou de uma economia industrial para informacional, o Direito busca equilibrar a incompatibilidade criada entre direitos da pessoa, como imagem, nome, honra e intimidade, e liberdades de expressão, imprensa e manifestação de pensamento, todos igualmente alicerçados na Carta Magna. Neste norte, em 1980 Renê Dotti (apud MARTINEZ, 2014, p. 156) já alertava sobre os desafios do jurista para o final deste século, visto a necessidade de

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acompanhar a imensa evolução material e suas antinominas decorrentes. Para o professor deve-se “meditar sobre as possibilidades de fornecer um sistema normativo que possa compatibilizar os avanços da tecnologia com a necessidade de salvaguardar os direitos fundamentais do homem”. O jurista conta ainda, que em fevereiro de 1961, o Parlamento inglês incumbiu Lord Mancroft a apresentar projeto de lei que amparasse os indivíduos frente publicações indesejadas, visando um equilíbrio entre os direitos da pessoa e a liberdade de informação. Contudo, em novembro de 1969, oito anos após iniciado o projeto, o parlamentar abandou a proposta declarando ao jornal Times: “O projeto fracassou porque eu fui incapaz de estabelecer uma distinção entre o que o público tem direito a conhecer e o que um homem tem direito a conservar para si mesmo”. Assim, no intuito de buscar parâmetros de ponderação para o conflito entre a liberdade de informação e o direito ao esquecimento, Martinez (2014) traz alguns critérios usados pela atual jurisprudência para resolução do conflito em tela. O primeiro e mais aplicado, refere-se à mitigação dos direitos personalíssimos de pessoas públicas, que, pela livre escolha por uma carreira e vida pública, estariam se submetendo a limitação de sua privacidade. Entretanto, o critério da “pessoa pública” não se encontra pacificado, revelando-se insuficiente e falho, visto a grandeza dos direitos fundamentais em cotejo. Por conseguinte, o autor faz menção às fotos, vídeos e imagens obtidos em locais públicos, considerando que apesar de muitos juristas tomarem o critério como suficiente para justificar a divulgação dos mesmos, esse se sustentaria somente em casos de evidente interesse público no registro. “Ninguém está autorizado a captar com tecnologias de ponta o que uma pessoa cochicha a outra em praça pública e divulgar o diálogo nas redes de televisão” (2014, p. 166). Dentre outros critérios, cumpre analisar o interesse histórico existente na divulgação de crimes ocorridos num passado remoto, remontando nesse ato, fatos já esquecidos e sedimentados na sociedade. Em seu voto proferido em Apelação Cível n° 70011892569, o desembargador do TJRS Jorge Alberto Schreiner Pestana (2005), entendeu que a empresa jornalística, então reclamada, ultrapassara os limites do direito de informar ao colocar o nome e a imagem do reclamante em evidência, como apenado foragido, sem complementar que a condenação fora

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devidamente cumprida, nada mais devendo à Justiça. Todavia, o voto do relator Pestana restou vencido.10 Para o desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, revisor do mesmo caso, o ato de reprisar, pela imprensa, fato ocorrido há mais de trinta anos, não deve ser visto como conduta ilícita, dada a intenção da ré em “informar à sociedade acerca dos fatos ocorridos no passado, dentro de um contexto histórico, para que essa mesma sociedade possa formar um juízo de valor, inclusive sobre os fatos que permeiam a vida atual.” Apesar da impossibilidade de um critério objetivo para resolução do choque entre os direitos fundamentais abarcados, há que se levar em conta o peso ou a importância relativa de cada um na situação fática. Neste sentido, a solução não pode deixar de lado os conhecidos princípios da razoabilidade e ponderação dos bens envolvidos.

3.2.1 Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil

Promovidas desde 2002 pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) e o Conselho da Justiça Federal (CJF), as jornadas de Direito Civil propiciam a discussão entre especialistas e professores sobre dispositivos do Código Civil, resultando em enunciados que, apesar de não deterem caráter vinculante, auxiliam os operadores do Direito em seus trabalhos doutrinários ou jurisdicionais. A VI Jornada de Direito Civil, realizada nos dias 11 e 12 de março de 2013, comemorou os dez anos de Código Civil e aprovou 46 novos enunciados que buscaram delinear posições interpretativas sobre o mencionado diploma legal, adequando-os às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais (2013).11 Dentre esses enunciados, o de número 531, trouxe foco à um recente direito dentro da doutrina e, abrigou-o de modo que pudesse basilar à dignidade da pessoa humana, in verbis: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.” A justificativa do Enunciado deixa clara a preocupação dos juristas com as novas tecnologias de informação e o modo como podem afetar, não só a vida privada dos indivíduos em geral, mas especialmente, dos egressos do sistema 10 11

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prisional e do direito à ressocialização que lhes cabe. Coleta-se: Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados 12 (FONAJEF, 2013).

O que se deve ter claro, é que o direito ao esquecimento não permite, nos moldes trazidos pelo Enunciado 531, que se apague ou reescreva acontecimentos pretéritos, mas, tão somente garante a discussão acerca da divulgação de fatos passados em meios de comunicação social. Para Rogério Fialho Moreira, desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e coordenador da Comissão de Trabalho da Parte Geral na VI Jornada, não é qualquer informação negativa que merece ter seus registros apagados, visto que com o ‘superinformacionismo’ atual, simples e cotidianos atos da vida civil são amplamente divulgados com rápida velocidade. Para ele, a aprovação do enunciado contribuiu muito para a discussão gerada acerca do direito ao esquecimento, contudo, esse assunto é digno de mais estudo e amadurecimento quando considerada sua complexidade (2013).13 O desembargador afirma também, que o enunciado auxiliará as decisões que envolvam o art. 11 do Código Civil, o qual regula os direitos da personalidade, instituindo-os como intransmissíveis e irrenunciáveis. Ainda, compara os danos que podem ser causados pela veiculação de informações falsas, ou até mesmo verdadeiras, mas da esfera da vida íntima dos indivíduos, nos dias atuais e com o apoio da internet, com os causados no período em que eram utilizados somente rádios e jornais, certamente que aqueles são potencialmente muito mais nefastos que esses.

