A Independência da Escócia – A negociação por trás do referendo

June 29, 2017 | Autor: Vívian Mello | Categoria: Scotland, Referedums
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A Independência da Escócia – A negociação por trás do referendo







São Paulo
2014

Vívian Bastos Mello

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Sumário

Introdução 4
Contextualização do Conflito 5
Análise do Processo de Negociação 9
Considerações Finais 15
Apêndice 17
Notas e Referências Bibliográficas 17











Introdução
Este trabalho tem como objetivo esboçar uma análise do processo de negociações para a questão separatista da Escócia com foco no momento que antecede o referendo. Para tanto, tentarei construir um quadro detalhado com o contexto do conflito, a identificação e análise dos atores internos e externos envolvidos, as técnicas de negociações utilizadas e, finalmente, algumas possíveis alternativas de soluções para a questão.
O referendo que levará a Escócia a se tornar independente, ou não, do Reino Unido (UK, sigla em inglês) é o resultado de um longo período de negociações que visaram aumentar a autonomia da Escócia com menor impacto possível para o grupo. Este processo de barganha posicional, permitiu a Westminster postergar um conflito que já se sabia inevitável. A Escócia teve tempo para articulação da oposição de forma a ter força política suficiente para assumir o governo e influenciar um processo de independência.
O referendo mostra o desgaste das relações pelo processo de negociação e a escolha em levar a decisão a uma terceira parte. Agora, com a decisão nas mãos da sociedade civil, smart power é a estratégia mais adequada para conseguir alterar a balança dos votos. O acompanhamento das pesquisas de opinião pública é fundamental para antever em que posição do tabuleiro cada partido estará durante e após o referendo.
Qualquer que seja o resultado final, um complicado processo de negociação acontecerá, seja para uma adaptação do novo Estado dentro do sistema internacional, seja para acomodação adequada e segura de uma Escócia com anseios separatistas dentro de UK. Motivo pelo qual a qualidade da relação entre os partidos, neste momento de confronto, será fundamental para o andamento das negociações subsequentes e a garantia da legitimidade da decisão deste referendo.
É importante ressaltar que este trabalho foi escrito antes do resultado do referendo.
Contextualização do conflito
"A Escócia deve ser um país independente?". A pergunta abre espaço para diversas indagações secundárias mas, "SIM" e "NÃO" serão as únicas opções disponíveis para cerca de 5 milhões de escoceses – 7% da população do Reino Unido - no próximo dia 18 de setembro. O resultado pode colocar fim a uma união de mais de 300 anos com País de Gales, Irlanda do Norte e Inglaterra, e balançar o sistema internacional.
Este momento é o resultado de um processo de mais de 30 anos de manobra do Partido Nacionalista Escocês (SNP, sigla em inglês). Sua liderança está nas mãos do chefe do governo escocês Alex Salmond, sob o slogan "Yes Scotland!". A campanha para este pleito dura 18 meses e, através de uma visão otimista (considerado por muitos como exacerbado), conseguiu aumentar sua influência na opinião escocesa sobre o tema de forma considerável.
O resultado das pesquisas de intenção de votos vem perturbando a oposição e a elite política no comando do Reino Unido. O que era até então considerado um delírio do SNP, está em vias de se tornar realidade. Sob o slogan "Better Together!", a campanha do "NO" tem como líder Alistair Darling, representante do Partido Trabalhista Britânico, e conta com o apoio dos Conservadores e dos Liberais Democratas. A campanha, até o momento, tratou de apresentar aos escoceses o cenário de incertezas no qual a Escócia estaria submetida no caso de independência. Mas a polarização partidária do grupo pode ter sido uma das fraquezas da campanha.
Uma Escócia independente não seria uma marca atraente para a história do Partido Conservador, a frente do parlamento em Westminster. Para o Partido Trabalhista, a saída da Escócia significa a diminuição da probabilidade de vencer nas próximas eleições, uma vez que este perde grande parte dos seus votos.
O desconforto da nação escocesa com as políticas de governo de Westminster já vem de longa data. Em 1979 aconteceu o primeiro referendo da Escócia pleiteando a criação de um Parlamento Escocês mas, os 52% de votos a favor não foram suficientes para Westminster acatar ao pedido. Em 1997 um segundo referendo foi realizado e com 74% de votos a favor, foi criado o Parlamento Escocês.
