A (in)comunicabilidade das cotas de sociedades de advogados: comentários ao acórdão do REsp 1.531.288/RS

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2016 - 12 - 21

Revista de Direito Civil Contemporâneo 2016

RDCC VOL. 9 (OUTUBRO - DEZEMBRO 2016) JURISPRUDÊNCIA COMENTADA SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. PARTILHA – CÔNJUGE, CASADA COM COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, QUE PLEITEIA O DIREITO À SOBREPARTILHA DO CONTEÚDO ECONÔMICO DAS QUOTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE ADVOCATÍCIA ENTÃO PERTENCENTES AO EX-MARIDO FALECIDO

2. PARTILHA – Cônjuge, casada com comunhão universal de bens, que pleiteia o direito à sobrepartilha do conteúdo econômico das quotas sociais de sociedade advocatícia então pertencentes ao ex-marido falecido STJ - REsp 1.531.288 /Estado do Rio Grande do Sul - 3.ª Turma - j. 24.11.2015 - v.u. - Rel. Marco Aurélio Bellizze Oliveira - DJe 17.12.2015 - Área do Direito: Societário; Família e Sucessões. PARTILHA - Cônjuge, casada com comunhão universal de bens, que pleiteia o direito à sobrepartilha do conteúdo econômico das quotas sociais de sociedade advocatícia então pertencentes ao ex-marido falecido - Admissibilidade Aquisição de participação em sociedade simples que se deu na constância do casamento e adveio naturalmente dos esforços e bens comuns dos consortes - Valor, ademais, que compõe o patrimônio pessoal de seu titular e pode, eventualmente, ser objeto de divisão.

Veja também Doutrina AS SOCIEDADES SIMPLES DO NOVO CÓDIGO CIVIL, de Marlon Tomazette - RT 800/2002/36 DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO. PARTILHA DE COTAS DE SOCIEDADE, de Silmara Juny de Abreu Chinellato - RDCC 1/2014/289

REsp 1.531.288 – RS (2015/0102858-8). Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Recorrente: S. S. L. – advogados: Maria Luiza Ahrends e outros, Fausto Alves Lélis Neto, e Marcelo Ahrends Maraninchi e outros. Recorrido: A. C. S. M. – advogados: Paulo Macedonia Pereira e outros. Ementa Ementa Oficial: 1) Recurso especial. Ação de sobrepartilha. Pretensão de partilhar quotas sociais da sociedade de advogados então pertencentes ao varão. Possibilidade de divisão do conteúdo econômico da participação societária (não se lhe conferindo o direito à dissolução compulsória da sociedade, para tal propósito). Recurso especial provido. 1. A partir do modo pelo qual a atividade profissional intelectual é desenvolvida – com ou sem organização de fatores de produção – será possível identificar o empresário individual ou sociedade empresarial; ou o profissional intelectual ou sociedade uniprofissional. De se ressaltar, ainda, que, para a definição da natureza da sociedade, se empresarial ou simples, o atual Código Civil ( LGL 2002\400 ) apenas aparta-se desse critério (desenvolvimento de atividade econômica própria de empresário) nos casos expressos em lei , ou em se tratando de sociedade por ações e cooperativa, hipóteses em que necessariamente serão empresária e simples, respectivamente.

1.1 Especificamente em relação às sociedades de advogados, que naturalmente possuem por objeto a exploração da atividade profissional de advocacia exercida por seus sócios, estas são concebidas como sociedade simples por expressa determinação legal, independente da forma que como venham a se organizar (inclusive, com estrutura complexa). 2. Para os efeitos perseguidos na presente ação (partilha das quotas sociais), afigura-se despiciendo perquirir a natureza da sociedade, se empresarial ou simples, notadamente porque, as quotas sociais – comuns às sociedades simples e às empresariais que não as de ações – são dotadas de expressão econômica, não se confundem com o objeto social, tampouco podem ser equiparadas a proventos, salários ou honorários, tal como impropriamente procedeu à instância precedente. Esclareça-se, no ponto, que a distinção quanto à natureza da sociedade, se empresarial ou simples, somente teria relevância se a pretensão de partilha da demandante estivesse indevidamente direcionada a bens incorpóreos, como a clientela e seu correlato valor econômico e fundo de comércio, elementos típicos de sociedade empresária, espécie da qual a sociedade de advogados, por expressa vedação legal, não se insere. 3. Ante a inegável expressão econômica das quotas sociais, a compor, por consectário, o patrimônio pessoal de seu titular, estas podem, eventualmente, ser objeto de execução por dívidas pessoais do sócio, bem como de divisão em virtude de separação/divórcio ou falecimento do sócio. 3.1 In casu, afigura-se incontroverso que a aquisição das quotas sociais da sociedade de advogados pelo recorrido deu-se na constância do casamento, cujo regime de bens era o da comunhão universal. Desse modo, se a obtenção da participação societária decorreu naturalmente dos esforços e patrimônios comuns dos então consortes, sua divisão entre os cônjuges, por ocasião de sua separação, é medida de justiça e consonante com a lei de regência. 3.2 Naturalmente, há que se preservar o caráter personalíssimo dessas sociedades, obstando-se a atribuição da qualidade de sócio a terceiros que, nessa condição, não detenham com o demais a denominada affectio societatis. Inexistindo, todavia, outro modo de se proceder à quitação do débito ou de implementar o direito à meação ou à sucessão, o direito destes terceiros (credor pessoal do sócio, ex-cônjuge e herdeiros) são efetivados por meio de mecanismos legais (dissolução da sociedade, participação nos lucros, etc.) a fim de amealhar o valor correspondente à participação societária. 3.3 Oportuno assinalar que o atual Código Civil ( LGL 2002\400 ) , ao disciplinar a partilha das quotas sociais em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do divórcio, apenas explicitou a repercussão jurídica de tais fatos, que naturalmente já era admitida pela ordem civil anterior. E, o fazendo, tratou das sociedades simples, de modo a tornar evidente o direito dos herdeiros e do cônjuge do sócio em relação à participação societária deste e, com o notável mérito de impedir que promovam de imediato e compulsoriamente a dissolução da sociedade , conferiu-lhes o direito de concorrer à divisão periódica dos lucros. 4. Recurso especial provido, para, reconhecendo, em tese, o direito da cônjuge, casada em comunhão universal de bens, à partilha do conteúdo econômico das quotas sociais da sociedade de advogados então pertencentes ao seu ex-marido (não se lhe conferindo, todavia, o direito à dissolução compulsória da sociedade), determinar que o Tribunal de origem prossiga no julgamento das questões remanescentes veiculadas no recurso de apelação. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da 3.ª T. do STJ, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (presidente) votaram com o Sr. Ministro relator. Brasília, 24 de novembro de 2015 – MARCO AURÉLIO BELLIZZE, relator. RELATÓRIO O Sr. Min. Marco Aurélio Bellizze: S. S. L. interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c , do

permissivo constitucional, em contrariedade ao acórdão prolatado, à unanimidade, pelo TJRS, assim ementado: “Embargos infringentes. Sobrepartilha. Cotas sociais. Sociedade de advocacia. Descabimento. 1. Não são partilháveis as cotas da sociedade de advogados, que é sociedade personalista de prestação de serviços profissionais, identificadas no Código Civil como sociedades simples, dedicadas ao exercício da profissão de seus integrantes, não se enquadrando como ente empresarial. 2. Somente é viável cogitar de partilha quando há indicativo de abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o que inocorre na espécie. Embargos infringentes desacolhidos. Unânime”. Subjaz ao presente recurso especial ação de sobrepartilha promovida por S. S. L. em face de seu ex-cônjuge, A. C. S. M., tendo por propósito proceder à partilha das cotas do varão na sociedade..., devidamente inscrita na OAB/RS, cuja divisão não foi objeto da partilha extrajudicial realizada entre as partes, quando da separação judicial. Para tanto, em sua exordial, sustentou o cabimento da presente ação, independente da existência de anterior partilha extrajudicial. Aduziu possuir direito à meação da participação societária pertencente ao seu ex-cônjuge adquirida na constância do casamento. Destacou que o requerido, embora tenha formalmente se retirado da sociedade de advogados em dezembro de 1992, na realidade permaneceu a ela associado, retornando aos quadros desta, em abril de 1994, quando já homologada a separação judicial (29.06.1993). Sugeriu, nesse contexto, que o proceder do demandado objetivou obstar a meação ora perseguida, relativa à sua participação societária na sociedade de advogados retrocitada. Aduziu, ainda, que, como não é advogada, tampouco pode ser obrigada a manter sua propriedade em condomínio, impende seja indenizada pela metade do valor da cota pertencente ao seu ex-cônjuge, a ser apurado em liquidação (e-STJ, f.). O demandado, em sua peça contestatória, rechaçou integralmente a pretensão posta na exordial. Assinalou que a constituição de sociedade de pessoas para o exercício da profissão comum aos seus sócios (a advocacia), para os fins perseguidos na presente ação, não pode ter o mesmo tratamento legal ofertado a qualquer outro tipo societário. Ressaltou que, nos termos do art. 1.642 do CC/1916, independente do regime de bens, “tanto o marido quanto a mulher podem livremente praticar os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão”. Aduziu que, em lapso consideravelmente anterior à homologação da separação judicial, retirou-se da sociedade de advogados (ato lícito e devidamente declarado em seu informe fiscal de rendimentos do respectivo ano), sendo certo que o produto da venda de sua participação societária passou a integrar seu patrimônio, partilhado como um todo. Ressaltou, no ponto, que, conforme acordado na partilha extrajudicial, cada um dos separandos ficou com seus respectivos saldos bancários e acervos de trabalho. Aduziu que a nova participação societária adquirida tempos depois da homologação da partilha pertence exclusivamente a quem a adquiriu, não comportando, sobre ela, por conseguinte, sobrepartilha (e-STJ, f.). O r. Juízo da 8.ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre/RS julgou o pedido procedente, para “fazer integrar no acervo patrimonial partilhável o valor correspondente às cotas sociais de propriedade do varão, à época do término da relação conjugal, em maio de 1992, na proporção de 50% para cada parte, o que deve ser objeto de apuração em sede de liquidação de sentença” (e-STJ, f.). Em contrariedade à sentença, A. C. S. M. interpôs recurso de apelação, ao qual a 8.ª Câm. Cível do TJRS conferiu provimento, em acórdão assim ementado: “Apelações cíveis. Agravo retido. Ausência de reiteração nas razões. Inadmissibilidade. Cerceamento de defesa. Superação, nos termos do art. advocacia. Descabimento.

249, § 2.º, do

CPC. Sobrepartilha. Cotas sociais. Sociedade de

1. Não se conhece de agravo retido cuja apreciação pela Corte não reiterada expressamente nas razões recursais.

2. Nos termos do art. 249, § 2.º, do CPC, é possível afastar a preliminar de nulidade da sentença quando o mérito favorece a quem aproveitaria a nulidade. 3. Não são partilháveis as cotas da sociedade de advogados, personalistas de prestação de serviços profissionais, identificadas no Código Civil como sociedades simples, dedicada ao exercício da profissão de seus integrantes, e que não se enquadram como ente empresarial. 4. Consequentemente, invertidos os ônus sucumbenciais, não pode ser acolhido o pleito de sua majoração formulado pela autoral. Agravo retido não conhecido. Apelo do réu provido. Apelação da autora desprovida”. Opostos embargos de declaração pela demandante, estes foram acolhidos, com efeito infringente, para, conhecer do agravo retido, ante e efetiva reiteração de suas razões, e negar-lhe provimento (e-STJ, f.). Os sucessivos aclaratórios opostos pelo demandado restaram desacolhidos (e-STJ, f.). Ante a divergência de votos, S. S. L. opôs embargos infringentes, que foram desacolhidos, à unanimidade, pelo 4.º Grupo Cível do TJRS, nos termos da ementa inicialmente reproduzida (e-STJ, f.). Opostos embargos de declaração pelas partes adversas (e-STJ, f.), o Tribunal de origem rejeitou-os (e-STJ, f.). Nas razões do presente recurso especial, S. S. L. aponta violação dos arts. 165, 458, II, 535, II, do 263 do

CC/1916 e 1.659, VI, do

CPC; 262 e

CC/2002, além de dissenso jurisprudencial (e-STJ, f.).

