A indústria cultural e o projeto adorniano de estabelecimento de uma nova estética

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Florianópolis, 8 de julho de 2016. Monica Franco graduanda em Filosofia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

A indústria cultural e o projeto adorniano de estabelecimento de uma nova estética Objetivos do texto: (i) Analisar o diagnóstico de Theodor W. Adorno sobre a situação da estética e (ii) apresentar a sua tentativa de estabelecer uma nova estética que, embasada na forma do ensaio, tenta adaptar-se melhor ao objeto estético e aos desenvolvimentos ocorridos na história da arte. Abordagem realizada: Será feita, primeiro, uma contextualização histórica do pensamento estético de Adorno, seguida da apresentação da crítica feita por ele ao processo de esclarecimento e à concepção de ‘razão’ presente nele. Depois, será desenvolvida a problemática (i), com a explicação do processo de padronização operado por meio da indústria cultural. Por fim, será abordado o tópico (ii), com a explicação dos motivos pelos quais Adorno considera necessário o estabelecimento de uma nova estética – e de que modo ele acredita que ela deva ser.

Após a forte influência de Georg W. F. Hegel sobre a estética, principalmente com a tese do fim da arte, é perceptível a sua influência sobre Walter Benjamin, que elabora a tese da perda da aura da obra de arte. O que conecta as duas teses? É possível pensar na tese do fim da arte, resumidamente, como a constatação de uma mudança tão drástica na arte que a faz perder a sua essência (aquilo que a caracteriza como arte), ocasionando o fim da obra de arte enquanto expressão do absoluto. Seguindo a mesma linha, vemos surgir a tese da perda da aura da obra de arte, que sustenta que através do desenvolvimento das técnicas de reprodução o que se perdeu na obra de arte foi o fato de ela ser feita em um tempo e lugar (a sua originalidade e autenticidade) e somente naquele tempo e lugar específico (a sua unicidade; o fato de ser feita apenas uma única vez na história). Em resumo, quando a obra de arte perde a sua unicidade por meio das técnicas de reprodução, ela perde também a sua originalidade e autenticidade – perdendo, assim, a sua ‘aura’. Como exemplos desse processo podemos pensar no surgimento do cinema e da fotografia, que inauguram um novo tipo de obra de arte, que teria surgido, justamente, depois do ‘fim da arte’. Segundo Benjamin, o desenvolvimento das técnicas de reprodução é, portanto, a grande causa da mudança na arte sinalizada por Hegel. Por isso, pode-se dizer que Benjamin realiza um desenvolvimento da tese de Hegel. Como foi visto, foi apontada por Benjamin a causa dessa mudança na arte – a reprodutibilidade técnica –, mas ainda falta entender: que mudança é essa exatamente? Poderia ser dito que se trata de uma verdadeira revolução na arte, ou melhor, no modo de fazer arte. Pela primeira vez, a arte vai começar a ser difundida ao grande público; a arte que surge é agora massificada – não está mais restrita a poucos, a uma elite; o que vai contra a tradição.