Ao contrário do que se esperava, isso não acalmou os ânimos do partido, mas funcionou para fortalecer o sentimento nacionalista. Ao mesmo tempo, a política intervencionista do Partido Trabalhista fez a economia escocesa despencar. Isso resultou na vitória do SNP nas eleições parlamentares de 2011. Em meados de 2013, com 69 dos 129 assentos no parlamento, SNP conseguiu a aprovação para realização do referendo de independência da Escócia.
A aprovação do referendo pode ser vista como uma opção do Primeiro Ministro Britânico para resolver um processo de negociações turbulentas com o SNP onde a ameaça de independência vinha causando reflexos negativos na estabilidade econômica de UK. Até então, Londres atendia ao desconforto do SNP com a cessão gradual de atos de autonomia. Hoje a Escócia, além de seu próprio Parlamento, tem uma considerável autonomia legislativa e consegue realizar a maior parte das suas decisões domésticas sem a consulta de Londres, que mantém sob sua tutela as decisões no âmbito da defesa, segurança nacional, pensões, previdências, impostos, economia e política externa.
Cameron, com um discurso inflado sobre as dificuldades que futuro novo Estado passaria, foi veemente ao afirmar que, saindo do Reino Unido, a Escócia não teria permissão para manter a libra esterlina como moeda nacional, e afirmou que isso até mesmo feriria a soberania do novo Estado. A Escócia aposta que com o "SIM" Londres mude de opinião, uma vez que uma diferença cambial causará reflexos negativos nas transações comercias entre as regiões. Para engrossar o discurso, SNP declarou que sem uma moeda unificada, a Escócia não irá assumir sua parte na dívida pública do Reino Unido.
A União Europeia foi clara ao afirmar que a probabilidade do novo Estado Escocês ser aceito no grupo é praticamente impossível. Com a separação ele teria que solicitar o (re)ingresso ao grupo. Para isso é necessária uma aprovação dos membros por unanimidade. A Espanha já afirmou ser contrária a independência da Escócia pois, isso daria força às manifestações separatistas de Catalunha e País Basco. Isso tudo ameaça a opção da adoção do euro como moeda nacional da Escócia. Ao mesmo tempo, há uma preocupação latente por parte da Escócia em relação à possível saída do Reino Unido do grupo da União Europeia. A Escócia considera vital permanecer dentro do grupo.
O leste da Ucrânia vê no "SIM" a oportunidade de ter seu referendo da anexação à Rússia reconhecido internacionalmente. O que complica ainda mais a vida da Escócia perante à União Europeia. Os EUA se dizem neutros sobre a questão, mas Obama disse que acredita na força na região unida, onde o Reino Unido sempre se mostrou como um bom aliado e um "forte, robusto e efetivo parceiro"1. Interessante apontar que, atendendo ao pedido dos EUA, a OTAN já realizou uma reunião com SNP onde este foi informado que, caso saia do Reino Unido, a Escócia perde a categoria de membro e, com isso, a proteção do "guarda-chuva nuclear".
Essa é uma questão complicada uma vez que as bases dos submarinos nucleares britânicos estão na Escócia. E o posicionamento antinuclear do SNP afeta diretamente a capacidade de multiple assure destruction britânica onde os submarinos fazem parte de arsenal inglês de second strike.
A China está apostando que o aumento de suas relações comerciais com UK dê motivações suficientes para que o Primeiro Ministro Britânico tome o controle da situação e garanta um Reino Unido forte, próspero e unido. A questão é ideia de que a separação da Escócia possa fortalecer os movimentos separatistas do Tibet e Xinjiang.
A Escócia se apoia no petróleo do Mar do Norte para garantir o status de nação rica. 90%
desse petróleo está em região escocesa e, segundo a Convenção da ONU sobre o direito do mar de 19822, a Escócia tem a garantia do controle da região no caso da separação. A estimativa é de uma produção de 58 bilhões de libras esterlinas até 2018. No entanto, Londres alega que o processo de extração está se tornando cada vez mais complicado devido a diminuição das reservas. E, a Escócia não teria condições de realizar a extração sem o amparo de UK. Outro item alegado é que as reservas estão se esgotando e que haverá uma diminuição considerável de petróleo na região nos próximos anos.
