A Influência do Departamento de GRH nos Processos de Negociação: Uma Análise Psicológica nas Organizações

September 1, 2017 | Autor: R. Moreira | Categoria: Human Resource Management
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A Influência do Departamento de GRH nos Processos de Negociação: Uma Análise Psicológica nas Organizações Moreira, Ricardo1 & Cunha, Pedro2 1

Doutorando em Ciências Sociais na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa

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Professor Associado da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa

Existe investigação relevante que trata da relação entre tipos de poder dos supervisores e algumas características organizacionais, todavia os estudos empíricos que relacionam poder com características negociais não são muito abundantes. Tentando colmatar essa lacuna, investiga-se o papel do Departamento de GRH na eficácia negocial em algumas organizações, partindo-se do princípio de que quem gere os recursos humanos pode actuar como ‘mediador negocial’, principalmente ao nível da rede informal e que, por outro lado, as relações de poder entre departamentos determinam funções essenciais como a afectação de pessoal.

O estudo tem cruzamento de metodologias quantitativa e qualitativa, recorrendo-se a questionários (aplicados a 210 directores de RH) e, igualmente, à análise de entrevistas (20 entrevistados). O objectivo passa também por relacionar as perspectivas de outros órgãos sobre a influência deste departamento com variáveis comportamentais dos Gestores de Recursos Humanos enquanto negociadores (a imagem, o desempenho, a colaboração ou a competição). Palavras-Chave: Negociação, Gestão de Conflitos e Poder

1. GRH E DECISÃO: INTRODUÇÃO A INDICADORES DE GESTÃO DE CONFLITO(S) A investigação empírica tem vindo a corporizar uma correspondência entre as teorias sobre estratégias de obtenção de influência e a sua aplicabilidade no contexto organizacional. No caso do Departamento de Gestão de Recursos Humanos é possível equacionar a sua relevância em funções como: o Planeamento, a Análise e Descrição de Funções, a Avaliação de desempenho, o Recrutamento e Selecção, a Formação, o estabelecimento de Sistemas de Recompensas e Incentivos, entre outras. O Gestor de Recursos Humanos - pelas actividades que empreende na organização - poderá ter um

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papel assinalável, com reflexos na forma como esse exercício é percepcionado pelos outros departamentos. Regra geral, o Departamento de Gestão de Recursos Humanos é tido pelos gestores de topo como uma divisão com pouca preponderância no processo de tomada de decisão por desempenhar funções que ampliam a percepção de pouco poder e de baixo estatuto. Por outro lado, para alguns autores, a perspectiva que os gestores de recursos humanos têm dos seus departamentos corresponde a serem mais passivos, acomodados aos sistemas e às burocracias vigentes e pouco executivos nas decisões de gestão, actuando menos do que deveriam como facilitadores, devido ao facto de ainda estarem muito condicionados pela hierarquia. Nos últimos anos, estas asserções parecem estar cada vez menos adaptadas à envolvente empresarial, pelo menos no discurso, mas a realidade ainda se ressente dessas visões mais tradicionalistas. Outros autores advogam que para, eventualmente, ser determinante o Departamento de Gestão de Recursos Humanos terá de dominar áreas onde tradicionalmente não actuava como a técnica e, sobretudo, a estratégica. A gestão de conflitos e a negociação (informal) inserem-se neste complexo de intenções. As diferenças hierárquicas conduzem a diferentes distribuições de poder, a diversos níveis de influência e a capacidades negociais e de resolução de conflitos díspares que correspondem a estatutos e autonomias diferenciados. No entanto, para além da posição que ocupa na estrutura organizacional e mais do que o poder institucional e institucionalizado que possa assumir, o Departamento de Gestão de Recursos Humanos - pelas redes informais de comunicação a que tem acesso - apresenta condições para ser muito influente ou para eventualmente se afirmar, pontualmente, como contra-poder. Para lhe serem distribuídos recursos determinantes e para o profissional de recursos humanos ser visto como um actor indispensável nas organizações é imperioso que saiba gerir as incertezas (Atwater, 1995). Este é um dilema, que redunda num paradoxo do Departamento de Gestão de Recursos Humanos: congregar influência sem, na maior parte das vezes, ter contacto com alguns recursos fulcrais – financeiros, informação e posição – que lhe permitam estar mais presente na inventariação das necessidades estratégicas da organização e, por consequência, assumir com mais insistência um papel de facilitador na resolução de conflitos. Se a distribuição de recursos é fundamental para se conseguir poder nas

