A INFLUÊNCIA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU NA ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL À LUZ DO ESTATUTO DE ROMA: O CASO DE DARFUR

July 8, 2017 | Autor: Giliardo Nascimento | Categoria: International Security, Security Studies, United Nations, ONU, TPI
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Giliardo Nascimento1

A INFLUÊNCIA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU NA ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL À LUZ DO ESTATUTO DE ROMA: O CASO DE DARFUR RESUME Pretende-se, com o presente estudo, apurar a influência que o Conselho de Segurança exerce de forma efetiva sobre a atuação do Tribunal Penal Internacional. Neste sentido, para perseguirmos os objetivos necessários, inicialmente, ainda que de forma sumária, faremos um enquadramento teóricodoutrinal, considerado crucial para que possamos perceber a influência exercida pelo Conselho de Segurança (através da análise dos artigos 5º, 13º e 16º do estatuto de Roma) na ação do Tribunal Penal Internacional como um meio jurídico, por excelência, para garantir a proteção dos Direitos Humanos, numa lógica de prevenção e repressão dos crimes graves e desumanos praticados em regiões ou Estados onde esses direitos são constantemente ignorados e violados. Para finalmente abordar a atuação conjunta do TPI e do Conselho de Segurança da ONU através de um estudo do caso de Darfur.

LISBOA, 2015

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Licenciado em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Socias e Politicas da Universidade de Lisboa, Mestrando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

INTRODUÇÃO As vicissitudes da história, a complexidade crescente e evolutiva do sistema internacional bem como a própria natureza humana, propiciaram acontecimentos que marcaram a humanidade e consequentemente a emergência de desafios que exigiram respostas claras, rápidas, porém, coerentes da comunidade internacional. Essencialmente visíveis na necessidade de encontrar instrumentos capazes de resolver as diversas controvérsias entre Estados que o mundo deparou ao longo da sua história. E foi assim que surgiram e continuam a surgir mecanismos de resolução de controvérsias entre os demais sujeitos de Direito Internacional. Com o culminar da Segunda Grande Guerra e no seguimento dos julgamentos de Nuremberga (por meio do acordo de Londres de Agosto de 1945) e de Tóquio (com a criação do Tribunal Militar internacional), a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) reclamou a necessidade da existência de uma instância internacional de caracter permanente que fosse dotado de competência para levar a julgamento impunidades como inter alia a limpeza étnica, a escravidão sexual forçada, a mutilação, bem como o genocídio, perpetrados por detentores de poder naquele contexto de hostilidade. No mesmo contexto ainda por causa da tentativa frustrada em 1973 de criação de uma “convenção sobre a Supressão e Punição do crime de Apartheid” e posteriormente, na sequência das atrocidades na ex-Jugoslávia durante a guerra da Bósnia-Herzegovina e do genocídio de Ruanda perpetrado por extremistas hútus contra tutsis, o Conselho de segurança concretizou, à luz do capitulo VII da Carta das Nações Unidas, a criação de dois tribunais para levar a julgamento os perpetradores, porém, eram tribunais de natureza ad hoc, subsidiários do Conselho de Segurança, criados por mandatos específicos que os limitava tanto no espaço como no tempo, dificultado o seu alcance bem como a sua eficácia a nível internacional, confirmando-se assim, mais uma vez, a necessidade de uma entidade internacional e independente com prerrogativas legais para atuar em relação a crimes que fosse da sua competência, sem depender de um mandato especial do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas sim criado através de um tratado multilateral, que estabelecesse verdadeiramente um jus puniendi.

Assim, os Estados membros das Nações Unidas (NU) reunidos em Roma a 17 de Julho de 1998 e convergentes relativamente a necessidade de um tribunal permanente, aprovam2 o Estatuto de Roma que visava a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) com personalidade jurídica própria e com jurisdição criminal permanente, que consagraria um marco histórico como uma instituição paradigmática da conceção universalista do Direito Internacional, representando consequentemente um significativo expoente da evolução da justiça penal internacional, sendo que até então nunca existiu um órgão com carater

jurisdicional

e

competente

para

julgar

violações

de

direitos

internacionalmente consagrados, como crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e o crime de agressão como os graves crimes que afetam a comunidade internacional no seu conjunto (Artigo 5º), seguindo-se assim o período, conhecido por alguma doutrina como a “humanização (efetiva) do Direito Internacional”3. Apesar de se tratar de uma entidade independente com prerrogativas legais para atuar em relação a crimes da sua competência, sem depender de um mandato especial do Conselho de Segurança das Nações Unidas, porém a sua ação é fortemente influenciada pelo referido Conselho de Segurança das Nações Unidas, pelo que, não obstante a obrigatoriedade da sua jurisdição4 e os tramites processuais da sua ação5, o presente estudo pretende ser essencialmente descritivo-analítico, por meio de pesquisa bibliográfica, que possui fundamento na medida em que é necessário averiguar tais relações por questões de confiabilidade na atuação do Tribunal Penal Internacional, tendo em vista a importância desta instituição no mundo globalizado e no desenvolvimento de uma justiça penal internacional. Inicialmente, ainda que de forma sumária, 2

Após um longo processo de negociação entre os Estados, o Estatuto do TPI foi aprovado com 120 votos a favor, sete votos contra (Estados Unidos, China, Iraque, Israel, Catar, Líbia e Iémen) e 21 abstenções, onde se destacavam a Síria e o Egito. 3 Neste particular, António Cassesse (2005, pp. 19) realça que “Não obstante, é a promulgação do Estatuto do TPI que representa o ápice da institucionalização e da universalização das medidas para essa aplicação [do direito internacional humanitário]. O órgão cumpre os propósitos de uma justiça simbólica e, com o requisito do apoio dos Estados, também será capaz de proporcionar uma solução judicial eficaz que pode distribuir, razoavelmente, pelo menos, alguma justiça equitativa e restaurativa”. 4 Não constituindo objeto direito do nosso estudo, não será feito um estudo exaustivo relativo a essa matéria, porém, neste sentido ver BRITO, Wladimir. Direito Internacional Publico, 2º edição. Coimbra Editora, 2014. 5 Neste sentido GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito internacional público. Almedina, 2003.

faremos um enquadramento teórico-doutrinal, considerado crucial para que possamos perceber a influencia exercida pelo Conselho de Segurança (através da análise dos artigos 5º, 13º e 16º do estatuto de Roma) na ação do Tribunal Penal Internacional como um meio jurídico, por excelência, para garantir a proteção dos Direitos Humanos, numa lógica de prevenção e repressão dos crimes graves e desumanos praticados em regiões ou Estados onde esses direitos são constantemente ignorados e violados. Para finalmente abordar a atuação conjunta do TPI e do Conselho de Segurança da ONU através de um estudo do caso de Darfur. 1- BREVE ENQUADRAMENTO TEÓRICO-DOUTRINAL: O TPI E O CONSELHO DE SEGURANÇA Não pretendemos, é claro, fazer uma abordagem exaustiva do TPI e Conselho de Segurança, porém, para perseguir os objetivos da pesquisa com a finalidade de realizar um estudo legal e doutrinário que se pretende, urge a necessidade de fazer algumas precisões teóricas. As diretrizes teóricas tanto de Hobbes como de Grócio e Kant referente às relações entre Estados, sociedades e indivíduos, parece fornecer-nos elementos fundamentais para a compreensão da génese do TPI no sistema internacional que o próprio Hobbes considera anárquico por excelência. Por um lado Hobbes considera que elementos como a força e poder revelam-se imperativos para que possa ser possível estabelecer ordem nas relações entre os homens (Magalhães, 2010), por outro, Grócio, desvalorizando a subordinação pela força, atribui maior importância a cooperação relacional coordenada e baseada nos interesses comuns entre os homens (Brandão, 2006). Por fim, a conceção Kantiana, atribui maior relevância a razão como elemento fundamental na adequação de valores racionais com as normas jurídicas (Durão, 2010) considerando a razão como uma fonte de imperativos éticos de natureza universal e de respeito à dignidade da pessoa humana como sujeito de Direito no sistema internacional (Brandão, 2006), admitindo, portanto, a existência de variáveis constantes que traduzem os valores comuns da humanidade. Neste sentido, entende-se que a lógica processual da internacionalização do direito, essencialmente do Direito Internacional para a regulamentação das

