A inconstância da superfície: notas da expressão visual entre os Gavião Pyhcop catiji (Timbira Orientais\\MA). GT 013 - Antropologia das Sociedades Tradicionais. 29º Reunião Brasileira de Antropologia. Natal, 2014.

May 20, 2017 | Autor: Maycon Melo | Categoria: Anthropology, South American Indians
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A inconstância da superfície: notas da expressão visual entre os Gavião Pyhcopcatiji (Timbira Orientais\MA)1 Maycon Melo – Universidade Federal do Maranhão Resumo A produção de expressões visuais entre povos Timbira é algo notório desde quando Nimuendaju esteve com eles, porém até hoje sabemos pouco além da identificação e catalogação dos objetos e pinturas. Este texto se dedica a lançar conjecturas sobre a capacidade de imagens alterar superfícies (pele) e formas (corpo) entre os Gavião Pyhcopcatiji (TI Governador). O material de etnografias entre os Ramkokamekra (MA), os Krahõ (TO) e os Gavião, o escrito e o fotográfico, permitiu pensar nas relações que as imagens mediam com alteridades extra-humanas durante ritos de reclusão e na morte. Entre povos da Amazônia as imagens produzidas na relação com alteridades extrahumanas tem se revelado uma maneira de antropólogos(as) se aproximarem do pensamento estético e cosmológico ameríndio. As relações que as imagens acionam entre alteridades diferentes nos ritos de reclusão e na morte ligam pessoas e mundos, tornam visível àquilo que só é visível nestas circunstancias de alteração de superfícies e formas. Palavras-chave: Gavião Pyhcopcatiji, cosmologia, imagem.

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“Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.”

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Introdução Em 2012 o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) por meio do Programa Cultural Viva Timbira publicou Timbira, nossas coisas e saberes, livro que divulga e torna acessível a pesquisadores indígenas e não-indígenas um inventário do “patrimônio cultural timbira” disponível nos museus brasileiros. O inventário traz objetos, imagens e sons identificados e catalogados por equipes do CTI e por índios Timbira, apresenta também o Acervo Cultural Timbira que reúne mais de 500 horas de gravação, 20 mil fotos, livros e documentos. Segundo Nimuendaju (1944) a nação Timbira integra povos com mais de duzentos anos de contato e que ocupavam tradicionalmente uma grande extensão de terras que se estendia dos cerrados do norte ao antigo Goiás e sul do Maranhão.

Entre

os

Timbira

se

inclui

os

Gavião

Pyhcopcatiji

Ramkokamekra\Canela, os Apaniekrá\Canela, os Krikati, os Krenhe

,

os

e os

Krepumkateyê no estado do Maranhão, os Krahô em Tocantins e os Gavião Parkatejê no Pará, compondo o que o Nimuendaju chamou de Timbira orientais, e os Apinajé em Tocantins, compondo os Timbira ocidental. A relevância e grandiosidade do Acervo Cultural Timbira, digo não só pelo o quê contém, mas pela forma como foi construído, integrando interesses e conhecimentos dos índios envolvidos, tornou visível para mim que há quase cem anos viajantes, antropólogos e indigenistas se interessam por imagens dos povos Timbira. No entanto, o mais inquietante foi ver o interesse que agora os próprios índios lançam sobre suas imagens, registrando, catalogando e principalmente, se reapropriando de imagens\cantos\conhecimentos produzidos sobre si mesmo e que estavam adormecidos nas salas dos museus, ou em quartos de coleções particulares.

Depois de ler as

etnografias de povos Timbira e de iniciar o trabalho de campo com os Gavião Pyhcopcatiji (TI Governador\MA), fui percebendo que a importância que os índios atribuem a estas imagens não está apenas naquilo que elas representam no Acervo Cultural Timbira ou nos museus do país. A importância e o fascínio que a produção dessas imagens cria parece estar muito mais naquilo que elas fazem na superfície de corpos e objetos quando estão em relação de produção de outros corpos, objetos e da própria sociedade. As festas e rituais para os povos Timbira, os amji kin (festas, rituais) “podem ser compreendido como um ato de recriação de momentos primordiais” (Soares, 2010:104). 2

Como ocorrem com outros povos ameríndios (Viveiros de Castro, 1986), os rituais agem como um ato comunicativo estabelecido entre seres do universo, para que eles possam se reproduzir e manter o equilíbrio do cosmos. Parte dessa relação nos amji kin é impressa através de grafismos em corpos e objetos. As contribuições da antropologia que versam sobre o tema das expressões visuais e estética entre povos indígenas indicam que, através da forma impressa tradicionalmente em desenhos geométricos, o grafismo indígena se materializa em um modo de experiência coletiva destes povos que se manifesta visualmente, sobretudo, através

da

pintura

corporal

e

dos

objetos

(Velthen,2003,

Lagrou,

2007).

