A incorporação tecnológica junto ao SUS determinada judicialmente e a Lei 12.401/2011

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde Coletiva
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Nº CNJ RELATOR APELANTE APELADO ADVOGADO REMETENTE ORIGEM

: 0022253-66.2007.4.02.5101 : JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO : UNIAO FEDERAL : GABRIEL DE OLIVEIRA BARBOSA REP/ P/ ADRIANA FERREIRA DE OLIVEIRA : NEREIDA M. G. P. MACHADO : JUIZO FEDERAL DA 21A VARA-RJ : VIGÉSIMA PRIMEIRA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200751010222538) RELATÓRIO

Cuida-se de Reexame Necessário e Apelação interposta pela UNIÃO (fls. 246/259) em face da sentença proferida pelo MM. Juízo da 21a Vara Federal do Rio de Janeiro (fls. 239/243), que julgou procedente o pedido, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar a entrega da medicação gasulfase 05 ml, para o tratamento de mucopolissacaridose do tipo VI (MPS VI ou síndrome de maroteaux-lamy). A União, em suas em suas razões, alega, em síntese, que o medicamento requerido não consta na relação de medicamentos excepcionais e não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), não sendo autorizada a sua comercialização no Brasil. Contrarrazões às fls. 280/286. Parecer do MPF às fls. 290/298, pela improcedência do Recurso. É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado VOTO O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Conforme relatado, cuida-se de Reexame Necessário e Apelação interposta pela UNIÃO (fls. 246/259) em face da sentença proferida pelo

MM. Juízo da 21a Vara Federal do Rio de Janeiro (fls. 239/243), que julgou procedente o pedido, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar a entrega da medicação gasulfase 05 ml, para o tratamento de mucopolissacaridose do tipo VI (MPS VI ou síndrome de maroteaux-lamy). Primeiramente, cabe consignar que é solidária entre os entes da Federação e tem assento constitucional a responsabilidade pelo fornecimento dos produtos e serviços públicos de saúde, o que não tolera exceções por lei e tampouco por normas administrativas, as quais se limitam a distribuir responsabilidades internamente e não servem de fundamento para negar direitos perante os interessados (STF, SL 47 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julg. 17.03.2010, DJ 30.04.2010). É papel do Poder Judiciário delimitar o núcleo duro dos direitos fundamentais, apontando quais produtos ou serviços de saúde são essenciais. Nesse contexto, o direito à saúde é judicialmente exigível da Administração, não apenas por omissão administrativa (em que o dever de prestação está prevista em lei), mas também por omissão legislativa, sempre que a essencialidade da prestação (mínimo existencial) estiver demonstrada. Porém, com efeito, o fenômeno da judicialização da saúde pública nem sempre diz respeito à jurisdição constitucional, porque grande parte dos conflitos referentes à oferta de produtos ou serviços de saúde se relaciona com a efetivação, pela Administração, de políticas de saúde já existentes em lei (STF, Segunda Turma, AI 734487 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ. 20.08.2010). A “reserva do possível” (unter dem Vorbehalt des Möglichen), segundo um precedente do Tribunal Constitucional Federal alemão (BVerfGE 33, 303), diz respeito a direitos de beneficiar-se de prestações do Estado já existentes, dos denominados direitos fundamentais derivados (grundrechtliche Verbürgung der Teilhabe), como por exemplo, os de participar de vagas existentes em universidades, e que se pode razoavelmente exigir da sociedade, ou seja, dentro dos recursos orçamentários. Isso não se confunde com os direitos fundamentais originários, que obrigam o legislador a criar prestações ainda não existentes. Nesse contexto, a falta de orçamento público não obsta a exigibilidade judicial do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Contudo, tratando-se de prestações de saúde vinculadas à lei (direitos fundamentais derivados), a reserva do possível deve ser observada, nos limites do orçamento, mas, neste caso, compete à Administração comprovar – e não apenas alegar - que o orçamento não comporta a satisfação da pretensão do demandante. A propósito, assinalou o Ministro Gilmar Mendes, no seu voto proferido na supracitada SL 47: “assim, a garantia judicial da prestação

individual de saúde, prima facie, estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de forma clara e concreta, caso a caso”. O princípio da igualdade a ser observado pela Administração não serve de justificativa para negar direitos subjetivos. Realmente, conceder a um cidadão um direito que também poderia ser estendido a todos os que estivessem na mesma situação, sem efetivamente estendê-lo, rompe com a ideia de igualdade. Porém, o erro está na Administração não estender esse benefício e não no Judiciário reconhecer o direito. O Demandante comprovou, pelos documentos médicos de fls. 15/17, proveniente da FIOCRUZ, sofrer de de mucopolissacaridose do tipo VI (MPS VI ou síndrome de maroteaux-lamy), sendo necessário o tratamento com o remédio galsulfase (naglazyme). Concluiu o laudo: “Assim sendo, é recomendável que seja iniciado para o paciente o tratamento de reposição enzimática com galsulfase (naglazyme). A dose recomendada é de 1 mg por quilo de peso a cada infusão, sendo as infusões semanais., necessárias ao longo de toda a vida. Considerando ser a MPS IV doença progressiva e incapacitante, é fundamental que o tratamento seja imediatamente iniciado, visando evitar maior comprometimento dos órgãos e sistemas do menino. Vale ressaltar que a irmã mais velha do paciente, similarmente afetada, evoluiu para óbito há alguns meses por complicações da MPS VI (doença cárdiopulmonar grave e compressão do centro respiratório). Espera-se que o tratamento de reposição enzimática possa evitar a progressão ainda maior da doença, que levará inexoravelmente a risco de vida”. No tocante à alegação de que o medicamento requerido não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em princípio, não há óbice para o Judiciário decidir sobre a incorporação de inovações tecnológicas junto ao SUS ou sobre o registro correspondente junto à ANVISA. A propósito, a vedação indicada no art. 19-T da Lei nº 8.080/90, com a redação da Lei nº 12.401/2011, está, naturalmente, condicionada a situações em que o comportamento da Administração não implica ilegalidade ou ofensa a direitos ou princípios fundamentais. No entanto, consta nos autos informação da ANVISA no sentido de que o remédio Naglazyme (galsulfase) já se encontra devidamente registrado pelo Órgão Regulador, constando inclusive “que naglazyme (galsulfase) é o único medicamento registrado na ANVISA para o tratamento da mucopolissacaridose tipo VI”, inexistindo qualquer produto