Relações Internacionais, revela-se um carater de consolidação e alargamento dos trâmites normativos resultantes da cooperação pela convergência de interesses -na aceção de Grócio- decorrentes de valores comuns da humanidade segundo a visão Kantiana, de um Direito cosmopolita e de uma república mundial fundada na razão conformando o ponto de partida a limitação da violência e a subordinação pela força e pelo poder que foram os fundamentos do sistema anárquico de Hobbes. As questões humanitárias decorrentes de preceitos morais com pretensão de limitar/proibir o uso da força nas relações internacionais bem como as atrocidades contra a pessoa humana (Baptista, 2003) que nortearam a história do Direito Internacional humanitário e a construção do ordenamento jurídicointernacional do seculo XX, sempre acompanharam a existência de conflitos armados (Brandão, 2006) principalmente em contexto das duas Grandes Guerras. Enquadra-se assim a ideia de um processo de construção de um jus puniendi como ponto de partida de uma moderna Justiça Penal Internacional, pelo que o TPI surge como um exemplo paradigmático desse processo, não para responsabilizar os Estados, mas os indivíduos por graves violações contra os Direitos Humanos, confirmando-se assim por um lado, a efetivação de uma justiça penal para além do Estado e, por outro, valorizar o indivíduo como sujeito relevante das relações internacionais (Verduzco, 2012), podendo o poder penal passar a vigorar numa esfera extra estadual, sem que seja necessária a autorização dos Estados. Observa Valério Mazzuoli (2004) que o TPI era cada vez mais eminente principalmente após: a proclamação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos; a celebração da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, no mesmo ano, das quatro Convenções de Genebra sobre o Direito Humanitário, em 1949, e consequentemente dos seus dois Protocolos que lhe seguiram em 1977, o surgimento da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra em 1968 e dos Princípios de Cooperação Internacional para Identificação, Detenção, Extradição e Castigo dos Culpáveis de Crimes de Guerra ou de crimes contra a humanidade em 1973. Conhecido como o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional sob forma de tratado entrou em vigor a 1 de Julho de 2002, dois meses depois do

depósito junto do Secretário-geral das Nações Unidas, da sexagésima assinatura, por meio de ratificação ou adesão (Artigo 126º), que da origem a uma nova fase da Justiça Internacional, convencionalmente regulamentada e tendencialmente obrigatória (Brito, 2014). Assim, conforme previsto no preâmbulo do Estatuto de Roma, o TPI é um tribunal que surge da consciência dos laços comuns que unem os povos de toda a terra, com propósito de pôr fim à impunidade dos autores de crimes de maior gravidade, que constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade, visto que afetam milhões de crianças, homens e mulheres, que assegura a punição através do reforço da cooperação internacional e de medidas a nível nacional, sendo que o estatuto do TPI é complementar das jurisdições penais nacionais. Tem um caráter permanente6, diferenciando-se, assim, dos Tribunais Militares e Ad hocs, criados devido a acontecimentos históricos e avançou também no sentido de permitir a responsabilização individual dos indivíduos, conforme dispõe o artigo 25º do seu Estatuto. O preâmbulo antecipa esse caráter permanente e independente da Corte, cujo intuito é processar e julgar os crimes mais graves e preocupantes para a comunidade internacional, garantindo-se, assim, a paz e a segurança mundial, afigurando-se assim como uma organização internacional com personalidade jurídica própria e, nesse sentido, não é órgão da ONU7 (Cazorla, 2012). O Conselho de Segurança, composto por 15 membros (5 permanentes e 11 não permanentes)8 e como órgão independente9, é efetivamente o órgão mais

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Wladimir BRITO (2014) ressalva neste sentido que o TPI é historicamente o segundo tribunal internacionalmente criado com jurisdição penal permanente, mas provavelmente o primeiro que funcionou. 7 Contudo o Tribunal não ter sido fundado ou ser órgão das Nações Unidas, estes possuem uma estreita ligação, não apenas pelo texto contido no Estatuto de Roma, como também pela aprovação da Resolução 58/79 da Assembleia Geral da ONU, que veio a positivar-se no relationship agreement between the United Nations and the International Criminal Court que veio reafirmar a importância da cooperação entre estas duas estruturas, deixando bem claro em seu artigo 2º que as Nações Unidas certificam e reconhecem o Tribunal como uma instituição judicial estável e independente com personalidade jurídica internacional própria, enquanto o TPI reconhece as responsabilidades da Organização que discorre da Carta da NU, de modo que ambos respeitem os seus “status” e mandatos. Além disso, é necessário realçar que a Carta das Nações Unidas tem primazia sobre o Estatuto de Roma, bem como sobre todos os outros tratados, nos termos do artigo 103 da Carta. 8 Cfr., CNU, Art., 23º. 9 O que leva DINH; DAILLER e PELLET (2003, pp. 861) a afirmar que esta independência é “garantida particularmente pela ausência de subordinação hierárquica do Conselho à Assembleia

poderoso10 no âmbito sistémico das Nações Unidas para a prossecução do fim primordial da carta das Nações Unidas que é a manutenção da paz e da segurança internacionais11 que o artigo 1º12 da Carta das Nações Unidas enumera como primeiro propósito da organização. E é com este objetivo que foram atribuídas às grandes potências, em 194513, assentos permanentes no