Para explicar como essa nova forma de arte contraria e abandona a tradição, Benjamin explica que a arte adquire um novo papel, ou melhor, muda de ‘valor’. Segundo ele, a obra de arte surge como uma forma de culto aos deuses, isto é, ela possuía valor de culto. Por isso, a arte não era mostrada ao grande público, pois cumpria um papel estritamente religioso, em que servia como uma forma de se conectar com a divindade. Em um segundo momento, tudo muda: Benjamin reconhece (concordando com Hegel) que a arte se desvincula da religião, resultando que a arte perde o seu valor de culto e adquire valor de exibição. Quando isso acontece, segundo Benjamin, a arte pode então se conectar à política (cumprir um papel político e educativo) e ser difundida para as massas, por possuir alcance universal. Portanto, essa passagem do valor de culto para o valor de exibição tem como causa a reprodução da obra de arte, conforme o que foi explicado acima. Desse modo, Benjamin inaugura o tema estético na Escola de Frankfurt. Ele trabalha a questão da cultura de massas e da arte massificada, mostrando como o capitalismo altera drasticamente a produção e a recepção da obra de arte, pois causa o desenvolvimento das técnicas de reprodução. Adorno desenvolve a tese de Benjamin e a critica, chegando a pontos de discordância com Benjamin. A principal diferença entre os dois pensadores pode ser esclarecida conforme a explicação a seguir. Como foi dito, Benjamin propõe que a obra de arte sofre a passagem do valor de culto para o valor de exibição – o que a faz perder a sua ‘aura’, isto é, as suas características distintivas. Isso ocorre por conta do capitalismo que conduz ao desenvolvimento das técnicas de reprodução, sendo o desenvolvimento dessas técnicas aquilo que faz com que a obra de arte perca seu caráter de ser original, autêntica e única e passe a ser reproduzida em larga escala. É possível ver uma consequência desse processo de reprodução da arte: a sua massificação, ou seja, o fato de a arte agora ser acessível também para o povo, para a grande massa. É aqui o começo da discordância. Benjamin toma a massificação da arte como algo positivo – porque ele acredita que ela é aquilo que possibilita a função política (e formadora) da arte. Já Adorno não atribui a ela valor positivo ou negativo, pois, dada a sua visão dialética, ele a vê como algo bom e ruim. É importante destacar que Benjamin não possuía uma dialética. Desse modo, Adorno fala também sobre os elementos negativos dessa revolução na arte, da massificação: ele questiona Benjamin se de fato ocorre um progresso com o desenvolvimento da técnica, isto é, se esse movimento ocorre somente para o melhor, como Benjamin acreditava. Dessa maneira, para Adorno, como a massificação faz com que a arte perca o que a faz ser arte, a arte perde (contrariando Benjamin) necessariamente a sua função educadora e política, o que, por sua vez, contribui para ocasionar um estado de barbárie – assim como mesmo depois de tanto “progresso”, chegou-se à situação do Nazismo. Logo, pelo seu pensamento dialético, Adorno evidencia que todo progresso pressupõe também um regresso. Seguindo Hegel, Adorno mostra, por meio da dialética, que todo progresso pressupõe um regresso, porque, na verdade, a razão pressupõe mito; e o esclarecimento, obscurecimento. Assim, ele retorna a Hegel, que já afirmava que o conceito de ‘razão’ contém dentro de si o mito – e não pode, como muito se fez na história, ser tomado como unívoco (ou

seja, em um sentido único, como se ele fosse oposto ao mito). Dessa forma, o processo de esclarecimento nunca poderá ser desvinculado do obscurecimento, porque a razão – que é colocada no centro desse processo, pretendendo-se que ela domine a natureza – não pode ser desvinculada do mito. Na verdade, pode-se perceber que o esclarecimento tem seu início justamente no mito, que já era uma forma de tentar dominar a natureza. Assim, o esclarecimento não pode ser pensado sem os seus elementos obscuros, isto é, sem o mito. O porquê de isso ser assim é mostrado pela dialética, ao apontar os motivos pelos quais o esclarecimento se autodestruiu. Por que, afinal, mesmo com todas as “promessas” do esclarecimento de um progresso sob a “luz” da razão, chegou-se a um estado de barbárie? As causas são diversas. Podemos dizer que a clareza que o esclarecimento acreditava possuir era, na verdade, uma falsa clareza. Isso porque essa pretensão de clareza o tornou totalitário (ou totalizante), pois ele quis se ver livre do seu lado negativo, do mito, mas não pôde fazê-lo. Faltou, portanto, dialética ao esclarecimento, faltou pensar sobre si (um “esclarecimento do esclarecimento”). A dialética revela que o mito faz parte dele e que quando ele tenta a todo custo se livrar do mito, sempre acaba “preso” (e retornando) a ele. Essa tentativa desenfreada, que nunca poderá obter sucesso, explica como o esclarecimento acabou conduzindo à barbárie. Outra causa, também relacionada com essa, é que o esclarecimento tende a fazer afirmações vazias. Como as afirmações que ele faz não são dialéticas, elas só reconhecem o que é idêntico, o que é familiar; ignorando tudo o que seja diferente. O motivo disso é que, ao longo da história, a razão sempre foi pensada para reduzir toda e qualquer multiplicidade a uma unidade. Isso é comprovado pela invenção da lógica formal, projetada para servir de instrumento da razão para alcançar o seu propósito de dominação da natureza. A título de exemplo, na lógica formal temos o princípio de identidade (A=A), que é um princípio central. É assim desde o poema de Parmênides (ou seja, desde o mito), onde aparece o princípio de nãocontradição (A ou ¬A), que só reconhece aquilo que é idêntico e exclui o diferente – se esses princípios pudessem ser sintetizados em um só, teríamos o ‘princípio da unidade’, pois esses princípios só reconhecem aquilo que é uno. Isso se alinha ao que se tornou a sociedade burguesa, que tinha horror ao diferente; e também ao Nazismo, que buscava na identidade uma unidade e tentou excluir o diferente a todo custo (buscando uma não-contradição). Ou seja, isso só mostra que quando o princípio de identidade – tão prezado pela concepção de razão do esclarecimento – é aplicado na arte, na política e na sociedade, o resultado é a barbárie. Logo, não há como ter uma razão totalmente livre do mito. Essa pretensa passagem do mito rumo a uma identidade não passa, na verdade, da construção de uma ideologia da padronização. Para Adorno, então, precisamos da negatividade da dialética para que sejam desfeitas todas essas falsas ilusões, e sobretudo as de agora, vindas do capitalismo. Adorno vai mostrar que se vive uma falsa ilusão de harmonia fundada na identidade, que exclui o diferente, como será explicado a partir de agora. Assim, segundo Adorno, a arte passa a servir apenas para afirmar (e confirmar) que se está em um estado de barbárie. Isso porque a arte, deixando de ser arte, se torna mero produto. Ora, um produto já não consegue mais ter função crítica sobre a realidade em que se

