A INDUMENTÁRIA DE UMA MULHER QUE PENSAVA

May 31, 2017 | Autor: Camila Fernandes | Categoria: Fashion History, Hipatia, Figurino
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A INDUMENTÁRIA DE UMA MULHER QUE PENSAVA Camila Aparecida Carneiro Fernandes 1

A ideia de redigir estas linhas veio depois de ter assistido ao filme Ágora, de Alejandro Amenábar. Ele aborda a vida da filósofa Hipátia que viveu, aproximadamente, entre 355 a. C. e 415 d.C. na cidade de Alexandria, no Egito. O filme retratou a época em que já era professora e os conflitos entre os pagãos e os cristãos. Os primeiros acreditavam em vários deuses; enquanto estes, apenas em um. Também baseado no filme é possível entender que Alexandria, no final do século 4 d.C., possuía a maior biblioteca da Terra. Ela não era apenas o símbolo cultural do lugar, mas também religioso porque era onde os pagãos adoravam seus deuses. Tanto é que, quando chegou a mensagem ordenando que os pagãos tinham que deixar a biblioteca imediatamente e que os cristãos iriam usufruir dela como bem quisessem, foi perceptível a alegria dos beneficiados. Entretanto eles não estavam preocupados em assimilar o conhecimento que lá estava, queriam apenas mostrar que a religião deles era superior. No início do filme, percebemos que o figurino da professora era, na sua maioria, em cores claras, como o bege e o off white. Tonalidades como estas nos remetem a tranquilidade e estabilidade. E, ao analisarmos como era a vida de Hipátia antes dos conflitos entre as duas religiões, percebemos que era serena e que nada lhe faltava. Seu pai tinha muitas posses e escravos, ela era professora e ele respeitava a ideia da filha de não se casar para não ter que deixar de ensinar.

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Acadêmica do curso de Pedagogia na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Graduada em Design de Moda pelo Centro Universitário do Triângulo (UNITRI).

Figura 1 - Hipátia e seu escravo, Davos. Fonte: LOBATO, João Pedro. Hipátia: uma cientista num mundo de homens. Obvius. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2011/05/hypatia_uma_cientista_num_mun do_de_homens.html . Acesso em: 31 jul. 2016.

Figura 2 – A filósofa e seu pai. Fonte: LOBATO, João Pedro. Hipátia: uma cientista num mundo de homens. Obvius. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2011/05/hypatia_uma_cientista_num_mundo de homens.html . Acesso em: 31 jul. 2016.

Figura 3 - Hipátia sainda da Biblioteca de Alexandria com seu pai e os escravos. Fonte: ROTHER, Larry. Science vs. Zealots, 1,500 Years Ago. The New York Times. 2010. Disponível em: http://www.nytimes.com/2010/05/23/movies/23agora.html?_r=0 . Acesso em 31 jul. 2016.

Outro ponto que deve ser destacado são os detalhes do vestuário. Por vezes as roupas da personagem principal possuíam bordados (como na cena que ela implora ao pai para não castigar o escravo) e tingimentos (na cena em que Orestes declara seu amor à mestra). Segundo Laver (2006), em muitas épocas históricas, quanto mais elaborada era a vestimenta feminina mais tempo e pessoas (empregados ou escravos) eram necessários para ajudar a senhora a se vestir. Fica fácil perceber que ela realmente tinha uma condição de vida abastada porque tinha quem fizesse estes detalhes nas suas roupas. Se hoje esses processos ainda são trabalhosos, como não seriam na época de Hipátia? Uma tonalidade que também merece atenção e que foi usada por Hipátia na sua fase de glória é o dourado. Não foi possível encontrar uma definição precisa sobre esta cor mas se concordarmos que ela é uma das variáveis do amarelo, a definição de Santos (2000) torna-se adequada. Ele nos diz que “amarelo deriva do latim ‘amaryllis’. Simboliza a luz da cor irradiante em todas as direções” (SANTOS, 2000, p.12). E esta ideia liga-se a profissão de Hipátia que era regida pelo verbo lecionar: ela irradiava conhecimento em todas as direções.

Figura 4 - 'Xale' dourado com bordados. Fonte: COSTUME DRAMAS AND PERIOD CLOTHING. Disponível em: http://costumedramas.tumblr.com/page/9 . Acesso em: 30 jul. 2016.

Os penteados dela também podem ser analisados e estão de acordo com o período de tranquilidade que ela vivia enquanto lecionava na biblioteca de Alexandria. Os cabelos tinham uma parte presa e a outra solta, e isso nos mostra que quanto mais tempo a mulher possuía para se arrumar (ou mais pessoas para a auxiliar) mais elaborado era a forma como se mostrava na sociedade.

Finalizando o estudo da primeira parte do figurino, percebe-se que várias das túnicas longas que usou tinham bordados nos ombros. De acordo com Cris Zanetti e Fernanda Resende (2013), estes possuem a intenção de chamar atenção para o rosto. Sempre que usamos detalhes e acessórios perto dele, atraímos atenção para a nossa fala. Trata-se de um recurso de vestuário interessante para aquelas pessoas que desempenham funções de palestrar ou lecionar porque atrai visualmente o ouvinte e, por consequência, ele presta mais atenção no que a pessoa está dizendo. Hipátia sempre tinha algo interessante para falar.

Figura 5 - Túnica com detalhes nos ombros. Fonte: VASQUEZ, Paul. Europa: se estrena "Agora" superproducción sobre la vida de Hypathia de Alejandría. Sophimanía. 2009. Disponível em: http://sophimania.blogspot.com.br/2009/10/europa-se-estrena-agorasuperproduccion. html . Acesso em: 31 jul. 2016.

