A INFLUÊNCIA DO ILUMINISMO NA DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789

August 6, 2017 | Autor: Fernando Turchetto | Categoria: Filosofia do Direito, Direitos Humanos, Enlightment
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A INFLUÊNCIA DO ILUMINISMO NA DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789

Fernando Antônio Turchetto Filho

Resumo
O presente artigo pretende abordar as características essenciais do período histórico denominado iluminismo, relacionando-as com determinados artigos da declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, no intuito de expor as principais mudanças ocorridas na política e no direito europeu dentro deste contexto.
PALAVRAS-CHAVE: Iluminismo; Declaração Francesa de 1789.

Introdução
Durante o final do século XVII até o final do século XVIII o homem desenvolveu outra forma de enxergar o mundo a sua volta no ocidente, redefinindo a maneira de interpretar fenômenos tais como a natureza, a sociedade, a religião, em suma: o conhecimento remodelava-se sobre uma perspectiva que não a grega ou cristã de modo estrito, mas sobreduto racional.
O período é considerado pela academia como um divisor de águas na história, pois a razão humana seria então a iluminação (daí o nome do movimento) capaz de esclarecer. No entanto, é imperioso fazer-nos o questionamento do que seria o iluminismo. Em resposta, o filósofo Imannuel Kant explica que:

Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. [...] É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tomou quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de servir do seu próprio entendimento, porque nunca se permitiu fazer semelhante tentativa […].

A intuição fundamental deste movimento intelectual é um convite ao ser humano a pensar, ou seja, buscar o entendimento do mundo ao seu redor não de maneira mística ou fantasiosa, porém apoiando-se da característica peculiar que o difere dos demais animais, a sua racionalidade, a "ousadia pelo saber", sendo esta a palavra de ordem à iluminação, resumida em latim pelo termo: Sapere AudeI.
Mesmo que vários estudiosos especifiquem o surgimento e o fim do iluminismo, não há consenso quanto à exata datação, havendo uma tendência em adotar-se o início século XVIII como marco de referência. O término do período é, por sua vez, habitualmente assinalado em coincidência com o início das Guerras Napoleônicas (1804-1815).
O movimento começava a nascer com a revolução gloriosa de 1668 na Inglaterra, graças à insatisfação popular, principalmente da burguesia. A assinatura do rei Guilherme 3º de Orange da "Bill of Rights" (declaração de direitos de 1689), seguido da aprovação pelo parlamento acabou com as tentativas de instauração do absolutismo monárquico, ao circunscrever os poderes do rei subordinado ao Parlamento. Não obstante do seu surgimento no Reino Unido, o iluminismo intensifica-se na França, pois não chegou a haver consenso entre a burguesia e o rei, o que viria a desembocar na revolução francesa.
Ainda que o período seja lembrado por revoluções europeias, o legado do iluminismo é a revolução no pensamento, no entendimento humano do mundo demonstrado pelos filósofos da época, ao qual veremos a seguir algumas das principais características.

Características do Iluminismo:
a) Liberalismo:
Historicamente, o liberalismo surgiu gradativamente como uma forma de oposição às monarquias absolutas e ao seu correspondente regime econômico; o mercantilismo. O regime mercantilista pressupõe a existência de um Estado, seja ele representado por uma monarquia ou por um governo republicano, com poderes para intervir na economia a fim de promover o desenvolvimento e distribuir a renda.
Devemos ter em mente que até o século XVIII, a produção mercantil organizada dependia de uma concessão do monarca, dos "favores do rei", que desta forma determinava quem iria produzir o que e qual a região a ser abastecida por aquele produtor. Vale relembrar a frase do ministro da Fazenda ao rei francês Luís XIV para conter a crescente insatisfação popular: "laisser faire, laissez passer", ou seja, não impeça os outros de produzir, não impeça a circulação de mercadorias. Em suma: não conceda privilégios.
Desta feita, considera-se como liberalismo um sistema baseado na liberdade. A liberdade, a propriedade e a paz, são, por assim dizer, os pilares sobre os quais se assenta a doutrina liberal:

Liberdade econômica, liberdade de iniciativa, entendida como o direito de entrada no mercado para produzir os bens e serviços que os consumidores, os usuários, desejam. É a liberdade de contrato representada pelo estabelecimento de preços, salários e juros sem restrições de qualquer natureza. É a aventura e o risco de alguém só ser bem sucedido se produzir algo melhor e mais barato. Liberdade política, além da liberdade de expressão, de locomoção, de crença, de reunião, é a consciência de que deve haver liberdade para escolher as pessoas que irão exercer as funções de governo e que, portanto, irão deter o comando do aparato de coerção e compulsão. Necessita de ser imposto pela persuasão e pelo argumento, pela explicação de suas vantagens para a sociedade como um todo e para cada um em particular (g.n).

Dentro da esteira do iluminismo, a ideia de liberdade surgia não só no campo econômico, porém, aprofundava-se no comportamento do ser humano, ao qual foi fundamentada com maior propriedade por Imannuel Kant. Equânime status moral, o liberalismo não admite diferenças de natureza política ou legal entre os seres humanos. É essa concepção do homem e da sociedade que dá ao liberalismo uma identidade que transcende a sua enorme diversidade e complexidade:

[...] Liberalismo é suprema forma de generosidade; é o direito que a maioria concede a minoria e, portanto, é o grito mais nobre que já ecoou neste planeta. É o anúncio da determinação de compartilhar a existência com o inimigo, mais do que isso, com um inimigo que é fraco. É incrível como a espécie humana foi capaz de uma atitude tão nobre, tão paradoxal, tão refinada e tão antinatural [...].

Portanto, o liberalismo é uma doutrina voltada para a melhoria das condições materiais do gênero humano. O pensamento econômico e a experiência histórica não conseguiram, até hoje, sugerir outro sistema social que seja tão benéfico para a sociedade quanto o liberalismo.

b) Empirismo
No decorrer da história da filosofia, muitos filósofos defenderam a tese empirista, porém os mais conhecidos são os filósofos ingleses dos séculos XVI ao XVIII, Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume. Na verdade, o empirismo é uma característica muito marcante da filosofia inglesa.
Contrariamente aos defensores do racionalismo, os empiristas afirmam que a razão, a verdade e as ideias racionais são adquiridas por nós através da experiência sensível. Antes desta, dizem eles, nossa razão é como uma "folha em branco", onde nada foi escrito; uma "tábula rasa", onde nada foi gravado. Somos como uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tábula, dar forma à cera. David Hume afirma que:

[...] Quando se pergunta: qual é a natureza de todos os nossos raciocínios sobre os fatos? A resposta conveniente parece ser que eles se fundam na relação de causa e efeito. Quando se pergunta: qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões sobre essa relação? Pode-se replicar numa palavra: a experiência [...].

As percepções originais, isto é, os elementos primitivos da experiência, são as "impressões". As "ideias", por seu turno, que afloram à consciência, quando pensamos ou raciocinamos, são fracas imagens das impressões. As ideias não são, portanto, como para os platônicos, os arquétipos de tudo que existe e nem, como para os cartesianos, inatas, pois unicamente as impressões são inatas.
Para o autor, as ideias são "[...] as faculdades de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir as matérias que nos foram fornecidas pelo sentido" (HUME, 1999, p. 36). Na esteira deste pensamento, o filósofo iluminista descreve com precisão acerca da experiência humana como formadora de conhecimento:

As percepções originais, isto é, os elementos primitivos da experiência, são as "impressões". As "ideias", por seu turno, que afloram à consciência, quando pensamos ou raciocinamos, são fracas imagens das impressões. As ideias não são, portanto, como para os platônicos, os arquétipos de tudo que existe e nem, como para os cartesianos, inatas, pois unicamente as impressões são inatas.