vive. Portanto, é por se tornar produto nesse processo de massificação que a arte perde sua função política e formadora. Como exatamente a arte se torna produto? Isso precisa ser melhor explicado e será feito a seguir. Essa padronização na arte e na cultura corresponde ao que Adorno chama de ‘indústria cultural’, em analogia com a indústria do capitalismo. Quando essa padronização é instaurada, nos tornamos consumidores de arte e de cultura. O objetivo disso é que todos pensem da mesma maneira, ou seja, é formar a opinião pública. Todo esse esquema é sustentado por um sistema midiático formado por cinema, rádio, arquitetura, entre outros. Como se dá exatamente esse consumo de arte? Em uma comparação com Marx, podese dizer que Adorno distinguiu entre o ‘valor de uso’ e o ‘valor de troca’ da arte, chegando a uma tese semelhante à do fetichismo da mercadoria – a do fetichismo da arte. Segundo Adorno, o consumo de arte não se dá somente pela arte mesma, isto é, não se dá pela pura apreciação. A arte é consumida por causa seu valor de troca, do valor que ela representa (do seu “status”). Assim, o consumo é incentivado para que as pessoas tenham vontade de consumir unicamente porque todos consomem. Como consequência, elas passam a sentir que precisam participar disso. É assim que se obtém a padronização. Os consumidores são como “escravos dóceis”, porque obedecem à lógica do sistema desejando o status que a compra daquilo que é ditado pela opinião pública vai lhes trazer. Desse modo, eles abdicam da sua vontade – pois sentem-se compelidos a comprar o que todo mundo compra – e do gosto – pois suas compras não coincidem com o que eles comprariam se não fosse pela imposição da opinião pública. Especificamente sobre o gosto, o ‘gostar’ passa a ser condicionado ao que todo mundo gosta (e não à coisa em questão, como deveria ser). Como as pessoas procuram não contradizer a opinião pública, o gosto passa a ser apenas uma ilusão. Ele já não existe mais, dado que não se pode mais escolher de que coisas gostar. Com a abdicação da vontade e do gosto dos indivíduos ocorre também a superação do próprio indivíduo. Afinal, se o indivíduo já não tem mais vontade própria para decidir o que comprar e nem o que gostar, e só faz e gosta daquilo que a opinião pública lhe impõe, então não existem mais indivíduos – que como a palavra sugere, são seres diferentes uns dos outros, únicos. A padronização consegue superar o indivíduo e tornar todos iguais. Como a indústria cultural consegue fazer isso? Como ela consegue obter sucesso na padronização e na consequente anulação dos indivíduos? Adorno explica isso por meio da noção de esquematismo. A indústria cultural fornece aos indivíduos esquemas antecipados de gosto. Ou seja, ela antecipa o que os indivíduos devem gostar e consumir. Desse modo, a reflexão dos indivíduos está minada, e eles passam a agir segundo aquilo a que são expostos pela indústria cultural. Para entender essa ideia de esquematismo pode-se pensar no seguinte. O esquema apela para uma unidade. Como defende Kant, o esquema consegue previamente reduzir a multiplicidade à unidade, de modo que não se tem mais acesso ao múltiplo, mas apenas a uma unidade (que é alcançada pelo juízo sintético a priori). Essa noção, típica da história da ciência, quando aplicada à arte e à cultura resulta no esquematismo da produção, que antecipa o que deve ser gostado e consumido – de modo que o papel da opinião pública é dizer quais são essas coisas.