Especificamente entre os Timbira, em Os Timbira Orientais, Nimuendajú (1944) apresenta uma lista do que chama trajes e enfeites, incluindo objetos de palha, algodão, madeira, pinturas corporais e plumária. Crocker (1990) quando apresenta o ciclo de rituais entre os Ramkokamekra também menciona o uso do grafismo em objetos e pinturas fundamentais em tais ritos. No entanto, apenas recentemente com Rolande (2013) podemos conhecer mais sobre os estilos, padrões e a presença das imagens nos rituais de iniciação e nos ritos funerários Ramkokamekra\Canela. É com essa preocupação que o termo “arte” aqui, que abre o título do artigo, se volta ao plano das “artisticidades” entre povos ameríndios (Menezes Bastos, 2007). A artisticidade ajuda a compreender de forma global a importância relacional de domínios como a corporalidade, organização social, ritual, arte e xamanismo para a constituição de socialidades no mundo ameríndio. As descrições e análises das pesquisas que tratam das artes amazônicas, quando atentam para essa dimensão ontológica, “apontam-nas como experiências que efetivam processos de transformação, metamorfose, manutenção e renovação cosmológica[...] as artes muito mais do que produtos, são meios de administrar relações entre humanos e não-humanos” (Barcelos, Neto, 2008:34). Um sugestivo rendimento heurístico que estas abordagens indicam é a possibilidade de expandir a temática das imagens, das formas e suas relações com sistemas de cognição, a envolvendo a noção de pessoa e corpo enquanto algo construído por um sistema de relações sociais2.

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Na Melanésia, desde Leenhard (1947) a pessoa não é pensada como um ser indivisível, a discussão em torno da pessoa kanaque é feita a partir da idéia de que a pessoa só existe em meio às relações, constituindo-se na e pelas relações. Para chegar a esse ponto, Leenhardt segue as representações

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A relevância da noção de corpo entre os ameríndios é muito conhecida pelo artigo A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras (Da Matta; Seeger; Viveiros de Castro,1987), que explorou a perspectiva do corpo como instrumento e atividade que articula tanto significações sociais quanto cosmológicas, ou seja, como uma matriz de símbolos, um objeto de pensamento e não apenas um

suporte de

identidades e papéis sociais. Ainda sobre a noção de corpo, Damatta (1976) acrescenta a noção que entre os Apinajé a fabricação da pessoa é vista como um processo de “consubstancialização”, onde pessoas são produzidas por partilhar substâncias com outras pessoas, como comidas, cheiros, fluidos corporais e até pensamentos. Mitos de diferentes povos ameríndios confirmam esse fluxo nos corpos entre mundos e seres diferentes, uma vez que muitos objetos e conhecimentos usados por humanos tem origem em relações com alteridade extra-humana (Barcelos Neto, 2011). Parte dessa relação é impressa em estilos e temas gráficos e nesse aspecto a antropologia da arte tem criado novas possibilidades de pesquisa. As abordagens de Alfred Gell (1998), inspiradora de pesquisas sobre grafismo indígena na Amazonia, tomar as imagens enquanto forma de ação, não como linguagem ou sistema de comunicação, mas como sistema de ação com intenção de mudar o mundo ao invés de codificá-lo em proposições simbólicas. A abordagem de Gell está centrada no papel prático da mediação dos objetos de arte no processo social. Talvez desde Levi-Strauss (1947) em A serpente de corpo repleto de peixes já pudéssemos supor que o mito não é legenda de desenho e nem desenho ilustração de mito. As recentes pesquisas sobre grafismo indígena indicam que sistemas de pensamento podem ser sintetizados e expressos num tipo de “modelo reduzido” visível em imagens e em

empíricas, estéticas e míticas que o melanésio tem de seu corpo. Temos a noção de pessoa que só existe enquanto lugar de encontro de diferentes tipos de relações, o corpo só existe como suporte desse fluxo, como suporte dessa substância. Especialistas na Melanésia como Strathern (1988), iniciados pela discussão de Mauss e Leenhardt, vão afirmar que o pensamento melanésio age a partir de justaposições, um movimento permanente entre unidades e multiplicidades onde nada é fixo. A posição das pessoas nesse modelo, umas com respeito as outras, exige que cada uma perceba essa relação ao mesmo tempo de seu ponto de vista e do ponto de vista do outro. Uma abordagem muito sugestiva as questões sociocosmológicas entre os ameríndios.

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objetos 3. A partir dessa abordagem uma série de pesquisas tem pensado as qualidades dos estilos visuais como variações da expressão mítica (Gow, 2001, Velthon, 2003). Este artigo traz observações iniciais sobre parentesco e organização social dos Gavião Pyhcopcatiji, focalizando a ideia de que iconografias acionadas nos ritos de reclusão e na morte são uma forma de compreender as relações estabelecidas com outros seres, nos aproximando do pensamento cosmológico e político Gavião Pyhcopcatiji. Na primeira parte do texto faço uma breve apresentação de aspectos da organização social e parentesco Gavião Pyhcopcatiji. A segunda parte descreve como imagens acionam relações entre os índios e seres não-humanos em rituais de reclusão dos Ramkokamekra\Canela. E por fim, a partir de noções iniciais da escatologia Gavião Pyhcopcatiji, descrevo como imagens acionam um tipo de trabalho sobre superfícies, alterando formas em uma dinâmica transformacional assim como os mecarõõ (espíritosplural de alma) fazem com os corpos4. 2 Os Gavião Pyhcopcatiji Os Gavião Pyhcopcatiji estão entre os povos da família linguística Jê Setentrional, junto com os outros Timbira se reconhecem uns aos outros através de afinidades culturais e linguísticas, possuíam os cabelos cortados da mesma maneira, botoques auriculares, aldeias com casas dispostas em circulo com pátio e caminhos radiais e praticam corridas de tora (Nimuendaju, 1944, Azanha, 1984). O histórico de ocupação das terras Gavião Pyhcopcatiji possui dois períodos segundo Barata (1981). O primeiro teve início nos fins do século XVIII e início do XIX, quando o território habitado pelos Timbira é invadido por duas frentes de expansão: a frente pastoril, originária da Bahia e Pernambuco e a frente agrícola que vinha do Pará. A frente pastoril, a mais danosa aos povos Timbira, foi se internalizando pelos sertões em busca de novos pastos, o que criou uma verdadeira guerra por terras (Melatti, 1967). Quando os conflitos armados iniciaram os índios resistiram bravamente durante as 3