Outro ponto complicado para Salmond, foi a declaração da Ministra do Interior Britânica, Theresa May, sobre a adoção de um controle de fronteira e de imigração a partir da independência da Escócia. O SNP pretende aumentar a imigração na Escócia em 10% para ajudar o mercado interno. Para UK isso aumenta o risco da entrada de imigrantes ilegais a partir das fronteiras escocesas. E, quando se trata de imigração, a Escócia independente perde o direito de trânsito livre em UK e, por não ter garantia de sua aceitação como membro da União Europeia, não fará parte do acordo de Schengen.
Além dos dados apresentados, a Escócia possui uma identidade nacional muito forte. Isto está refletido na sua cultura e costumes. Seja através do kilt, da gaita de foles, da sua criatividade cultural e sistema educacional diferenciado. Características essas que não foram ameaçadas pelo Reino Unido durante o período de união.
Dentro deste cenário é evidente que qualquer que seja o desfecho do referendo, Escócia e Westminster dependerão de negociações estratégicas de qualidade para garantir a saúde de suas nações.


Análise do Processo de Negociação
A primeira coisa a se fazer ao iniciar um processo de negociação ou a análise de um processo de negociação, é desconstruir o conflito. Duas ferramentas são básicas nesse momento: a decomposição e a externalização do problema.
Quando começamos a analisar o caso do referendo da Escócia, o que me chama a atenção é a quantidade de negociações que levaram até o referendo, as negociações que se desenrolam durante o momento que antecede a data do referendo e, as negociações que surgirão após o resultado do referendo. Neste caso estamos tratando de três cenários temporais, dentre os quais, eu acredito que o último é o mais sensível no que se refere a manutenção de um maior grau possível de estabilidade dos Estados envolvidos. Mas, pelo fato do referendo ainda não ter sido realizado enquanto escrevo este trabalho, meu enfoque será dado ao segundo período do caso.
Como ponto de partida para entender as motivações e interesses envolvidos - itens estes que são as chaves para uma boa negociação - é preciso se perguntar o motivo da questão. Por que a Escócia quer se tornar um Estado independente?
Segundo Alex Salmond, a Escócia sozinha será um Estado mais rico, igualitário e autônomo. A região sempre se sentiu negligenciada e menosprezada por Westminster. A independência daria à Escócia uma voz que seria ouvida.
A ideia nacionalista sempre existiu na Escócia. A região possui sua identidade nacional muito bem determinada, o que a formação do Reino Unido nunca teve a intenção de destruir. Logo, embora o desejo de autodeterminação dos povos seja autêntico, a identidade nacional da Escócia não sofria danos suficientes para essa ser a justificativa do desejo de independência.
A ascensão do SNP no Parlamento Escocês facilitou as negociações domésticas uma vez que ganhou a maioria dos assentos do Parlamento. Agora, se dentro de casa o SNP conseguia manter-se como líder do governo e ser ouvido, em Westminster as coisas não aconteciam da mesma forma. A justificativa é simples, SNP não era maioria política no Parlamento em Londres. Com um perfil conservador, a austeridade do governo britânico não conseguia atender às aspirações do SNP. E as negociações que tinham como objetivo atender à demanda de maior autonomia à Escócia, foram articuladas com base da barganha posicional, persuasão e ameaça através do hard power do Reino Unido, refletido em sua posição no sistema internacional, nos seus aliados, na moeda forte e no poderio militar
Um dos elementos que pode ter sido o estopim para o SNP lutar pela independência, foi a maioria do parlamento britânico se posicionar a favor da saída de UK da União Europeia. A economia escocesa tem uma significativa interdependência com a EU e há um desejo dos jovens escoceses em encontrar uma nova realidade, um novo futuro, e os países europeus sempre fizeram os olhos desses jovens brilharem devido a possibilidade de maior liberdade e independência.
David Cameron, no meio do processo de barganha com a Escócia, pode ter visto o processo de referendo uma opção nas negociações, acreditando que seu hard power e soft power fossem suficientes para manter a imagem de um futuro duvidoso para o SNP e o povo escocês. A votação pode ser utilizada como uma opção de ferramenta de negociação na busca por ganhos mútuos quando tratamos com crenças e opiniões diferentes em posições imparciais que podem deteriorar o relacionamento das partes pelo longo período de barganha. O problema da barganha posicional é que prolonga um processo de possível acordo e fragiliza o relacionamento das partes.