Geral e pela aplicação na matéria de limitações de competência da Assembleia Geral em virtude dos arts. 11º e 12º (art. 35, Nº 3)”. 10 Ao abrigo dos artigos 39º, 40º e 41º é reconhecido ao Conselho de Segurança um poder discricionário bem como o poder de atotar medidas coercitivas como a Retorção, a Represália não armada e represálias armadas (Bloqueio pacifico e bombardeamentos). É-lhe reconhecido igualmente, como principal órgão da ONU, a determinação das principais sanções como: 1medidas provisórias (ex. suspensão de armas e ordem de cessar fogo); 2- Outras sanções que o Conselho de Segurança Utiliza para a efetivação das suas decisões sem emprego da força armada, e que podem englobar o rompimento de relações diplomáticas, a “interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioelétricos, ou de outra qualquer espécie”, porém se estas medidas revelarem-se inadequadas conforme o artigo 42º da CNU o Conselho de Segurança poderá “por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais” desencadear “demonstrações, bloqueios e outras operações”. Porém, Eduardo CORREIA BAPTISTA (2003) considera que este elenco não é exaustivo, pelo que o Conselho de Segurança poderá qualificar outros atos como agressão de acordo com as disposições da Carta das Nações Unidas. Este é o chamado poder discricionário do Conselho de Segurança. Contudo teme-se que esse poder possa ser utilizado discricionariamente pelos Estados com poder de veto, de forma que seus interesses prevaleçam relativamente aos Direito Humanos. 11 Neste sentido, Eduardo CORREIA BATISTA (2003), realça que a o Conselho de Segurança das ONU é a entidade mais poderosa do sistema internacional, ao nível de poder publico que deriva essencialmente das competências que lhe são atribuídas pela carta, com a responsabilidade primária de manutenção da paz e segurança internacionais, decorrido da Carta. Na mesma lógica analítica, Jorge Bacelar GOUVEIA (2003) considera o Conselho de segurança como o órgão central da ONU e guardiã da paz e da segurança internacionais, pelo que, neste contexto o Conselho de Segurança tem poder exclusivo, sob duas perspetivas: por um la a perspetiva externa, visto que nenhuma outra entidade pode adjudicar-se do exercício desses poderes de manutenção da paz internacional, sem um poder exclusivo da ONU, o que não belisca os acordos de legítima defesa coletiva, que se lhe subordinam; e por outro lado na perspetiva interna, sendo que nenhum outro órgão do sistema das Nações Unidas pode intervir, pelo que caso isso aconteça é por impossibilidade do Conselho de Segurança ou mesmo por mandato deste, competindo-lhe mesmo a execução das decisões do TIJ, porém, ainda que excecionalmente, somente a Assembleia Geral pode intervir no caso de paralisação do Conselho de Segurança. 12 Cfr., CNU, Art. 1º nº 1. 13 Parece consensual, através dos fatos e entre a doutrina, que os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU foram os vencedores da II Guerra Mundial (Estados Unidos, a França, a China, o Reino Unido e a Rússia), sendo que a França, após juntar-se aos aliados na Conferência de São Francisco, adquiriu um lugar entre estes membros. Os membros permanentes possuem um poder indescritível com o exercício de um direito chamado poder de veto, que surge logo no momento de formação do Conselho de Segurança por vários motivos: inter alia, os membros não desejavam-se submeter à decisões contrárias aos seus interesses, pelo que o poder de veto foi a contrapartida para assegurar que as grandes potências fizessem parte e permanecessem na instituição. Neste sentido ver BAPTISTA, Eduardo Correia. O poder público bélico em direito internacional: o uso da força pelas Nações Unidas em especial. Almedina, 2003; e ainda CASTRO, Thales. Conselho de Segurança da ONU-Unipolaridade, Consensos e Tendências. Jurua Editora, 2007.

Conselho nos termos do artigo 23º14 da Carta, tal como os países mais capazes de desempenhar esse papel central. Os membros não permanentes serão eleitos pela Assembleia Geral por um período de dois anos, sem poder de veto, atribuído exclusivamente aos referidos membros permanentes, tendo em conta a contribuição dos membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança internacionais e para a prossecução de outros objetivos da Organização e, ainda, tendo em vista uma distribuição geográfica equitativa. Neste particular acresce realçar ainda o fato de não poderem ser reeleitos para o mandato imediatamente seguinte. Os membros deverão ser distribuídos de forma igualitária, resultando na formação de um Conselho composto por cinco membros do grupo africano e asiático, dois membros da América Latina, dois membros da Europa Ocidental e outros e um membro do Leste europeu, além dos membros permanentes acima referidos. As prerrogativas do Conselho de Segurança são asseguradas na Carta das NU pelo disposto no nº 1 do artigo 24º nos seguintes termos: “A fim de assegurar uma ação pronta e eficaz por parte das Nações Unidas, os seus membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que, no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade, o Conselho de Segurança aja em nome deles” que deve ser conjugado com os artigos 11º e 12º, bem como o artigo 35º da carta, visto que estas disposições são referentes à manutenção da paz, porém, igualmente suscetíveis de serem aplicados em matéria de resolução pacifica de conflitos, porque o Conselho de Segurança não dissocia os seus poderes a titulo de uma ou de outra competência, ao ponto de, nas suas resoluções, evitar fazer referencia aos diferentes capítulos relativos a estas duas competências teoricamente distintas, o capitulo VI para a resolução pacifica de conflitos e o capitulo VII para a manutenção da paz (Dinh et al, 2003). Porém cumpre-nos realçar que embora seja a principal função a ser observado pelo Conselho de Segurança, as suas funções não se esgotam na manutenção da paz e da segurança internacionais, pelo que a promoção e o encorajamento

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O artigo 23º foi alterado por decisão da Assembleia Geral de 17 de Dezembro de 1963 que entrou em vigor em 31 de Agosto de 1965. A alteração consistiu no alargamento da composição do Conselho de Segurança de onze para quinze membros.

pelo respeito dos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais afigura-se como um outro grande objetivo da ONU e consequentemente do Conselho visto que o disposto no artigo 24 seção 2 sugere que o Conselho deva agir em conformidade com os objetivos da ONU no cumprimento de seu dever primordial de manutenção da paz e da segurança internacional. O Conselho de Segurança é um órgão efetivamente político, visto que os seus membros não são escolhidos pela sua sabedoria, virtude, ou independência, mas porque, particularmente os seus cinco membros permanentes ostentam força política, económica e militar (Batista, 2003), enquanto o TPI foi destinado a ser um órgão de carater judicial, capaz de decidir os mais grave dos crimes internacionais de forma justa e imparcial. Tem competência automático sobre genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, e um promotor independente com poderes, sujeita a revisão judicial, para iniciar processos penais ou que ocorram no território de um Estado parte ou supostamente cometido por um nacional de um Estado parte (Mazzuoli, 2004). A demorada elaboração do Estatuto de Roma e seu Regulamento de Procedimento e Prova, contem normas processuais bastante detalhadas que regulam a investigação, acusação e julgamento de processos criminais, e de recurso de decisões do Tribunal (Brandão, 2006). O TPI tem competências não só julgar e punir mas também de prevenir que certas atrocidades aconteçam. E sendo que crimes cometidos por indivíduos cujos Estados não são parte do Tratados que funda o TPI, poderia não serem considerados pelo TPI, consideramos o poder de referência atribuído ao Conselho de Segurança como um elo importante para a jurisdição do TPI sobre grandes atrocidades que de outro modo não teria competências para julgar. Além disso, a preocupação indicado para manutenção da paz, da segurança e do bemestar do mundo, deve permitir a possibilidade de que um Tribunal inteiramente independente poder em alguns casos ser contraproducente para esses objetivos, criando situações desagradáveis entre os Estados, que pudessem pôr em causa a paz a segurança e bem-estar mundial. Estas preocupações abrem a porta para o envolvimento do Conselho de Segurança (órgão eminentemente político) na atuação do TPI de outra forma (órgão independente), embora o

Conselho deve agir com respeito pela natureza judicial e independente do mandato do Tribunal. 2- O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU E O TPI: ANÁLISE DOS ARTIGOS 5º, 13º E 16º DO ESTATUTO DE ROMA Das diversas funções do Conselho de Segurança, destaca-se a sua atuação em conjunto com o TPI, com o propósito de punir os indivíduos responsáveis por crimes de guerra, que de alguma forma escapam dos meios jurisdicionais a nível nacional. Neste sentido, a sua atuação frente ao TPI está definida nos artigos 5º, parágrafo 1, alínea d (referente aos crimes de agressão), no artigo 13º alínea b (referente ao exercício de jurisdição do Conselho frente ao TPI) e no artigo 16º do Estatuto de Roma (relativo à possibilidade de adiamento do inquérito e do procedimento do criminal, através de pedido do Conselho). O Conselho de Segurança não desempenhou nenhum papel na criação do TPI, o que aconteceu na criação dos dois tribunais ad hoc, embora seus membros eram participantes ativos nas negociações decorridas a quando da Conferência Diplomática de 1998 que teve lugar em Roma15. No entanto, a definição dos trâmites relativos às relações do TPI com o Conselho de Segurança da ONU, não poderia ser evitada, uma vez que se tratava de questões que tocavam diretamente as competências do Conselho de Segurança16. Pelo que os artigos supramencionados transformaram o Conselho 15

