A indústria da pólvora e do fogo-de-artifício na alta-estremadura oitocentista. Breves apontamentos

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Jornal da Golpilheira

. história .

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Março de 2016

.história. Miguel Portela Investigador

A indústria da pólvora e do fogo-de-artifício na alta-estremadura oitocentista - Breves apontamentos No final do século XIX o distrito de Leiria evidenciava um desenvolvimento assinalável no panorama industrial, sobretudo com a indústria dos lanifícios em Castanheira de Pera, com a indústria vidreira na Marinha Grande, com a indústria cerâmica da região de Pombal, com a indústria de transformação de frutas em aguardente na região de Óbidos e das Caldas da Rainha, entre tantas outras indústrias que contribuíram para a afirmação deste vasto território neste contexto regional e nacional. A indústria da pólvora e do fogo-de-artifício despontou nas últimas décadas desse século, um pouco por todo o distrito de Leiria como uma indústria florescente. Todavia, assumiu um papel mais significativo nos concelhos do norte e centro do distrito de Leiria (veja-se o recente estudo do autor: Miguel Portela, A indústria da pólvora e do fogo-de-artifício na Batalha [1868-1900] in Boletim do Museu da Concelhia da Batalha. Património industrial, n.º 4, dezembro 2015, p. 17). Nesse contexto mostraremos de forma sucinta, alguns pormenores dessa indústria nos concelhos do norte do distrito de Leiria, sobretudo quanto aos seus intervenientes dos concelhos de Castanheira de Pera, Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Alvaiázere e Ansião. Castanheira de Pera Apesar de não constar nos autos de concessão para licenças industriais do Governo Civil de Leiria, quaisquer processos relativos à concessão de licença para instalação de fábricas de pólvora e/ou fogo-de-artifício em Castanheira de Pera, reconhecemos a existência de fogueteiros nesse território. Um desses fogueteiros foi Manuel José Barata, do Pisão da Teresa em Castanheira de Pera que aparece num registo de casamento celebrado em 26 de julho de 1877 (Arquivo Distrital de Leiria (A.D.L.), Livro de Casamentos da Castanheira de Pera, Dep. IV-33-B-1, assento n.º 1, fl. 2). Identicamente, José Barata, fogueteiro do Ameal, surge referido num assento de casamento celebrado em 22 de setembro de 1890 (A.D.L., Livro de Casamentos de Castanheira de Pera, Dep. IV-33-B-2, assento n.º 25, fl. 63v-64). Pedrógão Grande No concelho de Pedrógão Grande, concretamente na freguesia de Vila Facaia, identificámos Manuel Coelho Mendes, da Salaborda Velha, fogueteiro, o qual aparece referido de 1878 a 1883 nos assentos paroquiais de certas paróquias da região (3 de julho de 1878 - A.D.L., Livro de Casamentos de Vila Facaia, Dep. IV-39-B-16, assento n.º 7, fl. 4-4v; 8 de fevereiro de 1882 - A.D.L., Livro de Casamentos da Castanheira de Pera, Dep. IV-33-B-1, assento n.º 10, fl. 97v; 25 de janeiro de 1883 - A.D.L., Livro de Batismos de Vila Facaia, Dep. IV-39-A-105, assento n.º 4, fl. 2-2v). Do mesmo modo, demonstramos que em 8 de fevereiro de 1895 foi entregue na administração do concelho de Pedrógão Grande, um requerimento exibido pelo citado Manuel Coelho Mendes, casado, proprietário, residente na Salaborda Velha, onde este pedira licença para instalação de um estabelecimento para fabrico de fogode-artifício e depósito de pólvora. Segundo o requerente, empregaria,”calitre, enxofre, carbom, cloracto articianno, nitrato, barita, goma, laquere, antimone e materiais que serão manipulados” (A.D.L., Autos de Concessão para licenças industriais. Governo Civil de Leiria. Atividades Económicas 1890-1898, Dep. III-79-C-3 - Processo de Manuel Coelho Mendes - 1895). Depois de ter sido publicitado o edital no periódico, O Zêzere, edição n.º 53, datado de 17 de outubro de 1896 (ano II, pp. 3-4), e obedecendo aos trâmites legais foi passado em 24 de fevereiro de 1897 o alvará de licença para inicio dessa atividade. Figueiró dos Vinhos Não foram achados por nós quaisquer autos de concessão para licenças industriais no Governo Civil de Leiria, respeitantes à concessão de licença para instalação de fábricas de pólvora e/ou fogo-de-artifício no concelho de