Sustenta, preliminarmente, negativa de prestação jurisdicional, sob o argumento de que, embora instado por meio de seus aclaratórios, o Tribunal de origem deixou de aclarar que os proventos citados na lei não se estendem à participação societária da sociedade de advogados que o varão detinha à época da separação do casal. Afirma, no ponto, que o julgado se ressente de fundamentação suficiente e idônea. No mérito, afirma que “os litigantes foram casados pelo regime da comunhão universal de bens, tendo o varão passado a integrar a sociedade de advogados durante o casamento, daí porque se tratando de bem adquirido na constância da vida matrimonial, se comunica com a varoa”. Rechaça a interpretação conferida pelo aresto impugnado, asseverando que “as quotas sociais, que ao fim e ao cabo, têm correspondência nos ativos e passivos da sociedade, não se confundem com o pró-labore ou mesmo distribuição de lucros que inclusive pode não observar a participação percentual no capital social. Destaca, assim, que proventos (honorários) distinguem-se da participação societária, que deve ser compreendido como patrimônio, que, como tal, é partilhável. Por fim, suscita dissenso jurisprudencial (e-STJ, f.). O recorrido apresentou contrarrazões às f. (e-STJ). Em Juízo de prelibação, o Tribunal de origem conferiu seguimento à insurgência, razão pela qual o recurso especial ascendeu a esta Corte de Justiça (e-STJ, f.). É o relatório. VOTO O Sr. Min. Marco Aurélio Bellizze (relator): Debate-se no presente recurso especial se as quotas da sociedade de advogados, da qual o varão é sócio, seriam ou não passíveis de partilha, por ocasião da separação dos cônjuges, então casados sob o regime de comunhão universal de bens. Controverte-se, nesse contexto, se as aludidas quotas ostentariam, tal como reconhecido pelo Tribunal de origem, a natureza de proventos do trabalho pessoal do cônjuge, e, como tal, seriam incomunicáveis. Antes, propriamente, de adentrar nas razões recursais, afigura-se relevante anotar, para bem delimitar a controvérsia, bem como os consectários de seu deslinde , que o Tribunal de origem, coerente com a compreensão por ele adotada de que as quotas sociais não seriam passíveis de partilha, não se imiscuiu nas

questões remanescentes vertidas no recurso de apelação de A. C. S. M., especificamente no tocante (i) à nulidade da sentença; e (ii) à alegação de que o insurgente, por ocasião de sua retirada da sociedade de advogados e consequente venda de sua participação acionária (em dezembro de 1992), ainda vivia maritalmente com a demandante S. dos S. de L., a ensejar a conclusão – segundo alegado – de que o respectivo produto foi considerado na partilha extrajudicial posteriormente levada a efeito pelas partes, quando de sua separação definitiva, ocorrida em maio de 1993. Efetivamente, ante a compreensão de que as quotas sociais sequer seriam passíveis de partilha, afigurou-se, sob esse prisma, despiciendo o enfrentamento das aludidas questões, que foram naturalmente abordadas na sentença de procedência do subjacente pedido de sobrepartilha. Por conseguinte, a reforma desse entendimento, segundo o voto que ora se propõe, ensejará o retorno dos autos para que a Corte estadual prossiga na análise das matérias em destaque, vertidas no recurso de apelação de A. C. S. M., de modo a exaurir a prestação jurisdicional naquela instância. De todo modo, do exposto, constata-se que o Tribunal de origem enfrentou, segundo seu entendimento devidamente fundamentado, as questões relevantes ao deslinde da controvérsia, deixando todavia de,no mérito, acolher os argumentos expendidos pela ora insurgente, o que, a toda evidência, não encerra qualquer vício de julgamento constante do art. 535 do

CPC.

Feito esse esclarecimento, e, conforme já antecipado, tem-se que o Tribunal de origem, ao reputar incomunicável, por ocasião da partilha, a participação societária do cônjuge na sociedade de advogados, a ela atribuindo a natureza de provento de trabalho, permissa venia, não conferiu à causa desfecho adequado, em descompasso com a lei de regência. Pela pertinência ao deslinde da controvérsia, releva transcrever os fundamentos adotados pelo Tribunal de origem: “(...) Com efeito, a insurgência posta nos presentes embargos infringentes diz respeito à pretensão da virago de partilhar as cotas do varão na sociedade de advogados... No entanto, tal como entendeu a douta maioria, tenho também que não são partilháveis as cotas da sociedade de advogados, que é uma sociedade personalista de prestação de serviços profissionais,identificadas no Código Civil ( LGL 2002\400 ) como sociedades simples, dedicadas ao exercício da profissão de seus integrantes, não se enquadrando como ente empresarial. Nesse sentido, vale destacar que o art. 966 do CC, dispõe que:

‘Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa’. A rigor, somente é viável cogitar de partilha quando há indicativo de abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o que inocorre na espécie. (...) Dessa forma, como disse, não são partilháveis as cotas da sociedade de advogados, pois não se enquadram como ente empresarial. Com esse mesmo enfoque, destaco também a pertinência dos argumentos expendidos no lúcido parecer ministerial, de lavra do ilustre Procurador de Justiça José Barrôco de Vasconcelos, que peço vênia para transcrever, in verbis: ‘Os embargos infringentes devem ser desacolhidos. Na espécie, tenho que não devem integrar a divisão de bens

as cotas do embargado na sociedade ‘...’, devendo ser julgado improcedente o pedido de sobrepartilha. Isso porque, tais cotas têm natureza de provento do trabalho pessoal do cônjuge varão, na forma dos arts. 263, XIII, do CC/1916 ( LGL 1916\1 ) (revogado) e 1.659, VI, do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) , não havendo comunicabilidade por ocasião da partilha. (...) Além disso, a sociedade de advogados se constitui numa sociedade personalista de prestação de serviços profissionais (sociedade simples), não podendo ser equiparada como ente empresarial’”. Como se constata, segundo a fundamentação expendida pela instância precedente, a impossibilidade de partilhar as cotas sociais decorreria do fato de a sociedade de advogado não ser caracterizada como empresarial, tendo por objeto justamente a exploração da atividade profissional de seus sócios. Sem respaldo legal, todavia, tal exegese. De plano, releva consignar ser inquestionável que as quotas sociais , seja de uma sociedade empresarial, seja de uma sociedade simples, além de serem dotadas de expressão econômica, não se confundem com a atividade econômica desenvolvida pela sociedade (objeto social). Por quotas sociais compreende-se a parcela do capital social (expresso em moeda corrente nacional e destinado, em linhas gerais, à consecução do objeto social), a ser, segundo o contrato social, compulsoriamente integralizada pelo pretenso sócio. Por sua vez, o objeto da sociedade consubstancia a finalidade para a qual esta foi constituída, destinando-se, via de regra, a implementar, desenvolver e explorar determinada atividade econômica. Veja-se, portanto, que a participação societária distingue-se nitidamente da atividade econômica propriamente desenvolvida pela sociedade. Ainda que o objeto social consista na exploração da atividade profissional intelectual de seus sócios, a participação societária de cada qual, de modo algum, pode ser equiparada à proventos, rendimentos ou honorários, compreendidos estes como a retribuição pecuniária pela prestação de determinado serviço ou trabalho. Feitos esses apontamentos, tem-se terreno fértil para se reconhecer a absoluta irrelevância, para o específico efeito perseguido na presente ação (qual seja, o de partilhar quotas sociais, de inegável expressão econômica), saber se a correlata sociedade tem por objeto social a exploração de atividade empresarial, assim compreendida como a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, ou de atividade profissional de seus sócios ( sociedades uniprofissionais ). Aliás, ainda que não seja a regra, afigura-se possível que a sociedade que tenha por objeto a exploração da atividade profissional intelectual vir a ser caracterizada como empresarial, desde que, nos termos da dicção legal, o exercício da profissão constitua elemento da empresa. Nesse caso, o empresário (seja o individual, seja a sociedade), para explorar a referida atividade econômica, organiza e estrutura os diversos fatores de produção nos quais se inserem o exercício em si da profissão, desvinculando-a, inclusive, da pessoa do sócio que, eventualmente, a desempenhe. É o que, claramente, se extrai da conjugação dos arts. 966, 967 e 982 do

CC/2002, in verbis:

“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples,

a cooperativa”. Denota-se, pois, que, a partir do modo pelo qual a atividade profissional intelectual é desenvolvida – com ou sem organização de fatores de produção – será possível identificar o empresário individual ou sociedade empresarial; ou o profissional intelectual ou sociedade uniprofissional . De se ressaltar, ainda, que, para a definição da natureza da sociedade, se empresarial ou simples, o atual Código Civil apenas aparta-se desse critério (desenvolvimento de atividade econômica própria de empresário) nos casos expressos em lei , ou em se tratando de sociedade por ações e cooperativa, hipóteses em que necessariamente serão empresária e simples, respectivamente. Especificamente em relação às sociedades de advogados, que naturalmente possuem por objeto a exploração da atividade profissional de advocacia exercida por seus sócios, estas são concebidas como sociedade simples por expressa determinação legal, independente da forma que como venham a se organizar (inclusive, com estrutura complexa). É o que dispõem os arts. 15 e 16 da Lei 8.906/1994 (que disciplina o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), ao assentarem que a sociedade de advogados consubstancia uma “sociedade civil” de prestação de serviço de advocacia, conforme denominação então adotada pelo Código Civil de 1916 (atualmente, sociedade simples, na dicção do Código Civil de 2002), sendo vedada a apresentação de forma ou características mercantis. Os dispositivos legais assim preceituam: “Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta lei e no regulamento geral. Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar”. Como assinalado, para os efeitos perseguidos na presente ação (partilha das quotas sociais), afigura-se despiciendo perquirir a natureza da sociedade, se empresarial ou simples, notadamente porque, as quotas sociais – comuns às sociedades simples e às empresariais que não as de ações – são dotadas de expressão econômica, não se confundem com o objeto social, tampouco podem ser equiparadas a proventos, salários ou honorários, tal como impropriamente concluiu a instância precedente. Esclareça-se, no ponto, que a distinção quanto à natureza da sociedade, se empresarial ou simples, somente teria relevância se a pretensão de partilha da demandante estivesse indevidamente direcionada a bens incorpóreos, como a clientela e seu correlato valor econômico e fundo de comércio, elementos típicos de sociedade empresária, espécie da qual a sociedade de advogados, por expressa vedação legal , não se insere. A propósito, destacam-se precedentes destas Corte de Justiça, em que se refutaram, em relação à sociedade simples, a possibilidade de partilha de elementos típicos de sociedade empresária, tais como clientela e fundo do comércio: “Recurso especial. Sociedades empresárias e simples. Sociedades de advogados. Atividade econômica não empresarial. Prestação de serviços intelectuais. Impossibilidade de assumirem caráter empresarial. Lei 8.906/1994.

Estatuto da OAB. Alegação de omissão do acórdão recorrido afastada. Impossibilidade de análise

de cláusulas contratuais. Súmulas

5 e

7 do STJ.