Porém, como realça BEKOU e CRYER (2004), a influência da ONU no processo de negociações do Estatuto de Roma era inevitável, sendo que a experiência no sistema da ONU fez com que muitos participantes tivessem um forte sentimento de compromisso com as ideias do TPI. Além do mais, no mesmo sentido Alec SAMUELS (2006) acresce que, a confiança no processo veio claramente do trabalho realizado pelos tribunais ad hoc de Ruanda e da antiga Iugoslávia. Também, Estados como a Serra Leoa, Argentina, Alemanha, Bósnia-Herzegovina e Sri Lanka, todos membros da NU, falaram poderosamente de histórias de genocídio, crimes de guerra de seus países e crimes contra a humanidade. Pelo que, por estes motivos relembrados por estes estados suprarreferidos, e para o devido cumprimento dos seus principais objetivos, as NU e o seu Secretário-Geral de então, assumiram um compromisso institucional precoce e irreversível conducente a existência efetiva do TPI. Ainda neste sentido ver GLASIUS, Marlies. Expertise in the cause of justice: Global civil society influence on the statute for an international criminal court. Oxford University Press, 2010; e ainda SCHIFF, Benjamin N. Building the international criminal court. Cambridge University Press, 2008. 16 Neste sentido, observa LAWRENCE MOSS (2012) que a grande maioria das grandes potências presente, concordaram em atribuir ao Conselho de Segurança da ONU poder para interferir de forma direta nas atuações do TPI, porém, uma minoria significativa de Estados alertavam para o perigo de politização o TPI, visto que o Conselho de Segurança afigura-se como um órgão eminentemente político, o que comprometia tanto a sua independência como a sua imparcialidade. Observa ainda o autor, que a verdadeira controversa entre os Estados na referida conferência foi a questão de saber se o Conselho de Segurança teria ou não poder para bloquear

de Segurança em uma força por trás do TPI, porém consequentemente transformou-o, de certo modo, num entrave à sua atuação. No âmbito do Capitulo II do Estatuto de Roma referente à competência, admissibilidade e direito aplicável, a alínea d do número 1 do artigo 5º atribui ao TPI competência para julgar o crime de agressão. Porém, o crime de agressão possui um importante espaço no âmbito das competências do Conselho de Segurança, na medida em que este deverá estar em harmonização com as disposições da Carta da ONU, tal como prevê o número 2 do artigo 5º17. Desta feita, a Carta da ONU esclarece no conteúdo do artigo 39º que é o Conselho de Segurança quem tem poder para determinar a “existência de qualquer ameaça à paz, rutura da paz ou ato de agressão18, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas”, pelo que, percebe-se que do que discorre deste artigo é que cabe ao Conselho de Segurança definir a existência ou não de um ato passível de ser considerado como agressão, gerando assim muitas polêmicas relativamente a inclusão deste crime na lista de competências do TPI, uma vez que a possibilidade de ações arbitrárias da instituição na consideração sobre a existência dos atos de agressão, poderia influenciar na atuação do Tribunal (Moss, 2012). Neste particular as apreciações divergiram relativamente a essa influência do Conselho de Segurança na medida em que algumas posições defendiam que este não gozava de poder exclusivo na determinação da existência de agressão, sendo que a Carta permite que outros órgãos, como o Tribunal Internacional de Justiça ou a Assembleia Geral e até mesmo o as investigações ou processos em análise no TPI. Os membros permanentes (com exceção do Reino Unido) procurado um papel relevante para o Conselho nos casos que suscetíveis de serem considerados de jurisdição do TPI, especialmente, tentado controlar ou mesmo obstruir a ação do TPI, relativamente a qualquer questão que estivesse na agenda do Conselho a menos que esse consentisse o envolvimento do TPI. No compromisso final, o Conselho de Segurança foi dotado de poder apenas para adiar a investigações ou processos por período de um ano renovável. Porém, autores como Maria Luísa CESONI e Damien SCALIA (2012); María Isabel Torres CAZORLA (2012) debruçando sobre o poder de diferimento observam que, mesmo como um poderoso instrumento para o mais alto órgão político da ONU para controlar a atividade do TPI, o artigo 16.º lido em conexão com outras disposições do Estatuto de Roma (especialmente Artigo 53º) permite ao TPI ter em conta considerações de ordem política. Pelo que os mesmos autores concluem que o TPI não ser deve ser apenas considerado como um órgão confinado à atuação judicial. 17 O mesmo artigo prevê como requisito para o TPI exercer as suas competências no âmbito do crime de agressão, uma definição feita no termos dos artigos 121º e 123 e enuncia as condições em que o TPI terá competência relativamente a este crime. 18 Deste modo, a fim de balizar o termo de agressão, completamente inexistente antes da Conferência de Kampala a atualmente não ratificado até 2017, a Assembleia Geral das Nações Unidas utilizou a Resolução 3314 de 1974 para definir os atos de agressão.

Secretario geral, possam também determinar a existência de agressão19. No entanto, no entendimento de outros é o Conselho de Segurança que, sob a Carta das Nações Unidas, deve determinar a existência de um ato de agressão como uma pré-condição para qualquer acusação de crime de agressão (Stein, 2005). Naturalmente, abundaram sugestões acerca do papel a desempenhar pelo Conselho de Segurança no que toca aos crimes de agressão e o TPI, sendo que as duas propostas inicialmente disponíveis, quais sejam, a exclusão ou a inclusão deste órgão na tomada de decisões sobre o crime de agressão eram inviáveis (Moss, 2012), visto que incluir o Conselho de segurança nos procedimentos nos tramites decisórios sem emendas a Carta violaria o princípio internacional da legalidade, enquanto exclui-lo constituiria uma violação à própria Carta. Não obstante todas as discussões e controvérsias relativas ao crime de agressão e da sua conexão com o Conselho de Segurança, a Conferência de Kampala através da Resolução 6 de 2010 com suas alterações ao estatuto de Roma do tribunal penal internacional, atribui uma maior clarividência relativamente a esta matéria, através da adoção de alterações no crime de agressão, mormente relativas à sua definição20 realçando, no numero 1 do artigo

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Decorre do artigo 11, n.º 3, que a AG pode realizar qualificações autónomas de atos como agressões, o mesmo pode fazer o Secretário-Geral (artigo 99). Aliás, a AG na sua resolução 3314 (1974) apresentou mesmo uma noção de agressão. Mas, naturalmente, o Conselho de Ssegurança não ficará vinculado por estes entendimentos. Mas os restantes órgãos terão de respeitar uma qualificação vinculativa deste. Pelo menos, os Estados membros estarão vinculados, logo não podem aprovar na AG ou em outros órgãos políticos atos contrários. O Secretario Geral estará evidentemente vinculado. Por exemplo, a AG condenou como agressores a Sérvia e o Montenegro contra a Bósnia (disponível em http://www.un.org/documents/ga/res/47/a47r121.htm porém, apenas uma qualificação como agressão pelo TIJ dificilmente deixará de poder ser tida em conta pelo Conselho de Segurança, por força da vinculação indireta (os termos e intensidade da vinculação são controversos) do Conselho de Segurança por estas sentenças, nos termos do artigo 94, n.º 2, CNU. 20 A resolução referida, no numero seu artigo 8º faz menção ao artigo 3º da Resolução 3314 (XXIX da Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada em Nova York a 14 de Dezembro 1994 qualifica como atos de agressão: a) A invasão ou ataque por parte das forças armadas de um Estado do território do outro Estado, ou qualquer ocupação militar, ainda que temporária, resultante dessa invasão, ataque ou qualquer anexação pelo uso da força do território de outro Estado ou parte dele; b) o bombardeio pelas forças armadas de um Estado contra o território de outro Estado ou o uso de quaisquer armas por um Estado contra o território de outro Estado; c) o bloqueio dos portos ou das costas de um Estado por parte das forças armadas de outro Estado; d) ataque pelas forças armadas de um Estado contra as forças armadas terrestres, navais ou aéreas, ou sobre a frota marítima e aérea de outro Estado; e) a utilização de forças armadas de um Estado que se encontram no território de outro Estado com o acordo do Estado recetor, em violação das condições previstas no acordo ou qualquer extensão de sua presença nesse território para além do termo do acordo; f) a ação de