Figueiró dos Vinhos. Todavia, identificámos a existência de um mestre fogueteiro, neste concelho, que exercia a sua atividade na freguesia de Arega. Este mestre fogueteiro chamava-se Manuel Rodrigues Seco e aparece referenciado de 1862 a 1879 nos assentos paroquiais da freguesia da Arega (10 de fevereiro de 1862 - A.D.L., Livro de Casamentos de Arega, Dep. IV-33-D-5, assento n.º 5, fl. 5-6; 11 de maio de 1862 - Ibidem, assento n.º 6, fl. 6-6v; 3 de julho de 1879 - A.D.L., Livro de Batismos de Arega, Dep. IV-33-C-50, assento n.º 17, fl. 6v-7). Alvaiázere No concelho de Alvaiázere, desde 1860, que há registo de mestres fogueteiros, que exerciam nos finais do século XIX o seu ofício nesse território, particularmente, António Rodrigues Seco da Tapada em Maçãs de Dona Maria. Este surge mencionado num registo de casamento celebrado em 18 de abril de 1860 na freguesia de Arega (A.D.L., Livro de Casamentos de Arega, Dep. IV-33-D-3, assento n.º 4, fl. 4-4v). De idêntico modo, identificámos outros fogueteiros desse concelho, sobretudo Manuel António de Maçãs de Dona Maria, referenciado em 8 de fevereiro de 1882 (A.D.L., Livro de Casamentos da Castanheira de Pera, Dep. IV-33-B-1, assento n.º 10, fl. 97v) e Francisco Rodrigues Seco, do Casal de Agostinho Alves em Maçãs de Dona Maria, referido a 3 de maio e a 16 de agosto de 1892 (A.D.L., Livro de Batismos de Maçãs de Dona Maria, Dep. IV-27-A-35, assento n.º 31, fl. 14. A.D.L., Livro de Casamentos de Maçãs de Dona Maria, Dep. IV-27-B-3, assento n.º 9, fl. 251-251v). Sabemos que a 25 de setembro de 1896 foi entregue na administração do concelho de Alvaiázere, um requerimento de Manuel Dias Lopes, polvorista e fogueteiro, residente no Casal Novo, freguesia de Maçãs de Dona Maria, onde este solicitara licença para estabelecimento de uma fábrica de pólvora e fogo-de-artifício, assegurando que “O local do estabelecimento que se requer é na Terra Nova, limite de São Simão, da freguezia de Maças de Dona Maria, dista das habilitações mais proximas trezentos metros, e confronta do nascente com Abilio Alves, de São Simão, do norte, Manoel Dias Coelho das Relvas, do poente com caminho publico e do sul com João Lopes do Cazal Novo” (A.D.L., Autos de Concessão para licenças industriais. Governo Civil de Leiria. Atividades Económicas 1890-1898, Dep. III-79-C-3 - Processo de Manuel Dias Lopes - 1896). Depois de terem sido observados os trâmites legais sabemos que lhe foi passado o respetivo alvará de licença em 9 de novembro de 1896. Identicamente, e a 15 de junho de 1899 foi entregue na administração desse concelho, um requerimento ex-

José Malhoa (1855-1933) - Estudo para a figura do fogueteiro na obra “A Procissão”.