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organizações, a assunção de uma gestão mais estratégica dos recursos humanos pode traduzir-se numa maior importância do seu departamento. Na literatura convergem diversos indicadores passíveis de serem aferidos quando se trata da análise dos vários tipos de influência que o departamento de recursos humanos pode explorar na gestão de conflitos, dos quais se destacam: - Formas de relação estabelecida como o domínio-submissão ou o controlo-

assentimento; - Indicadores comportamentais como a imagem, a agressividade, a emotividade, a preparação, o desempenho, a colaboração, a competição, entre outras; - Enviesamentos cognitivos presentes na negociação no departamento de GRH, salientando-se a disponibilidade, acessibilidade ou representatividade da informação. Pela posição que ocupa no organigrama é um sector sujeito a pressões, respondendo por decisões de amplitude estratégica que vêm do topo e que podem causar-lhe constrangimentos (o exemplo mais comum é o dos despedimentos). Ora, é esta confluência de indicadores/variáveis que se analisa empiricamente partindo-se da hipótese geral de que o poder negocial do departamento é muito mais latente do que manifesto. O incentivo a um maior enriquecimento das funções, a promoção do acompanhamento da Gestão da(s) Carreira(s) ou um investimento sustentado no trabalho em equipa, são alguns exemplos de directrizes – com implicações negociais que o departamento de GRH poderá implementar para valorizar o potencial humano (Cabral-Cardoso, 2004).

2. GRH E NEGOCIAÇÃO: APRESENTAÇÃO DE ESTUDO EMPÍRICO Os estudos empíricos que relacionam o poder com as características organizacionais não proliferam na literatura organizacional. Estes tipos de investigação poder-se-ão constituir como importantes contributos para se maximizar a eficácia da supervisão. Algumas pesquisas procuram perceber a relação entre os tipos de poder dos supervisores e as características organizacionais (Atwater, 1995).

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A GRH como função partilhada não se restringe à participação das hierarquias em actividades confinadas aos responsáveis pela função. Trata-se de uma gestão dos colaboradores que deverá ser associada a uma gestão do processo de comunicação. Uma informação eficiente das necessidades dos trabalhadores por parte da supervisão, repercutida numa convergência de objectivos e práticas com a GRH, poderão facilitar um funcionamento mais produtivo dos fluxos de trabalho. Quem gere os recursos humanos não deixa de actuar como ‘mediador negocial’, não só no plano formal (negociações sindicais) como, primordialmente, ao nível dos acordos tácitos e das coligações (Taylor, 2002). As acções negociais não institucionalizadas evoluem no meio empresarial, adquirindo especial relevo no departamento que gere as pessoas, pela natureza das suas competências. É importante para esta função aquilatar a forma como os indivíduos interagem e como essas relações se reflectem nas decisões. Os processos de decisão são vistos como oportunidades de formação de ‘(des)acordos’. Sobre este processo negocial de influência decisória complementa Mastenbroek (1993, p. 82): “(...) Baseados no estudo da literatura, quatro anglos foram escolhidos parecendo ser os mais frutuosos para um melhor entendimento da negociação: a) Negociar como um conjunto de regras tácticas empíricas (...) b) Negociar como uma técnica usada para lidar com vários dilemas (...); c) Negociar como um processo com uma estrutura temporal (...); d) Negociar como um complexo de diferentes tipos de actividade (...)”

Em relação às actividades que a negociação pode assumir, Mastenbroek (1993) identificou quatro grandes variáveis: 1. Obtenção de resultados eficazes 2. Influência no equilíbrio de poder 3. Promoção de um clima construtivo e 4. Obtenção de flexibilidade. Nas organizações são relevantes as dinâmicas e interacções estabelecidas entre os objectivos e os resultados. O conceito de objectivo – numa síntese teórica de vários autores – materializa-se colectivamente a partir de uma acção individual. O objectivo,