8º, que “means the planning, preparation, initiation or execution, by a person in a position effectively to exercise control over or to direct the political or military action of a State, of an act of aggression which, by its character, gravity and scale, constitutes a manifest violation of the Charter of the United Nations” que manteve a característica essencial de manifesta violação a Carta das Nações Unidas, mantendo assim, tal vínculo. Também às alterações previstas pelo seu artigo 15º, que versam sobre a jurisdição, acrescentaram contributos de relevante importância para esta matéria. Pois conforme esse diploma legal, o procurador, após concluir que possui razões admissíveis para proceder com uma investigação sobre o crime de agressão, deverá primeiramente apurar se o Conselho de Segurança determinou (agindo nos termos do capitulo VII) a existência de atos de agressão do Estado em questão21. Verificada tal determinação, o Procurador poderá prosseguir com as investigações, caso contrário, havendo omissão por parte do Conselho de Segurança, a partir dos seis meses após a notificação, o Procurador apenas poderá iniciar a investigação com autorização do Juízo de Instrução do TPI22 pelo que nestes moldes observase que uma determinação do Conselho de Segurança sobre um ato de agressão, apesar de útil e importante, não se afigura determinante (Moss, 2012). Porém, neste particular, cumpre-nos frisar, que isso só acontecerá ou só é possível caso o Conselho não utilizar a prerrogativa que lhe são atribuídas constantes no artigo 16º23 do Estatuto de Roma. Ora o referido artigo 16º do Estatuto atribui ao Conselho de Segurança o poder de interromper o prosseguimento ou o início de inquérito ou procedimento crime por um período de doze meses, a contar da data da solicitação do Conselho de Segurança, a partir de resolução aprovada. O mesmo pedido é suscetível de ser renovado nas mesmas condições. Prerrogativa essa,

um Estado que tenha colocado na disposição de outro Estado, para ser usado por esse outro Estado para perpetrar um ato de agressão contra um Estado terceiro; g) O envio por ou em nome de um Estado de bandos armados, grupos irregulares ou mercenários, que realizam atos de força armada contra outro Estado de significativa gravidade. 21 Cfr. Estatuto de Roma, art. 13º alínea b. 22 Cfr., Resolução n.º 06 da ONU, art. 15º. 23 Que prevê que, “O inquérito ou o procedimento criminal não poderão ter início ou prosseguir os seus termos, com base no presente Estatuto, por um período de 12 meses a contar da data em que o Conselho de Segurança assim o tiver solicitado em resolução aprovada nos termos do disposto no capítulo VII da Carta das Nações Unidas; o pedido poderá ser renovado pelo Conselho de Segurança nas mesmas condições”.

concedida ao Conselho de Segurança à luz do Estatuto de Roma, constitui outro ponto polémico dessa atuação conjunta entre TPI e Conselho de Segurança da ONU. Evidencia-se, no entanto, receio de o excessivo e privilegiado poder de intervenção do Conselho de Segurança aprovisione aos cinco membros permanentes poderes desproporcionais nas investigações e procedimentos, prejudicando a atuação e a propria credibilidade do TPI (Brito, 2009). Realça-se que o resultado alcançado pelo artigo 16º, conforme Geoffrey (2006), foi legar ao Conselho de Segurança apoderamento extremo no âmbito do Tribunal, que pode ser materializada tanto por uma acusação do Conselho de Segurança ou submetida ao poder de paralisação, do mesmo, de procedimentos através de resoluções previamente aprovadas do artigo 16º. Para fins de complementação, frisa-se ainda que determinadas organizações não-governamentais observaram o artigo 16º como uma invasão política sob a independência do Tribunal Penal Internacional (Moss, 2012). Carece ainda analisar a alínea b do artigo 13º do Estatuto de Roma, que se configura em outra forma de relacionamento do Tribunal Penal Internacional e o Conselho de Segurança da ONU. Constitui assim, a terceira forma de exercício da jurisdição (Quiroga, 2012), que é o poder de denúncia de caso por parte do Conselho de Segurança ao Procurador, quando houver prenúncios de prática dos crimes que estão sob competência do Tribunal. Na especificidade da alínea b deste artigo, o consentimento de outros Estados para que seus nacionais sejam trazidos a julgamento no Tribunal Penal Internacional, não acarreta um carater necessário (Cesoni e Scalia, 2012), pelo que o TPI afeta direta ou indiretamente todos os membros da comunidade internacional, principalmente, os Estados que não são membros não poderão impedir o julgamento de seus nacionais24 (Verduzo, 2012).

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Observa LAWRENCE MOSS (2012) que determinados Estados posicionaram contra a atuação do Conselho, uma vez que a presença do mesmo neste rol implica na aceitação da intromissão de membros do Conselho que não queriam aderir ao TPI, ou seja, ao mesmo tempo que não se submetiam às obrigações decorrentes do Estatuto, possuíam o privilégio de nele intervir, enquanto que outros, entretanto, foram a favor da interferência e como é o caso dos Estados Unidos.

Por fim, cumpre assinalar que o TPI, a fim de cumprir suas funções com efetividade, principalmente prover justiça internacional aos perpetuadores de crimes internacionais necessita da efetivação de um carater independente de influência política na sua atuação, visto que a rutura dessa imparcialidade já foi uma realidade em alguns casos, como é o caso Darfur. 3- A INFLUÊNCIA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU NAS DECISÕES DO TPI NO CASO DE DARFUR A prática discursiva do TPI é fundamentada na imparcialidade da sua atuação, a fim de evitar os acontecimentos históricos retratados nos Tribunais de Nuremberga, Tóquio e Tribunais Ad Hocs. Porém, evidencia-se uma disparidade na atuação deste órgão, principalmente no que toca as ações que envolvem o Conselho de Segurança da ONU, órgão eminentemente político, atribuindo-se dois pesos e duas medidas para situações idênticas. 3.1 – Breve enquadramento Os múltiplos conflitos que têm acorrido na região, as diferentes formas de violação dos direitos humanos e humanitários, a presunção de existência de genocídio, bem como o elevado número de refugiados e transferidos internos, despertou a atenção da comunidade internacional (Schabas, 2011) e especialmente do Conselho de Segurança como o órgão da ONU mandatado para impedir e controlar tias situações. No início de Setembro de 2004, depois de analisar os resultados da investigação dos crimes cometidos em Darfur, a Secretária de Estado, Colin Powell, descreveu os crimes como genocídio, e consequentemente o presidente George W. Bush usou este termo em um discurso para as Nações Unidas algum tempo depois25 (Hagan et al, 2009). Posteriormente, o Secretário-Geral das Nações Unidas estabeleceu uma Comissão de Inquérito para investigar os crimes cometidos em Darfur, pelo que em Janeiro de 2005, esta Comissão informou ao Conselho de Segurança que, embora não se pudesse concluir que autoridades sudanesas tivessem prosseguido uma política genocida, porém,

