A indústria de seda nacional em Cordeiro 1920-1930.pdf

May 27, 2017 | Autor: Paulo Tamiazo | Categoria: Brazilian History, Mulberry Harbours, Local and regional history, Silk Industry
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A indústria de seda nacional em Cordeiro: da esperança à decepção (1920-1930) Há alguns anos, publicamos na imprensa local um artigo sobre os procedimentos realizados para a implantação do viveiro de mudas de amoreiras, no local que seria depois a Vila Nova Brasília, com informações que remontavam há mais de 20 anos, proveniente de escrituras públicas relevantes no acervo do Tabelionato de Notas e Protesto de Cordeirópolis. Posteriormente, também pudemos recuperar, com acervos dos Diários Oficiais do Estado e da União, o destino da estrutura da Indústria de Seda Nacional, antes e após a sua transferência para o Governo do Estado e, posteriormente, para o Município de Cordeirópolis para a abertura do loteamento municipal, conhecido depois como Vila Nova Brasília. Neste texto, a partir de dados obtidos dos jornais digitalizados no acervo da Biblioteca Nacional e do próprio jornal “O Estado de São Paulo”, vamos recuperar mais informações sobre as ações realizadas e as suas conseqüências nos primeiros dez anos do período das amoreiras em Cordeirópolis. O contexto só poderá ser melhor percebido quando tivermos acesso aos jornais de Limeira e aos documentos que possam existir nos arquivos da Prefeitura e da Câmara daquela cidade, uma vez que Cordeiro, posteriormente chamado de Cordeirópolis, pertenceu, durante quase 60 anos, ao Município de Limeira. As escrituras que deram origem ao movimento de implantação da criação de amoreiras para fornecimento de folhas para os bichos da seda já foram citadas e discutidas anteriormente. Nas pesquisas recentes, encontramos referências a esta movimentação, mas com interpretação diferente, especialmente da imprensa e do governo municipal da época. O jornal “Correio Paulistano”, de 23 de março de 1920, refletindo reportagem do “Limeirense” do dia 21, informava que teria sido assinado um contrato para instalação, em Cordeiro, de uma fiação de seda, através da iniciativa do “industrial suíço” Emil Schlaepfer, beneficiado por vantagens legais e incentivos por parte da Municipalidade de Limeira. O objetivo das negociações era permitir a instalação de uma fábrica de fiação de seda, no prazo de 18 meses, e que ocuparia 100 operários. Estes trabalhadores iriam operar 80 “bacias para desfiação” e mil fusos, que são responsáveis pela formação do fio de seda. Estava prevista a construção de cinco prédios, com área total aproximada de 2.500 m2. Destacou-se que iriam ser usados mais de “quinhentos mil tijolos” na construção da fábrica, bem como seriam feitas vinte casas para operários. O capital empregado era superior a 1.000 contos de réis, e a previsão de início do funcionamento era setembro de 1921. Para a instalação deste melhoramento, foi adquirido um terreno de 10 alqueires, equivalentes a 242.000 m2, com valor de 25 contos de réis, sendo que a escritura definitiva seria feita em janeiro de 1921. Ao mesmo tempo, foi assinado um contrato com o Sr. Arthur Meissner, residente em Santa Gertrudes, para a implantação de um viveiro com 50 mil mudas de amoreiras pretas, enxertadas com amoreiras brancas, além de outros contratos com agricultores na ferrovia Funilense, ou seja, no atual município de Cosmópolis.