Quanto aos interesses do SNP, a ideia de aumento da riqueza do país não é suficiente para o fracasso das negociações anteriores. Uma Escócia mais rica beneficiaria a UK como um todo. E com um processo de independência, embora ficando com 90% das reservas de petróleo, uma nova economia não conseguiria arcar com os custos crescente de um processo de extração cada mais complicado devido ao provável esgotamento das reservas. Não há dados precisos sobre nível das reservas e considera-se que a Escócia está calculando os lucros muito acima do real.
Outra acusação é de que com o grupo, a Escócia foi privada do seu potencial manufatureiro, industrial e de exportação, uma vez que esses mercados foram deslocados para Inglaterra. De fato, uma alteração desse cenário é muito improvável, uma vez que a geopolítica global foi responsável por essa mudança, especialmente com a entrada da Ásia no contexto.
Iniciar um novo Estado tem custo alto, o que compromete a riqueza do país. E um grande problema é a questão da moeda. O SNP afirma para o seu povo que a Escócia irá manter a libra esterlina, pois isso significaria uma redução de custos nas transações comerciais com o Reino Unido, o que beneficiaria ambas as partes. Na técnica de advertir o outro lado sobre os problemas advindos de sua decisão, Cameron afirmou que isso não teria a mínima possibilidade de acontecer uma vez que a Escócia independente não poderá utilizar a atual moeda (embora não se sabia como o controle da retirada da moeda de circulação seria feito por Londres). Enfrentando o hard power britânico, o SNP acredita que haverá uma mudança de opinião quando os resultados das urnas apontarem para uma Escócia independente.
Prendo-me neste item, porque isso é muito importante para determinarmos o interesse principal do SNP. Utilizando a libra esterlina, a Escócia estaria submetida as mesmas políticas conservadoras e austeras de Westminster. Seria diretamente influenciado e teria negociações constantes com Londres. O que muda é que não mais como um membro com direito a voto, e sim como um novo Estado, onde o SNP poderia ser ouvido e responder a posição da maioria partidária de Londres, com políticas domésticas independentes. Com a independência o SNP passaria ser a autoridade máxima da Escócia (abaixo do Chefe de Estado que continuaria sendo a Rainha Elizabeth II). Dessa forma, pode-se considerar que o desejo do SNP é autoridade legitimada.
Para a União Europeia, alguns países membros teriam relações comerciais ameaçadas pelas incertezas de um Reino Unido fora do grupo, a independência da Escócia trataria força aos movimentos separatistas da Espanha e legitimaria a anexação da Ucrânia à Rússia. Como spoilers, eles já declararam que seria praticamente impossível a entrada da Escócia no grupo.
Dois outros spoilers são EUA e China. Os EUA veriam uma Rússia realizando uma possível entrada na Europa com a anexação da Ucrânia. A China teme o fortalecimento de movimentos separatistas no seu território. Portanto, ambas nações, em reunião com David Cameron, disseram se manter neutras, mas esperam que o Reino Unido continue unido, pois é isso que dá solidez e demonstra a força daquela nação para o mundo. Recado dado e recebido. Cameron, há poucas semanas da data do referendo começou uma corrida para reforçar a campanha do "NO". Agora a negociação é com o povo escocês.
O objetivo do Primeiro Ministro é e sempre foi a manutenção da autoridade britânica e unidade e força do Reino Unido na ótica nacional e internacional.
O objetivo do grupo "NO" é a de manutenção da Escócia dentro do Reino Unido. E dentro deste segundo momento, o referendo, irei considerar este como um grupo único juntamente com o Parlamento do Reino Unido visto que, como um todo, o grupo tem como objetivo a permanência da Escócia.
Neste caso, o BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement) do SNP, embora com um otimismo exacerbado, é provável que o BATNA considerado foi a de uma Escócia ainda sob o Reino Unido mas representando uma maior ameaça, e uma voz mais forte dentro de Westminster refletindo a força do SNP. Para Westminster - o BATNA é uma Escócia independente.
O processo de tomada dessa decisão para adoção do referendo, deve ter sido tomada a partir de uma análise do que cada um perderia no pior cenário e do que cada um ganharia no melhor cenário. A comparação matemática dos dois panoramas deve ter sido o que levou a aprovação da realização de um referendo.
É possível também analisar o referendo como o momento de brinkmanship da negociação entre o SNP e Westminster. Ambos não tem controle do que realmente vai acontecer. Mas, se levarmos a eleição como uma nova fase da negociação e, calculando os riscos com a utilização da árvore de tomada de decisão, a falta de controle da opinião pública em um cenário de votação é questionável.