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O que leva Matthew HAPPOLD (2006) a constatar que foi primeira vez que altas figuras da administração dos EUA tinha já conclusivamente aplicado o termo a uma crise atual e invocando a convenção sobre o Genocídio.

outros graves crimes de guerra e crimes contra a humanidade tinha sido claramente cometidos nessa região, pelo que essa Comissão recomenda que o Conselho de Segurança consulte a jurisdição do TPI relativamente aos crimes26. O relatório, em sua parte final, “recomenda que o Conselho de Segurança deve encaminhar à situação em Darfur ao Tribunal Penal Internacional, nos termos do artigo 13 (b) do Estatuto do Tribunal”27, tendo em vista que os crimes são de competência do TPI e “o sistema de justiça sudanês tem demonstrado a sua incapacidade e falta de vontade de investigar e processar os autores desses crimes”28. Acrescenta ainda, a mesma resolução, que o encaminhamento da situação ao Tribunal seria a única opção, tendo em vista as seis seguintes razões: (1) a investigação e o julgamento dos crimes cometidos em Darfur teriam “um impacto sobre a paz e a segurança, contribuindo para a estabilidade da região, através da remoção de graves obstáculos à reconciliação nacional e a restauração de relações pacíficas”; (2) tratava da capacidade do Tribunal29, que seria a única instituição com poderes suficientes para lidar com as investigações e julgamento dos líderes na região, tendo em conta que estes gozam de controlo sobre o aparelho de Estado; (3) o Tribunal é a única instituição capaz de fornecer um julgamento justo; (4) justificava que o Tribunal, aliado ao Conselho, é o único ente capaz de obrigar os líderes do Governo e os chefes dos rebeldes a se submeterem a investigações e processos criminais; (5) o Tribunal poderia ser ativado imediatamente e sem atrasos; (6) por fim, afirmou-se que a “instituição de um processo penal perante o TPI, a pedido do Conselho de Segurança, não envolveria necessariamente um encargo financeiro significativo para a comunidade internacional”.

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Relatório da Comissão Internacional de Inquérito sobre o Darfur ao Secretário-Geral, 50, UN Doc. S / 2005/60 (25 de janeiro de 2005) disponível em http://www.un.org/News/dh/sudan/cominq_darfur.pdf. 27 Ibidem. 28 Ibidem. 29 Além disso, como os principais focos de violência contra indefesos civis ocorreu no início de 2003, estes incidentes caiu dentro dos limites temporais da jurisdição do TPI, que começou com a entrada em vigor do Estatuto do Roma em julho de 2002.

Nesta lógica, o Conselho de Segurança aprovou, através do comumente conhecido como a Resolução 1593, o encaminhamento30 da situação em Darfur ao TPI a 31 de Março de 2005, com onze votos a favor, nenhum contra e quatro abstenções (Argélia, Brasil, China, e os Estados Unidos). No entanto esse encaminhamento ao TPI parecia condenado ao fracasso, como os Estados Unidos a apoiaram claramente a ideia do mecanismo dos tribunais ad hoc, em vez do TPI enquanto tribunal permanente31 (Happold, 2006). A alínea b do artigo 13º do Estatuto de Roma prevê que o TPI poderá exercer jurisdição se "o Conselho de Segurança, agindo nos termos do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes”, sendo que tendo como base jurídica o Capítulo VII da Carta, a referência do Conselho de Segurança dos crimes em Darfur está condicionada à determinação de que eles continuam a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, segundo consta da resolução 1593. Obtido a jurisdição sobre um caso em virtude de uma tal consulta do Conselho de Segurança, a competência do TPI é considerada verdadeiramente universal, tornando irrelevante o consentimento do Estado onde o crime ocorreu 32 (Hagan et al, 2009). Acresce ainda neste particular que, por ter assinado o Estatuto de Roma, porém não ser Estado Parte do Tribunal, não cria nenhum dever do Sudão com o TPI, visto que, de acordo com o Direito Internacional, os tratados não podem nem favorecer e nem prejudicar terceiros, pelo que o Sudão não poderia ter sido obrigado a entregar os seus nacionais ao TPI. Todavia, essa imposição de colaboração do Sudão com o TPI nas investigações, provem do seu compromisso com a ONU uma vez que é parte 30

No entendimento Nsongurua UDOMBANA (2005) esse encaminhamento de jurisdição do Conselho de Segurança foi crucial para o TPI como instituição, a fim de provar a sua capacidade de processar mais crimes graves. A falta de referência neste caso, seria, por conseguinte, ter solicitado a questão de saber se o TPI poderia exercer jurisdição universal em qualquer caso com exceção daqueles em que os Estados Partes tinha consentido jurisdição. 31 Neste particular, observa Nsongurua UDOMBANA (2005) que, embora o procedimento de consulta foi altamente elogiado durante nas negociações do Estatuto de Roma como o "trigger mechanism", viável para impulsionar o encaminhamento de casos para o Tribunal, neste caso em concreto, ele apareceu como um obstáculo intransponível durante estas negociações, dada a forte oposição dos Estados Unidos. 32 A referência, de acordo com o artigo 13 (b) do Estatuto de Roma é apenas um dos três mecanismos possíveis de serem desencadeados, que estabelecem a jurisdição do TPI. Em primeiro lugar, um Estado Parte tem o direito de submeter uma "situação" ao TPI que estaria sob a sua jurisdição. Em segundo lugar, o procurador do TPI tem autoridade para dar início ao processo proprio motu. A decisão do procurador é sujeita a revisão pelo Juízo de Instrução, composto por três juízes. Cfr., art. 15 (3) - (4).

dela. Logo a sua ajuda era imposta pelo conselho de Segurança, visto que o não cumprimento de uma decisão desse órgão poderia implicar sanções. O Procurador Moreno O’Campo iniciou as investigações ainda no ano de 2005 e em fevereiro de 2007 fez as primeiras convocações às pessoas que admitia haver motivos razoáveis para impor responsabilidade criminal por crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos em Darfur em 2003 e 2004 e em 2008 o Procurador efetivou a denúncia contra o Presidente do Sudão Omar Hassan Ahmad Al Bashir, pelos crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio (Schabas, 2011). O Juízo de Instrução recebeu a denúncia e em 2009 despachou um mandado de prisão contra Al Bashir pelos crimes contra a humanidade e crimes de guerra, salientando a sua responsabilidade sob os atos perpetuados e não reconhecendo a sua imunidade33. As acusações sobre o crime de genocídio foram rejeitadas, todavia o Procurador recorreu e o Juízo de Apelação, que decidiu em 2010 reverter a situação, deixando bem claro que a sua decisão não se trata de admitir culpabilidade ou não aos atos do Presidente, mas sim de questões meramente processuais, quais sejam, o correto uso da prova34. Posto isto, o caso foi de novo expedido ao Juízo de Instrução, a fim de que este procedesse com uma nova decisão possuindo os padrões corretos de prova, pelo que o Juízo de Instrução expediu segundo mandado de prisão para o presidente em 12 de julho de 2010, sendo que desta vez considerou haver provas suficientes atinentes ao crime de genocídio Schabas, 2011). Nesta sequência, o governo do Sudanês recusa-se a cooperar, arguindo que as atitudes do Tribunal violavam a sua soberania e são dotadas de dubiedade (Moss, 2012), reiterando que as autoridades sudanesas era capazes, qualificados e determinados a garantir a responsabilização dos criminosos, concluindo que o TPI é um instrumento de política externa utilizada contra os Estados fracos, e acresce que a comunidade internacional emprega padrões duplos, onde as grandes potências não têm de enfrentar investigações semelhantes (Cesoni e Scalia, 2012). Não obstante todas estas críticas feitas pelo Governo e a discordância relativamente ao assunto na comunidade