3.2.2 A posição jurisprudencial

Estudada como uma das fontes formais do direito, a jurisprudência é o reconhecimento de uma determinada conduta como obrigatória pelos Tribunais, é o conjunto de decisões uniformes proferidas por esses, é obra exclusiva de reflexão 12 13

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dos operários do direito em decisões de litígios submetidos à apreciação do judiciário. Para Gagliano (2015), apesar da jurisprudência não ser reconhecida como fonte normativa pela Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro, sua importância cresce a cada dia, uma vez que se preocupa em entender o direito. Neste condão, o “direito de não ser lembrado” já foi reconhecido na jurisprudência nacional e, inclusive, possui dois recentes julgados paradigmas que reacenderam os debates acerca do tema, ambos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão e ocorridos em 28 de maio de 2013, logo após a publicação do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil.

3.2.2.1 Caso Aída Curi

Um dos maiores precedentes nacionais a respeito do direito ao esquecimento, o “Caso Aída Curi” que teve decisão proferida pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial n. 1.335.153, com relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão. Na ação, os irmãos de Aída Curi pleiteavam reparação por danos morais e materiais em face da TV Globo Ltda, alegando que, ao reprisar o triste episódio da morte de Aída no programa “Linha Direta-Justiça”, a emissora teria reaberto antigas feridas já superadas pelos autores, causando-lhes dor e transtornos, além do uso da imagem da de cujus com objetivo econômico (SALOMÃO, 2013). A morte de jovem de classe média Aída Curi no ano de 1958, ao cair (ou ser atirada, a incógnita permanece até os dias atuais) do décimo segundo andar de um Edifício no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro, causou grande repercussão nacional, bem como o consequente processo judicial. O Juízo de Direito da 47ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ julgou improcedentes os pedidos dos autores, tendo a sentença sido mantida em grau de apelação. Para tanto, os Desembargadores fundamentaram sua decisão na Constituição Federal garantidora da livre expressão e comunicação, afastando o direito à indenização por se tratar de fatos de conhecimento público e amplamente divulgados pela imprensa. Da ementa do julgado, fica evidenciado que o direito ao esquecimento deve ser cuidadosamente medido e analisado antes de qualquer aplicabilidade: “O esquecimento não é o caminho salvador para tudo. Muitas vezes é necessário

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reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente (SALOMÃO, 2013)14.” Ainda, reconheceram que a ré é pessoa jurídica e que possui como finalidade o lucro. Porém, que o uso da imagem e do nome da falecida, somente seriam indevidos, no caso da reprodução midiática dos acontecimentos conferir-lhe um intenso aumento de lucro, o que não entenderam ter ocorrido. Por seu turno, recorreram os autores ao STF e STJ, sobrevindo decisão de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão (2013). Em seu voto, Sua Excelência reconheceu o conflito entre a liberdade de expressão/informação, ora materializada na liberdade de imprensa, e atributos individuais da pessoa humana; garantias abrigadas pelo mais alto diploma do ordenamento jurídico, mas que, em razão da evolução do homem, de suas ciências e tecnologias, muitas vezes colidem-se. Assinalou, contudo, que a liberdade de imprensa não é absoluta, mas que encontra limites no compromisso ético de trazer informações verossímeis, na preservação dos direitos da personalidade e na vedação de veiculação de dados com intenção de difamar, injuriar ou caluniar. Frisou também, que o “direito de ser deixada em paz” ganha ainda mais força na era da internet, visto que essa não esquece os fatos nela noticiados, bem como tem alcances demasiadamente mais nefastos que os demais meios de comunicação. Nesse diapasão, o alto executivo da Google Eric Schmidt (2013 apud SALOMÃO, 2013) afirmou que frente o inerente senso de justiça detido pelo homem, a internet precisa de um botão de delete, tomando como exemplo um jovem que cometeu um crime, mas que permanece estigmatizado na fase adulta frente o fácil acesso a informações referentes ao seu passado e que impedem-no de conseguir emprego. O Ministro analisou ainda, que o comprometimento de determinado fato histórico em favor do direito ao esquecimento, poderia afetar as próprias características que marcaram dada época, eis que a história é patrimônio imaterial do povo e nela ficam retidos os traços políticos, sociais e culturais que norteiam o futuro. Nessa linha de raciocínio, entende que a recordação de crimes passados pode significar uma análise de como a sociedade evolui ou regride. Por fim, Salomão reconhece a existência do direito ao esquecimento como

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instituto legal, contudo, não entende por sua aplicabilidade no caso em tela, visto que, por ter sido o crime reprisado décadas depois do ocorrido, o mesmo teria caído em domínio público. Considera que o acolhimento do pedido dos autores com a consequente indenização, daria margem a desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança.

3.2.2.2 Caso chacina da Candelária

Atingindo tamanha repercussão quanto o caso supra aclarado, a demanda judicial movida por Jurandir Gomes de França, também em desfavor da TV Globo Ltda, restou julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial n. 1.334.097, com relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, aos vinte e oito dias do mês de maio de 2013. No pleito, requeria o autor reparação por danos morais e materiais no montante de 300 salários mínimos, sob a alegação de que a exposição de sua imagem e nome no programa televisivo “Linha Direta-Justiça” como um dos envolvidos sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, na cidade do Rio

de

Janeiro,

conhecidos

como

"Chacina

da

Candelária",

ainda

que

posteriormente absolvido pelo Conselho de Sentença por negativa de autoria, trouxe-lhe inúmeros prejuízos e, inclusive, a seus familiares. Alegou que levando a público fato já superado, a emissora teria reascendido, na comunidade onde residia, a imagem de chacinador e o ódio social, atingindo seu direito ao anonimato, à privacidade e à paz. Que sua vida profissional também restou atacada, não tendo mais conseguido emprego, além de ter sido obrigado a deixar o local onde vivia frente às ameaças de “justiceiros” (SALOMÃO, 2013). Inicialmente, o Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ, entendeu pela prioridade do interesse público acerca da tragédia histórica e julgou improcedentes os pedidos da parte autora. Contudo, em grau de apelação, a sentença foi reformada por maioria, vindo a reconhecer o direito do apelante a “ser deixado em paz”, bem como condenou a rede Globo ao pagamento de R$ 50.000,00 a titulo de indenização. Interpostos embargos infringentes, foram rejeitados, também por maioria, nos bons dizeres da seguinte ementa:

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[...] 4. Das garantias fundamentais à intimidade e à vida privada, bem assim do princípio basilar da dignidade da pessoa humana, extraíram a doutrina e a jurisprudência de diversos países, como uma sua derivação, o chamado "direito ao esquecimento", também chamado pelos norte-americanos de "direito de ser deixado em paz". Historicamente, a construção desses conceitos jurídicos fez- se a bem da ressocialização de autores de atos delituosos, sobretudo quando libertados ou em vias de o serem. Se o direito ao esquecimento beneficia os que já pagaram por crimes que de fato cometeram, com maior razão se deve observá-lo em favor dos inocentes, involuntariamente tragados por um furacão de eventos nefastos para sua vida pessoal, e que não se convém revolver depois que, com esforço, a vítima logra reconstruir sua vida. 5. Analisado como sistema que é, nosso ordenamento jurídico, que protege o direito de ressocialização do apenado (art. 748 do CPP) e o direito do menor infrator (arts. 17 e 18 do ECA), decerto protegerá também, por analogia, a vida privada do inocente injustamente acusado pelo Estado 15 (apud SALOMÃO, 2013) .

A

Globo

Comunicações

e

Participações

S/A

interpôs

os

recursos

constitucionais cabíveis, não sendo diferente o entendimento proferido pelo STJ. Em seu voto, o Ministro Luis Felipe Salomão (2013) reconheceu o instituto do direito ao esquecimento, amparando-se, principalmente, em julgados internacionais. Ainda, fundamentou seu entendimento no art. 202 da Lei de Execuções Penais 7.2010/84, que garante o sigilo da folha de antecedentes criminais para fins cíveis àqueles que já cumpriram a própria pena. Ora, se tal direito é garantido aos egressos do sistema prisional, em igual sentido será cabível a exclusão dos registros daqueles que restaram absolvidos, a fim de evitar qualquer estigma e garantir seu direito pessoal de ser esquecido. Salomão (2013, p. 37) ressalta ainda que informação criminal teria uma espécie de “vida útil”, ou seja, que seria pertinente somente enquanto durar a causa que a legitima. Assim, com a extinção do processo penal, o uso de tais informações seria de “pretensão subalterna, estigmatizante, tendente a perpetuar no tempo as misérias e vicissitudes humanas”. Reconhecendo que o episódio da Chacina da Candelária é um fato histórico e que se tornou símbolo de proteção dos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o Ministro Luis Felipe Salomão negou provimento ao Recurso Especial interposto, alegando que o caso poderia ter sido muito bem reprisado e de maneira fidedigna, sem que para tanto nome e imagem do recorrido fossem expostos em rede nacional.

15

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3.2.2.3 Caso Lebach

Embora não se trate do único julgado que possa ser invocado no âmbito do direito comparado, o assim chamado “Caso Lebach”, Reclamação Constitucional decidida pelo Tribunal Constitucional Alemão em 05 de junho de 1973, é um dos mais relevantes e que guarda relação com os julgados mais recentes do Superior Tribunal de Justiça brasileiro sobre o tema. O caso inicia-se em um lugarejo denominado Lebach, na Alemanha, quando em 1969, ocorrera a chacina de quatro soldados que guardavam um depósito de armas e munições. Dois dos acusados restaram condenados a prisão perpétua e, um terceiro, à seis anos de reclusão na condição de partícipe. Ocorre que, pouco tempo antes da soltura do partícipe, o canal de TV alemão ZDF (Zweites Deutsches Fernsehen) produziu um documentário sobre o crime, tendo em vista o grande interesse público no mesmo, onde exibia não só a foto e nome dos condenados, como detalhes desses entre si, incluindo suas ligações homossexuais e detalhes do delito cometido (SALOMÃO, 2013). Intentando impedir a exibição de tal documentário, o partícipe, então reclamante, ajuizou demanda com tutela liminar, arguindo violação ao seu direito de desenvolvimento garantido pela Constituição Alemã, bem como a proteção de seus direitos personalíssimos, eis que o fato de ser citado nominalmente no documentário inviabilizaria sua ressocialização em sociedade. O pedido restou negado pelos tribunais ordinários, sob a alegação de que haveria interesse público na divulgação de tais informações (MARTINEZ, 2014). Contudo, o Tribunal Constitucional Alemão julgou procedente o pleito inicial, entendendo que, apesar da prevalência do interesse na informação, a ponderação, em função do transcurso do tempo desde os fatos deve levar em conta que o interesse público não é mais atual e acaba cedendo em face do direito à ressocialização. In verbis (apud, SALOMÃO, 2013)16: 1. Uma instituição de Rádio ou Televisão pode se valer, em princípio, em face de cada programa, primeiramente da proteção do Art. 5 I 2 GG. A liberdade de radiodifusão abrange tanto a seleção do conteúdo apresentado como também a decisão sobre o tipo e o modo da apresentação, incluindo a forma escolhida de programa. Só quando a liberdade de radiodifusão colidir com outros bens jurídicos pode importar o interesse perseguido pelo programa concreto, o tipo e o modo de configuração e o efeito atingido ou 16

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previsto. 2. As normas dos §§ 22, 23 da Lei da Propriedade Intelectual-Artística (Kunsturhebergesetz) oferecem espaço suficiente para uma ponderação de interesses que leve em consideração a eficácia horizontal (Ausstrahlungswirkung) da liberdade de radiodifusão segundo o Art. 5 I 2 GG, de um lado, e a proteção à personalidade segundo o Art. 2 I c. c. Art. 5 I 2 GG, do outro. Aqui não se pode outorgar a nenhum dos dois valores constitucionais, em princípio, a prevalência [absoluta] sobre o outro. No caso particular, a intensidade da intervenção no âmbito da personalidade deve ser ponderada com o interesse de informação da população. 3. Em face do noticiário atual sobre delitos graves, o interesse de informação da população merece em geral prevalência sobre o direito de personalidade do criminoso. Porém, deve ser observado, além do respeito à mais íntima e intangível área da vida, o princípio da proporcionalidade: Segundo este, a informação do nome, foto ou outra identificação do criminoso nem sempre é permitida. A proteção constitucional da personalidade, porém, não admite que a televisão se ocupe com a pessoa do criminoso e sua vida privada por tempo ilimitado e além da notícia atual, p.ex. na forma de um documentário. Um noticiário posterior será, de qualquer forma, inadmissível se ele tiver o condão, em face da informação atual, de provocar um prejuízo considerável novo ou adicional à pessoa do criminoso, especialmente se ameaçar sua reintegração à sociedade (ressocialização).