A Municipalidade de Limeira estava entrando com o valor inicial de 5 contos de réis, a título de subvenção, que caso não fosse utilizado adequadamente, seria revertido ao poder público. Estava sendo dada isenção de impostos municipais por 20 anos, além de um auxílio de 100 contos de réis, em prestações mensais de 5 contos. Este valor deveria ser devolvido caso a empresa tivesse lucros superiores a 12% do capital. Segundo o animado redator, o industrial suíço estava indo à Europa para comprar máquinas, e em outubro voltaria para “meter mãos à obra”. As notícias otimistas continuam no dia 26, onde se falava que “a fábrica de Cordeiro começaria provavelmente a comprar casulos para ter matéria prima”, e a fiação que seria instalada em Cordeiro já não seria uma simples expectativa, mas uma obra contratada oficialmente. No fim do mês, o “Estadão” repercute a notícia, dando melhores informações, muitas delas já recuperadas através de outros locais, como o Tabelionato de Notas. O jornal fala sobre a “próxima instalação de uma fábrica de fiação de seda em Cordeiro, município de Limeira, e na provável instalação de estabelecimento análogo nesta cidade” de Campinas. Como se verá abaixo, o sonho deu em nada e o provável se tornou realidade. Em 2 de abril, o jornal continua detalhando os passos para a implantação do empreendimento: fala que o terreno foi adquirido pela quantia de 25 contos, de João Lucke e outros, cita novamente Messner, de Santa Gertrudes, com o contrato de 50 mil mudas, dizendo que outras seriam fornecidas por instalações em Limeira e na Funilense, ou seja, Cosmópolis. Destaca também que, pela prefeitura de Limeira, assinou o contrato o Prefeito Municipal Alberto Ferreira da Silva e que o empresário Schlapfer teria seguido para os Estados Unidos com o objetivo de adquirir as máquinas necessárias, com regresso previsto em outubro. Conforme apontamos em texto publicado na imprensa, transcrevemos o que escrevemos em nosso livro sobre os 125 anos de Cordeirópolis, publicado em 2012, sobre os problemas supervenientes, que motivariam uma mudança de planos. “Apesar de toda a dedicação do poder público local e das complicadas negociações entre a Indústria de Seda Nacional, que adquiriu a gleba de terra, os vendedores e a administração do distrito, isto não representou a criação de uma indústria de seda, o que só ocorreria dez anos depois.” “Em março de 1920, assinaram uma escritura de contrato para formação de viveiros de mudas de amoreiras o Sr. Arthur Meissner, de Santa Gertrudes, e Emil Schlapfer, morador da Capital. Estimando os investimentos em 15 contos de réis, projetaram para o período de 10 de março de 1920 a 15 de junho de 1921 a realização desta atividade”. “Ao mesmo tempo, foi assinada a primeira escritura de compromisso para compra de áreas de terra dentro da zona urbana de Cordeiro, para que o experimento pudesse

ser realizado. (...) Os compromissos foram renovados e ampliados durante todo o ano de 1921, chegando o último a ser realizado em junho de 1922 (...)” O sonho da fiação de seda em Cordeiro começou a se desvanecer não só pelos problemas legais com a compra das terras, mas também com a transformação do provável em realidade; em 13 de abril de 1921, foi anunciado pelo Correio Paulistano que a Prefeitura de Campinas tinha autorizado “a concessão de uma área, isenção de impostos e outros favores à Arturo Odescalchi e Emil Schlapfer, para instalação de importante fábrica de fiação, torção e tecelagem de seda e criação do respectivo bicho”, sob a iniciativa da Amerital. Como não bastasse esta nova ação, o processo em si de oficialização das áreas que deveriam ser usadas para o viveiro de mudas de amoreiras contava com mais um problema: a morosidade da Justiça. Em 10 de outubro, notícia dava conta que o juiz de direito de Limeira tinha julgado um arrolamento, ou seja, um inventário, em nome de Antonio Baptista Janine, autorizando a venda de partes de um terreno em Cordeiro ao Sr. Emil Schlapfer, intitulado “empresário da Fiação de Seda”. O ano de 1922 passou sem noticias na imprensa, somente se destacando, como indicado, a assinatura da escritura definitiva