1. Não há falar em omissão ou contradição no acórdão recorrido quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame tiver sido devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, com pronunciamento fundamentado, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. De acordo com o Código Civil ( LGL 2002\400 ) , as sociedades podem ser de duas categorias: simples e empresárias. Ambas exploram atividade econômica e objetivam o lucro. A diferença entre elas reside no fato de a

sociedade simples explorar atividade não empresarial, tais como as atividades intelectuais, enquanto a sociedade empresária explora atividade econômica empresarial, marcada pela organização dos fatores de produção (art. 982 do CC). 3. A sociedade simples é formada por pessoas que exercem profissão do gênero intelectual, tendo como espécie a natureza científica, literária ou artística, e mesmo que conte com a colaboração de auxiliares, o exercício da profissão não constituirá elemento de empresa (III Jornada de Direito Civil, Enunciados n. 193, 194 e 195). 4. As sociedades de advogados são sociedades simples marcadas pela inexistência de organização dos fatores de produção para o desenvolvimento da atividade a que se propõem. Os sócios, advogados, ainda que objetivem lucro, utilizem-se de estrutura complexa e contem com colaboradores nunca revestirão caráter empresarial, tendo em vista a existência de expressa vedação legal (arts. 15 a 17 Lei 8.906/1994). 5. Impossível que sejam levados em consideração, em processo de dissolução de sociedade simples, elementos típicos de sociedade empresária, tais como bens incorpóreos, como a clientela e seu respectivo valor econômico e a estrutura do escritório. 6. Sempre que necessário o revolvimento das provas acostadas aos autos e a interpretação de cláusulas contratuais para alterar o julgamento proferido pelo Tribunal a quo , o provimento do recurso especial será obstado, ante a incidência dos enunciados das Súmulas 5 e 7 do STJ. 7. Recurso especial a que se nega provimento” (REsp 1227240/SP, 4.ª T., j. 26.05.2015, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 18.06.2015). “Recurso especial. Ação de apuração de haveres. Resolução da sociedade em relação a um sócio. Sociedade não empresária. Prestação de serviços intelectuais na área de engenharia. Fundo de comércio. Não caracterização. Exclusão dos bens incorpóreos do cálculo dos haveres. Recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido” (REsp 958.116/PR, 4.ª T., j. 22.05.2012, rel. Min. João Otávio de Noronha, rel. p/ acórdão Min. Raul Araújo, DJe 06.03.2013). Em se tratando de sociedade simples, como é o caso da sociedade de advogados, curial inferir o tratamento legal a ela conferido, notadamente no tocante à participação societária de cada sócio. O Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, tratou das sociedades civis (atualmente, denominadas de sociedades simples), sem abordar especificamente – tal como procedeu o atual Código Civil ( LGL 2002\400 ) – o modo pelo qual se daria a execução das quotas sociais pelos credores pessoais do sócio, ou a partilha destas em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do divórcio. Não obstante, de seus termos (arts. 1.363, 1.364, 1.365 e 1.376 do CC/1916) infere-se nitidamente – como não poderia deixar de ser – o conteúdo econômico das quotas sociais, as quais, por questão conceitual, não se confundem com o objeto da sociedade, tampouco se traduzem em prestação pecuniária decorrente do exercício da atividade profissional pela sociedade desenvolvida (proventos, salários ou honorários). Ante a inegável expressão econômica das quotas sociais, a compor, por consectário, o patrimônio pessoal de seu titular, estas podem, eventualmente, ser objeto de execução por dívidas pessoais do sócio, bem como de divisão em virtude de separação/divórcio ou falecimento do sócio. Aliás, in casu, afigura-se incontroverso que a aquisição das quotas sociais da sociedade de advogados pelo recorrido deu-se na constância do casamento, cujo regime de bens era o da comunhão universal. Por consectário, sobressai evidenciado dos autos que a obtenção da participação societária – que, como assinalado, detém inegável conteúdo econômico – adveio naturalmente dos esforços e patrimônios comuns dos então consortes, o que, per si, evidencia ser o referido bem passível de divisão entre os cônjuges. Naturalmente, há que se preservar o caráter personalíssimo dessas sociedades, obstando-se a atribuição da qualidade de sócio a terceiros que, nessa condição, não detenham com o demais a denominada affectio societatis. Inexistindo, todavia, outro modo de se proceder à quitação do débito ou de implementar o direito à meação ou à sucessão, o direito destes terceiros (credor pessoal do sócio, ex-cônjuge e herdeiros) são efetivados

por meio de mecanismos legais (dissolução da sociedade,participação nos lucros, etc.) a fim de amealhar o valor correspondente à participação societária. Oportuno assinalar que o atual Código Civil, ao disciplinar a partilha das quotas sociais em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do divórcio, apenas explicitou a repercussão jurídica de tais fatos, que naturalmente já era admitida pela ordem civil anterior. O Código Civil de 2002, ao tratar das sociedades simples, de modo a tornar evidente o direito dos herdeiros e do cônjuge do sócio em relação à participação societária deste, e com o notável mérito de impedir que promovam de imediato e compulsoriamente a dissolução da sociedade, conferiu-lhes o direito de concorrer à divisão periódica dos lucros, nos seguintes termos: “ TÍTULO II Da Sociedade Personificada CAPÍTULO I Da Sociedade Simples (...) Seção IV Das Relações com Terceiros Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade ”. Em reconhecimento à possibilidade de se partilhar as quotas sociais de uma sociedade simples, em virtude da separação da separação dos cônjuges, a depender do regime de bens eleito pelos então consortes, a especializada doutrina, em comentários aos dispositivos legais acima transcritos, não diverge, conforme se depura dos seguintes escólios: “ (...) Por constituírem bens dotados de expressão econômica, afigura-se possível a partilha de quotas sociais na dissolução da sociedade conjugal do sócio ou de morte de seu cônjuge, quando se atribui aos herdeiros a parcela que lhe é devida em razão da meação. Tal divisão dependerá do regime de bens adotado. (v. arts. 1.639 e ss.). A norma objetiva preservar o patrimônio social, a evitar a descapitalização que o pagamento de ativos para todos os envolvidos geraria (Arnoldo Wald, Comentários , p. 221). Privilegiou o legislador a conservação da atividade econômica e visou a evitar que nela se inserissem pessoas estranhas e indesejadas pelos sócios, a garantir a manutenção da affectio societatis (Sérgio Campinho, O direito de empresa , p. 119). Dessa forma, estabelece o Código Civil ( LGL 2002\400 ) que, ao invés de se proceder, como na hipótese de morte de sócio (...), à resolução da sociedade em relação ao de cujus , manter-se-á como sócio o cônjuge que anteriormente era titular da quota, a impedir, assim, que herdeiros do ex-cônjuge falecido ou o ex-cônjuge se insiram na sociedade. Para tanto, garante-se aos herdeiros e ao ex-cônjuge apropriação periódica dos lucros até que ocorra a dissolução da sociedade, sem permitir que nela se insiram. Partilha-se o conteúdo econômico das quotas sociais entre os interessados ao se garantir rateio dos lucros; todavia, os demais direitos derivados das quotas sociais, tais como direitos de voto, permanecem com o sócio original” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bondim de. Código Civil interpretado conforme a

Constituição da República . 2. ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2014. vol. III. p. 119). “Tendo em conta a situação de obrigações e dívidas dos sócios mantidas com terceiros, o presente artigo, de maneira inovadora, considera duas hipóteses, tentando delimitar totalmente suas consequências diante da pessoa jurídica. No caso de sócio contratante casado, uma comunhão de bens, de acordo com o regime de bens estabelecido, pode ter surgido e, uma vez extinta a comunhão e realizada partilha em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do divórcio, serão conferidos direitos aos herdeiros do cônjuge falecido ou a seu cônjuge separado ou divorciado, entre os quais, conforme o caso, podem estar incluídos aqueles relativos à quota social. Está vedada, nesse passo, a atribuição da própria quota social, não podendo os herdeiros do cônjuge falecido ou o cônjuge separado ou divorciado exigir sua imediata e automática admissão no quadro social, uma vez que a sociedade simples é sempre contratada intuitu personae . A partilha só poderá ter como objeto o direito à percepção dos lucros, a serem distribuídos ao final de cada exercício, se for apurado resultado positivo. Apenas quando a sociedade for dissolvida e entrar em liquidação, eles poderão participar da divisão dos bens componentes do capital social e perceber as quantias remanescentes. Foi dispensado, portanto, aos herdeiros do cônjuge falecido do sócio ou a seu cônjuge separado ou divorciado tratamento diferenciado com relação aos credores comuns do sócio, (...), restringindo-lhes os meios de satisfazer seus direitos pessoais à quota social de titularidade daquele cuja comunhão foi extinta. Acrescente-se que, apesar de o texto legal não se referir expressamente, o divórcio deve ser englobado em conjunto com a separação judicial, efetivando-se uma interpretação extensiva, pois a alteração patrimonial enfocada deriva da partilha do patrimônio comum, o que pode advir tanto de um quanto de outro fato” (BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. Código Civil ( LGL 2002\400 ) comentado . Ministro Cesar Peluso (coord.). 7. ed. São Paulo, 2013. p. 1011). “(...) o direito do cônjuge que está se separando cinge-se à parcela dos lucros que o sócio (ex-cônjuge) receberá na divisão periódica dos lucros até a dissolução da sociedade. De fato, o direito do cônjuge que está se separando cinge-se à parcela dos lucros que o sócio (ex-cônjuge) receberá na divisão periódica da liquidação social. Apenas quando a sociedade estiver sendo dissolvida é que o separado poderá participar da divisão dos bens componentes do capital social. Observe-se que se as cotas foram, todas, adquiridas na constância do casamento, o separando fará jus à metade do lucro percebido periodicamente. No entanto, se, durante a constância houve, apenas, um aumento de cotas, receberá proporcionalmente àquela cota que ajudou a adquirir” (Farias, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson. Direito das famílias . 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 157). Tudo, portanto, a subsidiar a conclusão de que, em se tratando de sociedade simples, em que o objeto social consiste justamente na exploração da atividade profissional intelectual de seus sócios – no caso, a advocacia exercida por seus sócios – a correlata participação societária, de inegável expressão econômica, é passível de partilha. Na hipótese dos autos, a aquisição das quotas sociais da sociedade de advogados pelo recorrido deu-se na constância do casamento, cujo regime de bens era o da comunhão universal. Desse modo, se a obtenção da participação societária decorreu naturalmente dos esforços e patrimônios comuns dos então consortes, sua divisão entre os cônjuges, por ocasião de sua separação, é medida de justiça e consonante com a lei de regência. Há que se assentar, por fim, que, compreensão diversa, destinada a excluir da comunhão de bens dos cônjuges a participação societária de sociedade simples, conferindo interpretação demasiadamente extensiva aos bens incomunicáveis mencionados nos incs. V e VI do art. 1.659 do CC (“bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão” e “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”) – que, é certo, não se confundem com quotas sociais de sociedade simples –, dá margem à indevida utilização da personalidade jurídica da sociedade, em detrimento do outro cônjuge, a comprometer substancialmente seu direito à meação. Nesse sentido, destaca-se o escólio de Rolf Madaleno: “A interpretação teleológica desse dispositivo deve ser moderada, pois devem ser considerados como próprios e incomunicáveis os livros e instrumentos mínimos necessários ao exercício da profissão, porquanto a sua avaliação extensiva, inevitavelmente, levaria ao abuso, por exemplo daquele médico proprietário de uma clínica com caros e sofisticados equipamentos, todos eles destinados ao exercício de sua profissão, como o seriam também os grandes escritórios de profissionais liberais, como engenheiros, contadores e advogados,

equipados com vastas bibliotecas e computadores, todos fundamentais à atividade profissional de seu titular e daqueles que lhe servem por vínculo de trabalho, diante da infraestrutura atingida como o sucesso e crescimento da carreira. Deverá certamente ocorrer a partilha deste extenso e significativo patrimônio conjugal que perdeu seu caráter de pessoalidade, diante da própria dimensão alcançada pela excelência dos préstimos da profissão do cônjuge; contudo, estes são os resultados econômicos advindos da atividade laboral de qualquer indivíduo, e quando esta pessoa vive em sociedade matrimonial ingressam os interesses materiais do regime patrimonial, pois do contrário bastaria o consorte reinvestir todos os seus ganhos em sua caríssima infraestrutura profissional e sua atividade e bens estariam blindados da partilha conjugal” ( Curso de direito de família . 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 784). Não obstante, como assinalado, no início do presente voto, remanesce sem enfrentamento na instância precedente, a alegação do demandado, vertida em seu recurso de apelação, de que, por ocasião de sua retirada da sociedade de advogados e consequente venda de sua participação acionária (em dezembro de 1992), ainda vivia maritalmente com a demandante S. dos S. de L., a ensejar a conclusão – segundo alegado – de que o respectivo produto teria sido considerado na partilha extrajudicial posteriormente levada a efeito pelas partes, quando de sua separação definitiva, ocorrida em maio de 1993. Como se constata, admitida a possibilidade de divisão do conteúdo econômico das quotas sociais da sociedade de advogados entre os então cônjuges, por ocasião de sua separação, o deslinde da controvérsia enseja, ainda, o enfrentamento das questões remanescentes aventadas no recurso de apelação do demandado. Na esteira dos fundamentos ora expendidos, dou provimento ao presente recurso especial, para, reconhecendo, em tese, o direito da cônjuge, casada em comunhão universal de bens, à partilha do conteúdo econômico das quotas sociais da sociedade de advogados então pertencentes ao seu ex-marido (não se lhe conferindo, todavia, o direito à dissolução compulsória da sociedade), determinar que o Tribunal de origem prossiga no julgamento das questões remanescentes veiculadas no recurso de apelação interposto pelo ora recorrido, partindo-se, naturalmente, das premissas firmadas na presente decisão. É o voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO REsp 1.531.288/RS; 3.ª T.; número do registro: 2015/0102858-8; processo eletrônico; números de origem: 00111102887928, 00523876020158217000, 00827826920148217000, 02306262320148217000, 02307726420148217000, 02809805220148217000, 03811417020148217000, 04455444820148217000, 04483080720148217000, 111102887928, 70058902198, 70060380631, 70060382090, 70060884178, 70061885786, 70062529813, 70062557459 e 70063670095; pauta: 24.11.2015; julgado: 24.11.2015; relator: Exmo. Sr. Min. Marco Aurélio Bellizze; presidente da sessão: Exmo. Sr. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; SubprocuradorGeral da República: Exmo. Sr. Dr. Carlos Alberto Carvalho Vilhena; secretária: Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha. Autuação – Recorrente: S. S. L. – advogados: Maria Luiza Ahrends e outros, e Marcelo Ahrends Maraninchi e outros; recorrido: A. C. S. M. – advogados: Paulo Macedonia Pereira e outros. Assunto: Direito civil – Empresas – Sociedade. Sustentação oral: Dra. Rachel Bergesch, pela parte recorrente: S. S. L.; Dr. Paulo Macedonia Pereira, pela parte recorrida: A. C. S. M. Certidão: Certifico que a E. 3.ª T., ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A 3.ª T., por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (presidente) votaram com o Sr. Ministro relator.