A idéia de modelo reduzido “não é, portanto, uma simples projeção. Um homólogo passivo do objeto: constitui uma verdadeira experiência sobre o objeto” (Levi-Strauss, 2008:39). 4

É preciso deixar claro que trago apenas impressões iniciais do trabalho de campo iniciado em 2014 entre os Gavião Pyhcopcatiji da Aldeia Governador. A possibilidade de avançar em certas questões se deve em grande medida ao auxilio prestado por Jonas Polino Sansão, Pynheh, que me disponibilizou o material das pesquisas que desenvolve com seu próprio povo, um amigo com quem mantenho intenso diálogo e gratidão.

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“guerras de pacificação”. No entanto, enfraquecidos, os índios Gavião Pyhcopcatiji foram em fim pacificados e por volta de 1858 negociavam em busca de paz (Nimuendaju, 1944). O segundo período de ocupação inicia-se em meados de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, diante da perspectiva de abertura da Rodovia Belém-Brasília. Como a estrada ajudava o escoamento da produção vieram primeiro nordestinos atrás de condições de trabalho, depois os grandes fazendeiros do sul da Bahia, Minas Gerais e São Paulo, os chamados “sulistas” que promoveram uma súbita valorização das terras. Os “sulistas” penetraram na região em busca de terras consideradas de melhor qualidade, o que resultou num processo de expropriação de pequenos lavradores instalados desde o primeiro período de ocupação naquelas terras. Criou-se um novo movimento de interiorização, novos centros urbanos surgiram e os “sulistas” formam obrigados a “comprar” terras localizadas em área indígena. Foi somente em 1960 que missionários da New Tribes se instalaram entre os Gavião Pyhcopcatiji e em 1970 a FUNAI se fez presente instalando o PI Governador. (Barata, 1981). Na Aldeia Governador, a disposição das casas segue a forma circular encontrada entre os Timbira com pátio central, caminhos radiais e uma área circular em torno das casas5. Inicialmente identifiquei nas casas dos Gavião Pyhcopcatiji, assim como Lave (1967) entre os Krikati, duas unidades domésticas relacionadas na produção e distribuição de alimentos e bens, o que compõe grupos que se relacionam fora do círculo central do pátio. São as “famílias elementares”, pai, esposa e filhos e o “grupo doméstico”, duas ou mais famílias elementares que partilham da mesma casa com origem comum6.

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Para os Krahõ o pátio recebe o nome de ke, os caminhos que ligam o pátio as casas de prikara e o caminho circular que passa adiante das casas de krikapé (Melatti, 1978:34). Os Ramkokamekra chamam o centro da aldeia, o pátio, de càà, os caminhos radiais de cáà ma pry e o circulo formado pelas casas constitui a “periferia” (Ladeira, 1982:20). Segundo a autora o espaço da aldeia permite aos Timbira conhecer o universo classificando seres e coisas a partir dela. A forma da aldeia inscreve as relações sociais no espaço, delimita o relacionamento entre pessoas e seres. 6

Lave (idem:37) esteve em aldeias dos Gavião Pukoye durante seu trabalho com os Krikati e mesmo reconhecendo que a nominação entre os povos Timbira depende da relação estabelecida entre eles, como afirma Azanha (1984), diz serem Krikati e Pukoye iguais na organização social. No entanto, Newton (1971) durante sua pesquisa sobre a produção material dos Krikati afirma que os dois são distantes socialmente um do outro para manter uma significativa diversidade cultural entre si. É importante frisar que o que trago neste artigo são notas iniciais de um trabalho de campo com os Gavião Pyhcopcatiji da Aldeia Governador (TI Governador) que precisam ser melhor investigados.