Desse modo, quando o indivíduo consome ele confirma o que foi proposto pelo esquema imposto pela indústria cultural, e isso, por sua vez, faz com que o esquema ganhe ainda mais força sobre os indivíduos, causando um círculo vicioso. Assim, as pessoas passam a comprar porque as outras estão comprando e, depois, mais pessoas comprarão ao ver que mais e mais pessoas estão comprando. O mais consumido se torna o mais conhecido, e o mais conhecido é cada vez mais consumido. Além de fornecer esquemas antecipados de gosto, a mídia produz clichês e jargões (que nada mais são que “fórmulas prontas”). Como consequência, tudo o que não segue esses “padrões” impostos pela mídia é considerado ruim pela opinião pública. Tudo o que é diferente é ruim – isso é o que Adorno chama de Estética totalizante (e com ‘totalizante’ podemos relembrar aquela concepção de razão do esclarecimento, cuja acusação também era ser totalizante, por propor uma identidade). Por conseguinte, tudo o que é ditado pela mídia, como caí no círculo vicioso, se torna o “mais familiar”, fazendo com que as pessoas se sintam mais confortáveis com ele e desprezem o diferente, pois este não lhes é familiar. Tudo isso leva a uma discussão sobre o estilo na arte. No sentido tradicional, o estilo é uma categoria estética fundamental: é o momento em que uma obra de arte particular expressa um conceito universal. Como defende Hegel, a expressão do absoluto pela arte se dá por meio de um processo dialético. É quando uma obra consegue capturar o espírito do tempo, permitindo que ele seja expresso por meio dela. É uma reconciliação entre o particular e o universal. O que isso tem a ver com a discussão de Adorno? Que a indústria cultural também envolve estilos, ou melhor, ela cria falsos estilos. Como foi dito, ela faz afirmações vazias (pois são desprovidas de dialética) e isso cria apenas a ilusão de uma reconciliação entre o particular e o universal. Isso porque o processo de padronização cria um estilo que não é o mesmo do sentido dialético de estilo. A padronização implode a tensão dialética, porque afirma uma identidade, ou seja, faz uma afirmação vazia ao aceitar apenas o que é idêntico, excluindo o diferente (a negatividade), acabando com a contradição. Essa identidade é, assim, uma identidade vazia, porque é arbitrária. É, na verdade, uma negação do estilo, pois não permite mais a tensão entre os polos – e, desse modo, não pode ocorrer reconciliação entre o particular e o universal. Se tudo o que a indústria cultural faz é criar falsos estilos, então poderíamos dizer que o verdadeiro artista, que é aquele que “escapa” dessa lógica da indústria cultural, não só consegue expressar o universal da sua época, como ainda inclui nele a tensão, a contradição. Isso porque ele vai de alguma forma contra esse estilo, pois o expõe como uma verdade negativa ao manter o não-idêntico. Assim, a reconciliação do particular com o universal nunca é completa e perfeita, dado que o verdadeiro artista não pode ser reduzido a um estilo. Desse modo, esse artista não aceita o que a época quer lhe impor. Ele não segue a “tendência”. Por isso, o que a indústria cultural tenta expressar só pode ser a inverdade do estilo, um falso estilo. Desse modo, apesar de seguir um estilo, a grande obra de arte não pode ser reduzida a ele, pois ela o contraria. Assim, a tarefa do artista é destruir a identidade vazia, criada pela indústria cultural. Somente o verdadeiro artista consegue romper com os clichês da opinião