Não restam assim dúvidas, de que o “direito de ser deixado em paz” não é uma descoberta atual. O que se passa é que com o grande avanço das tecnologias da informação, sobretudo da internet, em razão a sua possibilidade de armazenamento ilimitado, questões já consolidadas no tempo possam voltar ao debate, colidindo, na maioria das vezes, com direitos pessoais (MARTINEZ, 2014).

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4 O DIREITO AO ESQUECIMENTO E SUA (IN) APLICABILIDADE

A dialética existente no ato de abandonar o passado e na necessidade de enfrentar o futuro sem dissociar-se plenamente das próprias recordações e vivências, confere relevante importância ao instituto do Direito, eis que é por meio desse que o homem, fixado no tempo presente, pode refletir sobre o pretérito, buscando antecipar-se quanto ao futuro. Nas boas palavras de Ost (2005, p. 38) acerca da “justa medida temporal” intentada pelo Direito: [...] de uma parte, do lado do passado, o perigo de permanecer fechado na irreversibilidade do já advindo, um destino de carência ou de infelicidade, por exemplo, condenada a perpetuar-se eternamente; de outra parte, do lado do futuro, o pavor inverso que suscita um futuro indeterminado, cuja radical imprevisibilidade priva de qualquer referência. Nenhuma sociedade se acomoda com seus temores; tanto que todas elas elaboram mecanismos destinados, pelo menos parcialmente, a desligar o passado e ligar o futuro.

Neste sentido, afirma Salomão (2013)17 ser por intermédio de institutos do Direito, como ato jurídico perfeito, coisa julgada, direito adquirido, irretroatividade da norma, prescrição, decadência, perdão e anistia, que o legislador consegue estabilizar o passado e conferir previsibilidade ao futuro. No campo do direito civil, por exemplo, a prescrição sinala a ideia de estabilidade das relações jurídicas. Não disforme, o Código de Defesa do Consumidor prevê, em seu art. 43, §1º, o prazo máximo de cinco anos para que constem informações negativas acerca de consumidores em bancos de dados. Fica evidenciado no dispositivo legal supracitado, o acolhimento à tese do esquecimento, ao passo que abriga o consumidor em detrimento dos interesses de mercado, quanto ao conhecimento de que determinado sujeito, um dia, foi um “mau pagador” (SALOMÃO, 2013)18. Assim, tendo em vista as novas tecnologias da informação, é que busca o “direito de não ser lembrado” a proteção de dados, que em razão do transcurso do tempo e da falta de utilidade da informação, causariam dor, angústia e violação à memória individual ao serem rememorados, sem a presença de qualquer ganho evidente à sociedade. Há que sinalizar, contudo, que é no campo do direito penal que o “direito de ser deixado em paz” se faz mais tenro. O instituto da reabilitação, por exemplo, previsto no art. 93 e seguintes do Código Penal, assegura ao condenado o “o sigilo 17 18

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dos registros sobre o seu processo e condenação”. O art. 748 do Código de Processo Penal garante a mesma privacidade quanto aos antecedentes criminais, ao mencionar que “a condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal”. No mesmo intento também se dá a redação do art. 202 da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais).19 A própria Lei de Imprensa (Lei 5.250) já apontava no ano de 1967, o reconhecimento do “direito de não ser lembrado” no contexto de egressos do sistema prisional, salvo se presente interesse público, nos ditames do § 2º de seu artigo 21: “Constitui crime de difamação a publicação ou transmissão, salvo se motivada por interesse público, de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele”. Para Martinez (2014), ao abordar acerca aplicabilidade do direito ao esquecimento na ocorrência de crimes, deverá haver presunção de interesse público na divulgação de um ato criminoso, não sendo uma informação com liberdade absoluta e irrestrita, eis que “o interesse pela reprovação de determinado delito sofrerá a erosão de sua importância com o passar do tempo”. Ocorre que, apesar do imenso receio na aplicação desse novo instituto jurídico, diante da inexistência de direta previsão legal, nomenclatura ou independência,

o

direito

ao

esquecimento

caminha

em

direção

ao

seu

reconhecimento, visto que se propõe a tutelar a violação de direitos fundamentais decorrentes da dignidade da pessoa humana.

4.1 A ESTIGMATIZAÇÃO DO EX-DETENTO E O DIREITO AO ESQUECIMENTO

Após o cumprimento de pena privativa de liberdade, ser considerado livre pela Justiça, nem sempre significa liberdade para um ex-detento, eis que permanecem eternamente marcados pela condenação, enfrentando sérias dificuldades em conseguir emprego e reinserir-se na sociedade. Molina (1983, p. 41 apud BITENCOURT, 2012, p. 490) muito bem dispõe acerca da efetividade da ressocialização dos egressos do sistema carcerário:

19

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

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[...] a pena não ressocializa, mas estigmatiza, não limpa, mas macula, como tantas vezes se tem lembrado aos expiacionistas; que é mais difícil ressocializar a uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que a sociedade não pergunta por que uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas tão somente se lá esteve ou não.