Comentário A (in)comunicabilidade das cotas de sociedades de advogados: comentários ao acórdão do REsp 1.531.288/RS The share of the capital stock of law firms as a part of common assets of a couple under the community property regime: comments on the Special Appeal 1.531.288/RS Resumo: Este trabalho visa a examinar a comunicabilidade das cotas sociais em sociedades de advogados. Em especial, aborda-se a questão da partilha de quotas sociais nesses tipos societários, em razão da incidência dos arts. 1.659, V e IV, 1.668, V, do Código Civil, nas hipóteses de morte do cônjuge ou separação judicial de um dos sócios. A análise se estrutura em comentários ao acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.531.288/RS. Na instância inferior, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, seguindo os parâmetros indicados pela doutrina e os precedentes jurisprudenciais sobre o tema, distinguiu a sociedade empresária da sociedade não empresária para dizer que, em relação a essa última, em razão do caráter personalíssimo da atividade dos sócios, as cotas sociais devem ser consideradas incomunicáveis. Porém, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento diametralmente oposto, estabelecendo que a distinção é irrelevante para os fins da partilha pretendida. Isso porque mesmo que o objeto social consista na exploração de atividade profissional intelectual de seus sócios, as suas respectivas participações societárias não podem ser equiparadas a proventos, na medida em que possuem valor econômico e, por consequência, são comunicáveis e partilháveis. Palavras-chave : Sociedade de advogados – Quotas sociais – Comunicabilidade. Abstract : This commentary aims to examine whether the share of law firms are part of the common assets of a couple under the community property regime. In particular, it addresses the question of the apportionment of quotas of law firms, by reason of the application of Article 1,659, No. IV, of the Civil Code, in the cases of death of one of the spouses or legal separation of one of the partners of the firm. The analysis is structured as comments on the award granted by the Superior Court of Justice in Special Appeal No. 1,531,288/RS. In the lower level of jurisdiction, the State Appellate Court of Rio Grande do Sul, following the criteria appointed by legal scholars and judicial precedents on the matter, made a distinction between commercial entities and noncommercial entities to state that, regarding the latter, due to the personal nature of the partners’ activities, share of the capital stock should not be considered as common assets under the community property regime. However, the Superior Court of Justice adopted a diametrically opposite understanding, sustaining that the distinction is irrelevant for the intended apportionment. The reason is that, even if the corporate purpose of an entity consists of the exploration of the intellectual professional activity of its partners, the share of the capital stock of such entity cannot be treated as income, as they have economic value and, therefore, are common assets under the community property regime and may be apportioned. Keywords: Law firm - Share of the capital stock - Treatment as common assets. 1. Contexto fático: o caso Os fatos do caso examinado pelo acordão do STJ, dentro dos limites estabelecidos pelas instâncias precedentes, são relativamente singelos. O julgado sob análise tem como pano de fundo a discussão travada no bojo de uma ação de sobrepartilha de bens promovida por ex-cônjuge em face do outro, cuja finalidade era proceder à divisão das cotas do varão na sociedade de advogados da qual esse último fizera parte e cuja partilha não fora objeto da partilha extrajudicial realizada entre as partes, quando da separação judicial. A autora da mencionada ação sustentou, em suma, ter direito à meação da participação societária do seu excônjuge, tendo em vista que fora adquirida na constância do casamento. Aduziu, ainda, que o demandado, pouco antes da separação judicial do casal, retirou-se formalmente da mencionada sociedade de advogados, para retornar logo em seguida à separação, fato que denotaria a finalidade de obstar a meação então almejada. Com base em tais fundamentos e ainda por não ser advogada, tampouco estar obrigada a manter a propriedade das referidas cotas em condomínio, formulou pedido de indenização correspondente à metade do valor da cota

pertencente ao seu ex-cônjuge. O demandado, em sua defesa, sustentou que a pretensão deduzida pela autora restaria inviabilizada por visar à sobrepartilha de cotas sociais de uma sociedade de pessoas, que fora constituída exclusivamente para o fim do exercício da profissão comum de seus sócios (no caso, a advocacia). Demais disso, nos termos do Código Civil (tanto de 1916 como de 2002), independentemente do regime de bens do casamento, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (no caso específico, honorários advocatícios) estariam excluídos da comunhão, razão pela qual os cônjuges poderiam praticar atos de disposição e de administração necessários ao desempenho da sua profissão. Sustentou, por fim, a licitude da sua saída da sociedade de advogados, que fora devidamente declarada em seu informe fiscal de rendimentos do respectivo ano, aduzindo ainda que o produto da venda de sua participação societária passara a integrar seu patrimônio como um todo e foi assim partilhado à época da separação; sendo ainda certo que a sua nova participação societária foi adquirida tempos depois da homologação da partilha, razão pela qual lhe pertenceria, com exclusividade. O Juízo da 8ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre julgou o pedido procedente, para o fim de fazer integrar no acervo patrimonial partilhável o valor correspondente às cotas sociais de propriedade do cônjuge varão, existentes à época do término da relação conjugal. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, todavia, ao apreciar o apelo do demandado, deu-lhe provimento para indeferir o pleito da autora, considerando, assim, que não seriam partilháveis as cotas da sociedade de advogados, tendo em vista a sua natureza de sociedade simples, dedicada exclusivamente ao exercício da profissão dos seus integrantes, não se enquadrando, portanto, como uma sociedade empresarial. A Terceira Turma do STJ, por fim, firmou o entendimento de que é irrelevante a discussão quanto à natureza da sociedade (empresarial ou simples) para a solução do caso, em especial porque as cotas sociais são dotadas de expressão econômica (fato que é comum a ambas as espécies de sociedade), não podendo tampouco ser essas cotas equiparadas a proventos, salários ou honorários, tal como impropriamente o fizera o TJRS. Por conseguinte, se a aquisição das referidas cotas sociais da sociedade de advogados pelo demandado deu-se na constância do casamento (cujo regime era o da comunhão universal), é porque decorrera efetivamente de esforços e patrimônios comuns dos então consortes, em razão do que a sua divisão é medida que se impõe. Assentado nessas premissas e no quanto disposto nos arts. 1.026 e 1.027 do Código Civil de 2002 (sem correspondentes no Código Civil de 1916, mas que seriam dedutíveis do próprio sistema), a Terceira Turma do STJ reconheceu, pelo menos em tese, o direito da cônjuge, casada em comunhão universal de bens, à sobrepartilha do conteúdo econômico das cotas sociais da sociedade de advogados (embora não lhe seja conferido, todavia, o direito à dissolução compulsória da sociedade), determinando assim que o TJRS prossiga no julgamento das demais questões remanescentes veiculadas na apelação. 2. Contexto jurídico: os precedentes legais, doutrinários e jurisprudenciais 2.1 A questão da exclusão dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge da comunhão patrimonial Segundo dispunha o art. 263, XIII, Código Civil de 1916, no regime da comunhão universal, ficavam excluídos da comunhão “os frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge ou de ambos”. A partir da leitura desse dispositivo, entendia-se que, por “frutos civis do trabalho”, deveriam ser compreendidos os rendimentos decorrentes do exercício de determinada profissão, enquanto que, por “indústria”, haver-se-ia de compreender qualquer atividade desenvolvida para a produção de bens e serviços. Consistiam em bens especiais que tinham a previsão de proteção assegurada a qualquer dos cônjuges. 2) Os frutos civis do trabalho ou indústria eram, em razão da sua natureza personalíssima e destinação, incomunicáveis. 3) Portanto, não se transmitiam de um cônjuge ao outro, tampouco podiam ser partilhados, assim como já ocorria com as pensões, tenças e montepios. 4) Já o art. 1.659, VI, do Código Civil de 2002, ao tratar da exclusão de bens da comunhão parcial, dispõe que estão excluídos da comunhão “os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”. Essa disposição normativa, por sua vez, é aplicável ao regime da comunhão universal, por força do quanto disposto no art. 1668, V.

A propósito do mencionado art. 1659, VI, do Código Civil de 2002, Silvio Rodrigues 5) equipara os proventos do trabalho de cada cônjuge ao salário, afirmando assim que “o direito a receber as pensões, tenças, montepios, meio-soldos, salários etc., não se comunica com o casamento, em virtude do seu caráter personalíssimo”. Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf, 6) de maneira semelhante, afirmam que a lei exclui da comunhão as pensões, meio-soldos, montepios e outras rendas semelhantes, assim com os proventos do trabalho pessoal do outro cônjuge, “pois o direito a percepção dessas vantagens é inalienável e não se comunica ao outro cônjuge”. Paulo Luiz Netto Lôbo, 7) por sua vez, sustenta que a expressão proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge deve ser compreendida como gênero (em sentido amplo), cujas espécies são: “a) a remuneração do trabalho público ou privado; b) as remunerações de aposentadoria, como trabalhador inativo; d) os honorários do profissional liberal; e e) o pro labore do serviço prestado”. Segundo o citado autor, a origem etimológica da palavra autoriza tal abrangência, já que “vem do latim proventus , com sentido de ganho, proveito, resultado obtido ou lucro no negócio” e, portanto, diz respeito “a qualquer atividade desenvolvida pelo cônjuge, seja agrícola, liberal, industrial, comercial”. Em sentido semelhante, Arnaldo Rizzardo pontua que “os salários, rendimentos, frutos, vencimentos ou toda a sorte de estipêndios, provenientes do trabalho assalariado, da atividade autônoma, do exercício de cargo público, da participação em sociedade de prestação de serviços, do pro labore e outras atividades não ingressam na comunhão”. 8) Pode-se concluir, então, dizendo que, pelo menos no que diz respeito ao regime de comunhão universal, os incisos XIII do art. 263 do Código Civil de 1916 e o inciso VI do art. 1.659 do Código Civil em vigor tratam o assunto da mesma maneira, isto é, excluem da comunhão os rendimentos obtidos individualmente, mesmo que em decorrência de uma pessoa jurídica (indústria), desde que essa “indústria” seja voltada para o trabalho pessoal de qualquer um dos cônjuges. 9) Já no que concerne ao regime de comunhão parcial, não se pode dizer a mesma coisa. Com efeito, o inciso VI do art. 1.659 do Código Civil em vigor buscou corrigir uma histórica falha existente no Código Civil de 1916, tendo em vista que os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge eram, no regime anterior, excluídos da comunhão universal de bens e, paradoxalmente, incluídos como bens comunicáveis na comunhão parcial. A contradição era gritante, pois, no regime de maior integração patrimonial (comunhão universal), os salários, vencimentos, proventos, honorários etc. não se comunicavam; enquanto que no regime de menor integração (comunhão parcial), os frutos do trabalho individual de cada consorte compunham o patrimônio em comum. 10) Apesar desse nobre intento do legislador de 2002, parte da doutrina 11) tece severas críticas ao VI do art. 1.659 do Código Civil em vigor, que teria cometido flagrante injustiça ao excluir da comunhão patrimonial os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (seja no regime de comunhão parcial, seja no regime de comunhão universal). Com efeito, em relação aos frutos civis do trabalho ou indústria , Washington de Barros Monteiro 12) comenta que já não deixava de ser estranha a sua exclusão da comunhão, tendo em vista que “se esses bens não se comunicam, aqueles sub-rogados em seu lugar também não deveriam comunicar-se e, por conseguinte, sabendo-se que a maior parte do patrimônio de uma pessoa é adquirida com o produto do seu trabalho, muitos, se não a maior parte dos bens, tornar-se-iam incomunicáveis”. O Código Civil de 2002 repetiu a regra no art. 1.668, V, combinado com o art. 1.659, VI, no que concerne aos proventos pessoais do trabalho de cada cônjuge . Maria Berenice Dias 13) afirma ser desarrazoada tal exclusão, na medida em que acaba por premiar o cônjuge que não converte a economia proveniente dos seus ganhos e rendimentos em patrimônio. O casamento gera comunhão de vidas (art. 1.511 do Código Civil) e os cônjuges têm dever de mútua assistência e são, ambos, responsáveis pelos encargos da família (arts. 1.566, III e 1.565 do Código Civil). Por conseguinte, se apenas um dos consortes concorre para a aquisição de bens e despesas do lar comum, enquanto o outro apenas guarda o dinheiro que recebeu de seu trabalho pessoal, mostra-se desarrazoado e injusto considerar os bens adquiridos como partilháveis, enquanto o capital acumulado por um dos cônjuges como incomunicável.