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Cfr., Pre-Trial Chamber. ICC-02/05-01/09, 2009 Cfr., International Criminal Court Appeall Chamber ICC-02/05-01/09.

internacional35 (Moss, 2012), o Sudão de forma lenta tenta cooperar com a Organização das Nações Unidas na ajuda humanitária, porém, em questões políticas envolvendo o Tribunal, os progressos são lentos (Schabas, 2011), tendo em vista que até a presente data o presidente Omar Al-Bashir continua em liberdade, assim como os outros acusados. Neste sentido, fala-se de uma tendência de uso inapropriado36 que prender-se ao fato da inexistência na jurisprudência produzida ou em qualquer outro documento legal, de tramites que regulam quais os meios suficientes para auferir a capacidade e vontade de um Estado em prosseguir com tais julgamentos, tendo em conta que o Sudão criou várias instâncias37 especiais e outros órgãos para investigação e julgamento dos crimes em Darfur (Schabas, 2011) e em junho de 2005 foi instaurado uma corte com competência para Al Fashir, Nyala e Al Geneina e em setembro de 2005 foi criada uma Procuradoria especializada para crimes contra a humanidade (Hagan et al. 2009). Acresce o fato de que tanto a comissão de inquérito, como o Conselho de Segurança e, posteriormente, o próprio Procurador do TPI terem dado devida atenção quanto à possibilidade das autoridades sudanesas estarem a empreender investigações credíveis, aproveitando o princípio da complementaridade do Estatuto de Roma (Moss, 2012). 3.2- Breve Análise da Resolução 1593 do Conselho De Segurança 1593 Apoiantes do TPI declararam que tal resolução constituiu um grande avanço, pelo que diminuiria as possibilidade de o EUA a declarar que o TPI como inútil (Moss, 2012). Além disso, constitui uma demonstração de que o TPI é a única

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instituição

internacional

legitimada

para

processar

atrocidades

Neste sentido observa LAWRENCE MOSS (2012) que as opiniões se divergem na comunidade internacional acerca da atuação do TPI em relação ao Sudão, contando com severas críticas, sendo que muitas estão vinculadas ao uso inapropriado do poder concedido ao Conselho de Segurança nos casos de denúncia ao Tribunal e da insuficiência da tese universalista para fundamentar tal denúncia. Primeiramente se infere que existiam sim critérios materiais dos crimes ocorridos na região, porém, critica-se a forma de atuação do Conselho de Segurança para abordar a crise humanitária em Darfur no Sudão. 36 Ver supra nota 34. 37 Porém, conforme frisa LAWRENCE MOSS (2012) a comunidade internacional, apesar das ressalvas, considerava as medidas adotadas pelo Governo Sudanês ineficazes, tendo em vista que nenhum acusado foi preso, pelo que as alegações por parte do governo Sudanês, de imperialismo e violações a sua soberania feitas ao TPI eram cada vez mais frequentes no âmbito internacional.

razoavelmente céleres e justos, essencialmente quando os Estados não conseguem fazê-lo, e por outro lado, o embaixador dos EUA nas Nações Unidas, Anne W. Petterson, ressaltou que os Estados Unidos acreditavam a alternativa consubstanciava teria a existência de um tribunal híbrido na África38 (Schabas, 2011). Considerando-se este conjunto de apreciações, uma análise do texto da resolução revela-se necessária para que se possa fazer uma avaliação realista do seu impacto sobre o mandato do TPI, ou do seu espaço estratégico através do qual se poderia fazer justiça pelas atrocidades cometidas em Darfur. Algumas partes da resolução provocou ceticismo relativamente à capacidade do Tribunal em fazer justiça, por causa das prerrogativas conferidas pelo Conselho de Segurança no Estatuto de Roma. Pretende-se, portanto, analisar a cooperação dos Estados não-Partes, os custos do processo, bem como os acordos de isenção. 3.2.1- Cooperação dos Estados não-Partes A resolução referindo a jurisdição do TPI, foi feito pelo Conselho de Segurança, agindo em nome da comunidade internacional, no seu parágrafo dois realça que é o governo do Sudão e todas as outras partes do conflito em Darfur que tinham o dever de cooperar plenamente com o TPI e prestar toda a assistência necessária para ao Procurador no cumprimento desta resolução, e, embora reconhecendo que os Estados não-Partes do Estatuto de Roma não tinham qualquer obrigação nos termos do Estatuto para cooperar, no entanto, pede que todos os Estados e organizações internacionais interessadas regionais e outros para cooperarem. O que significa que, por um lado, a comunidade internacional determinou que o TPI exercesse jurisdição; mas que, por outro lado, Estados não-parte do Estatuto do Roma, com exceção do Sudão, não estavam a obrigados a cooperar ou apoiar o TPI no cumprimento da sua missão. É certo que em conformidade com o previsto no artigo 86º do Estatuto do Roma, apenas os Estados Partes têm a obrigação de cooperar no inquérito e no procedimento contra crimes da competência do TPI. No entanto, considerando as circunstâncias excecionais em Darfur, o Conselho de Segurança poderia ter decidido de forma diferente e inovadora, baseando no numero 5 do artigo 87º do

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Mais uma vez a incansável defeso dos EUA dos tribunais Ad oc.

Estatuto de Roma, segundo o qual os Estados não-Partes podem igualmente ser interposto a obrigação de cooperar com o TPI com base num convénio ad oc que poderia ser desencadeado pelo Conselho de Segurança, agindo em conformidade com o capitulo VII, mormente o artigo 41 da CNU, que sugere que o Conselho de Segurança pode aprovar uma resolução capaz de obrigar todos os Estados membros a dar pleno efeito a sua decisão, neste particular de remeter o caso do Sudão ao TPI. No entanto não evidenciando tal obrigação, parece-nos que a atuação do TPI ficou sem bases solidas para prosseguir, considerando-se que a autoridade de um procurador do TPI, com plenos poder conferidos pelo Conselho de Segurança ao abrigo do "Capítulo VII" atribuiria uma vantagem suscetível de ser traduzida numa jurisdição plena e capaz de efetivar justiça relativamente aos crimes praticados em Darfur. Pois o fato de os Estados não terem a obrigação de cooperar com o TPI enfraqueceu a sua posição quando se tratou de pressionar o Governo sudanês para entregar indivíduos que estavam acusados. Neste sentido, consideramos que o governo sudanês poderia ter usado a falta de cooperação universal como outro argumento para contestar a legitimidade do processo e como pretexto para recusar a entrega de suspeitos perpetradores dos crimes em causa39.