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Assim como outros povos Timbira (Laderia, 1982), os Gavião Pyhcopcatiji parecem recorrer a um sistema de residência pós-matrimonial uxorilocal, os homens quando se casam vão residir na casa da esposa e atos de nominação parecem manter forte o vínculo com a casa de origem do homem, onde estão os sobrinhos que levam seu nome. Entre os Timbira, “os grupos se diferenciam a partir do parentesco e da nominação, do recebimento dos nomes próprios de cada individuo que o situam perante a sociedade” (idem:21). O Ato da nominação, onde os meninos recebem o nome do irmão da mãe e meninas o nome da irmã do pai, torna o nomeado herdeiro de tudo o que o nome representa; criam-se formas de relação a partir da relação de parentesco e da nominação. Através da pesquisa de Sansão (2011), entre os Gavião Pyhcopcatiji é possível identificar o mesmo sistema de pares de metades e subgrupos encontrados com outros povos Timbira7. Através do nome pessoal os indivíduos, homens e mulheres no caso dos Gavião, são situados em metades sazonais nas quais mantem relações cerimoniais. Um determinado conjunto de nomes situa o nomeado em uma das metades da aldeia, Capii e Cajcýr. A metade Capii se posiciona em direção ao nascente, está associada ao fogo, a estação seca, a cor vermelha e realiza pinturas corporais em linhas verticais. A metade Cajcýr se posiciona em direção ao poente, está associada à água, a estação 7

Entre os Ramkokamekra\Canela um determinado conjunto de nomes situa o nomeado em uma das metades da aldeia, Khoikateye e Haracateye A metade Khoikateye se posiciona em direção ao nascer do sol e a metade Haracateye em direção ao por do sol. Através do nome recebido o nomeado também é situado em uma das metades cerimoniais, Cààmãakra (filhos do pátio\leste\fogo\seca\vermelho\pintura em linhas verticais) e Atycmâakra (filhos do fundo da casa\oeste\lua\chuva\preto\pintura em linhas horizontais). Entre os Ramkokamekra um determinado conjunto de nomes situa o nomeado em uma das metades da aldeia, Khoikateye e Haracateye A metade Khoikateye se posiciona em direção ao nascer do sol e a metade Haracateye em direção ao por do sol. Através do nome recebido o nomeado também é situado em uma das metades cerimoniais, Cààmãakra (filhos do pátio\leste\fogo\seca\vermelho\pintura em linhas verticais) e Atycmâakra (filhos do fundo da casa\oeste\lua\chuva\preto\pintura em linhas horizontais) (Nimuendaju, 1944, Crocker, 1990, Almeida, 2009). Para os Krahõ as metades Wakmeye ou Kekateye (ke=na direção do pátio\ leste\ seca \sol\pinturas em linhas verticais) e Katamye ou Atikma (ati=atrás da casa\oeste\chuva\lua\pinturas em linhas horizontais) correspondem as chamadas metades cerimoniais Atycmâakra e Cààmãakra dos Ramkokamekra. Cada individuo pertence a metade de acordo com o nome que recebeu. Quando o indivíduo é incluído em uma das classes de idade é novamente situado entre as metades que também se subdividem: Khoikateye (leste - Kaprikham “garça”\Yõkrãikham “pássaro”\Kapranpókhan “tartaruga”\Prótikham “jenipapo”) e Harakateye (oeste – Rópókham “suçuarana”\Kupakham “cipó”\Põhikham “milho”) (Melatti, 1978). Algumas dessas metades tem relação com o sistema de parentesco uma vez que situam o individuo a partir do nome pessoal, mas nenhum desses pares entre os Krahõ regulam matrimônios ou influenciam o sistema político.

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chuvosa, a cor preta e realiza pinturas corporais em linhas horizontais. Através dessas metades, de forma que ainda desconheço, os indivíduos são incluídos em outros subgrupos que atuam em ocasiões cerimoniais: Capii (Coh’cry “tapuã” - Quitre “periquito” - Pýtre “tamanduá” - Croore “raposa”) e Cajcýr (Myy “ema” - Cangy “cobra” - Xip „morcego” - Côncaa “águia”).

Coh’cry

Myy

(Tapuá)

(Ema)

Pytre (Tamandua)

Croore (Raposa)

Cangy

CAJCYR

W

(Periquito)

CAPII

Quitre

(Cobra)

Xip

E

(Morcego)

Côncaa (Águia)

Figura 01: Metades cerimoniais e grupos do pátio Gavião Phycopcatiji

(Aldeia

Governador\TI Governador) Estes subgrupos são acionados na realização do que parece ser um ciclo ritual dos Gavião Pyhcopcatiji (Sansão, 2011), que assim como o ciclo de festivais dos Ramkokamekra\Canela, quando acontece “se realiza da „mesma‟ forma, duram um dia ou várias semanas e tem em alguns deles meninos ou meninas de prestígio social associados aos grupos festivos (Crocker, 1990). As festas e rituais identificados por Sansão (2011) entre os Gavião Pyhcopcatiji são: Ehjcrere, festa relacionada a reclusão de adolescentes do sexo masculino e feminino e que depende do nome pessoal. Ruurut, festa relacionada a reclusão de jovens do sexo masculino e feminino que depende do 8