posto por Francisco Rodrigues Seco, casado, fogueteiro, morador no lugar do Casal de Agostinho Alves, freguesia de Maçãs de Dona Maria, tendo este solicitado licença para fabrico de pólvora e fogo-de-artifício. Dispunha para isso de “uma barraca de pau sitio da Quinta do referido Casal de Agostinho Alves, mas a distancia regulamentar da povoação” (A.D.L., Autos de Concessão para licenças industriais. Governo Civil de Leiria. Atividades Económicas 1899-1901, Dep. III-79-C-4 - Processo de Francisco Rodrigues Seco - 1899). Depois de ter sido publicitado o edital na porta da igreja de Maçãs de Dona Maria, e satisfazendo os respetivos trâmites legais foi-lhe passado em 14 de julho de 1900 o alvará de licença para início dessa atividade. Um dia depois, e a 16 de junho desse ano foi entregue na administração do concelho de Alvaiázere, um requerimento de António Luís Julião, do lugar dos Bispos, freguesia de Pussos, onde havia solicitado licença para fabrico de pólvora, fogo-de-artifício e respetivo depósito, querendo assim exercer a atividade de industrial. Para isso, dispunha de “uma barraca, ou casa, de taipa no sitio do Barreiro, limite do mesmo logar dos Bispos, mas a distancia regulamentar da povoação, percisa que se proceda ao processo preliminar para a concessão do respectivo alvará” (Ibidem, Processo de António Luís Julião - 1899). Satisfeitos os trâmites legais e depois de ter sido divulgado o edital na porta da igreja de Pussos foi-lhe passado o alvará em 14 de julho de 1900. Uma vez mais, e a 20 de agosto de 1900 sabemos que foi entregue nessa mesma administração concelhia, um requerimento de outro fogueteiro, designadamente, de António Silveiro, morador no lugar da Charneca, freguesia de Maçãs de Dona Maria pedindo licença para fabrico de pólvora, fogo-de-artifício e respetivo depósito. Desejava desta forma exercer essa indústria e comércio disponibilizando para o efeito de “uma barraca de madeira no sitio do Valle do Charneco, limite da Charneca” (Ibidem, Processo de António Silveiro - 1900). Depois de ter sido publicitado o edital no periódico, O Districto de Leiria, na sua edição n.º 962, de 1 de setembro de 1900, p. 3, e satisfazendo os trâmites legais foi-lhe passado o respetivo alvará em 5 de outubro de 1900. Ansião No concelho de Ansião, desde 1885, que existe registo de fogueteiros, que praticavam o seu ofício nesse território, principalmente, com Manuel Afonso da Bufarda em Chão de Couce (22 de maio de 1885 - A.D.L., Livro de Casamentos de Chão de Couce, Dep. IV-28-C-18, assento n.º 6, fl. 17v-18; 11 de janeiro de 1888 - Ibidem, assento n.º 3, fl. 36v-37; 21 de setembro de 1891 - A.D.L., Livro de Batismos de Chão de Couce, Dep. IV-45-D-90, assento n.º 31, fl. 10v; 18; 18 de janeiro de 1894 - A.D.L., Livro de Casamentos de Chão de Couce, Dep. IV-45-D-92, assento n.º 4, fl. 28v-29) e com José Mendes Rosa, das Relvas também de Chão de Couçe (11 de novembro de 1891 - Ibidem, assento n.º 13, fl. 6v-7). Sabemos que em 24 de agosto de 1896 foi entregue na administração do concelho de Ansião, um requerimento de José Mendes Rosa, casado, proprietário, morador no lugar das Relvas, da freguesia de Chão de Couce, que pedira licença para fundação de uma fábrica de pólvora e fogo-de-artifício. Afirmava ele que “O local do estabelecimento que se requer é na Tomadia, limite de Relvas, e dista das habilitações mais proximas trezentos metros pouco mais ou menos, e confronta do nascente com bens do requerente, norte com José Gaspar, poente com Francisco Parreiro e sul com caminho” (A.D.L., Autos de Concessão para licenças industriais. Governo Civil de Leiria. Atividades Económicas 1890-1898, Dep. III-79-C-3 - Processo de José Mendes Rosa - 1896). Depois de terem sido observados os trâmites legais sabemos que lhe foi passado um alvará de licença em 9 de novembro de 1896 para ele poder exercer legalmente essa atividade. Asseveramos que a 10 de outubro desse ano foi entregue na administração do dito concelho, um requerimento