Rolf Madaleno 14) chega mesmo a dizer que melhor teria sido o legislador excluir a ressalva de incomunicabilidade dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, até mesmo no regime de comunhão parcial, tendo em vista ser notório que, como regra geral, “é do labor pessoal de cada cônjuge que advêm os recursos necessários à aquisição dos bens conjugais.” Por conseguinte, explica o autor que “premiar o cônjuge que se esquivou de amealhar patrimônio preferindo conservar em espécie os proventos do seu trabalho pessoal é incentivar a prática de evidente desequilíbrio das relações conjugais econômico-financeiras, mormente porque o regime matrimonial de bens serve de lastro para a manutenção da célula familiar”. Alexandre Guedes Alcoforado Assunção 15) faz também uma crítica contundente ao regime instituído pelo art. 1.659, VI, pois se os rendimentos do trabalho não se comunicam e tampouco os bens neles sub-rogados, tem-se que praticamente tudo acaba sendo incomunicável, tendo em vista que a maior parte dos cônjuges vivem de rendimentos do seu trabalho pessoal. Por essas razões, o autor sugere a supressão do inciso VI do mencionado dispositivo, por meio de uma alteração legislativa. 16) Silmara Juny Chinelato, 17) em sentido semelhante, defende que a sub-rogação “sempre foi considerada pelo Código Civil, desde o de 1916, remontando ao direito civil clássico” e que, especificamente quanto ao regime de bens, o Código Civil de 2002 consagra o instituto nos seus arts. 1.659, I e II, e 1.668, I. A citada autora não chega a propor a revogação do incido VI do atual art. 1.659, como forma de solução do problema, mas defende que “investigar a origem dos ganhos com os quais o cônjuge adquire bens é fundamental para lhes definir a natureza”. Assim, sempre que os bens venham a ser adquiridos a partir das economias de determinado cônjuge, e desde que se prove que tais economias decorrem do seu esforço ou trabalho pessoal, devem ser sub-rogados a ponto de não se comunicarem com os bens comuns do casal. Wania Triginelli, 18) de maneira complemente distinta, propõe que a interpretação do art. 1.659, VI, deve ser feita em consonância com o art. 1.660, V, ambos do Código Civil de 2002, ou seja, cabe ressalvar que se exclui da comunhão o direito à remuneração decorrente do trabalho pessoal, apenas. Quer isso dizer que os proventos não serão comunicáveis enquanto sua função for a de satisfazer as despesas mensais da família. Porém, à medida em que as sobras se tornem uma aplicação financeira, ou mesmo fiquem depositadas em conta corrente, passam a representar a economia do casal e, consequentemente, a depender do regime, são comunicáveis. A jurisprudência do STJ, a propósito, embora já tenha reconhecido a sub-rogação dos bens adquiridos com os proventos do trabalho de um dos cônjuges, determinando-lhes a incomunicabilidade, 19) vem se posicionando a respeito da necessária distinção entre os proventos e os frutos deles derivados, percebidos na constância da relação conjugal. Desse modo, os proventos que venham a ser percebidos pelo cônjuge casado em regime de comunhão universal ou parcial de bens durante a vigência da sociedade conjugal constituem patrimônio especial do consorte, ao menos enquanto mantenham o caráter alimentar. Porém, uma vez perdida essa natureza, tal como acontece na hipótese de acúmulo de capital em aplicações financeiras ou em conta corrente, o valor originado dos proventos de um dos consortes passa a integrar o patrimônio comum do casal. 20) De acordo com o entendimento predominante do STJ, o direito à percepção dos proventos não comunica ao fim da sociedade conjugal, porém, ao serem tais verbas percebidas por um dos cônjuges na constância do matrimônio e desde que não venham a ser utilizadas para a aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel, passam a integrar os bens comuns do casal. Nem mesmo a indenização de verbas trabalhistas fugiria a essa regra, desde que o fato gerador dos proventos e a sua respectiva reclamação judicial ocorram durante a vigência do vínculo conjugal, independentemente do momento em que venham a ser efetivamente percebidos, tornando-se, assim, suscetíveis de partilha. 21) 2.2 A sociedade simples e o critério distintivo das sociedades empresárias Como é sabido, o Código Civil de 2002 aboliu a distinção até então existente entre atividades civil e comercial, dando ênfase às atividades empresária e não empresária . Consequentemente, no que tange às sociedades, estas ou são empresárias ou são simples 22) e ambas estão reguladas no Código Civil. Na verdade, o art. 982 do Código Civil em vigor não cuida de definir o que seja sociedade empresária, limitandose a dizer que ela é composta de empresários, entendendo-se como tais aqueles que exercem profissionalmente

a atividade de empresa. Por sua vez, o art. 966 do CC/2002 define a empresa como sendo a atividade econômica organizada de produção e distribuição de bens e serviços, sendo empresário aquele que exerce tal atividade com profissionalismo. Já o exercício de atividade intelectual (de natureza científica, literal ou artística) fica excluída do conceito de atividade empresarial, ainda que exercida com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício dessa atividade profissional constituir elemento de empresa (parágrafo único do art. 966 do CC/2002). Constitui exemplo típico de sociedade não empresária aquela que venha a ser formada entre profissionais liberais do mesmo ramo (sociedade uniprofissional ), tais como os advogados, médicos, engenheiros etc. Embora esses profissionais possam exercer sua atividade profissional autonomamente, é bastante comum que se reúnam em sociedade com outros profissionais do mesmo ramo através de sociedade não empresárias (ou simples). Com relação à exceção prevista na parte final do parágrafo único do art. 966 do CC/2002, vale dizer que uma sociedade não se transforma em empresária pelo simples fato de empregar auxiliares ou colaboradores, pelo menos enquanto os sócios praticarem a atividade-fim (intelectual) e os colaboradores ou auxiliares praticarem a atividade-meio. Assim, por exemplo, uma clínica radiológica com dois sócios médicos não se desnatura por empregar técnicos em radiologia, tendo em vista que a função precípua de fornecer laudos e subscrevê-los sob responsabilidade médica é dos sócios. 23) Nesse passo, é preciso entender bem o que distingue as sociedades empresárias das não empresárias. Para tanto, nada melhor do que compreender os pontos de semelhanças entre essas sociedades, os pontos irrelevantes para uma rigorosa distinção, para em seguida buscar o melhor critério para distingui-las. Nesse sentido, pode-se dizer que tanto a sociedade simples quanto a sociedade empresária têm, por finalidade, a produção e circulação de bens e serviços, sendo constituídas por pessoas que se obrigam reciprocamente a contribuir para o exercício da atividade econômica e a partilha entre si dos resultados. Portanto, ambas exercem atividade econômica. 24) Por outro lado, não interfere na distinção o fato de terem ou não colaboradores, tampouco se o seu porte é maior ou menor. Da mesma forma, qual o tipo societário adotado (exceto se anônima), pois tais sociedades seguem sendo sempre sociedades simples. Isso porque a distinção, na forma do parágrafo único do art. 966, é conceitual e não estrutural. 25) Com efeito, a partir da leitura atenta do mencionado dispositivo chega-se à conclusão de que o Código Civil não define propriamente quem é empresário, mas seguramente quem nunca o será, ou seja, o que determina ser a sociedade do tipo simples é a sua atividade, chegando-se ao seu conceito por exclusão. 26) A respeito do mencionado dispositivo, Alfredo de Assis Gonçalves Neto 27) entende que “a única possibilidade de enquadrar a atividade intelectual no regime jurídico empresarial será considerando-a como parte de um todo mais amplo apto a se identificar como empresa – ou mais precisamente, como um dos vários ‘elementos’ em que se decompõe determinada empresa.” Seria o caso das atividades híbridas, que, no regime do Código Civil de 1916, geravam discussões quanto ao seu correto enquadramento (civil ou mercantil), tal “como ocorria com a instituição de ensino que também explorava a atividade de compra para revenda de livros, lanches e uniformes”, ou ainda como pode acontecer com “o médico que explora uma clínica de repouso, alugando apartamentos e fornecendo refeições, por exemplo”. Portanto, o sentido a ser conferido à ressalva da parte final do parágrafo único do art. 966 (ressalva da ressalva) é que a atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, nunca poderá ser considerada isoladamente para o fim de identifica-la como uma atividade apta a subordinar quem a exerça ao regime próprio de empresário, ou seja, não se constitui empresário quem simplesmente exerce atividade intelectual, seja lá por qual meio for, organizadamente ou não, em caráter profissional ou não, qualquer que seja o volume, intensidade ou quantidade de produção. Em sentido semelhante, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa 28) pontua que, pelo menos sob o ponto de vista estrutural, não há qualquer diferença entre uma sociedade empresária e uma sociedade simples. Isso porque,