Sobre o tema, afirma Bitencourt (2012) que a prisão, bem como o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, encontram-se em crise. Para o autor, o encarceramento é uma flagrante injustiça, visto que criminosos de colarinho branco não são submetidos às mesmas condições degradantes que os demais detentos encontram nos presídios nacionais. Ademais, a incapacidade de educar o condenado, o fato de retirá-lo de seu meio de vida, obrigando-o a afastar-se de seus familiares, e os estigmas que a passagem pela prisão deixam no recluso, são alguns dos argumentos que embasam a decadência do atual sistema punitivo. Por conseguinte, entende Santos (2010), que quantificar se a pena imposta a tais indivíduos foi ou não suficiente, é caso a ser estudado pelo legislador, visto que o magistrado toma por base os critérios impostos por lei para fazer a dosimetria da pena. Assim, após ter tido cerceada a sua liberdade e cumprido sua dívida para com a sociedade e a Justiça, não é razoável que o egresso continue a ser punido com a violação do seu direito a uma vida digna, à imagem e à honra, quando tem seu nome rotineiramente vinculado ao crime cometido no passado. Os meios de comunicação e seu grandioso poder de influência noticiam crimes e tragédias ocorridas no mundo todo, simplificando o acesso à informação às regiões mais remotas, ainda que, muitas vezes, essa seja veiculada com conteúdo maculado.

Entretanto,

alguns casos recebem maior enfoque

que

outros,

diferenciando se esse ou aquele ex-detento tornará a viver em sociedade e, se quiser terá uma vida digna; ou, se enfrentará a continuidade de sua condenação pela sociedade e na mídia (SANTOS, 2010). Neste sentido, Salomão (2013) entende que reconhecer o direito ao esquecimento daqueles que cumpriram integralmente sua pena e, sobretudo, dos que restaram absolvidos ao final de um devido processo legal, revela uma evolução humanitária e cultural da sociedade, ao passo que na escolha “entre a memória – que é a conexão do presente com o passado – e a esperança – que é o vínculo do futuro com o presente –, fez clara opção pela segunda”. Para o ministro, é nessa ótica que o direito em questão encontra seu mais nobre lado, visto que, acreditando na presunção legal e constitucional da regenerabilidade da pessoa humana, se

49

manifesta como um direito à esperança. Godoy (2001) vê no direito ao esquecimento a possibilidade do ex-detento preservar sua honra, imagem e privacidade, facilitando assim a interação do mesmo em sociedade, eis que seus direitos personalíssimos não podem ser diminuídos por evento passado e expiado. Ressalva, contudo, que crimes de grande relevância histórica e importância às futuras gerações, como o nazista, não devem ser esquecidos. A Corregedoria Permanente da Polícia Judiciária da Capital do Estado de São Paulo,

busca

preservar

os

direitos

personalíssimos

de

seus

carcerários,

condicionando, desde 1992, a entrevista ou a simples exposição desses à imprensa, ao seu pleno consentimento e à autorização do Juiz Corregedor, por intermédio de sucessivos atos normativos (GODOY, 2001). Assim, resta evidenciado, que se a pena criminal não pode ultrapassar a pessoa do condenado, menos ainda devem perpetuar os reflexos trazidos com a sua condenação.

4.2 AS FINALIDADES DA PENA

O conceito de pena encontra-se intimamente relacionado ao conceito de Estado e ao contexto social, cultural e político em que este se encontra, visando sempre proteger um determinado bem jurídico de possíveis lesões. Capez (2011, p. 384) conceitua “pena” nos seguintes termos: [...] sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade .

O entendimento de que a pena se justifica na necessidade de tornar possível a convivência em sociedade, é quase unânime entre os doutrinadores de Direito Penal. Por oportuno, Lopes Jr. (2012) afirma que a pena é o apossamento, por parte do Estado, do tempo do particular, de forma dolorosa e irreversível, afirmando ainda, que o caráter punitivo não fica submetido exclusivamente aos muros que isolam o detento da sociedade, mas inclusive, de sua ruptura para com o tempo. Mas afinal, a que se destina a pena? São diversas as correntes que buscam elucidar sua finalidade, tendo a doutrina dado maior destaque a três. As teorias

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absolutas ou retributivas da pena visam punir o agente delituoso retribuindo o crime por este cometido por meio da pena. Elucidam Mirabete e Fabbrini (2015, p.230) que para tal corrente “o castigo compensa o mal e dá reparação moral”, não havendo que se falar aqui, em qualquer preocupação para com a pessoa do infrator. Em contrapartida, as teorias relativas ou preventivas justificam a pena no intuito de prevenir nova prática delituosa, assim, sua justificação deixa de ser concebida num fato passado e passa a ser concebida como meio para o alcance de fins futuros. A finalidade preventiva da pena pode ser ainda dividida como especial, onde visa a temibilidade do delinquente especificamente, para que não volte a cometer atos ilícitos e então possa readaptar-se no meio social; ou poderá ser geral, quando a prevenção for dirigida a intimidação do ambiente social (os indivíduos não delinquem porque têm medo de receber punição) (CAPEZ, 2011). Por fim, surgem as teorias mistas ou unificadoras da pena, que buscam agrupar as finalidades mencionadas nas demais correntes. Nestas, passou-se a entender que a pena é retributiva por natureza, bem como que sua finalidade é, não somente a prevenção, mas um misto de educação e correção. Insta salientar, que com o surgimento de diversos movimentos de política criminal humanista, tem-se difundido a ideia de que a sociedade apenas é defendida a medida que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social, conforme salientam Mirabete e Fabbrini (2015, p. 231): Adotou-se, [...] outra perspectiva sobre a finalidade da pena, não mais entendida como expiação ou retribuição da culpa, mas como instrumento de ressocialização do condenado, cumprindo que o mesmo seja submetido a tratamento após o estudo de sua personalidade. Esse posicionamento especialmente moderno procura excluir definitivamente a retributividade da sanção penal.

Porém, a realidade evidenciada se exprime de forma diversa, ao passo que não há uma estrutura que propicie que tais finalidades sejam de fato alcançadas, dificultando ainda mais que os egressos do sistema carcerário possam retomar sua vida seguindo padrões éticos, morais e legais em sociedade. O sistema prisional brasileiro encontra-se totalmente desacreditado. A aculturação do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerário, os efeitos da estigmatização e a carência de instalações e pessoal capacitado, são algumas das características que, segundo Santos (2010), inviabilizam sua ressocialização e rotulam tais pessoas eternamente como ex-presidiários.

