A INFLUÊNCIA DAS RELIGIÕES/FILOSOFIAS ORIENTAIS NA GESTALT-TERAPIA: TAOÍSMO E ZEN BUDISMO

July 14, 2017 | Autor: Yano Patrícia | Categoria: Psicología clínica, Gestalt Terapia
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A INFLUÊNCIA DAS RELIGIÕES/FILOSOFIAS ORIENTAIS NA GESTALT-TERAPIA: TAOÍSMO E ZEN BUDISMO

Luciane Patrícia Yano

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estar atento a si mesmo, consciente, presente, significativo na relação terapêutica e, esta postura é, em parte, influenciada pelos conhecimentos advindos do Taoísmo e Zen Budismo. 1. Taoísmo

“Discutir uma filosofia de diálogo, falar sobre o entre e mencionar a graça coloca meu pensamento explicitamente num contexto espiritual. Por espiritual quero dizer um reconhecimento de uma realidade maior do que a soma total de nossas realidades individuais, e do mundo físico visível. Para mim é inconcebível uma dimensão espiritual ou transpessoal. Cada vez mais sinto que em meus melhores momentos terapêuticos estou presente a alguma realidade espiritual e algumas vezes, sou seu instrumento” (Hycner In Cardella, 1994)

A proposta deste artigo é discutir a necessidade da compreensão das influências que as religiões/filosofias orientais obtiveram, juntamente com o humanismo, existencialismo e fenomenologia, na composição do todo que é a Gestalt-Terapia. A GT é uma forma de atuação que foca os afetos, mobilizando a pessoa do terapeuta e do cliente/paciente, tendo estes como coatuantes no processo psicoterápico e, para isso, considero que o terapeuta deva estar preparado para ser o facilitador da percepção do outro que, ao procurar a terapia, nos traz alguma forma do sofrimento que vivencia. Neste aspecto, compreender um pouco das religiões/filosofias orientais consiste em uma via de expressão da vivência do terapeuta, que precisa

O taoísmo surgiu na China, há aproximadamente cinco mil anos atrás e fora apresentado ao ocidente juntamente com o I Ching, “O livro das mutações”, no século XX, podendo ser compreendido como uma visão intuitiva da realidade, sem se enquadrar exatamente como religião ou filosofia. O taoísmo parece conter noções complexas quando comparado ao modelo científico do ocidente. Complexo, quando necessitamos basicamente utilizar o instrumento da intuição para chegar a este conhecimento e, a intuição é paradoxal em nossa sociedade, pois é algo que nos pertence enquanto pessoas, mas que fora desvalorizado pelo desenvolvimento do conhecimento dito estritamente científico/racional. O primeiro conceito do Taoísmo que aqui apresento é o de Equilíbrio Dinâmico. Equilíbrio Dinâmico refere-se à compreensão de que não precisamos aprender nada, mas que tentemos nos livrar do peso limitante das velhas verdades, pois apenas desta forma é que poderemos chegar aos movimentos naturais que regem nossa vida. Desta forma, o que faremos é sentir 1

a vida e suas manifestações, bem como respeitá-las, equilibrando-nos neste movimento. O segundo conceito do Taoísmo refere-se a Unicidade Cósmica, em que percebe-se uma realidade que em si não existe, mas o que existe é nossa interação com esta realidade. Portanto, somos como espelhos a refletir outros espelhos e, deste modo, uma das coisas que aprendemos é que ao invés de mudarmos o mundo, precisamos mudar a nós mesmos. O terceiro conceito do Taoísmo é o de Crescimento Cíclico, em que há a percepção de que o movimento da vida contém momentos de dor e de alegrias. Coisas feias, coisas belas, boas ou ruins, todas elas constituem este movimento. Em outras palavras, dor e queda fazem parte da vida e, destas nunca escaparemos. Contudo, a pior dor é sofrer sem ver nisto um sentido qualquer. O Taoísta reconhece que a vida é feita de fluxos e refluxos e identificá-los é essencial para não ser “pego de surpresa”. O quarto conceito do Taoísmo refere-se a Ação Harmoniosa. Ação Harmoniosa é a atividade transformadora originária dos movimentos internos para os externos. Conhecer a si primeiro, aperfeiçoar seu trabalho e utilizar este conhecimento pessoal com mais confiança em si e na vida. O quinto e último conceito do Taoísmo aqui destacado, refere-se a Dissolução da Realidade que fala

da necessidade de oposição para o crescimento pessoal e para o aprimoramento da consciência. Conhecer a si mesmo, de maneira a perceber o bem e o mal, opostos que em si coexistem, evitariam a guerra e o preconceito, à medida que possibilitaria à pessoa, a compreensão dos próprios defeitos e de outrem. “Quando ingressa na vida, o homem é tenro e fraco; quando morre é duro e forte. Ao entrarem na vida, as plantas são macias e frágeis; quando morrem são secas e duras. Por isso os fortes e rígidos são companheiros da morte e os tenros e flexíveis são companheiros da vida” (Pensamento - Tao Te King)