de compra dos 10 alqueires e outras partes, de propriedade da família Lucke e outras, compreendendo, inclusive, trechos de ruas que posteriormente foram reabertos na implantação da Vila Nova Brasília. O destaque, na imprensa consultada, do ano de 1923, foi uma intervenção da Comissão de Tarifas da Alfândega, barrando a entrada de “máquinas operatrizes completas para fiação de seda”, determinando a separação dos materiais recebidos na importação, para que fossem cobradas taxas diferenciadas. Seria mais um entrave na implantação da indústria, confirmada para Campinas, com os incentivos dados pela legislação municipal. Em julho deste ano, foi destacada a ação junto à Municipalidade de Rio Claro, onde estava sendo proposto um “pedido de incentivo”, solicitado por Eugênio Lefèvre, diretorsecretário da S.A Indústrias de Seda Nacional, e Emil Schlapfer, identificado como advogado da companhia. Como será visto depois, uma área de Rio Claro sediará outro viveiro de mudas para distribuição aos interessados. Em maio de 1924, a imprensa paulista destaca a inauguração das instalações da S.A. Indústria de Seda Nacional. Na Vila Industrial, a partir das 13 horas, estava prevista a abertura, com a presença do Presidente do Estado de São Paulo, além de Secretários de Estado, o embaixador da Itália e o Arcebispo Metropolitano da cidade. Pela empresa, estariam presentes o presidente Luiz Pereira, Arthur Odescalchi, Gabriel Penteado e Eugenio Lefèvre, na verdade Júnior. O evento teria a presença de Carlos de Campos, Presidente do Estado, do marechal Badoglio, embaixador da Itália no Brasil, e o empreendimento teria a direção de Emil Schlapfer, situado entre a Avenida 7 de Setembro e a Rua General Carneiro, em Campinas. Foi citada também a instalação do “Instituto de Sericicultura”, que teria por objetivo a reprodução e criação dos ovos do bicho da seca, pelo sistema “celular de Pasteur”, com hibernação artificial, para o qual não conseguimos encontrar definição pelas pesquisas

realizadas. Dentre as suas estruturas subordinadas, estavam os “viveiros de amoreiras para distribuição” em Campinas, Rio Claro e Cordeiro. Quanto a Campinas, parece ser a estrutura do Município de Cosmópolis, situada na antiga linha Funilense. A inauguração da fábrica também foi destaque no jornal operário “Combate”, dirigido pelo militante anarquista Edgard Leuenroth. Repetindo textualmente a matéria de inauguração já citada em outros meios, a única diferença era que “de setembro a maio de 1925 a fábrica ontem inaugurada poderia produzir 200.000 kg de seda”. Nos próximos anos, houve expansão da produção, baseada também na ampliação dos locais de produção de mudas. Segundo publicação oficial de 1928, “as mudas de amoreiras” deveriam ser procuradas em diversos locais, como “Piracicaba, Ribeirão Preto, Cosmópolis, Cordeiro, Itapira, Limeira, Araçatuba, Salto Grande, Cândido Motta e Assis”. Entretanto, as coisas não saíram bem como o planejado. Em uma enorme matéria paga, publicada em pelo menos dois jornais da imprensa paulistana, o empresário italiano Guilherme Poletti, que retornou à Itália alguns anos antes, denuncia as falcatruas de que foi vítima, especialmente de seus sócios nas empresas S.A. Amerital e S.A. Indústria de Seda Nacional, aquela mesma que iria ser implantada em Cordeiro, com diversos favores do governo local. Dentre inúmeros fatos publicados, envolvendo Luiz Pereira, José Giorgi, Artur Odescalchi e seu irmão Emilio, Davide Giolitti e o já citado Eugenio Lefèvre Júnior, destacou-se que foi feita irregularmente, a “absorção ou compra da S.A. Amerital e da S.A. Indústria de Seda Nacional de Campinas”, consideradas “sociedades de péssima situação financeira”, ou “falidas”. Encontrada a situação calamitosa, Poletti solicitou, através da justiça, para solução dos problemas, a liquidação da S/A Amerital e da Tecelagem de Seda Sant´Anna, bem como a fusão com a Fábrica de Seda Santa Helena, continuando a operar, logo após este fato, somente a Tecelagem de Seda Italo-Brasileira e a Indústrias de Seda Nacional. Em 1929, o “Diário de Notícias”, jornal não vinculado à elite agrícola ou industrial de São