nome pessoal. Cyjxut, festa realizada na época do plantio do milho para garantir uma boa produção. Cohcuj, festa onde grupos fazem papel de crianças, onde choram, gritam, pulam e pedem. Pôhyh’pry, festa onde acontece o jogo de peteca, feita com palha de milho e por fim, Wyty Crecre, festa com mascaras do tamanho de um homem e que dependem do nome para determinar a realização8. A breve apresentação de aspectos da estrutura social dos Gavião Pyhcopcatiji procura se articular com questões especificas da experiência visual destes povos. A parte seguinte do texto descreve como imagens acionam relações em rituais de reclusão e em questões relacionadas com a morte. Em um primeiro momento temos o ritual de reclusão Khêêtúwayê, dos Ramkokamekra\Canela, num segundo a instabilidade entre superfícies e formas na concepção dos Gavião Pyhcopcatiji sobre o carõõ . 3 Notas da experiência visual entre povos Timbira. 3.1 Fixar formas . A dissertação de Nelma Rolandes (2012) sobre a ornamentação corporal dos Ramkokamekra\Canela em ritos de reclusão e na morte, nos diz como as expressões visuais acionadas nestes contextos instituem lugares sociais na organização política da aldeia e constroem corpos.9 Nela e em outras etnografias podemos observar como os ritos entre os Ramkokamekra\Canela fortalecem e constituem corpos, especificamente masculinos. O trecho do mito a seguir narra o aprendizado do ritual Khêêtúwayê com os mekarõ (alma de defunto no plural “espíritos”). O grande gavião Hak-ti já tinha devorado tantos habitantes da aldeia que os sobreviventes resolveram fugir. Um menino que se tinha retardado na roça, nada sabendo da resolução que os outros tinham tomado ficou atrás só. Quando ele, já tarde, resolveu voltar para casa e chegou na aldeia abandonada ele notou que no pátio um grande 8

Na descrição de Melatti (1978) dos ritos Krahõ, sejam os ritos do ciclo anual, quanto os ritos de iniciação, encontramos vários semelhanças com as descrições de Sansão (2011) que merecem serem pensadas mais detalhadamente. 9

Em sua etnografia as expressões visuais ganharam a centralidade da abordagem antropológica e vinculam-se com a formação de corpos, criando diálogo entre a produção de imagens e a noção de pessoa abordada em outras pesquisas com os Ramkokamekra (Oliveira, 2008, Almeida, 2009, Panet, 2010) O trabalho de Rolande (2012) traz um levantamento de padrões e motivos gráficos identificados entre os Ramkokamekra, um material que deve fomentar ainda muitas questões.

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número de vultos pintados de vermelho estavam cantando e dançando. Sem mais nem menos o menino quis aproximar-se, quando foi detido pela sombra de seu finado tio que o aconselhou de rodear a aldeia por fora. Mas as almas de defuntos no pátio já o haviam descoberto: “Olhem, aí vem um menino!” gritou uma. “Ele é meu!” gritou uma segunda. “Não, ele é meu!” uma terceira. Então o menino fugiu. Fora da aldeia porém ele subiu a uma árvore alta, de onde ele podia dar uma vista d‟olho para o pátio. Viu então como das casas foi trazida alguma coisa para as almas. Estas se ajoelharam, colocaram ambas as mãos em concha abaixo da boca, recebendo nesta posição a comida invisível. Depois recomeçaram a dança e cantiga: “Hamuyé-hé hamuyé-ahó! Hamuyé-hé hamuyé-ahó!” e outras cantigas que o menino não conseguiu reter. Quando ele finalmente alcançou outra vez a gente dele ele ensinou-lhes a cantiga das almas de defuntos (Nimuendaju, 1944:128-129).

No Khêêtúwayê os iniciados são submetidos a um processo de reclusão coletiva. Todos os dias são chamados ao pátio para cantarem um conjunto de canções, que são orientadas por cantadores, mas ensinadas pelos mekarõ. Segundo Carneiro da Cunha (1978) para os Krahõ os mekarõ seria a palavra usada para o plural de karõ, substância vital que habita o corpo de todos os seres sobre a terra, embora os abandone temporariamente em sonhos, doenças e definitivamente na morte. A morte por sua vez não seria uma passagem abrupta de estado entre vivos e mortos, mas um processo que pode ser reversível até que o karõ se instale na aldeia dos mekarõ, espaço complementar e o posto a aldeia dos vivos. Se a substância vital dos seres é algo fluido, que se move entre corpos diferentes no universo, o corpo apenas empresta uma forma mais estável para o karõ. Se seguirmos a descrição do rito, além das cantigas, todos os dias os iniciados são banhados para que o corpo cresça forte e, após cantarem no pátio, tem as cabeças lavadas para limpar do corpo da presença dos mekarõ. Segundo Nimuendaju (1944:131) isto os auxilia a separar dos seus corpos as almas dos mortos, aproximadas pelas cantigas. O cuidado com o banho está relacionado com a noção de “corpo forte” entre os Ramkokamekra\Canela (Oliveira, 2008), “corpo forte” construído a partir do comprimento dos resguardos a fim de evitar seu enfraquecimento, doenças e a morte. É em referência a este “corpo forte” que as cantigas aprendidas com os mekarõ durante o Khêêtúwayê falam da resistência das pedras, da arara e do capim, sendo cantigas que só podem ser cantadas no ritual (Rolande,2012). Nessa fase inicial do rito podemos notar o não uso de expressões visuais no corpo do recluso. Parece não se tratar apenas de ausência, mas de uma intencionalidade 10