51

A Constituição Federal garante que “não haverá penas de caráter perpétuo” em seu art. 5º, XLVII, b. Contudo, a estigmatização daquele que já cumpriu sua dívida para com a sociedade e a justiça, é sim uma forma perpetualização da sanção, visto que o mesmo não tem a chance de olvidar do erro cometido e demonstrar sua recuperação junto ao convívio social, e é neste diapasão, que se funda o direito ao esquecimento dos egressos do sistema carcerário.

4.2.1 A reabilitação criminal

O retorno à liberdade é um momento profundamente desafiador ao cidadão egresso. Ele se vê livre das mazelas prisionais, mas jamais deixará de carregar consigo os seus efeitos, eis que a sociedade se encarrega de não deixá-lo esquecer. A dificuldade em obter emprego, a ausência de moradia, o núcleo familiar desestruturado, são algumas das dificuldades que terão de enfrentar, ladeados do eterno preconceito e da discriminação. Para tanto, a lei penal intenta em alguns de seus dispositivos que o ex detento recupere seu status quo à condenação. É o caso do instituto da reabilitação previsto no art. 93 e seguintes do Código Penal, do qual fica evidenciada a ideia do legislador em minorar as dificuldades enfrentadas pelos ex condenados quando devolvidos ao convívio em sociedade20. A reabilitação é uma medida político criminal que visa restaurar a dignidade do egresso e facilitar sua reintegração em coletividade, declarando que ele já cumpriu com a “divida” imposta pelo Estado em virtude do delito cometido. Mirabete e Fabbrini (2015, p. 349) muito bem exprimem tal ideia: Estimula-se o condenado à completa regeneração, possibilitando-lhe plenas condições de voltar ao convívio da sociedade sem nenhuma restrição ao exercício de seus direitos. Facilita-se sua readaptação, concedendo-se certidões dos livros do juízo ou folha de antecedentes sem menção da condenação e permitindo-se o desempenho de certas atividades administrativas, políticas e civis das quais foi provado em decorrência da condenação.

Importante ressaltar, que o instituto da reabilitação não é eterno, visto que tão somente

20

suspende

alguns

efeitos

penais

da

condenação,

podendo

ser

Art. 93 - A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.

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restabelecidos no caso de revogação, conforme estabelece o art. 95 do Código Penal. 21 O próprio bojo do texto legal revela que a revogação será aplicada no caso de reincidência, logo, percebe-se que a reabilitação em nada se confunde com o direito ao esquecimento, dado que, enquanto aquele visa minorar os efeitos da condenação criminal, este pretende definitivamente superá-la. Em igual sentido, assinala Santos (2010), que o benefício dos arts. 93 a 95 do Código Penal, será concedido somente em casos específicos, quando haja ampla e reiterada demonstração, por parte do apenado, de que se encontra regenerado e em condições de estar novamente em meio à sociedade, passando assim ao cancelamento (não a extinção) dos seus antecedentes penais. Há que se mencionar ainda, que o art. 202 da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais) também intenta, e com maior celeridade, o sigilo da vida pregressa daquele que já cumpriu sua pena ou a teve extinta, visto que aqui o condenado não necessita esperar o decurso de dois anos do dia em que foi extinta a pena para solicitar a reabilitação, conforme prevê o art. 94 do CP. Assim, denota-se que o art. 93 do CP cairá no vazio, ao passo que o art. 202 da LEP regula idêntica hipótese, só que de forma mais benéfica e menos burocrática ao ex-condenado (GRECO, 2006, p. 720 apud SANTOS, 2010). O direito de ser esquecido, no âmbito criminal, busca desligar o nome do egresso do sistema prisional ao conceito de “criminoso”, uma vez que, tendo quitado sua dívida para com a justiça e a sociedade, tem o direito de restabelecer convívio social. Para tanto, necessária se faz a proteção ao seu direito à imagem, à honra e à vida privada, para ver efetivado o seu direito a uma vida digna. Neste sentido, fica evidenciado que o direito ao esquecimento e o instituto da reabilitação em momento algum chegam a colidir, mas sim, somam-se na intenção de minorar os estigmas deixados pelo cárcere.

4.3

INSTRUMENTOS

DE

AUXÍLIO

À

EFETIVIDADE

DO

DIREITO

AO

ESQUECIMENTO

O direito ao esquecimento como novo direito personalíssimo, garantidor da dignidade da pessoa humana, em especial aos egressos do sistema carcerário, e 21

Art. 95 - A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa.

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limitador do direito à informação, em verdade, encontra sérias dificuldades para dispor de meios eficazes que possam colocá-lo em prática e, talvez, esse seja o grande obstáculo à sua normatização jurídica. O mesmo Estado que impõe a pena frente à conduta que violou a ordem legal, também deverá garantir a reinserção do apenado em sociedade e a vedação das informações referentes às suas condenações pretéritas. Ocorre que, conforme bem ressalta Martinez (2014), uma vez levada a público a notícia do crime (que, como regra, atrai grande interesse público quando de sua ocorrência), não há prazo para sua disponibilização, podendo ser reavivada a qualquer tempo. Assim, visando proteger direitos como a honra, a intimidade, à imagem, e, principalmente, o “direito de ser deixado em paz” do egresso que buscar retomar sua vida digna, sugere o autor sejam utilizados os prazos prescricionais já previstos na lei penal mas, desta vez, direcionando-os à imprensa e a terceiros, cidadãos individualizados. O marco inicial para a contagem dos prazos prescricionais se daria com o efetivo cumprimento da pena, eis que após paga sua “dívida” para com a sociedade, não haveria mais, em regra, interesse estatal em reavivar tais informações. Nessa seara, também ressalva Salomão em seu voto no caso Chacina da Candelária: Se é assim, o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro, com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas irreversivelmente consumadas. E é nesse interregno temporal que se perfaz também a vida útil da informação criminal, ou seja, enquanto durar a causa que a legitimava. Após essa vida útil da informação, seu uso só pode ambicionar, ou um interesse histórico, ou uma pretensão subalterna, estigmatizante, tendente a 22 perpetuar o tempo as misérias e vicissitudes humanas (2013) .