pública e com o círculo vicioso. O artista medíocre procura apenas reproduzir o igual, o clichê, pois faz igual aos outros. Por conseguinte, como a indústria cultural é fundada numa mentira, nela ocorre a perda do sentido do todo, dado que lhe falta o processo dialético. A dialética é justamente o que aponta todas as falsas ilusões. Ela revela que a indústria cultural promove uma falsa ilusão de harmonia que, fundada na identidade, tenta excluir o diferente. A dialética mostra que não é possível levar isso a cabo, principalmente porque não se pode ignorar a contradição – e também, é claro, pelas consequências de se tentar ignorá-la, que podem ser nefastas –, sendo mais correto, portanto, preservar a tensão (exatamente o mesmo é constatado quando se faz uma análise dialética da ‘razão’ no esclarecimento, como foi mostrado mais acima). Desse modo, vemos claro o objetivo de Adorno: buscar uma estética que consiga tratar do não-idêntico. Assim, uma falsa estética também é denunciada com a dialética negativa. Isso porque a estética necessita de contradição. Para Adorno, a estética tem que ser inacabada, como indica o formato de sua obra ‘Teoria Estética’, que também o é. O que quer dizer ‘inacabada’? Significa que essa estética possui caráter assistemático, não se comporta como um sistema, ou seja, como algo “fechado” ou acabado. Isso é uma forma de combater o esclarecimento, visto que combate a pretensão da razão de abarcar tudo em uma unidade – isto é, combate o seu caráter totalitário. Por isso, a estética proposta por Adorno é uma estética que busca legitimar a arte do não-idêntico e a dialética negativa. Desse modo, ela mesma também tem que ser não idêntica e negativa. E por que a estética tradicional não o é? Porque ela se utiliza de sistemas, que são como um “espelho” da razão, isto é, buscam capturá-la. O sistema se pauta pelo rigor, pela lógica formal e possui uma forma fechada. A forma sistemática de estética se revela antiquada sobretudo a partir do século XIX, evidenciando a necessidade de encontrar uma nova estética. A crise na estética tradicional ocorre por dois motivos principais. O primeiro deles é que as categorias tradicionais da estética não conseguem mais dar conta da pluralidade de teorias, o que coloca em cheque a estética tradicional, sistemática. Essa estética tradicional opera de uma forma lógica de exposição do tema (espelha a razão). Trabalha com conceitos universais (gênero e estilo), que tentam dar conta da particularidade e riqueza do seu objeto. O método que utiliza é a indução e dedução, ou seja, parte tanto do particular em direção ao universal, como do universal em direção ao particular. No século XIX surgem autores que começam a colocar em cheque esse tipo de concepção da estética, porque acreditam que esses procedimentos lógicos são insuficientes para tratar do objeto estético. Eles destruiriam a particularidade da obra, pois não conseguem capturar a sua riqueza. A segunda causa dessa crise da estética sistemática é o desenvolvimento histórico que a própria arte tomou que, sobretudo no seu ápice, faz com que vanguardas como o impressionismo e o expressionismo, não consigam mais ser enquadradas nos conceitos lógicos (nas categorias antigas), escapando a eles. Portanto, tanto a pluralidade do objeto estético – cuja riqueza irredutível às categorias antigas – como a (crescente) pluralidade da obra – cujas novas formas já não conseguem ser encaixadas nessas mesmas categorias – são as causas de ser agora preciso uma nova teoria estética.

Assim, a nova estética vai precisar também de um novo método e ser feita de uma outra forma, utilizando-se de outra linguagem. Essa é a tarefa principal da filosofia contemporânea: pensar a passagem do sistema, da obra fechada, para algo novo, para uma nova forma de exposição, que começa a ser testada. Como alguns exemplos, temos a tentativa de Nietzsche com sua exposição por meio de aforismos (metafóricos); a de Heidegger, que tenta conciliar a linguagem filosófica com a poética; e a de Benjamin, que escreve através de alegorias (que sugerem sempre a incompletude, pois ele não põe um final na obra, não a “acaba”). Adorno também desenvolve uma forma de expor a sua filosofia e a sua estética: o ensaio. Tanto é assim que ele escreveu um texto defendendo o ensaio dos preconceitos acadêmicos que o cercam. Costumou-se ver o ensaio como uma forma pouco rigorosa de exposição em filosofia. Adorno vai defender essa forma mais livre de fazer filosofia legitimando-a, dizendo que aquilo que acusam ser a fraqueza do ensaio é justamente o que ele tem de melhor: é por não impor dogmaticamente a verdade que o ensaio deve ser adotado como forma, porque ele se trata somente de uma tentativa de resposta – isto é, não pretende ser uma resolução pronta e acabada. Para defender o ensaio, Adorno vai criticar duas concepções de fazer filosofia (que repercutem na estética), porque acredita que são dois extremos e que devemos adotar o ensaio por este permanecer em um ponto intermediário entre esses extremos. A primeira delas é a concepção Heideggeriana, que tentando restaurar a unidade (como numa espécie de volta aos pré-socráticos), opera uma redução do conceito da tradição à imagem poética (Adorno o acusa de reduzir a filosofia à literatura). A segunda é a proposta do positivismo, que opera a redução inversa, da imagem ao conceito, ou seja, a redução da obra de arte (do objeto) ao conceito. A nova estética, assim, deverá ser um meio termo, um ‘médium’ entre essas duas concepções extremas. O ensaio é justamente o que deve dar forma a essa estética, pois se distancia desses extremos, ao mesmo tempo que os mantém em uma tensão negativa: mantém o conceito e a obra de arte. O ensaio mantém a não-identidade, pois não tenta impor a identidade, ou seja, não pretende servir de “espelho” da razão. É importante dizer que também Benjamin já havia praticado a forma do ensaio, sendo considerado talvez o maior ensaísta. Outro ponto que é relacionado a essa nova estética são as ideias de crítica imanente e crítica transcendente da obra de arte. Os defensores dessa nova estética defendem a crítica imanente, ou seja, uma crítica que não esteja fora, que não transcenda a obra de arte. A crítica, então, deve ser feita sempre a partir do objeto, para, então, ir em direção a um conceito. Assim, o crítico de arte deve entender muito de arte ou de preferência ser um artista também (ser mais do que um filósofo falando de arte). Isso vai contra a noção de que a crítica poderia ser transcendente, ser feita de fora e tomando os conceitos como ponto de partida para, então, “encaixar” neles as obras particulares. Os defensores da crítica imanente dirão que a crítica transcendente acaba com a particularidade das obras, uma vez que tenta a todo custo reduzi-las ao conceito. Pode-se dizer que Benjamin e Adorno cumprem as condições para ser críticos imanentes, porque ambos têm participações na arte: Benjamin, como ensaísta; e Adorno, na música. A crítica imanente proposta pela visão adorniana de estética procura, assim, um