Após a filósofa e os seus serem obrigados a deixar a Biblioteca de Alexandria, a vida dela se modifica muito, refletindo, é claro, no vestuário. Davos, seu antigo escravo, se revolta contra ela e a assedia sexualmente. Ele se arrepende, ela o liberta. O pai dela morre em consequência de ferimentos provocados pelos confrontos religiosos.

Figura 6 - Hipátia tentando salvar os materiais mais importantes. Fonte: LOBATO, João Pedro. Hipátia: uma cientista num mundo de homens. Obvius. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2011/05/hypatia_uma_cientista_num_mun do_de_homens.html . Acesso em: 31 jul. 2016.

As túnicas de cores claras foram substituídas por tonalidades mais escuras nas cores vermelho, azul, berinjela, verde e cor de terra e os cabelos se resumiam a um coque. Esta mudança é coerente com a vida mais modesta e regrada que ela estava experimentando. Seu local de trabalho havia diminuído consideravelmente e isto refletiu na sua aparência, uma vez que seus cabelos estavam mais presos, ocupando menos espaço na imagem que transmitia. As tonalidades claras tendem a expandir visualmente um objeto, enquanto as escuras retraem. Ao fazer a opção por estas, podemos entender que o figurinista desejou, pouco a pouco, ressaltar a diminuição da presença, da vez e voz de Hipátia na sociedade. O cristianismo estava ganhando espaço e nesta religião, ao menos naquela época, a mulher ideal era aquela que era esposa, dona de casa, mãe e temente a Deus. Absolutamente nada do que Hipátia era.

Figura 7 - O figurino se modificou após ter deixado a Biblioteca de Alexandria. Fonte: MONTEIRO, Ailton. Alexandria (Ágora). Diário de um Cinéfilo. Disponível em: http://cinediario.blogspot.com.br/2011_07_01_archive.html . Acesso em: 31 jul. 2016.

Orestes, seu ex aluno e eterno admirador, tornou-se uma das autoridades locais. E um dos detalhes que não mudou de uma época para a outra, foram os trabalhados nos ombros (eles eram sutis, tanto nos dias de glória quanto agora). Hipátia assumiu, modestamente, o posto de conselheira oficial de Orestes e ele sempre a consultava na hora da tomada de decisões. No dia que foi morta, a professora vestia uma túnica na cor vinho e um ‘xale’ azul escuro. A cor vinho, como sabemos, é uma variante do vermelho e de acordo com o que argumenta Santos (2000), está relacionado a coragem, emoção, força. Estas características estavam presentes na cena na qual Hipátia não concorda em ser batizada na fé cristã e, por consequência, rompe sua relação de amizade com Orestes. Ela também demonstra toda a sua coragem no momento que abre mão dos guardas e tenta voltar sozinha para casa. O azul, ainda como analisa o último autor, remete a verdade, sentido e intelectualidade e a atitude da professora, ao fazer a negativa do batismo, estava repleta destas três características.

Figura 8 - Último figurino usado pela personagem no filme. Fonte: LOBATO, João Pedro. Hipátia: uma cientista num mundo de homens. Obvius. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2011/05/hypatia_uma_cienti sta_num_mundo_de_homens.html . Acesso em: 31 jul. 2016.

Apesar de ter vivido em uma sociedade extremamente machista, sua coragem foi notável e sua paixão pelas ciências e o ato de ensinar, as mais verdadeiras. Hipátia era uma mulher que não tinha medo de assumir suas verdades, aquilo que ela acreditava como certo. Os líderes da época, religiosos ou políticos, percebiam sua sensatez e só conseguiram cessar sua voz com o assassinato. Torçamos para que a sociedade atual tenha mais mulheres sensatas como Hipátia e menos, bem menos desrespeito pelas posições (religiosas ou políticas) alheias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSTUME DRAMAS AND PERIOD CLOTHING. Disponível http://costumedramas.tumblr.com/page/9 . Acesso em: 30 jul. 2016.

em:

LAVER, James. A Roupa e a Moda: uma história concisa. 9 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. LOBATO, João Pedro. Hipátia: uma cientista num mundo de homens. Obvius. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2011/05/hypatia_uma_cientista_num_mundo_d e_homens.html . Acesso em: 31 jul. 2016. MONTEIRO, Ailton. Alexandria (Ágora). Diário de um Cinéfilo. Disponível em: http://cinediario.blogspot.com.br/2011_07_01_archive.html . Acesso em: 31 jul. 2016. ROTHER, Larry. Science vs. Zealots, 1,500 Years Ago. The New York Times. 2010. Disponível em: http://www.nytimes.com/2010/05/23/movies/23agora.html?_r=0 . Acesso em: 31 jul. 2016 SANTANA, Ana Lúcia. Hipátia. Infoescola: navegando e aprendendo. Disponível em: http://www.infoescola.com/biografias/hipatia/ . Acesso em: 31 jul. 2016. SANTOS, Sílvio Eduardo Teles dos. Psicologia das Cores. 2000. 28f. Artigo (Graduação em Design). Universidade do Vale do Itajaí, Balneário Camboriú. VASQUEZ, Paul. Europa: se estrena "Agora" superproducción sobre la vida de Hypathia de Alejandría. Sophimanía. 2009. Disponível em: http://sophimania.blogspot.com.br/2009/10/europa-se-estrena-agorasuperproduccion.html . Acesso em: 31 jul. 2016. ZANETTI, Cris; RESENDE, Fernanda. Vista quem você é: descubra e aperfeiçoe seu estilo pessoal. 1 ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

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