O doutrinador Aury Lopes Jr. (2012, p. 990), entende que o poder estatal também se encontra condicionado no tempo, seja pela prescrição, seja pela duração razoável do processo, argumentando que o “esquecimento é fundamental para o sistema jurídico, pois sem ele não há felicidade, não há serenidade, não há esperança, não há orgulho, não poderia existir fruição do instante presente”. O autor visualiza a necessidade de um “esquecimento programado” que se concretizaria por intermédio do instituto da prescrição, eis que para ele, não se vive o presente sem 22

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se desligar do passado. Martinez (2014, p. 197), julga ainda necessário que sejam aplicados diferentes

prazos

prescricionais

à

crimes

de

maior

ou

menor

grau

de

reprovabilidade, evitando-se nesse sentido que o infrator de menor potencial ofensivo “sofra a mesma sanção de “publicidade” que um crime grave e histórico”, propondo a utilização dos prazos prescricionais utilizados pelo Código Penal para os crimes que ainda não tiveram sentença com trânsito em julgado, em seu art. 109: Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010). I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

Assim, com o decurso dos prazos estabelecidos pelo diploma legal supramencionado, relativizados ao crime cometido e contados a partir do integral cumprimento da pena, a lembrança acerca do fato delituoso outrora cometido, passaria a ser ilegal e abusiva, em razão da falta de contemporaneidade da informação. Por coseguinte, Santos (2010) propõe a possibilidade de alteração do nome do reabilitado em casos extremos, expectativa esta que já é outorgada às vítimas e testemunhas ameaçadas, bem como aos acusados que tenham, voluntariamente, prestado efetiva colaboração à investigação, em razão do art. 9° da Lei 9.807/99 23, 23

Art. 9° Em casos excepcionais e considerando as características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos objetivando a alteração de nome completo.§ 1° A alteração de nome completo poderá estender-se às pessoas mencionadas no § 1o do art. 2o desta Lei, inclusive aos filhos menores, e será precedida das providências necessárias ao resguardo de direitos de terceiros. § 2° O requerimento será sempre fundamentado e o juiz ouvirá previamente o Ministério Público, determinando, em seguida, que o procedimento tenha rito sumaríssimo e corra em segredo de justiça. § 3° Concedida a alteração pretendida, o juiz determinará na sentença, observando o sigilo indispensável à proteção do interessado: I - a averbação no registro original de nascimento da menção de que houve alteração de nome completo em conformidade com o estabelecido nesta Lei, com expressa referência à sentença autorizatória e ao juiz que a exarou e sem a aposição do nome alterado; II - a determinação aos órgãos competentes para o fornecimento dos documentos decorrentes da alteração; III - a remessa da sentença ao órgão nacional competente para o registro único de identificação civil, cujo procedimento obedecerá às necessárias restrições de sigilo. § 4° O conselho deliberativo, resguardado o sigilo das informações, manterá controle sobre a localização do protegido cujo nome tenha sido alterado. § 5° Cessada a coação ou ameaça que deu causa à alteração, ficará facultado ao protegido solicitar ao juiz

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que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a tais pessoas. Elucida o autor, que nesses casos a alteração do nome se sustenta pela gravidade da ameaça ou coação sofrida pela testemunha, enquanto que aos egressos do sistema prisional “o fundamento do pedido será a violação ao direito que tem tais pessoas, de voltarem ao convívio social, de terem uma vida digna, sem invasões à sua privacidade, devido à exposição de seus nomes pela mídia, os tratando como eternos criminosos.”24 Importante frisar que a alteração do nome no caso dos egressos não excluiria seus maus antecedentes, eis que os órgãos governamentais ainda teriam acesso a essas informações, impedindo tão somente a mídia e terceiros desinteressados, em invadir a vida privada do ex-condenado. Perceptível nos moldes supra, que já existe a preocupação de como dar aplicabilidade ao direito ao esquecimento na seara da reabilitação e estigmatização de ex-carcerários, visto o vazio normativo acerca do tema. Desta forma, é necessário ter em mente que a efetivação do direito de “não ser lembrado” na busca pela ressocialização dos egressos do sistema carcerário não é somente um meio de alcançar a finalidade da norma penal, mas sim, um caminho para trazer de volta ao convívio social cidadãos outrora excluídos, e consequentemente alcançar um convívio em sociedade mais harmônico e seguro.

4.4 PONDERAÇÕES ACERCA DA (IN) APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

No conflito entre a liberdade de informação e direitos da personalidade, nos quais se sustentam a proteção da pessoa humana, eventual prevalência pelos segundos, após realizada a necessária ponderação para o caso concreto, encontraria óbice no dispositivo da censura, vedada esta pela Constituição Federal vigente, primeiro obstáculo a concretização do direito de ser esquecido (SALOMÃO, 2013). Além disso, não há duvidas de que a história é patrimônio imaterial do povo e nela se apresentam os mais variados acontecimentos e personagens que marcarão

competente o retorno à situação anterior, com a alteração para o nome original, em petição que será encaminhada pelo conselho deliberativo e terá manifestação prévia do Ministério Público. 24

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os traços culturais de determinada época, conferindo assim, certa previsibilidade ao futuro. Nessa linha de raciocínio, ressalva Salomão (2013) que recordar crimes de outrora, pode proporcionar uma análise de como a sociedade e o próprio homem, evoluem ou regridem quanto a seus valores éticos, humanitários, e até mesmo o modo como se encaminha a criminologia. Inclusive, existem aqueles que buscam o caminho inverso ao esquecimento, relembrando constantemente suas tragédias pessoais vivenciadas, na intenção de reivindicar mudanças do sistema criminal. É o que se pode verificar no caso da Sra. Maria