2. Zen Budismo O Zen Budismo consiste numa das mais antigas religiões da humanidade, proveniente de uma escola de meditação do Budismo. Para os discípulos do verdadeiro Zen, os ensinamentos de Buda colocaram o homem na eternidade do momento presente, sendo a realidade algo intemporal, em que o homem descobrirá sua integridade reagindo no ato instintivo do Agora, valorizando o ensinamento relacional, pessoa a pessoa. No Zen, considera-se que a iluminação genuína (Satori), decorre do esclarecimento e da simplificação, mediante a prática dos valores antigos de tempo e de experiência, em que a verdade é encontrada ao se afastar do erro e não ao descobrir um caminho novo.

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Para o Zen Budismo, a realidade não é objetiva, mas um reflexo subjetivo que se torna realidade somente se a pessoa consentir em participar de sua manifestação pela libertação da vontade, de maneira que se possibilite a fluidez, numa sequência intimamente ligada. Atualmente, o termo Zen vem sendo empregado de maneira errônea, tendo conotação de calmo, de um viver despreocupado em perene devaneio, alienado da vida e/ou à margem dos problemas sérios do cotidiano. Contudo, ser Zen é estar no presente, é perceber sua subjetividade, é escutar-se visando o alcance da Satori. Satori é um termo complexo para ser definido. Entende-se por Satori o insight impactante e profundo, que muda a percepção da vida. Sentir e perceber a realidade subjacente ao mundo e perceber a unicidade de todos os seres vivos com o universo. Como consequência da Satori, a pessoa passa a viver no mundo a pleno vapor, radiantes em poder estar aqui presente experienciando todas as emoções. “(...). Antes da iluminação, as montanhas são montanhas, os rios são rios; durante o processo de aperfeiçoamento, as montanhas deixam de ser montanhas, os rios deixam de ser rios; depois da iluminação, as montanhas voltam a ser montanhas e os rios voltam a ser rios.” (Medeiros, 2002)

3. Influências das religiões orientais para a GestaltTerapia Segundo Ginger & Ginger (1995), é, em grande parte, devido as influências das religiões orientais, que a Gestalt-Terapia poderá ser definida como uma arte e uma filosofia de vida. Perls utilizou-se de grande parte de seu conhecimento quanto as religiões orientais aplicando-as para o desenvolvimento da GT. Todavia, o lado espiritual das religiões não parece ter sido assimilado por Perls, embora um número significativo de Gestaltistas tendam a desenvolver seus trabalhos considerando fortemente o lado espiritual. Uma característica que a GT apresenta e parece representar no aspecto da influência das religiões orientais é no que se refere à valorização dos afetos, das características humanas mais peculiares, de forma gradativa, possibilitando entrar em contato com o outro não apenas no sentido corporal, mas de maneira holística, descobrindo a natureza humana e permitindo que esta siga seu curso natural. Cada acontecimento, cada homem é único, pois este não se repete. Logo, o terapeuta tratará desta individualidade que reside em todo ser. Outro aspecto que reflete a influência oriental na GT, refere-se ao fato de que a Gestalt procura trabalhar a energia gerada por um dado problema e não o problema em si. Reconhecendo “o que” este 3

problema está gerando, “como” ele faz e “para que” o faz. Na religião oriental, percebe-se a realidade retratada como um vazio, em que mudanças, que são consideradas tão importantes para o ser, dão-se no desprender de algo para posteriormente, aprendermos conforme nossa organização perceptiva o faça. Isto tem por finalidade, a ocorrência da aprendizagem significativa e, consequentemente, o exercício de nossa capacidade intuitiva de acordo com nossas vivências. Contudo, este processo só é possível devido a uma das características mais peculiares ao Homem, sua subjetividade, tida como verdade pessoal que, de forma criativa, preenche esse vazio inicial tal qual a frase Zen: Não apresse o rio, ele corre sozinho. Outro aspecto importante da religião que influenciou a GT, é o conceito de frustração como algo importante ao crescimento humano, visto que o Ser só cresce, a partir de experienciarem a si próprio cada momento que gere mudanças, conhecendo pela sensação seus limites e possibilidades. Ressalta-se porém, que este exercício é árduo, já que nossos pensamentos, nem sempre são nossos de fato, mas retratam condições trabalhadas pela sociedade e que foram introjetadas, sem prévio pensar sobre os mesmos. Portanto, entende-se quando Perls falava da necessidade de pensar menos e sentir mais, sobre desaprender para aprender