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entendido politicamente, nunca pode ser alcançado na sua ‘totalidade’. Os objectivos não são só da organização, sofrem mediação política. A influência possui uma dimensão simbólica. Quando é activada, a apropriação dos seus resultados é feita pelos detentores dos meios de produção simbólica. Este processo está sujeito a intensas relações de dependência. Para se incentivar a existência de um clima construtivo é importante desenvolver-se a credibilidade e confiança entre as partes (a cultura da empresa poderá ser um dos vectores ambientais que influenciem esta relação). Segundo alguns investigadores, para estes pressupostos poderem ter aplicação prática não será de desprezar, muito pelo contrário, o contributo de alguns mecanismos de flexibilidade - ex: delegação de poder(es) - que possibilitem uma actuação ‘eficaz’ do departamento de recursos humanos, apesar do seu desempenho ser, não raras vezes, assente em oposições. Assim poder-se-á, eventualmente, evitar alguns custos colaterais a nível conflitual. Do ponto de vista da Psicologia, na apropriação social do poder e da influência, os fundamentos individuais de orientação para os objectivos - com incidência em motivações conflituais e de negociação de cariz pessoal - não só não se escamoteiam como se exponenciam (Barki e Hartwick, 2004; Dreu, De, Dierendonck, Van e Dijkstra, 2004). Para além da sua essência colectiva, este processo tem uma faceta individual e refere-se, numa primeira instância, à capacidade de um indivíduo concretizar a(s) sua(s) vontade(s) - apesar das resistências que possa enfrentar - que pode redundar, posteriormente, na integração em grupos de interesse. Esta concepção ‘individualista’ encontra paralelo na terminologia designada pelos psicólogos de self. A teoria de Mastenbroek está na origem do cruzamento das metodologias utilizadas – quantitativa e qualitativa - nesta investigação, que concretiza a análise dos (des)equilíbrios de poder na negociação. O estudo quantitativo centra-se numa associação profissional da classe – com abrangência nacional, a APG (Associação Portuguesa de Gestores e Técnicos de Recursos Humanos) –, de molde a procurar obter-se uma representatividade homogénea e consistente (perspectiva intra-departamental). O instrumento quantitativo proposto para esta investigação é um inquérito por questionário criado no fim dos anos 80 (1989), em Espanha, por Serrano & Rodriguez, com a designação de CEN (Questionario de Eficácia Negociadora), de forma a tentar apresentar uma escala de utilização

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simplificada e flexível que possibilitasse a aferição do processo negocial e das suas cambiantes (Cunha, 2000). Construiu-se o CEN face à necessidade de se conceber uma metodologia, com aplicação analítica de índole estatística, que correspondesse às intenções de adequação conceptual a um quadro técnico e profissional – e de se explanarem as variáveis que delimitam as estratégias e tácticas negociais nas instituições/organizações – através da avaliação dos mecanismos inerentes e consequentes competências negociais (Cunha, 2000). A escala utilizada para responder ao questionário é do tipo Likert, evoluindo gradualmente conforme a intensidade de concordância com a pergunta (1- Discordo Fortemente; 2- Discordo; 3- Indiferente; 4- Concordo e 5- Concordo Fortemente). Mais tarde, em 1996, Cunha adaptou, pela primeira vez, uma versão à realidade portuguesa, composta por 40 itens. Esta pesquisa processou-se para analisar a eficácia dos indivíduos (portugueses) em interacções negociais. É este questionário, já testado e validado para o contexto nacional, que se utiliza nesta investigação. Relativamente à metodologia qualitativa recorre-se à análise de conteúdo das entrevistas. Para o efeito, construíram-se categorias de análise das quais se destacam: - Proximidade e participação da GRH na tomada de decisão; - Distribuição/afectação de recursos na negociação; - Participação da GRH na negociação nas organizações; - Fontes de poder na negociação levada a cabo pelo departamento de GRH; percepção de influência da GRH na negociação pelos outros departamentos (processos cognitivos); - Dimensão atitudinal da negociação levada a cabo pela GRH. Foi concebido um guião de entrevista (semi-estruturado) a aplicar. A amostra (de conveniência) baseia-se num núcleo de 4 empresas emblemáticas, duas da Industria e as restantes da Distribuição. Nas referidas empresas são efectuadas várias entrevistas sobre percepções de poder negocial associado à GRH (aos directores de outros departamentos ou unidades de negócio), com carácter meramente exploratório: as organizações abordadas são, idealmente, de média/grande dimensão do Norte de

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Portugal, mas com dimensão nacional, devido à importância daquela região no tecido industrial do país.

3. O DEPARTAMENTO DE GRH NA EFICÁCIA NEGOCIAL: SÍNTESE INTEGRADORA No fundo, estudam-se as ‘impressões’ de ‘poder relativo’ do Departamento de Gestão de Recursos Humanos e, por acréscimo, a influência (simbólica) que este poderá ou não alcançar. Os resultados obtidos, quanto à eficácia, têm na sua origem, como matriz integradora, a ligação entre as características de poder presentes no potencial perfil de negociador do departamento em vertente análise e as dimensões intrínsecas à sua actividade nas organizações. Na actualidade as investigações sobre esta(s) matéria(s) direccionam-se para acções nas quais os gestores de RH como negociadores podem intervir: a contribuição percebida dos recursos e possíveis fontes de poder recompensas e punições, competências, legitimidade e conhecimento (Li, Tost e WadeBenzoni, 2007). Esta teia conceptual está sintetizada no seguinte quadro: Tabela 1: Quadro-Síntese de Exemplos de Potenciais Características de Poder Transversais à Função GRH - Possível Contribuição Para a Eficácia Negocial Perfil Negocial (Características de Poder)