“respeito pelo objeto”, pois não quer reduzi-lo a conceitos, fazendo com que ele perca a sua particularidade. E aqui encontra-se mais uma explicação do porquê essa nova estética seria um médium (intermediária), porque, mantendo a não-identidade (como foi dito), ela não cede nem à obra nem ao conceito, as duas coisas estão presentes, e nenhuma é reduzida à outra. Desse modo, ao procurar uma posição mais intermediária, também acaba-se com a forte ênfase dada ao logo da história ao conceito. Desse forma, com a ideia de crítica imanente da obra de arte, só uma obra está autorizada a criticar outra. A estética proposta por Adorno, que se utiliza da forma de ensaio, é assim uma estética que pode ser considerada em conformidade com a obra de arte. Ela consegue compreender bem seu objeto, a medida que permite a dialética e a negatividade dentro de si, conservando a tensão – que erroneamente sempre se tentou superar na estética tradicional. Ela não impõe a verdade em um sistema, mas oferece uma tentativa de resposta, que é, por assim dizer, “aberta”. Isso porque, como Benjamin defendeu (influenciando Adorno), a verdade não deve mais ser vista como algo eterno e imutável, mas como algo que está necessariamente atrelado à história; ‘verdade’ passa a ser ‘verdade histórica’. Conclusão O projeto adorniano de uma nova estética encontra espaço para ser fundado após a inegável influência das teses de Hegel e Benjamin, tomando um caminho próprio sobretudo por meio das críticas dirigidas ao último. Para fundar o seu projeto estético, primeiro ele terá que ir contra o processo de esclarecimento, que se encontra ligado a uma concepção errônea e totalizante de razão. Contra isso ele estará munido da dialética, que mostra que a negatividade (ou seja, o não-idêntico) deve ser mantida, a fim de que a tensão também seja mantida. Tal projeto precisa ainda revelar a lógica perversa da indústria cultural, que faz da arte um mero produto a ser consumido – sendo esse o desdobramento negativo da massificação da obra de arte. Para combater isso, será preciso de uma nova concepção de estética, que tenha inclusive uma forma diferente da forma sistemática praticada pela estética tradicional. A forma desejada é, então, encontrada no ensaio, que concede a essa nova estética a capacidade de ser assistemática e livre de qualquer totalitarismo quanto às suas propostas. Ela consegue fazer com que a razão não seja autoritária, pois não propõe o idêntico, como uma verdade irrevogável, e nem pretende servir de “espelho” da razão. Essa nova estética mantém a tensão dialética, pois não cede nem ao produto nem à obra: ela se mantém no meio, conservando ambos. Enfim, a estética proposta por Adorno é desenvolvida como uma espécie de conclusão de toda a análise sobre a situação da estética tradicional – é a sugestão de uma estética que estaria muito mais em sintonia com o objeto da estética e com os desenvolvimentos acontecidos na própria história da arte, que justamente precisavam de uma nova estética para poderem ser melhor compreendidos.

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