em manter os corpos protegidos no interior das casas cerimoniais. No ritual do Pepjê essa prerrogativa parece ainda mais forte, é proibida aos iniciados a exposição à luz do sol, a pele clara é sinal de resguardo e de purificação (Crocker, 2009). No Khêêtúwayê durante o período de reclusão, quando estão aprendendo as cantigas ensinadas pelos mekarõ, os iniciados estão diretamente expostos à ação destes últimos. Os khêêtúwayê precisam aprender como aproximar e afastar os mekarõ, nem todos se tornaram necessariamente pajé, mas todos devem saber como manter o “corpo forte”, e para isso é preciso saber afastar e aproximar os mekarõ quando for necessário. A relação estabelecida entre o corpo do recluso e os mekarõ parece encontrar diálogo com a idéia de “familiarização”, desenvolvida por Fausto (2001). Se uma das principais características das sociocosmologias ameríndias é a constante transformação entre seres e mundos, o processo de “familiarização” produz um novo corpo por um lento processo de se acostumar emocionalmente e corporalmente com a forma de um “outro”, que é a marca da alteridade, nesse caso os mekarõ10. No momento em que os iniciados cantam estão sob os olhares dos cantadores que já passaram por esse mesmo ritual, ou seja, que já aprenderam como aprender com os mekarõ a se tornarem bons cantadores. Nesse processo de aprender as cantigas com os mekarõ o corpo parece ter a pele permeável a influências exteriores, que não seriam ingeridas apenas pelos orifícios, mas por todo o corpo. O banho após as cantigas no pátio, assim como os resguardos que tornam o “corpo forte”, indicam a preocupação dos Ramkokamekra\Canela em tentar controlar as substâncias que percorrem o corpo dos iniciados na relação com os mekarõ. Estas concepções indicam que a preocupação parece estar mais focalizada na superfície do corpo do que em questões anatômicas ou fisiológicas. A emplumação, principal marca visual dos Khêêtúwayê, indica como os Ramkokamekra\Canela tornam ainda mais visível essa relação com os mekarõ através do corpo.

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Crocker (1990) fala de emparelhamento em relação de complementariedade e de oposição, sendo que em alguns momentos pode haver alteração entre as categorias. A observação de resguardos transformam o caçador de relação de oposição a caça a relação de emparelhamento complementar com a mesma caça. Optei pela abordagem de Fausto (2001) por seguir o conceito de predação, que possui valor heurístico relacionado com a necessidade do elemento exterior, desconhecido e fundamental para reprodução das sociedades ameríndias. (Viveiros de Castro, Carneiro da Cunha, 1985; Viveiros de Castro, 2002)

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O ser mítico Hak-ti (grande gavião) também faz parte do mito no qual o ritual de reclusão Pepjê teria surgido. “Em tempos antigos havia um gavião gigante, Hak-ti, que tinha seu ninho num paredão de pedras. De vez enquanto ele avoava sobre a aldeia dos Ramkokamekra, agarrava um dos habitantes e, carregando ao ninho, os devorava” (Nimuendaju, 1944: 139). Kekunã e Ahkrei, netos de Kohkot Jóhtomre, entraram em reclusão para se tornarem fortes guerreiro, matarem Hak-ti e assim vingarem a morte de sua mãe. Essa menção a outro segmento do mito onde vemos Hak-ti, nos ajuda a pensar a posição de agente da ação que o ser mítico ocupava frente aos índios, já que pessoas poderiam ser mortas e aldeias desaparecer se ele assim desejasse. É importante ressaltar que aves de rapina, jaguar (onças) e serpentes são considerados predadores ontológicos entre mitos de vários povos ameríndios. A emplumação no Khêêtúwayê parece indicar um tipo de relação que incorpora conhecimentos através de relações predatórias com Hak-ti, deslocando a posição de sujeito e objeto da ação conforme o mito narra. Sobre o tema da predação na Amazônia Viveiros de Castro e Carneiro da Cunha (1985) falam de um aumento de poder do matador que incorpora, através de resguardos e restrições, a alma de sua vítima, tornando-se eu, membro da comunidade, e outro, membro do exterior, o inimigo. As pesquisas que se seguiram entre outros povos amazônicos indicam que a predação entre ameríndios pertence ao mundo das trocas, é preciso afinizar e familiarizar para poder incorporar, seja porque é preciso afastar o demasiado próximo, seja porque é preciso determinar o indeterminado (Viveiros de Castro, 2002:166). Quando no final do Khêêtúwayê os iniciados aparecem no centro do pátio com o corpo coberto de plumas, a imagem é menos representação da “força”, “coragem” transmitida pelo gavião aos iniciados do que a própria materialidade de Hak-ti, que através de uma elaboração estética torna visível aquilo que só é visto em sonhos ou pelo pajé. A imagem “cópia” do gavião na emplumação dos corpos dos iniciados parece conter, como as máscaras para os Wauja (Barcelos Neto, 2008), uma materialidade em si mesmo que vivifica seres exclusivamente nestas situações. Segundo o autor a natureza transformacional dos seres nas cosmologias ameríndias se baseia na noção de “roupa”, pressupondo que tais seres podem se “vestir” com a roupa de outros seres, animais, plantas e não-humanos, criando relações que só são permitidas devido a essa condição instável da noção de “roupa”.