significativamente absorvendo ideias que são nossas, ideias estas, que compõem a subjetividade individual, Perls estava recolocando o Homem como centro. Desta maneira, a GT convida-nos a uma transcendência, experienciando limites e descobrindo novas possibilidades. Ainda, segundo Ginger & Ginger (1995), quanto a influência das religiões/filosofias orientais Taoísmo e Zen Budismo na GT, ocorrera um cruzamento desta com demais pensamentos, ficando sem se saber ao certo, quem influenciou quem. Contudo, valorizando não apenas um conhecimento, reconhecemos a importância de cada parte destes para a formação do todo. “O que importa não é descobrir de qual mina fora extraída uma pedra preciosa, mas se ela encontrou seu lugar no colar: é a coerência e não a origem das técnicas que constituem o valor dos métodos” (Ginger & Ginger, 1995)

Do Taoísmo, observa-se na GT o conceito de naturalidade entre os contrários, em que logo após a nomeação de algo, outro surge em oposição, originando os dois princípios, o Yin, feminino, referindo-se a estabilidade e Yang, masculino, representando o movimento. Na terapia, podemos representar a figura do terapeuta como aquele que o paciente/cliente, representa como seu oposto, demonstrando que estas oposições que caminham em função do crescimento. O terapeuta temerá o vazio, porque ele é o centro da mudança na psicoterapia e, quando o paciente/cliente o procura, o 4

mesmo poderá temer este vazio. Assim, o terapeuta deve encontrarse em oposição a esta atitude. Ademais, segundo o Taoísmo, temos a seguinte concepção que aborda bem o entendimento para a GT. “.(...) trata-se de viver intensamente o Aqui e Agora, porque o passado é um peso morto e só o presente está vivo”. (Ginger & Ginger, 1995)

Do Zen Budismo, a relação com GT está na busca pela criatividade humana, da consciência da totalidade e não um conviver com coisas envelhecidas pelo tempo, pelos hábitos, deixando que os processos fluam com naturalidade, percebendo esta transformação e permitindo que a natureza siga seu curso e cresça pela própria experiência. Podemos perceber isso no processo psicoterápico da GT, através da fronteira de contato, em que apenas conseguindo facilitar a retirada, a fluidez e a sensação do outro é então que ele pode chegar à consciência de uma dada vivência que lhe causa sofrimento, e, permitindo ao mesmo, conhecer sua individualidade irrepetível, presente em todo Ser humano. “No Zen, dizemos que o homem só conhece o frio e o quente pelo contato com as coisas. Aqui, tudo se explica pela experiência vivida” (Ginger & Ginger, 1995)

na possibilidade de um crescimento humano que parta do princípio da importância da subjetividade, para que o homem possa conhecer a si mesmo e reconhecer suas próprias escolhas e necessidades verdadeiras, resultando na ampliação de seu campo perceptual e, consequentemente, relacional. 4. Referências bibliográficas Cardella, B. H. P. (1994). O amor na relação terapêutica: uma visão gestáltica. São Paulo: Summus editorial. Ginger & Ginger, A. (1995). Gestalt: uma terapia do contato – São Paulo: Summus editorial. Medeiros, A. (2002). Budismo: o que é ser Zen – Disponível em: www.uol.com.br/bemzen/ultnot/budism o/ult48/u6.htm Perls, F. S. et al. (1977). Isto é Gestalt: coletânea de artigos escritos por Frederick S. Perls e outros; compilação e edição da obra original de John O. Stevens; tradução de George Schlesinger e Maria Júlia Kovacs; revisão científica: Paulo Eliezer Ferri de Barros – São Paulo: Summus editorial. Ribeiro, J. P. (1985). Gestalt-terapia: refazendo um caminho. São Paulo: Summus editorial. 1

Psicóloga clínica, mestre (M.A.) e Doutora (PhD) em Humanities and Social Science. pela Nagoya City University, docente na Universidade Federal do Acre. Texto não publicado, desenvolvido no programa de Formação como psicólogo, na Universidade da Amazônia, Belém-PA, no ano de 2002.

A partir destas considerações, percebo as influências que as religiões/filosofias orientais exercem na GT, quanto à vivência no Aqui e Agora, quanto ao sentido das polaridades, na sensação de totalidade do corpo, das emoções, 5

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