similar ou genérico a ele. Neste sentido, lucidamente discorreu o MPF de 1º Grau (v. fl. 234): “Da mesma forma, o Parecer Técnico nº 422/2008/NJ/SCTIE/MS (v. fls. 178/179), firmado por Consultora Técnica do Ministério da Saúde que, após atestar as características acima, alerta acerca das possíveis consequências adversas do uso do Gulsafase (Naglazyme), em função da ausência de registro p er an t e a A N V I S A , o q u e i m p ed i r i a su a comercialização no Brasil. Porém, conforme informado pela própria autarquia federal às fls. 221/222, o medicamento pleiteado nesta ação (naglazyme) foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, por meio da Resolução nº 251 de 30 de janeiro de 2009, o que afasta as preocupações da Ré e do Ministério Público Federal (fl. 127) nesse particular”. Assim, nego provimento à Remessa e à Apelação. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado EMENTA APELAÇÃO. DIREITO PÚBLICO À SAÚDE. EXIGIBILIDADE DO DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE PELO FORNECIMENTO RESERVA DO POSSÍVEL. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. 1. É solidária entre os entes da Federação e tem assento constitucional a responsabilidade pelo fornecimento dos produtos e serviços públicos de saúde, o que não tolera exceções por lei e tampouco por normas administrativas, as quais se limitam a distribuir responsabilidades internamente e não servem de fundamento para negar direitos perante os interessados (STF, SL 47 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julg. 17.03.2010, DJ 30.04.2010). 2. É papel do Poder Judiciário delimitar o núcleo duro dos direitos fundamentais, apontando quais produtos ou serviços de saúde são essenciais. Nesse contexto, o direito à saúde é judicialmente exigível da Administração, não apenas por omissão administrativa (em que o dever de prestação está prevista em lei), mas também por omissão legislativa,

sempre que a essencialidade da prestação (mínimo existencial) estiver demonstrada. Porém, com efeito, o fenômeno da judicialização da saúde pública nem sempre diz respeito à jurisdição constitucional, porque grande parte dos conflitos referentes à oferta de produtos ou serviços de saúde se relaciona com a efetivação, pela Administração, de políticas de saúde já existentes em lei (STF, Segunda Turma, AI 734487 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ. 20.08.2010). 3. A “reserva do possível” (unter dem Vorbehalt des Möglichen), segundo um precedente do Tribunal Constitucional Federal alemão (BVerfGE 33, 303), diz respeito a direitos de beneficiar-se de prestações do Estado já existentes, dos denominados direitos fundamentais derivados (grundrechtliche Verbürgung der Teilhabe), como por exemplo, os de participar de vagas existentes em universidades públicas, e que se pode razoavelmente exigir da sociedade, ou seja, dentro dos recursos orçamentários. Isso não se confunde com os direitos fundamentais originários, que obrigam o legislador a criar prestações ainda não existentes. Nesse contexto, a falta de orçamento público não obsta a exigibilidade judicial do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Contudo, tratando-se de prestações de saúde vinculadas à lei (direitos fundamentais derivados), a reserva do possível deve ser observada, nos limites do orçamento, mas, neste caso, compete à Administração comprovar – e não apenas alegar - que o orçamento não comporta a satisfação da pretensão do demandante. 4. O princípio da igualdade a ser observado pela Administração não serve de justificativa para negar direitos subjetivos. Realmente, conceder a um cidadão um direito que também poderia ser estendido a todos os que estivessem na mesma situação, sem efetivamente estendê-lo, rompe com a ideia de igualdade. Porém, o erro está na Administração não estender esse benefício e não no Judiciário reconhecer o direito. 5. Não há óbice para o Judiciário decidir sobre a incorporação de inovações tecnológicas junto ao SUS ou sobre o registro correspondente junto à ANVISA. A propósito, a vedação indicada no art. 19-T da Lei nº 8.080/90, com a redação da Lei nº 12.401/2011, está, naturalmente, condicionada a situações em que o comportamento da Administração não implique ilegalidade ou ofensa a direitos ou princípios fundamentais. 6. Negado provimento à Remessa e às Apelações. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à Remessa e à

Apelação, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 2012 (data do julgamento). RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

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