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Para os Ramkokamekra\Canela ao incorporar o conhecimento relacionado aos cuidados necessários para afastar e aproximar os mekarõ, acionando a imagem de Hakti através da emplumação, os Ramkokamekra\Canela indicam como devem ser as relações com os outros seres para garantirem sua posição dentro da humanidade. A imagem produzida com a emplumação alude a relações, liga mundos diferentes e ao apontar a interdependência entre seres nos possibilita pensar em regimes de alteridade importantes para compreender o pensamento estético e cosmológico entre povos Timbira. 3.2 Superfícies alteradas. O mito e a narrativa que apresento fazem parte do material produzido por Jonas Sansão (2011), índio Gavião Pyhcopcatiji, graduado em Licenciatura Intercultural Indígena pela Universidade Federal de Goiás e ativista do movimento indígena na Amazônia. Durante o tempo que estive com Jonas na aldeia Governador (TI Governador) e em Carolina\MA, cidade sede da Wyty Cate Associação Timbira, conversamos sobre os mecarõõ. Entre os Krahõ eles são vistos em sonhos, no meio do mato quando as pessoas estão sozinhas e a noite, também por xamãs em sessões individuais, “o conhecimento parece ser reservado para os curadores e aqueles em potencial” nos diz Carneiro da Cunha (1978:114). O mito e a narrativa que indica aspectos da escatologia Gavião Pyhcopcatiji me ajudam a pensar a criação de imagens em sua relação com os mecarõõ a partir da morte ou de sua eminência. Apresento primeiro um trecho do mito de criação da humanidade, nele Pyhtry (sol) e Pyht (lua), protagonizam uma série de eventos de criação do mundo e das coisas que estão nele. No começo não existia nada. Só havia o Sol e a Lua, que andavam na Terra. O Sol era mais inteligente e inventava tudo; e a Lua acompanhava. O Sol fazia a roça, mas não era ele quem trabalhava: ele botava as ferramentas para trabalhar sozinhas. Um dia, a Lua escutou o barulho das ferramentas trabalhando e foi até lá espiar. Chegando lá, as ferramentas se deitaram, ficaram paradas no chão. A Lua então ordenou que as ferramentas trabalhassem, mas, como elas não obedeceram ao seu comando, a Lua pegou o machado e bateu na madeira, porque ele não trabalhava mais. A partir de então, as ferramentas passaram a não trabalhar mais por si sós; por isso, as pessoas têm que fazer força com elas, hoje em dia [...] O Sol e a Lua estavam chupando laranja. O Sol jogou o bagaço da laranja no riacho; ele afundou e subiu de volta. Então o Sol explicou para a Lua que quando morrêssemos, nós seríamos assim: afundando e depois 13

voltando para fora. A Lua discordou: pegou uma pedra e jogou no riacho, dizendo que, quando morrêssemos, nós simplesmente afundaríamos. (Sansão, 2011:12)

A origem da morte enquanto evento irremediável foi observada também por Carneiro da Cunha (1978:20) entre os Krahõ, “dois ritos funerários que, no mito, dão conta do caráter diverso da morte: morte seguida de ressurreição e uma morte irremediável”. Para os Krahõ a noção de karõ está relacionada a uma substância vital, a um princípio que regula o surgimento de novas formas ao destino post mortem do homem. Os mekarõ podem morrer varias vezes e se revestir na aparência de animais de grande porte, de porte menor, pedra, cupim e por fim de toco de árvore (idem). Entre os Gavião Pyhcopcatiji a noção de carõõ os aproxima dessa idéia de substância vital. Segundo Jonas, todos os seres possuem carõõ, que ele me traduziu como alma. O carõõ apenas habita o corpo, mas não parece existir carõõ sem corpo, mesmo que o corpo (forma) não seja humano. “O corpo da gente é como se fosse uma caixa do carõõ, o carõõ vem, entra e sai”, explicou Jonas. O carõõ sai do corpo por motivos de doença, feitiço ou morte, ao sair fica vagando como se estivesse entre dois universos, o dos vivos e dos mortos. Nesse ínterim, a alma e sua condição visual estão passando por um processo, ainda não está com os mecarõõ, mas também não pode mais estar com os vivos na aldeia. Jonas conta que desde menino viu almas. O trecho abaixo foi retirado de meu diário de campo e narra um desses encontros. Certa vez eu tive um sonho e me dizia que alguém muito próximo de mim iria morrer. Eu fiquei pensando muito naquilo. Em um dia, enquanto voltava de Amarante do Maranhão, a noite com minha mãe, nos voltávamos a pé, eu fiquei achando estranho ela comprar uma garrafa de pinga. Ela me disse que agente beberia no caminho. Próximo a entrada da aldeia, já na estrada que leva até as casas, eu percebi que tinha alguém caminhando junto com a gente pelo mato. Mas não era gente não. Ele tinha o caminho próprio dele pelo mato, não ia pelo limpo, o caminho dele era pelo mato. Ele era igual um homem, vestia calça, camisa comprida e do lado do rosto que andava virado para o meu lado era tudo escuro, eu não via nada só uma escuridão. A gente foi andando e eu olhando ele andando do nosso lado. Na última porteira antes de entrar na aldeia minha mãe parou para a gente beber. A alma também parou e sentou no chão junto com a gente. Eu estava irritado com ela e perguntei: por que você não volta para sua caixa, você vai ficar andando por ai, volta para sua caixa. A alma queria beber e eu disse: então bebe. Quando a gente usa alguma coisa que interessava a alma no tempo que ela estava na sua caixa ela volta para usar com você. Quando eu falei para ele tomar a tampa da garrafa se mexeu (Jonas Sansão, 2014).