Paulo, destaca os “problemas da indústria de seda”, de acordo com Oswaldo Riso, da Banca d´Italia, em que se destacam os grupos envolvidos na questão: de um lado, Guilherme Poletti e Arthuro Odescalchi; de outro, Assumpção, Guinle, do Rio de Janeiro, Tavares Pereira, presidente da Indústria de Seda Nacional, e o falecido arquiteto Ramos de Azevedo. Disse Riso que havia “boa vontade dos industriais e do governo”, na forma de subvenções e privilégios, o que permitiu, nos últimos anos, que a situação da indústria de tecelagem da seda estivesse em “uma situação acima de medíocre”; destacou que o capital da Indústria de Seda Nacional estava em somente 12 mil contos de reis, que entre 1924 e 1928 o número de amoreiras plantadas subiu de 100 mil para 7 milhões, mas a indústria estava prejudicada pelo problema da “dependência de crédito”; isto é, não dava lucro suficiente. Neste mesmo ano, o “Estadão” publica um relatório desanimador sobre a situação da indústria de seda no período, classificando a situação como de “paralisação e decadência”; segundo o autor do artigo, a S.A. Indústria de Seda Nacional cresceu, paralisou e decaiu com a

sericicultura. Segundo o autor, devido ao atraso no pagamento, pela indústria, aos fornecedores de casulos, não houve mais interesse em pedir mudas novas de amoreiras. Depois, fornece uma descrição impressionante sobre a situação em que se encontrava o viveiro de mudas, local onde depois foi aberta a Vila Nova Brasília, e onde se criaram esperanças perdidas de que fosse instalada a fábrica, na verdade funcionando em Campinas: “ainda há dias, passando por Cordeiro, vimos, entristecidos, no campo que a S.A. Fábricas de Seda Nacional [sic] possui um milhão de mudas e 24.000 amoreiras, burros pastando descansadamente e cabras, às cabriolas, envenenando e matando a plantação. E, não lhe sendo solicitados ovos do bicho da seda pelos lavradores, começou a exportar para o estrangeiro a sua produção”. Em dezembro de 1929, outra análise dá uma idéia da situação em que se encontrava a estrutura vinculada à produção da seda: “A S.A. Indústria de Seda Nacional de Campinas foi favorecida pelos governos estadual e federal” e mantém “criações-modelo em Campinas, Cosmópolis e Cordeiro, com casas rústicas para criação e plantação e viveiros de amoreiras”. Em 1930, poucos meses antes do início da Revolução que conduziu Getúlio Vargas ao poder, o “Estado de São Paulo” dizia: “Factos posteriores nos provaram que a sericicultura, entre nós, não passa de burla de espertalhão, ou sonho de insensatos. Todas as tentativas para implantá-la terminam sempre em desastres ruinosos”. Entretanto, a situação não era tão aterradora como fazia parecer o articulista. Em outra edição, o jornal “O Estado de São Paulo”, na voz de outro redator não identificado, dizia que em todo o estado haviam “três fiações de certa importância”: a S/A Indústria de Seda Nacional, de Campinas; a empresa Andraus & Irmão, de Bragança, e a Fioseda, de Cordeiro, com capital de 100 contos de réis, local onde “a criação de sirgos adquiriu algum desenvolvimento”. As dificuldades destas empresas, segundo a reportagem, estariam baseadas no fato de que “todas estas empresas lutam com dificuldades financeiras, sem embargo dos auxílios concedidos” e “os fios que produzem não se acham em condições de concorrer com o estrangeiro e sua venda não remunera o capital comprometido”. Mesmo com este quadro não muito favorável, a pesquisa nestes acervos permitiu conseguir uma informação importante: que a Fioseda, indústria pioneira na área têxtil em Cordeirópolis, é anterior às informações que até agora foram encontradas, seja o registro na Junta Comercial, que é de 1938, ou uma escritura de compra e venda, feita em 1934. Até agora, não se conseguiu ainda descobrir a origem da empresa, o que talvez só poderá ser feito através de documentação da Câmara ou da Prefeitura de Limeira, no caso em que sejam disponibilizadas ou digitalizadas, ou nos jornais da época, caso aconteça o mesmo. Caso contrário, continuará um mistério à espera de novos acervos ou novas pesquisas.

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