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Os 51 dos nomes suspeitos foram encaminhados para Luis Moreno-Ocampo, ProcuradorGeral do TPI. Porém observa LAWRENCE MOSS (2012) que enquanto esta lista permaneceu sob analise da ONU, nomeadamente sob a Comissão do relatório do Inquérito, os funcionários do governo sudanês estavam implicados em virtude da cadeias de comando e autoridade, porém a Resolução 1593, no seu paragrafo 6 realça que o Conselho de segurança “Decides that nationals, current or former officials or personnel from a contributing State outside Sudan which is not a party to the Rome Statute of the International Criminal Court shall be subject to the exclusive jurisdiction of that contributing State for all alleged acts or omissions arising out of or related to operations in Sudan established or authorized by the Council or the African Union, unless such exclusive jurisdiction has been expressly waived by that contributing State”. Ainda neste sentido, Segundo Relata John HAGAN el al (2009), o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, declarou que ele faria nunca entregaria nenhum cidadão sudanês para TPI. Ainda neste sentido Nsongurua UDOMBANA (2005) considera que o paragrafo 6 da resolução, pretendeu-se ser uma verdadeira imunidade a todos os cidadãos Norte-americano. Entende ainda que o âmbito da concedida imunidade é surpreendente, uma vez que não se limita ao pessoal militar, mas abrange todos Cidadãos dos E.U.A. As resoluções 1422, 1487 e 1497 do Conselho de Segurança de 1422 concederam imunidade às forças militares dos EUA, provocando fortes críticas por parte da comunidade internacional. Essas resoluções baseiam-se no supra analisado artigo 16º do Estatuto de Roma, que prevê que o Conselho de Segurança pode pedir que o TPI adia suas investigações, desde que seja aprovada nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, para o período de doze meses e pode renovar este pedido, nas mesmas condições. Acresce ainda o mesmo autor que as imunidades previstas nos termos das Resoluções 1593 e 1497 não cumprem os requisitos para um adiamento, tal como previsto no artigo 16 do Estatuto de Roma por duas razões essenciais: por um lado, ambas as resolução preveem que militares do Estado potencial agressor, esse Estado. mantêm a sua competência

3.2.2- As Despesas do Processo Outro detalhe introduzido pelos Estados Unidos que enfraqueceu consideravelmente a autoridade do TPI no caso Darfur consta do parágrafo 7 da referida resolução, que prevê que Recognizes that none of the expenses incurred in connection with the referral including expenses related to investigations or prosecutions in connection with that referral, shall be borne by the United Nations and that such costs shall be borne by the parties to the Rome Statute and those States that wish to contribute voluntarily”, e pelo que discorre do Estatuto de Roma, todos os fundos para o TPI devem ser apresentadas por ambos os Estados Partes e por fundos fornecidos pelas NU, sujeito à aprovação da Assembléia Geral, em particular em relação às despesas incorridas devido a referências por parte do Conselho de Segurança. Parece-nos que esta decisão contradiz o Estatuto de Roma e encargos o Tribunal de Justiça. Além disso, o governo dos EUA ainda ressaltou que com relação ao processo Darfur ", qualquer esforço para recuar neste princípio ( de que todos os custos ser suportado pelo Estado membros do Roma) pelas NU ou outras organizações poderia resultar em retenção de financiamento por parte do EUA ou tomar outras medidas em resposta (Moss, 2012). Esta posição rigorosa revela a hostilidade contínua dos Estados Unidos para com o TPI, que é ainda mais surpreendente, dado que os Estados Unidos estavam dispostos a contribuir generosamente para um tribunal ad hoc que tratasse desse mesmo caso e tem enfatizado que os crimes e atrocidades claramente ocorreram em Darfur e que os violadores deveriam ser responsabilizados. Tais inconsistências na resolução dificilmente podem ser explicadas a partir da perspetiva da legal e da lógica internacional, porém suscetíveis de serem entendidas tendo em consideração a política que está por trás da

exclusiva de jurisdição sobre estes, e por outro lado, embora essa imunidade conseguida através de um adiamento nos termos do artigo 16º pode ser renovada várias vezes, como exemplificado pela resolução a quando das operações na Bósnia-Herzegovina, a jurisdição do TPI e de outros tribunais é meramente consideradas nulas. Pelo que outra jurisdição que não a de o Estado de envio está proibida por processos que decorrem em tribunais doméstico tribunais, o que contradiz o princípio de jurisdição universal, segundo a qual todos os Estados têm o direito de exercer a sua competência geral no que diz respeito aos mais graves crimes contra a toda a comunidade internacional. No entanto, o fato de que os EUA efetivarem a imunidade para todos os seus cidadãos, e não apenas os seus efetivos militares, deve ser visto como um retrocesso substancial para o TPI.

referência, e em particular a intenção de Estados Unidos para limitar a obrigação de cooperação com o TPI ao Estados membros do Estatuto de Roma. CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde do dealbar da I grande Guerra bem como da II que a proliferação de graves crimes contra a humanidade revela-se ser uma constante no cenário internacional e principalmente nos conflitos localizados em determinadas regiões do globo. Pelo que urgiu a necessidade de criar mecanismo capazes não só de proteger os direito internacionalmente garantidos, mas também instituições que pudessem levar a julgamento e punir os perpetradores de tais atrocidade. Nesta lógica surge o TPI que não deveria depender de um mandato especial do Conselho de Segurança das Nações Unidas semelhante aos tribunais ad oc, mas sim criado através de um tratado multilateral, independente e permanente que estabelecesse verdadeiramente um jus puniendi que confirmasse por um lado, a efetivação de uma justiça penal para além do Estado e, por outro, que valorizasse o indivíduo como sujeito relevante das relações internacionais, almejando um poder penal que vigorasse numa esfera extra estadual, sem que seja necessária a autorização dos Estados. Porém, o TPI está longe de alcançar os seus ideais desejáveis, uma vez que o seu vinculo substancial com o Conselho de Segurança da ONU, órgão eminentemente político, nas questões referentes à denúncia e embargos, afeta significativamente a sua credibilidade, legitimidade e imparcialidade. Tal vinculo afeta o TPI na medida em que o Conselho de Segurança da ONU não age com justiça e imparcialidade, demonstrando-se altamente seletivo, não evidenciando nenhum critério credível para propor denúncias ao Tribunal. Evidenciando-se uma falta de critérios, mormente nas situações de Darfur no Sudão, que foi o nosso principal objeto de análise. Constata-se, portanto que esse vinculo do TPI ao Conselho de Segurança, comprova um imperialismo político e uma estrutura meramente simbólica do mesmo, tendo em conta que Conselho de Segurança tem atuado

no Tribunal visando interesses políticos40 das nações mais ricas do mundo, transformando todo o aparato jurídico-penal internacional num símbolo dessa opressão, que deseja dominar os países periféricos. Pelo que os resultados dos esforços dos EUA para proteger os seus interesses nacionais e seus efeitos práticos inevitáveis sugerem algumas dúvidas sobre a medida em que a referência do Conselho de Segurança no termos da alínea b do artigo 13º do Estatuto de Roma representa um verdadeiro "avanço" para o TPI. A resolução referindo os crimes cometidos em Darfur ao TPI parece para ser mais um compromisso efetivado e a ser seguido do que uma declaração vital para a jurisdição universal do TPI, havendo mesmo a perceção que os EUA influenciaram a introdução de normas no quadro do Estatuto de Roma que pudesse beneficiar os seus interesses nacionais. Sendo que, com o poder de veto no âmbito do Conselho de Segurança, os Estados Unidos têm o poder de controlar o TPI através do procedimento de consulta, exercendo uma influência considerável por precedentes de ajuste para o processo de encaminhamento, moldando assim a atuação do TPI. Essa análise solicita um estudo aprofundado sobre a medida em que a jurisdição do TPI no âmbito do Estatuto de Roma pode ser alterado antes de ser incapazes de atingir a sua funções para os quais foi criada. Concluindo-se, portanto, que a referência no caso de Darfur pode ser um presságio da tal incapacitação, sendo necessário considerar o quanto a influência externa à instituição pode ser substancial na perda da credibilidade e a capacidade de cumprir o seu papel, enquanto tribunal permanente que deveria ser independente e imparcial.

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Tanto nas situações de Darfur como analisado, mas também no caso do Iraque em que quando se tratou da investigação dos oficiais americanos no conflito, este se manteve inerte, uma vez que os Estados Unidos é membro permanente do Conselho e possui o poder de veto.

BIBLIOGRAFIA 

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Dissertações

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Jurisprudência, Legislação e Outros Documentos

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