nos dois casos, pode estar presente a mesma estrutura: além do núcleo básico da atividade em si, os departamentos de recursos humanos, contabilidade, cobrança, almoxarifado, informática etc. Portanto, o que vai diferenciar uma atividade empresária de uma atividade civil “será tão somente a natureza da atividade , e não a sua estrutura”. Por isso que sempre serão regidas como atividades não empresárias aquelas praticadas pelos escritórios de advocacia, engenharia, arquitetura, laboratórios de análises clínicas e diagnósticos etc. Há, por último, um aspecto distintivo importante e que será objeto de abordagem no próximo tópico, qual seja a ideia da pessoalidade da prestação da atividade não empresária. Segundo Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, trata-se de ponto extremamente importante para a diferenciação de ambas as modalidades de atividades econômicas. A atividade empresária é dirigida para o mercado, enquanto que na atividade não empresária a relação entre as partes (fornecedor de serviços e destinatário) caracteriza-se por ser de natureza pessoal e, no mais das vezes, personalíssima. Esse aspecto personalíssimo que reveste a contratação das atividades intelectuais, esclarece o autor, “não leva em conta a estrutura de empresa que eventualmente venha a ser utilizada por profissionais liberais. Convivem prestando serviços nesta área tanto o profissional individual quanto as sociedades de profissionais que contem com grande número deles e, consequentemente, uma estrutura empresarial (no sentido funcional) adequada ao volume e à qualidade de serviços prestados.” O rol de critérios distintivos, entretanto, não é pacífico. Sylvio Marcondes, por exemplo, apesar de reconhecer a natureza econômica do profissional intelectual (na produção de bens pelos artistas; ou na prestação de serviços pelos profissionais liberais), afirma que eles assim se manterão apenas enquanto o fizerem pessoalmente. Isso porque, na criação desses bens ou na prestação desse serviço, “os fatores de produção, ou a coordenação de fatores, é meramente acidental.” Nessa condição, portanto, esses profissionais jamais seriam considerados empresários. Agora, caso se organizem em empresa, assumirão a veste de empresários. Com isso, parece adotar um critério de distinção funcional. Dá-se o seguinte exemplo: a posição do médico enquanto opera ou realiza diagnósticos é de prestador de serviço resultante da sua atividade intelectual. Contudo, se ele passa a organizar os fatores de produção, tais como investimentos em imóveis e equipamentos e trabalho de outros médicos, enfermeiros etc., seja autonomamente, seja por meio de uma pessoa jurídica, deverá ser considerado empresário. 29) Rubens Requião 30) segue esse mesmo caminho e, de forma crítica e contundente, afirma que ‘todas as sociedades profissionais, inscritas nos respectivos conselhos profissionais são sociedades empresárias, nos termos do art. 982, combinado com o art. 966, parágrafo único, parte final” do Código Civil. Marcia Carla Pereira Ribeiro e Nayara Taraten Sepulcri 31) afirmam que a característica da pessoalidade fica clara quando o exercício profissional é oferecido de maneira isolada, autonomamente. Porém, não tão clara, embora ainda presente, se é ofertado por meio de uma sociedade na qual o profissional em questão apareça como um dos integrantes. Contudo, entendem que, se restar suplantada a pessoalidade, “passa a incidir a norma da parte final do parágrafo único do art. 966, ou seja, a atividade do profissional intelectual é considerada elemento de empresa, e a atividade, qualificada como empresária ”. 32) De todo o modo, ainda que haja controvérsias sobre os critérios distintivos e a interpretação da ressalva da parte final do parágrafo único do art. 966 ( exceto se se constituir elemento de empresa ), é inconteste a ideia de que a pessoalidade é um traço distintivo indelével das atividades desenvolvidas por meio das sociedades simples, comungando dessa opinião, além dos próprios autores antes citados, dentre outros, Francesco Galgano, 33) Arnoldo Wald, 34) Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes. 35) 2.3 A respeito da (im)penhorabilidade e da (in)comunicabilidade das cotas de capital das sociedades simples O reconhecimento inconteste do caráter personalíssimo das atividades desenvolvidas por meio das sociedades simples gerou dois importantes reflexos na jurisprudência pátria: a ideia da impenhorabilidade das cotas sociais por terceiros, estranhos à sociedade; a incomunicabilidade das cotas ao cônjuge do sócio. A questão da penhora da cota por dívidas de sócios tem sido discutida nos tribunais, sendo observável que a jurisprudência oscila, na tentativa de acomodar os interesses envolvidos, de sorte a não prejudicar o credor do sócio, tampouco a sociedade de cunho personalista. Conforme alerta Arnoldo Wald, 36) esse assunto liga-se essencialmente à natureza do vínculo existente entre os sócios (pessoal ou meramente de capital), tendo em

vista que a penhora das cotas poderá acarretar o ingresso de um terceiro estranho ao quadro social, na exata medida em que o credor do sócio pode vir a ser o futuro titular das cotas. Pode-se dizer que a jurisprudência, em geral, vem aceitando a penhora de cotas por dívidas dos sócios de sociedades de pessoas, mas sempre ressaltando a necessidade de se observar as limitações previstas pelos sócios no contrato social quanto à venda de quotas a terceiros. Assim, observa-se que os julgados, ora facultam à sociedade remir a execução ou remir o bem, ora conferem aos demais sócios a preferência na arrematação das quotas penhoradas (arts. 1.117 a 1.119, do CPC/1973). 37) Com a edição do Código Civil de 2002, passou-se a flexibilizar o entendimento anterior, para permitir que a penhora recaia preferencialmente sobre os rendimentos das quotas (lucros pertencentes ao sócios-executado, na forma do art. 1.026 do Código Civil) e não sobre as quotas em si, evitando ao máximo a solução que possa provocar a dissolução da sociedade. O credor particular do sócio, por sua vez, apenas pode pedir a liquidação das quotas, mediante a dissolução parcial da sociedade, se não houver lucros retidos ou a distribuir (art. 1.026, parágrafo único, do Código Civil). 38) Com efeito, segundo Arnoldo Wald, 39) a fim de que seja concedida a liquidação das cotas, deve a sociedade não apenas estar em funcionamento, mas também não existir lucros a distribuir. Isso porque admitir que o art. 1026 está a conferir uma faculdade para que o credor particular do sócio possa escolher entre se vai receber os lucros ou se vai liquidar a sociedade como maneira de pagamento do valor que lhe é devido, “seria condenar as sociedades a um futuro incerto e possivelmente desastroso, caso a diminuição do capital afete a sua capacidade produtiva”. No mesmo sentido, Fredie Didier, Leonardo José Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira 40) afirmam que o credor particular do sócio apenas pode requerer a liquidação da cota do devedor se não houver lucros a distribuir. Caso haja lucros retidos ou a distribuir, “eles devem ser penhorados, não sendo lícito o pedido de liquidação da quota social”, tendo em vista que “não se trata de uma opção do exequente”, mas “uma situação em que a aplicação do princípio da menor onerosidade da execução é fundamental.” 41) A propósito do tema, o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 835, IX, expressamente insere na ordem da penhora as “ações e quotas de sociedade simples e empresárias”, incluindo, relativamente ao direito anterior, a menção às sociedades simples. Araken de Assis sugere que essa disposição, assim como as que com ela se relacionam, “hão de ser harmonizadas com as da lei civil”. Assim, pontua que “o credor particular do sócio, na falta de outros bens (...) poderá penhorar a quota do devedor nos lucros ou na liquidação da sociedade.” 42) Vale ressaltar, à guisa de concluir esse tópico, que essa discussão já chegou à Quarta Turma do STJ por meio do REsp 1.284.988/RS, cuja relatoria coube ao Min. Luis Felipe Salomão. Em seu voto ele consagra expressamente o entendimento de que, tendo em vista “o disposto no art. 1.026 combinado com o art. 1.053, ambos do Código Civil, e os princípios da conservação da empresa e da menor onerosidade da execução, cabia a exequente requerer a penhora dos lucros relativos às quotas sociais correspondentes à meação do devedor (...), não podendo ser deferida, de modo imediato, a penhora de quotas sociais de sociedade empresária em plena atividade, em prejuízos de terceiros, por dívida estranha à referida pessoa jurídica.” Após o voto do relator, o Ministro Raul Araújo pediu vista, razão pela qual o resultado ainda não foi proclamado. De todo o modo, o voto do relator é um indicativo de como o STJ poderá enfrentar a questão. Ademais disso, ainda que se tenha debatido a incidência do art. 1.026 do Código Civil à penhora de cotas de sociedades empresárias, tomou-se sempre em consideração a natureza pessoal do vínculo (sociedade de pessoas), o que se permite concluir como provavelmente será enfrentado o mesmo tipo de questão em relação às sociedades simples. No que concerne à incomunicabilidade das cotas de capital das sociedades simples, nas hipóteses de partilha, a discussão vem se dando de maneira um tanto diversa. Viu-se que, segundo entendimento em vigor no STJ, o direito à percepção dos proventos não comunica ao final da sociedade conjugal, por ocasião da partilha (inciso VI do art. 1.659 do Código Civil de 2002), porém, ao serem tais verbas percebidas por um dos cônjuges na constância do matrimônio e desde que não venham a ser

utilizadas para a aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel, passam a integrar os bens comuns do casal. Ocorre que, na hipótese sob análise, não se está a falar mais de proventos , mas quotas representativas do capital de uma sociedade. Quer se dizer: não haveria mais, em princípio, o óbice à comunicabilidade, estatuído pelo inciso XIII do art. 263 do Código Civil de 1916 e o inciso VI do art. 1.659 do Código Civil em vigor. Esse raciocínio, aparentemente simples, todavia, não vem prevalecendo em todos os casos. Com efeito, segundo o estado da arte, até então vigente para a solução de conflitos envolvendo esses interesses, os tribunais estaduais costumam recorrer a uma distinção quanto à natureza da sociedade: i ) se as cotas se referem a uma sociedade empresarial, ou ii ) se dizem respeito a uma sociedade simples, sempre em consideração à pessoalidade da atividade dos sócios. A partir daí, surgem duas distintas soluções. Em uma sociedade empresária, as ações ou quotas não se confundem com os respectivos rendimentos ou lucros a que os sócios têm direito, como decorrência das suas participações societárias. Constituem, assim, bens patrimoniais como outros quaisquer, com expressão econômica, e, consequentemente, podem vir a compor os bens comuns do casal, a depender do regime adotado. Contudo, em uma sociedade simples, constituídas exclusivamente para o fim do exercício da profissão comum de seus sócios, mediante o rateio dos custos operacionais, as cotas seriam efetivamente destituídas de expressão ou valor econômico e teriam caráter de proventos do trabalho pessoal. Haveria, portanto, um nítido caráter personalíssimo e não se assentariam no esforço comum. Consequentemente, vem se entendendo pela incomunicabilidade dessas cotas. Colhe-se da doutrina esse mesmo entendimento. De acordo com Rolf Madaleno, 43) nas “sociedades personalistas de prestação de serviços profissionais, e identificadas no Código Civil como sociedades simples, sua carteira de clientes fica afastada da comunhão de bens conjugais pelo direito e pela doutrina nacionais, por serem consideradas atividades econômicas não empresariais, voltadas ao labor científico e intelectual em lavor inerente ao profissional, e estando fora do comércio não se compartem com o outro cônjuge, uma vez sobrevindo a dissolução do relacionamento afetivo, de modo que a capacidade laboral do cônjuge sócio de uma sociedade simples continuará rendendo frutos privativos apenas ao seu titular.” E tal decorre, prossegue o citado autor, porque nessas modalidades de sociedades prestadoras de serviços profissionais e fundadas no esforço comum dos sócios, a “atividade prestada tem caráter essencialmente personalíssimo, vinculada a cada um dos profissionais do quadro social, servindo a personalidade jurídica unicamente para rateio dos custos operacionais.” Os tribunais estaduais, a exemplo do próprio TJRS, 44) além do TJRJ, 45) TJSP 46) e TJPR, 47) também vêm consagrando esse mesmo entendimento, apenas excepcionando-o nas hipóteses em que se verifique um nítido abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial. 3. O acórdão do TJRS O recurso especial que deu origem ao acórdão do STJ em comento foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos dos Embargos Infringentes 70061885786 (CNJ 038114170.2014.821.7000), no âmbito do Quarto Grupo Cível daquele sodalício. A relatoria coube ao Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves e votaram com ele os Desembargadores Jorge Luís Dall’Agnol, Luiz Felipe Brasil Santos, Liselena Schifino Robles Ribeiro, Alzir Felippe Schmitz e Ricardo Moreira Lins Pastl. O acordão se encontra assim ementado: “ Embargos infringentes. Sobrepartilha. Cotas sociais. Sociedade de advocacia. Descabimento. 1. Não são partilháveis as cotas da sociedade de advogados, que é sociedade personalista de prestação de serviços profissionais, identificadas no Código Civil como sociedades simples, dedicadas ao exercício da profissão de seus integrantes, não se enquadrando como ente empresarial. 2. Somente é viável cogitar de partilha quando há indicativo de abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o que inocorre na espécie. Embargos infringentes desacolhidos. Unânime .” O julgado em questão, conquanto tenha produzido seus efeitos integrativos pela decisão unânime dos membros do 4º Grupo Cível, não alterou o decisum anteriormente proferido por maioria dos componentes da 8ª Câmara