Imagem /Estatuto

Legitimidade Conhecimento Complexidade Cognitiva Emotividade Capacidade Comunicação (verbal e não verbal) Percepção da Perspectiva Contrária Competitividade

Características da Função GRH Contribuição Para o Cumprimento dos Objectivos Organizacionais; Intervenção Estratégica nas Políticas de GRH; Envolvimento na Tomada de Decisão Operacional Posicionamento Hierárquico; Proximidade e Participação da GRH na Tomada de Decisão

Competências Técnicas de GRH Locus de Controlo Interno-Externo Auto-Controle Empatia Gestão da Informação Capacidade de Colaboração Propensão à Tomada de Riscos; Gestão Recursos Materiais e Humanos

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Numa perspectiva intra-departamental, e ao nível da gestão de competências, do fluxo comunicacional e da participação decisória, apesar de não existirem ainda resultados concretos - o estudo ainda está a decorrer - alguns indicadores não excluem, em primeira instância, e em moldes preliminares, a possibilidade de haver alguma predisposição (em termos de perfil psicológico) dos referidos profissionais para poderem assumir, no que respeita a uma eventual e parcial eficácia, alguma intervenção na gestão dos (des)equilíbrios de poder na negociação (sobretudo quando actuam como mediadores na gestão de conflitos). Noutro sentido, as visões dos outros departamentos e unidades de negócio sobre as funções desempenhadas pelo Departamento de Gestão Recursos Humanos acarretam implicações sobre o seu estatuto negocial. Procurou-se congregar opiniões ao nível inter-departamental sobre esta matéria. Parecem destacar-se, nalguns exemplos, indícios primários que podem revelar que a atribuição da influência do Departamento de GRH será tanto mais ampliada quanto mais elevada for a posição na hierarquia, na sequência de uma profundidade de gestão e de orientações estratégicas e de negócio mais desenvolvidas, concebendo-se que quem decide terá maior facilidade em perceber o sentido da existência de um departamento com estas características. Mesmo sem resultados finais, e de uma forma muito sumária e genérica, emerge a ideia que os outros departamentos - embora retoricamente reconheçam a importância da existência deste departamento que gere as pessoas -, na sua generalidade, não parecem percepcioná-lo como uma divisão com decisiva influência negocial. Em suma, é cada vez mais relevante a reflexão sobre a pertinência do(s) departamento(s) de Recursos Humanos (DRH), que se estende à ponderação sobre as tarefas nele(s) desenvolvidas. Este estudo tenta contribuir, de algum modo, para o debate sobre as orientações da GRH e a influência do(s) seu(s) departamento(s) na eficácia negocial nas organizações. Nesta tentativa de afirmação, científica e empresarial, da GRH em Portugal tornou-se indispensável delimitar o papel deste Departamento no contexto negocial. NOTAS 1 - Esta comunicação tem origem na Dissertação de Doutoramento sobre O Poder Negocial do

Departamento de Gestão de Recursos Humanos, em vertente execução. Pretende-se que esta apresentação se constitua como uma síntese sumária do estudo referenciado.

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CONTACTO PARA CORRESPONDÊNCIA Ricardo Bessa Moreira e-mail: [email protected] Pedro Cunha e-mail: [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Atwater, L. (1995). The Relationship Between Supervisory Power and Organizational Characteristics. In: Group & Organization Management, 20(4), pp. 460-486. Barki, H. & Hartwick, J. (2004). Conceptualizing the Construct of Interpersonal Conflict. In: International Journal of Conflict Management, 15(3), pp. 216-244. Cabral-Cardoso, C. (2004). The Envolving Portuguese Model of HRM. In: The International Journal of Human Resource Management, 15(6), pp. 959-977. Cunha, P. (2000). Estratégias e Tácticas em negociação: Para um Modelo de Eficácia Negocial. Dissertação de Doutoramento em Psicologia Social. Espanha, Universidade Santiago de Compostela. Dreu, C. De, Dierendonck, D. Van & Dijkstra, T. (2004). Conflict at Work and Individual Well-Being. In: International Journal of Conflict Management, 25(1), pp. 628. Li, M., Tost, L. & Wade-Benzoni, K. (2007). The Dynamic Interaction of Context and Negotiator effects: A Review and Commentary on Current and Emerging Areas in Negotiation. In: International Journal of Conflict Management, 18(3), pp. 222-258. Mastenbroek, W. (1993). Conflict Management and Organization Development. Chichester, John Wiley & Sons. Taylor, P. (2002). A Partial Order Scalogram Analysis of Communication Behavior in Crisis Negotiation With The Prediction of Outcome. In: International Journal of Conflict Management, 13(1), pp. 4-37.

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