Por este ângulo, antes, stakeholders da negociação, o povo escocês passou a ator central no processo. Utilizando critérios objetivos, Darling e Salmond, passam a oferecer as informações para o povo tomar sua decisão. É também através da consideração das emoções humanas que é feito uma argumentação com base nos anseios e desejos do povo, utilizando de forma estratégica hard power e soft power – smart power - para exercer influência.
Tratando-se de um grupo não uniforme e com diferentes aspirações, a qualidade da relação e a capacidade de influenciar e persuadir ganha muito peso na negociação. Muitos tomarão sua decisão com base na opinião e aconselhamento de alguém que já possua um posicionamento – "indicação" - sobre o assunto. Outros tomarão sua decisão a partir da imagem criada de simpatia ou antipatia pelas partes. Portanto, credibilidade é um item muito importante nesta negociação.
O problema é que, diferentemente de uma eleição comum, a decisão dessas pessoas impactará no futuro dessas nações por séculos. Por se tratar de uma decisão com efeitos a longo prazo, a tática da exposição factual das consequências desta negociação foi utilizada por Darling. Westminster entrou apoiando a campanha de Darling e trazendo junto com exposição factual, a legitimação pela voz da liderança de UK sobre as fragilidades a que um novo Estado escocês estaria exposto. A voz do Parlamento de UK pode dar um ar de intimidação neste caso. Salmond também realiza a técnica da exposição factual, inclusive através de uma publicação de 600 páginas com esclarecimento de todas as possíveis questões que os eleitores tenham. Porém, adicionalmente, ele entendeu que agora não era uma conversa entre líderes políticos, mas uma conversa com a sociedade civil. Uma outra abordagem foi adotada, o que mostra a contextualização do conflito e das técnicas de negociações. O foco de Salmond foi no lado emocional e nas falhas cognitivas dos seres humanos. Essas falhas também ocorrem em se tratando com líderes políticos mas, dentro do contexto, o apelo emocional consegue trazer com mais facilidade o outro para o seu lado.
Salmond exaltou as riquezas e o potencial da Escócia, sua capacidade energética, seu pioneirismos e exportação de tecnologias de renováveis. Esses pontos aumentam o sentimento do orgulho nacionalista. Enfatizar as diferenças culturais ajuda a aumentar a imagem de "estranho", de "diferente" em relação ao outro, aumenta o sentimento de não pertencimento, neste caso a UK. Salmond afirma em seus discursos que muitas nações europeias de pequena extensão territorial possuem um desempenho de sucesso e são nações ricas e com alto bem estar social porque a nova ordem mundial tornou mais fácil a existência dos pequeno Estados. Com esse discurso, o sentimento de acolhimento também toma forma. Os dados e gráficos de Darling viraram figuras, ao passo que o discurso de Salmond virou sentimento, criando um significado na mente dos eleitores.
É interessante lembrar que cada resultado das pesquisas de opinião pública nada mais é do que a resposta do posicionamento de uma das partes no processo de negociação, o povo escocês. O BATNA da população escocesa é nada mais, nada menos do que continuar vivendo suas vidas como antes, sem nenhuma alteração. Em uma negociação, um quadro melhor do que o BATNA é o suficiente para se concluir a negociação e aceitar o negócio. O BATNA dessas pessoas, por enquanto, é a opção que Darling, como o apoio do Parlamento do Reino Unido, está oferecendo. Agora, SNP está mostrando para essas pessoas que existe uma outra opção.
Considerações Finais
Acredito que o choque das civilizações seja um processo mais conduzido do que natural. É legítima a busca pela autodeterminação dos povos mas, realizando uma análise cronológica do contexto deste conflito, é possível observar que o aumento do número de cidadãos escoceses a favor da independência aconteceu de forma diretamente proporcional ao trabalho de influência do SNP. E o esse deslocamento de pessoas do grupo contra a independência para o grupo a favor desta ocorre em um largo período de tempo.
Isso me leva a questionar a legitimidade do desejo separatista da Escócia. Há uma falta de espontaneidade, uma demora no processo de transferência do sentimento de medo para o de raiva, de revolta, e é esse sentimento que leva a ação, que leva a manifestação popular. A barreira do medo é derrubada quando as pessoas percebem que não estão sozinhas, que tem mais pessoas que compartilham da mesma indignação e do mesmo medo, do mesmo desejo de mudança. Isso é o que altera a estrutura de poder. A coerção, a persuasão, não fazem mais efeito e o povo percebe o seu poder.