Cível daquele tribunal, o qual, por sua vez, havia dado provimento à apelação do varão e negado provimento à apelação da virago para o fim de julgar improcedente o pedido de sobrepartilha. O TJRS fundamentou seu entendimento no art. 966, parágrafo único, do Código Civil em vigor, além de diversos precedentes não apenas daquele tribunal, como também de diversos tribunais estaduais. Em verdade, o julgado não apreciou todas as matérias de defesa postuladas pelas partes, em especial a alegação do demandado no sentido de que o produto da venda de sua primeira participação societária passara a integrar seu patrimônio como um todo, tendo sido devidamente considerado e partilhado à época da separação. Para afastar a pretensão deduzida pela autora, o TJRS firmou o seu entendimento na suficiência de que “ não são partilháveis as cotas da sociedade de advogados, que é sociedade personalista de prestação de serviços profissionais, indicadas no Código Civil como sociedades simples, dedicadas ao exercício da profissão de seus integrantes, não se enquadrando como ente empresarial ”. Esse fato deu elementos para que a recorrente (autora) suscitasse vício no julgado por negativa de prestação jurisdicional, que acabou sendo afastada pelo STJ, conforme adiante se verá. Com relação à incomunicabilidade das cotas de sociedades de advogados, cumpre ressaltar que o julgado do TJRS está longe de ser considerado isolado. Ao contrário, como visto no item 2.3 supra, representa o entendimento que vem sendo hoje majoritariamente aplicado pelos juízes e tribunais estaduais. 4. O acórdão do STJ 4.1 Análise descritiva O Recurso Especial foi interposto com base nos arts. 165, 458, II e 535, II, do CPC/1973, arts. 262 e 263 do Código Civil de 1916 e art. 1.659, VI, do Código Civil de 2002. Além disso, baseou-se em dissenso jurisprudencial. Alegou-se, basicamente, negativa de prestação jurisdicional, sob o fundamento de que o Tribunal a quo se manteve silente, muito embora tenha sido instado por meio de embargos de declaração a manifestar-se a respeito da alegada participação societária que detinha o varão, na sociedade de advogados, à época da separação do casal. Ademais disso, insurgiu-se contra a interpretação conferida pelo aresto impugnado acerca da natureza das referidas quotas sociais, tendo em vista que não poderiam ser confundidas com o pró-labore ou mesmo com a distribuição de lucros; destacando-se, ainda, que proventos (honorários) devem ser distinguidos da participação societária, que por sua vez deve ser compreendida como patrimônio e, como tal, partilhável. O STJ afastou a preliminar de nulidade do acórdão, por entender que o TJRS, coerente com o entendimento firmado de que as quotas sociais sequer seriam passíveis de partilha, deixou de acolher todos os argumentos expendidos pela autora-recorrente, mas assim o fez sem deixar de enfrentar, fundamentadamente, as questões relevantes ao deslinde da controvérsia. Quanto ao mérito propriamente dito, entendeu-se que o Tribunal a quo não conferiu à causa desfecho adequado. Isso porque, ao reputar incomunicável a participação societária do cônjuge na sociedade de advogados, por ocasião da partilha, atribuindo-lhe a natureza de provento de trabalho, acabou atuando em descompasso com a lei de regência. Para justificar o seu voto, o relator anunciou várias premissas. A primeira delas, de que seria inquestionável que as quotas sociais , sejam elas de uma sociedade empresarial, sejam de uma sociedade simples, “ além de serem dotadas de expressão econômica, não se confundem com a atividade econômica desenvolvida pela sociedade (objeto social)” em si . Consequentemente, ainda que o objeto social consista na exploração da atividade profissional intelectual de seus sócios, “ a participação societária de cada qual, de modo algum, pode ser equiparada à proventos, rendimentos ou honorários, compreendidos estes como a retribuição pecuniária pela prestação de determinado serviço ou trabalho ”, que compõe o objeto social da sociedade.

Assentado nas premissas anteriores, o decisum toma como sendo absolutamente irrelevante, para os fins perseguidos na ação (no caso, a partilha de cotas sociais de inegável valor econômico), saber se a correlata sociedade tem por objeto social a exploração de atividade empresarial, assim compreendida como a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, ou a atividade profissional de seus sócios ( sociedade uniprofissional ). O acórdão do STJ, a partir daí, passa a tecer algumas considerações a respeito da natureza da sociedade de advogados e da possibilidade de que as respectivas cotas sociais possam vir a ter uma inegável expressão econômica, quando aquelas sociedades venham a se organizar com estrutura complexa, por meio da combinação dos fatores de produção, hipótese em que apenas são consideradas simples (i.e., não empresárias) por disposição expressa legal. Segundo o referido acórdão, restou incontroverso nos autos que a aquisição das cotas sociais pelo recorrido deu-se na constância do casamento, cujo regime de bens era o da comunhão universal. Ademais disso, no caso concreto, constatou-se que as referidas cotas se apresentaram com “ inegável expressão econômica ”. Como consequência, teria restado patenteado que “ a obtenção da participação societária (...) adveio naturalmente dos esforços e patrimônios comuns dos então consortes, o que, per si, evidencia ser o referido bem passível de divisão entre os cônjuges.” Uma vez fixadas as premissas supra referidas, o decisum acaba por refutar o entendimento diverso, até então consagrado (conf. item 2.3), que busca excluir da comunhão de bens dos cônjuges a participação societária de sociedade simples, com base em interpretação extensiva aos bens incomunicáveis mencionados nos incisos V e VI do art. 1.659 do CC (“ bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão” e “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”) – “que, é certo, não se confundem com quotas sociais de sociedade simples”. Sustenta, enfim, que tal interpretação demasiadamente elástica “dá margem à indevida utilização da personalidade jurídica da sociedade, em detrimento do outro cônjuge, a comprometer substancialmente seu direito à meação”. Por fim, pontua que há de se preservar “o caráter personalíssimo dessas sociedades, obstando-se a atribuição da qualidade de sócio a terceiros que, nessa condição, não detenham com os demais a denominada affectio societatis”. Assim, assinala que os arts. 1.026 e 1.027 do Código Civil de 2002, ao disciplinarem a partilha das quotas sociais em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do divórcio, “ apenas explicitou a repercussão jurídica de tais fatos, que naturalmente já era admitida pela ordem civil anterior ”. Portanto, não existindo outros meios de se proceder à quitação do débito ou de implementar o direito à meação ou à sucessão, o direito destes terceiros (credor pessoal do sócio, ex-cônjuge e herdeiros) são efetivados por meio de mecanismos legais (participação nos lucros, dissolução da sociedade etc.) a fim de amealhar o valor correspondente à participação societária . O Recurso Especial é, assim, conhecido e provido para, “ reconhecendo, em tese, o direito da cônjuge, casada em comunhão universal de bens, à partilha do conteúdo econômico das quotas sociais da sociedade de advogados então pertencentes ao seu ex-marido (não se lhe conferindo, todavia, o direito à dissolução compulsória da sociedade), determinar que o Tribunal de origem prossiga no julgamento das questões remanescentes veiculadas no recurso de apelação interposto pelo ora recorrido ”, a partir das premissas firmadas na mencionada decisão. 4.2 Natureza da sociedade de advogados e a irrelevância do argumento para a solução da demanda As sociedades de advogados são atualmente disciplinadas pelos arts. 15 a 17, 21 e 34, II, da Lei 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), e pelos arts. 27 a 43 do Regulamento Geral, além de vários provimentos, especialmente o de n. 112/2006. No que interessa destacar nesse ponto, tem-se que as sociedades de advogados devem reunir-se em sociedade civil (atual sociedade simples ) de prestação de serviços de advocacia, na forma do art. 15 da referida Lei 8.906/1994. No particular, ainda, cumpre esclarecer que, conquanto as sociedades simples possam revestir-se das formas estabelecidas para as sociedades empresárias (art. 983 do Código Civil de 2002), a verdade é que a sociedade de advogados tem características peculiares que afastam a utilização dessas formas. Por isso mesmo, o art. 2º, X,

do Provimento 112/2006 veda expressamente a adoção, pelas sociedades de advogados, de qualquer das espécies de sociedades mercantis. A respeito da natureza jurídica das sociedades de advogados, Paulo Luiz Netto Lôbo 48) explica que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil a definiu como “sociedade civil exclusivamente de pessoas e de finalidade profissionais”, ressaltando, todavia, que essa modalidade de sociedade apresenta características sui generis e, portanto, inconfundíveis com as demais sociedades civis reguladas pelo nosso ordenamento. No mesmo sentido, Fabio Ulhôa Coelho 49) afirma que o exercício da profissão do advogado “é cercada de especificidades, que afastam a incidência da regra geral do Código Civil. Em suma, a advocacia não é uma ‘empresa’, embora possa circunstancialmente aproximar-se, em certos casos, da atividade empresarial.” Resta saber quais seriam essas especificidades. Para bem compreendê-las parece fundamental lançar um olhar apurado para a finalidade das regras insertas no art. 16, do EOAB, e no art. 2º, X, do mencionado Provimento 112/2006; afinal elas foram concebidas justamente em consideração às peculiaridades da sociedade de advogados. Como já ressaltado em tópico anterior (item 2.2), tanto as sociedades empresárias quanto as sociedades simples visam o exercício de atividades de caráter econômico; isso porque permite-se que, tanto as sociedades empresárias como as não empresárias possam ser organizadas de forma a permitir a partilha de resultados financeiros (i.e., de lucros). Portanto, não seria essa a peculiaridade. Tampouco é a prática profissional da atividade que faria essa distinção. Afinal, o profissional da atividade intelectual (como é o caso do advogado) exerce a atividade como forma de obtenção de recursos à sua própria sobrevivência. Portanto, exerce-a com habitualidade e de forma não beneficente. O critério seguro para fazer a distinção é pelo caráter da pessoalidade que decorre da natureza da atividade, que apenas pode ser de cunho intelectual, artístico ou científico (conforme visto no item 2.2). Com relação às sociedades de advogado, em especial, busca-se evitar a forma mercantil por receio de que possa contrariar o espírito da profissão, diluindo aquele sentimento de confiança pessoal que é ínsita à relação entre o advogado e seu cliente. Não seria sem razão, portanto, que Ruy de Azevedo Sodré, ao tratar especificamente sobre a natureza jurídica das sociedades de advogados, refere-se a elas como “sociedades civis de trabalho”, cuja finalidade dirige-se “ à disciplina do expediente e dos resultados patrimoniais auferidos na prestação dos serviços de advocacia .” 50) Pode-se dizer “ que se trata de entidades instrumentais destinadas, pura e simplesmente, a oferecer suporte ao labor dos profissionais (advogados) que a integram ”. 51) Apesar disso, não se desconhece que essa pessoalidade pode eventualmente ser suplantada, hipótese em que incidiria a parte final do parágrafo único do art. 966 ( exceto se constituir elemento de empresa ), não fosse a regra expressa nos arts. 15 e 16 do EOAB. Foram essas as considerações tomadas em conta pelo voto do Relator do REsp 1.531.288/RS. De fato. Segundo pontuado no voto condutor do decisum , conquanto não seja a regra, é perfeitamente possível que a sociedade que tenha por objeto a exploração da atividade profissional intelectual venha a ser caracterizada como empresarial, desde que o exercício dessa profissão constitua elemento de empresa (parágrafo único do art. 966 do Código Civil). Nessas hipóteses, o empresário (seja ele individual, seja a sociedade), para viabilizar a exploração da referida atividade econômica, “ organiza e estrutura os diversos fatores de produção nos quais se inserem o exercício em si da profissão, desvinculando-a, inclusive, da pessoa do sócio que, eventualmente, a desempenhe.” O Código Civil de 2002, por seu turno, apenas se afasta do modelo acima descrito “ nos casos expressos em lei , ou em se tratando de sociedade por ações e cooperativa, hipóteses em que necessariamente serão empresária e simples, respectivamente.” Ainda segundo o voto condutor, as sociedades de advogados (que naturalmente possuem por objeto a exploração da atividade profissional de advocacia exercida por seus sócios) está justo entre aquelas que, por expressa determinação legal (arts. 15 e 16 da Lei 8.906/1994), serão sempre concebidas como sociedade simples, independente da forma como venham a se organizar (inclusive, com estrutura complexa).