da

Penha

Maia

Fernandes,

que

recorreu

inclusive

a

organismos

internacionais, dos quais decorreram as reformas legislativas concernentes à punição e prevenção de violência doméstica e familiar contra a mulher, acomodadas na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Ora, se o direito ao esquecimento encontra tantos embaraços à sua aplicabilidade, por que, ou em que casos, o mesmo deve prevalecer e tomar forma no caso concreto? Para Martinez (2014), o simples motivo de um fato pretérito ter sido um crime não é bastante para outorgar a irrestrita liberdade de informação sobre o mesmo. Entende o autor, que o direito ao esquecimento alcança os fatos delituosos em que ficar demonstrada que a divulgação da informação pretendida não trará qualquer utilidade prática à sociedade em razão da ação do tempo. No tocante à liberdade de imprensa, Salomão (2013)25 derruba a ideia de que a imprensa cumpre função social de esclarecer os cidadãos, reportando-lhes a verdade de forma desinteressada e neutra, visto que como empresas que são, detém o lucro como objetivo maior e, por vezes, ultrapassam os limites de sua liberdade, violando os direitos da pessoa: Há, de fato, crimes históricos e criminosos famosos, mas também há crimes e criminosos que se tornaram artificialmente históricos e famosos, obra da exploração midiática exacerbada e de um populismo penal satisfativo dos prazeres primários das multidões, que simplifica o fenômeno criminal às estigmatizadas figuras do bandido vs. cidadão de bem.

A influência da mídia, não raro, influência inclusive nos julgamentos de crimes submetidos a júri popular. Na esfera da ressocialização, o direito de ser deixado em paz no sentido de ser respeitado em seu desejo de ficar só com os seus dados, controlando o que 25

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quer, pretende e aceita seja exposto ao público, não confere a ninguém o direito de apagar os fatos ou reescrevê-los, mas garante a possibilidade de discutir o uso e a finalidade que é dada a fatos consolidados no tempo. Assim, não restam dúvidas que apesar da boa intenção visualizada em utilizar-se do direito ao esquecimento para auxiliar na ressocialização de excondenados e consequentemente livrá-los dos estigmas deixados pelo cárcere, existem diversos óbices que deverão ser avaliados previamente, o que só poderá ser feito quando da análise do caso concreto.

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5 CONCLUSÃO

O presente trabalho de conclusão de curso, investigou acerca do direito ao esquecimento, buscando averiguar se esse novo instituto jurídico possui efetividade no que tange à reabilitação de egressos do sistema carcerário. Viu-se que o “direito de não ser lembrado” apesar de autônomo, é basilado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e nos direitos constitucionais da personalidade como à honra, à liberdade, à imagem e à privacidade, bem como que esses se encontram diretamente relacionados à projeção da pessoa na sociedade na qual está inserida. Contatou-se

que

as

modificações

tecnológicas

dos

últimos

tempos

revolucionaram o modo de vida e o comportamento entre os homens, ao passo que a facilidade de comunicação e a velocidade na transferência de dados, estreitou as barreiras entre os mesmos, que hoje se utilizam da internet como ferramenta de pesquisa, estudo, interação e lazer. Porém, que juntamente às inúmeras vantagens trazidas pelos avanços da ciência, operam-se novos desafios. A capacidade ilimitada de armazenamento de dados e a possibilidade de recuperá-los a qualquer momento, possibilita que fatos já consolidados e esquecidos pelo decurso do tempo sejam reavivados e atinjam a memória individual daqueles que buscavam superar tal acontecimento. Neste contexto se sustenta o direito de ser esquecido, visto que age como meio de defesa aos particulares que desejam proibir a veiculação de fatos pretéritos, eis que quando divulgados, acarretam-lhes sofrimento, angústia e transtornos, sem qualquer ganho evidente à sociedade. Ou seja, funciona como mecanismo de isolamento direcionado à informação intertemporal. A pesquisa demonstrou ainda, que a despeito da inexistência de expressa normatização legal do direito ao esquecimento, o mesmo já é reconhecido como instituto de direito pelos Tribunais Superiores, tendo sido, inclusive, tema do enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, realizada no ano de 2013. Além disso, o instituto da reabilitação previsto no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, bem como a limitação temporal ao uso de informações cadastrais negativas contemplado pelo Código de Defesa do Consumidor, nada mais são que meios de manifestação do direito em debate. Por seu turno, apurou-se que a pena privativa de liberdade, em conjunto com

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o sistema carcerário, não obtém êxito no que lhes cabe reabilitar o apenado e reinseri-lo novamente no convívio em sociedade, visto que a repercussão midiática sobre alguns crimes é tamanha, que mesmo após o cumprimento de sua “dívida” para com a justiça e a sociedade, permanecem eternamente taxados como criminosos. Não obstante a rejeição social, reconhecer que os egressos são verdadeiros cidadãos titulares de direitos que precisam ser exercidos, não é só uma medida de humanidade, de cumprimento ao texto constitucional, de evolução democrática, de promoção da fraternidade, mas sim, o caminho mais consciente para que se possa ter uma sociedade verdadeiramente mais segura. O benefício dessa convicção aproveitará a toda à comunidade social, não aos apenados somente. Restou claro que, embora já haja o reconhecimento do direito ao esquecimento como novo direito da personalidade, garantidor da dignidade da pessoa humana, em especial aos egressos do sistema carcerário, e limitador do direito à informação, este não dispõe de meios eficazes e legalmente reconhecidos para que possa ser colocado em prática. Por fim, ficou evidenciado no presente trabalho, que embora o direito ao esquecimento não esteja restrito à área penal, é nela que se vislumbram as possibilidades mais palpáveis desse direito ganhar forma no caso concreto. Os poucos doutrinadores a tecer sugestões acerca da regulamentação desse direito, o fizeram no campo direito penal, com vistas a ressocialização dos egressos do sistema carcerário. Em igual sentido, o Ministro Salomão não deixa margem à dúvida quando, em semelhantes ações de indenização movidas em desfavor da TV Globo Ltda, em virtude de levar a público fato pretérito já superado, por meio do programa “Linha Direta Justiça”, condenou a empresa de comunicação somente no caso em que o nome e a imagem do autor foram relembrados como se criminoso fosse. Ora, se a pena não pode ultrapassar a pessoa do preso, tampouco devem as penas possuir caráter perpétuo, nada mais sensato que a o direito de ser deixado em paz, de estar só, de ser esquecido e superado o fato que não trará qualquer benefício quando reavivado, possa efetivamente contribuir para a ressocialização dos egressos, ainda que necessário maior estudo e dedicação do legislador sobre o tema.

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