Manual do Fogueteiro ou Arte dos Fogos de Artifício, Typographia do Commercio, Lisboa, 1908. apresentado por Manuel Afonso, polvorista e fogueteiro, residente na Bufarda, tendo este requerido licença para estabelecimento de uma fábrica de pólvora e fogo-deartifício, justamente nesse lugar da Bufarda. Assegurava ele que essa unidade industrial distava “das habilitações mais proximas duzentos e cincoenta metros, e confronta do nascente Antonio Pedro Henriques do Rego, do Cazal de Baixo, norte, Alexandrino Craveiro Feio, e outros, do poente e sul com estradas” (Ibidem, Processo de Manuel Afonso - 1896). Reconhecemos também que depois de satisfeitos os trâmites legais obteve o dito fogueteiro o alvará de licença em 24 de novembro de 1896. Identicamente e a 12 de outubro de 1896 foi entregue na administração do concelho de Ansião, um requerimento de Manuel Rodrigues da Paz, fogueteiro, morador no lugar da Fonte Galega desse concelho, onde solicitara licença para estabelecimento de uma fábrica de pólvora e fogo-de-artifício. Este confirmava que “O local do estabelecimento que se requer é na Cabeça do Buio limite da Fonte Gallega, e dista das habilitações mais proximas duzentos e cincoenta metros e confronta do nascente com João Duarte Granadeiro da Fonte Gallega, norte com Caminho Publico, poente com Antonio Pires da Constantina e do sul com Caminho publico” (Ibidem, Processo de Manuel Rodrigues da Paz - 1896). Depois de terem sido obedecidos os trâmites legais obteve o alvará de licença para essa atividade em 24 de novembro de 1896. Dias depois e a 22 de outubro desse ano foi entregue na administração desse concelho, um requerimento apresentado por Manuel Teixeira, polvorista e fogueteiro, morador na Mó, freguesia de Chão de Couce, onde havia solicitado licença para criação de uma fábrica de pólvora e fogo-de-artifício, afirmando ele que “O local do estabelecimento que se requer é o Outeiro da Mó, limite da Mó, dista das habilitações mais proximas duzentos metros, e confronta do nascente José Pires das Lameiras, poente com Antonio Simões da Mó, norte com Joaquim Gomes d’Amieira e sul com João Lopes da Costa Rego da Quinta de Cima” (Ibidem, Processo de Manuel Teixeira - 1896). Depois de terem sido satisfeitos os trâmites legais foi-lhe passado o respetivo alvará de licença em 9 de dezembro de 1896. Nas últimas décadas do século XIX, o norte do distrito de Leiria, assentava a sua economia na produção de azeite, vinhos, cereais e frutas. Todavia, a indústria dos lanifícios, sobretudo com o polo industrial localizado em Castanheira de Pera era o motor da economia de todo este vasto território. Nessa época despontaram outras indústrias que rapidamente cresceram paralelamente à indústria dos lanifícios, como foi o caso da indústria da pólvora e do fogo-de-artifício que aqui apresentámos. Sendo uma região com uma forte tradição religiosa secular assente nas festividades celebradas pelas suas gentes aos seus santos protectores que carateriza de forma ímpar cada concelho desse território, a indústria da pólvora e do fogo-de-artifício desenvolveu-se e difundiu-se através dos seus oficiais a outras zonas, tendo inclusive alguns fogueteiros aqui residentes ficado retratados de forma sublime em algumas obras do pintor José Malhoa.

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