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Giraldin (2012: 04) se referindo a morte entre os Timbira traz outra narrativa de uma mulher Pyhcopcatiji: Numa manha aconteceu a morte de um rapaz e todos foram orientados a não chorarem. Por volta das quatorze horas, a mãe do rapaz teve um desmaio e, alguns minutos depois, recobrou-se e começou a chorar [...] seu karõ viajou e encontrou o karõ de seu filho, que já estava em relacionamento com as “pessoas” dos mundos dos mortos.

Essa breve noção da escatologia Gavião nos permite pensar na dimensão transformacional instaurada entre superfícies pela ação do carõõ, que num movimento constante transformam a superfície de suas “caixas”, seja no mundo dos vivos ou no mundo dos mortos. A produção de imagens mentais como as da narrativa de Jonas, ou materialmente visíveis, como aquelas do ritual de reclusão dos Ramkokamekra\Canela, indicam transformações em via dupla. O corpo humano se altera e a forma que os mecarõõ assumem também. Parece ser a relação estabelecida através da produção de imagens que permite estabilizar momentaneamente este processo de constante transformação de um corpo em outro.

4 Considerações A produção de imagens foi pensada neste artigo enquanto mais uma possibilidade de se aproximar do pensamento estético e cosmológico entre povos Timbira. A pretensão não é criar generalidades, antes indicar que suas formas de expressão visual podem ser pensadas enquanto esforços em criar “modelos reduzidos” do mundo cosmológico. Esforço já realizado por outras etnografias (Barcelos Neto, 2002, Velthen, 2003, Lagrou, 2007). Uma vez que meu trabalho com os Gavião Pyhcopcatiji apenas inicia, o que fiz aqui são conjecturas. Até mesmo as comparações com os Ramkokamekra\Canela e Krahõ merecem mais atenção. Apenas as exegeses sobre os sentidos do rito, transcrições de mitos e cantos que acompanham estes nos aproximará da experiência visual dos Gavião Pyhcopcatiji. A cosmologia Gavião parece indicar uma certa instabilidade das formas (corpo) e superfícies (pele\objeto), na qual o carõõ funciona como substância que produz e destrói formas. Ao habitar um corpo, uma “caixa” segundo os Gavião, o carõõ lhe submete a um processo de alteração da superfície baseado em um tipo de relação de familiarização com este corpo outro. Digo, superfície, porque é basicamente sobre ela 15

que os índios lançam esforções na tentativa de controlar o fluxo de substâncias e imagens entre estes corpos, não na anatomia ou fisiologia dos mesmos. Familiarização porque o corpo (forma) ao ser submetido a um processo de alteração da sua aparência (superfície) o faz em uma relação onde a superfície lentamente se familiariza com a forma nova. Ao estabelecer as alterações na superfície torna-se o carõõ mesmo a própria coisa representada, torna viva a imagem mais do que a representa, pois a submete a imagem produzida a um contexto de relações entre seres em constante transformação. A produção dessas imagens são formas de nos aproximar do pensamento cosmológico e ontológico entre os povos Timbira. Essas imagens nos levam a refletir não só pelo que significam, mas pela forma como agenciam relações, inter-relacionando campos de ação e reflexão diferentes. Quando compreendemos as alterações através destas formas expressivas, criamos outra maneira de refletir sobre dimensões da vida social indígena que são manifestadas, principalmente, pela expressão não-verbal. Referências. ALMEIDA Mônica. A construção do ser Canela: dinâmicas educacionais na aldeia Escalvado. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós‐graduação em Ciências Sociais. São Luís, 2009. AZANHA, Gilberto. A forma Timbira: estrutura e resistência. Dissertação de mestrado apresentada à USP. São Paulo, 1984 . BARATA, Maria Helena. Os Pukobyê e os Kupen: análise de um drama. Disseratação – Programa de Pós-graduação em Antropologia do Departamento de Ciencias Sociais da Universidade de Brasília, 1981. BARCELOS NETO, Aristoteles. O universo visual dos xamãs wauja (Alto Xingu). Journal de la société des américanistes, vo l87, p.137-160, 2001. ____________________________A arte dos sonhos: uma iconografia ameríndia. Lisboa: Assirio & Alvin\Museu Nacional de Etnologia, 2002. ___________________________A serepente do corpo replete de canções: um tema amazônico sobre a arte do trançado. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, vol 54 n2, 2011. CARNEIRO DA CUNHA, M. Os mortos e os outros: uma análise do sistema funerário e da noção de pessoa entre os índios Krahó, São Paulo: Hicitec, 1978. CARNEIRO DA CUNHA, M; VIVEIROS DE CASTRO, E. Vingança e temporalidade: os Tupinamba. Journal de la société des américanistes,vol 71, p.191-208, 1985. 16

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