4.3 Os paradigmas do STJ e a (in)aplicabilidade ao caso em voga No ponto que interessa ao julgado em comento, o voto condutor destacou que a distinção acerca da natureza da sociedade (simples ou empresária) apenas teria relevância se a pretensão de partilha da demandante estivesse indevidamente direcionada a bens incorpóreos, como a clientela, o nome empresarial, os privilégios de invenção etc., e seus correlatos valores econômicos, elementos típicos de uma sociedade empresária. Como, por expressa disposição legal, a sociedade de advogados não se insere na categoria de sociedades empresárias, restaria obstado em relação àquelas a possibilidade de aplicar-lhes o regime jurídico próprio dessas sociedades. A respeito da dissolução de sociedades simples, o STJ tem alguns precedentes 52) em que se refutaram a possibilidade, em relação a tais sociedades (inclusive de advogados), de partilha de elementos típicos de sociedade empresária, tais como clientela, estabelecimento comercial etc. 4.4 O tratamento conferido ao cônjuge de sócio pelo art. 1.027, nas hipóteses de dissolução da sociedade conjugal e o entendimento trazido pelo REsp 1.531.288-RS A quota social da sociedade (seja ela empresária ou simples) representa um valor patrimonial e também uma posição dentro da sociedade. Considerando isso e mais o caráter pessoal de uma sociedade simples, Arnoldo Wald 53) chama a atenção para o fato de que a cota, enquanto valor patrimonial, deve satisfazer o credor individual do sócio, mas não a ponto de interferir no bom andamento dos negócios sociais. Por isso mesmo, quanto à questão da penhorabilidade viu-se que, para que seja concedida a liquidação ao credor particular do sócio, deve a sociedade não apenas estar em funcionamento, mas também não possuir lucros retidos ou a distribuir. Trata-se de uma interpretação em que se tenta harmonizar os interesses da sociedade, dos sócios e dos credores, da forma menos gravosa. Já no que concerne à questão da comunicabilidade, viu-se que a jurisprudência e a doutrina, pelo menos até então, vinham estabelecendo a distinção entre quotas de sociedade empresária e quotas de sociedade simples, para o fim de firmar a incomunicabilidade destas últimas, sob o fundamento de que, nesses casos, as cotas seriam efetivamente destituídas de expressão ou valor econômico, apresentando um nítido caráter personalíssimo, em razão do que deveriam ser equiparadas aos proventos do trabalho pessoal. Por isso mesmo, não se assentariam no esforço comum e, consequentemente, excluir-se-ia da comunhão de bens dos cônjuges a participação societária de sociedade simples, com base em interpretação extensiva aos bens incomunicáveis mencionados nos incisos V e VI do art. 1.659 do CC (“ bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão” e “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”) . A Terceira Turma do STJ supera esse entendimento pelas razões já expostas no item anterior (4.1), mas que podem ser resumidas da seguinte forma: i ) cotas sociais não se confundem com a atividade econômica desenvolvida pela sociedade (objeto social); ii ) ainda quando o objeto social consista na exploração da atividade profissional intelectual de seus sócios, as suas respectivas participações societárias não podem ser equiparadas à proventos; consequentemente, iii ) para a partilha de cotas sociais de inegável valor econômico, torna-se irrelevante saber se a correlata sociedade tem por objeto social a exploração de atividade empresarial ou a atividade profissional de seus sócios. O art. 1.027 do Código Civil de 2002 disciplina justamente as hipóteses de partilha de direitos relativos às cotas nas sociedades simples, seja na dissolução da sociedade conjugal do sócio, seja por ocasião da morte de seu cônjuge, hipótese em que se atribui aos herdeiros a parcela que lhe é devida por força da meação. Afigura-se possível a mencionada partilha porque as cotas sociais de sociedades simples constituem bens dotados de expressão econômica, tal como, aliás, reconheceu o julgado em comento. Nesses casos, afirma-se que o legislador deu um tratamento diferenciado, se comparados com a hipótese de morte de um sócio, na qual seus herdeiros têm direito correspondente ao montante das quotas (hipótese prevista no art. 1.028 do Código Civil de 2002). De fato, na hipótese do art. 1.027 do CC/2002, o cônjuge e os seus herdeiros “não podem exigir a quantia das quotas, mas simplesmente receber os dividendos a que têm direito.” 54)

Segundo as precisas palavras de Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes 55),

ao invés de se proceder como na hipótese de morte de um dos sócios (caso em que se dá a resolução da sociedade em relação ao falecido), “manter-se-á como sócio o cônjuge que anteriormente era titular da quota, a impedir, assim, que herdeiros do ex-cônjuge se insiram na sociedade”. Para que isso seja viável, sem que se prejudiquem os direitos dos terceiros envolvidos, “garante-se aos herdeiros e ao ex-cônjuge apropriação periódica dos lucros até que ocorra a dissolução da sociedade, sem permitir que nela se insiram”. Mas é importante ressaltar que o mencionado artigo apenas assegura os direitos correspondentes aos reflexos patrimoniais positivos da mencionada cota (i.e, direito à participação nos lucros). Com efeito, aponta-se ainda que, apesar do art. 1.027 do Código Civil ter reservado expressamente a participação nos lucros da sociedade para os herdeiros ou ex-cônjuge, esses terceiros não ostentarão a situação de sócios e, consequentemente, não deterão os poderes políticos inerentes à tal condição. Assim, por exemplo, não poderão votar ou participar das deliberações sociais, 56) tampouco exercer o direito de retirada, “o que acarretaria a dissolução parcial para recebimento da parcela cabível.” 57) A Terceira Turma do STJ teceu comentários derredor do citado dispositivo (art. 1.027 do CC/2002), para, ao final, firmar o entendimento que, não existindo outros meios de se proceder à quitação do débito do ex-cônjuge (no caso, credor pessoal do sócio), seus direitos à meação das cotas sociais lhe sejam assegurados pelos meios legais (isto é, por via da apropriação dos lucros correspondentes à mencionada participação social até a dissolução da sociedade e liquidação da referida cota). Não há dúvidas de que a opção do legislador foi, também aqui, proteger o patrimônio da sociedade, tentando evitar a sua descapitalização. Mas há questões a serem ainda amadurecidas quanto à aplicação do dispositivo em questão e que (aparentemente) não foram objeto de enfretamento pelo STJ. A primeira delas é suscitada por Arnoldo Wald, 58) ao ponderar que a solução dada pelo dispositivo em questão poderá criar uma série de problemas operacionais, “em especial, nas sociedades de forte cunho personalista, pois o cônjuge e os seus herdeiros caracterizam-se como terceiros estranhos ao corpo social” e que, portanto, não necessariamente terão a afinidade precisa para a manutenção do vínculo. A segunda é levantada por Silmara Juny Chinelato 59) ao ponderar que “a divisão periódica dos lucros” com o ex-cônjuge não pode se dar mediante uma interpretação “autoritária e irrefletida” do art. 1.027 do Código Civil. Isso porque a solução correta poderá variar em razão da pessoalidade da atividade do sócio, ou seja, “na prática, há cotas ou ações que possuem natureza de bem adquirido onerosamente na constância do casamento, ainda que só em nome de um dos cônjuges (art. 1.660, I, ou inserido no art. 1.667 CC) e outros casos em que as cotas têm natureza de instrumentos de profissão (art. 1.659, V c/c o art. 1.668, V, do CC)”. Há ainda mais duas questões lembradas por Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes. 60) Uma delas é que o dispositivo em comento não traz solução em favor dos herdeiros ou do ex-cônjuge visando a evitar que o exercício dos direitos políticos derivados da cota, em poder do ex-cônjuge que ostente a condição de sócio, possa trazer prejuízos aos benefícios econômicos a que aqueles têm direito. Sem dúvida, o ex-cônjuge que ostente a condição de sócio poderá prevalecer-se dessa situação para prejudicar os interesses dos terceiros. Ademais, “os herdeiros e o ex-cônjuge, por não revestirem a qualidade de sócios, tornam-se impedidos de pleitear diretamente em face da sociedade”, o que enfraquece o direito que lhes é assegurado. A outra é que, apesar do dispositivo trazer as expressões “desde logo” e “até que se liquide a sociedade”, a indicar que o impedimento aos terceiros de exigir a parte que lhes couber na cota é temporário, tal solução “apresentará contornos mais sensíveis quando se tratar de sociedade constituída por prazo indeterminado , hipótese em que o impedimento será permanente, quiçá vitalício”. Evidentemente que o contrato social poderá disciplinar distintamente, trazendo solução que contemple, por exemplo, a possibilidade de ingresso de novos sócios em tais circunstâncias. Mas nem sempre haverá uma previsão contratual de tal natureza. 5. Considerações finais O julgado em comento tem o enorme potencial de vir a se constituir em um novo paradigma na jurisprudência

dos tribunais brasileiros, em especial os estaduais, por lidarem mais especificamente com o enfrentamento da questão da partilha de bens dos herdeiros e cônjuges. Não apenas pela autoridade do tribunal prolator dessa decisão e sua função institucional de uniformizar a aplicação da lei federal em todo o território nacional, mas também porque flexibiliza um standard que até então era inquestionável, no caso a diferenciação entre sociedades empresárias e simples, para o fim de permitir ou não a partilha das quotas de sócios com herdeiros de cônjuge falecido, ou com ex-cônjuge por ocasião do fim da sociedade conjugal. O parâmetro até então defendido pela maioria da doutrina e reconhecido pela jurisprudência é de que as cotas sociais de sociedades simples seriam incomunicáveis nas hipóteses citadas, sob o fundamento de que elas seriam efetivamente destituídas de expressão ou valor econômico. Apresentariam, ao contrário, um nítido caráter personalíssimo, em razão do que poderiam ser equiparadas aos proventos do trabalho pessoal. Por isso mesmo, não se assentariam no esforço comum e, consequentemente, a participação societária em sociedades simples estaria excluída da comunhão de bens dos cônjuges, com base em interpretação extensiva aos bens incomunicáveis mencionados nos incisos V e VI do art. 1.659 do CC (“ bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão” e “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”) . Como visto, o STJ firmou entendimento diametralmente oposto, ou seja, de que as cotas sociais não se confundem com a atividade econômica desenvolvida pela sociedade (i.e., com o objeto social). Portanto, ainda quando o objeto social consista na exploração da atividade profissional intelectual de seus sócios, as suas respectivas participações societárias não podem ser equiparadas a proventos. Consequentemente, para a partilha de cotas sociais de inegável valor econômico, torna-se irrelevante saber se a correlata sociedade tem por objeto social a exploração de atividade empresarial ou a atividade profissional de seus sócios. O entendimento do STJ se afigura muito acertado pois revela algo que é essencial, ou seja, para fins de partilha, não importa a natureza da sociedade, i.e., se ela é simples ou empresária, mas o fato de que, em qualquer delas, pode haver valor patrimonial das cotas a ser apurado. Mesmo em uma sociedade simples, em especial quando essa natureza possa vir a ser imposta por lei (como no caso da sociedade de advogados), eventualmente, os diversos fatores de produção nos quais se inserem o exercício da profissão em si podem estar organizados e estruturados de tal sorte que a atividade reste desvinculada da pessoa do sócio, que apenas eventualmente a desempenhe. Nessas hipóteses, reputar incomunicável a participação societária do cônjuge nas sociedades, atribuindo-lhe a natureza de instrumento da profissão ou proventos do trabalho, seria um erro. Todavia, há duas distinções a serem feitas em casos futuros e que, ao que parece, mostram-se totalmente compatíveis com o entendimento esposado no julgado em comento. Com efeito, eventualmente as sociedades civis profissionais, em especial a de advogados, podem vir a se constituir realmente em uma sociedade civil de trabalho , cuja finalidade não é outra senão simplesmente servir de instrumento ou suporte ao lavor dos profissionais (advogados) que a integram. Nesses casos, é forçoso reconhecer que as cotas dessa sociedade serão destituídas de valor econômico representativo de um capital efetivo, e os lucros distribuídos não levarão em conta a participação de cada sócio no capital social, mas efetivamente o labor desenvolvido. De outro lado, nada impede que, em uma dada sociedade empresária, a atividade nela desenvolvida se confunda com o próprio trabalho do sócio (como, aliás, lembra Silmara Juny Chinelato 61)), hipótese em que as quotas sociais ou ações dessa sociedade caracterizam-se como verdadeiros instrumentos do exercício da própria profissão. A comunicabilidade das quotas sociais, nesses dois casos específicos, deve, portanto, ser afastada, rendendo homenagem à construção doutrinária até então existente sobre o tema, principalmente porque os contratos sociais dessas sociedades poderão não contemplar uma solução distinta daquela prevista no art. 1.027 do Código Civil (isto é, participação nos lucros até que se liquide a sociedade, sem qualquer limitação temporal). Nesses casos, o afastamento da incidência do art. 1.659, V e VI, poderá implicar na admissão de uma partilha sobre o valor do trabalho, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico. Antonio Lago Júnior

Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Civil pelo JusPodivm. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Civil da Unifacs. Membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo. Procurador do Estado da Bahia. Advogado. [email protected]

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