A Escócia é um povo nacionalista em sua essência, com uma valorização à liberdade e uma identidade nacional muito bem demarcada. Mas não se deve confundir nacionalismo com separatismo. O separatismo é uma luta do SNP. E um conflito entre SNP e Westminster.
Uma vez identificado isto, a decisão de David Cameron foi de trazer para a mesa de debate a voz do povo escocês, talvez apostando que essa voz aumentaria o eco de seu próprio discurso. Mas isto parece não estar acontecendo. Talvez a situação não tivesse se tornado tão indefinida se a técnica da teoria dos jogos tivesse sido utilizada durante 18 meses entre do momento da decisão da realização do referendo até o dia do referendo. O que me parece é que Londres menosprezou o soft power do SNP e não participou do jogo enquanto teve a chance. O despertar aconteceu quando os stakeholders e os spoliers começaram a se agitar, levando pressão à situação.
É possível que se Londres tivesse observado cada jogada do SNP, repetido seu padrão de jogo, criado um diálogo indireto, ela tivesse uma maior previsibilidade e capacidade de mapear as estratégias de jogo do SNP, mitigando os riscos enquanto havia grande espaço de manobra. O passo posterior seria uma nova mesa de negociação para realizar um processo de concessão de autonomia política para a Escócia sem impactos negativos à economia e ao status do Reino Unido.
Outro ponto que se mostra evidente a partir da análise deste caso, é que Westminster menosprezou o poder do SNP e houve uma falha no processo de análise da tomada de decisão em relação a aprovação da realização do referendo. Minha afirmação parte da observação de que, se tivessem calculado o impacto de um referendo com um resultado a favor da separação, a posição de UK seria tão simples quanto as opções do referendo: sim ou não. A partir da análise correta, uma vez que perder a Escócia fosse menos vantajoso, uma articulação para convencer o eleitorado estaria em ação desde de o início. No caso onde perder a Escócia fosse mais vantajoso, a posição do Reino Unido seria sólida e constante. O primeiro ministro e sua equipe indicariam aos stakeholders seu posicionamento e a garantia do controle da situação através da apresentação de dados. Isso não enfraqueceria a imagem do Reino Unido. Ao contrário, mostraria um grupo preparado para enfrentar os cenários de instabilidade e de imprevistos que circundam a realidade política mundial. Agora há uma corrida para conseguir corrigir e retomar o controle do jogo. E Cameron está utilizando do seu hard power para mostrar as perdas da Escócia e para prometer concessão de maior autonomia para região, o que talvez poderia ter sido feito em momento anterior. Agora a decisão está no grupo dos indecisos. Estes devem ser trabalhados. Pois são eles que irão decidir o placar final do jogo no dia 18 de setembro.
Apêndice
O resultado do referendo realizado no dia 18 de setembro de 2014 deu vitória a permanência da Escócia no Reino Unido por 55% a 45% dos votos.

Notas e Referências Bibliográficas
1. "Scottish independence: Barack Obama backs 'strong and united' UK". BBC News, 05 de junho de 2014. Tradução livre. Disponível em: http://www.bbc.com/news/uk-scotland-scotland-politics-27713327
2. Informação disponível no site Wikipédia. Acesso em 10 de setembro de 2014. http://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_sobre_o_Direito_do_Mar
Engler, S. "Whay does China even care about Scottish independence?". Foreign Policy Maganize, 18 de junho de 2014. Disponível em: http://blog.foreignpolicy.com/posts/2014/06/18/why_does_china_even_care_scottish_independence
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Gomes, V. "Referendo na Escócia: 300 anos depois, a possível independência.". Revista Fórum. Acesso em 08 de setembro de 2014. Disponível em: http://revistaforum.com.br/digital/140/referendo-na-escocia-300-anos-depois-possivel-independencia/
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"How small countries make a big impact: Alex Salmond at TEDGlobal 2012". Acesso em 14 de setembro de 2014. Disponível em: http://blog.ted.com/2012/06/27/how-small-countries-make-a-big-impact-alex-salmond-at-tedglobal-2012/
Boumphrey, S. "Can the Scottish Economy Make it Alone?". Euromonitor International, 10 de setembro de 2014. Disponível em: http://blog.euromonitor.com/2014/09/can-the-scottish-economy-make-it-alone.html
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Página "NO SCOTLAND" oficial. Acesso em 9 de setembro de 2014. Disponível em: http://noscotland.net/
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