Desta feita, Hume critica o filósofo francês Renné Descartes, que resumidamente afirmava o conhecimento, da mesma forma que algumas verdades e princípios universais, já estariam impressos na nossa alma ao nascermos. Ao contrário desta definição cartesiana, se a verdade e os princípios fossem impressos na alma deveriam ser verdades universais e, consequentemente, conhecidas por todos. Para os empiristas, a capacidade é inata, mas o conhecimento adquire-se apenas com a experiência.

c) Criticismo
O iluminista Imannuel Kant forneceu resposta específica a praticamente todas as grandes correntes filosóficas de seu tempo. O criticismo propôs uma crítica à teoria do conhecimento fundamentada apenas nas impressões de base sensível, criticando assim o empirismo radical de John Locke e outros ingleses.
Outrossim, criticava o racionalismo de Descartes, haja vista as ideias inatas não ampliarem o conhecimento e como consequência, não fundamentarem ciência alguma. Ao analisar o racionalismo de Descartes e o empirismo dos ingleses, Kant não descarta ambas as concepções, todavia não prioriza alguma, mas divide-as:

No tempo, pois, nenhum conhecimento precede a experiência, todos começam por ela. Mas se é verdade que os conhecimentos derivam da experiência, alguns há, no entanto, que não têm essa origem exclusiva, pois poderemos admitir que o nosso conhecimento empírico, seja um composto daquilo que recebemos das impressões e daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona (estimulada somente pelas impressões dos sentidos); aditamento que propriamente não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar esses dois elementos. Surge desse modo uma questão que não se pode resolver à primeira vista: será possível um conhecimento independente da experiência e das impressões dos sentidos? Tais conhecimentos são denominados "a priori", e distintos dos empíricos, cuja origem é a posteriori", isto é, da experiência.

Neste sentido, o conteúdo do conhecimento parte das impressões sensíveis, ao qual denomina conhecimentos a posteriori. Todavia, sua organização e ordenamento estão processados na consciência em uma estrutura lógica dentro do ser, aos quais Kant denomina de conhecimentos a priori. Estes semelham-se aos que os racionalistas denominam de ideias inatas, capazes de serem formados sem a necessidade da experiência e não derivando de outras, sendo concebidas por si mesmas como necessárias, portanto universais:

[...] A necessidade e a precisa universalidade são os caracteres evidentes de um conhecimento "a priori", e estão indissoluvelmente unidos. [...] Ora, é fácil demonstrar que no conhecimento humano existem realmente juízos de um valor necessário, e na mais rigorosa significação universal; por conseguinte, juízos puros, "a priori". Se se quer um exemplo da própria ciência, basta reparar em todas as proposições da Matemática. Se se quer outro tomado do bom senso, pode bastar a proposição de que cada mudança tem uma causa. [...] Também se poderia, sem recorrer a esses exemplos, para provar a existência de princípios "a priori" em nosso conhecimento, demonstrar que são indispensáveis para a possibilidade da mesma experiência, sendo, portanto, uma demonstração "a priori".

Nesta seara, o conhecimento a priori Kant denomina em juízos analíticos (afirmativos ou explicativos) e o conhecimento a posteriori de juízos sintéticos (extensivos). O conhecimento a priori ou analítico implica necessidade e universalidade, não necessitando da experiência para que seja formado. Por outro lado, todo o conhecimento a posteriori é sintético, ou seja, amplia o conhecimento a partir da experiência sensível.
Destas afirmações, sabia Kant que os juízos sintéticos que traziam conhecimento novo podiam ser encontrados ou demonstrados a priori (sem recorrer à experiência). Portanto, em termos kantianos, havia "juízos sintéticos a priori", sendo estes os formadores de conhecimento. Utilizando verdades necessárias e universais das quais se extraem ou foram extraídas da experiência sensível, surge à possibilidade de proposições sintéticas a priori. O juízo é sintético pela necessidade da experiência sensível desenvolver outros conhecimentos. Porém, antes desta experiência, este juízo parte a priori, pela capacidade de todos os seres humanos conseguirem sistematizar, organizando as informações causadas pelo sensível.
Com isso, Kant reconhece, por exemplo, que existe em nós um conceito puro e sintético sobre a existência de Deus, da mesma forma como existem também os juízos sintéticos a priori da matemática e da física. Entretanto, os objetos destas últimas encontram total concordância com a percepção que temos do mundo natural. Já no caso da metafísica, os objetos (Deus, alma, universo) são transcendentes e por não pertencerem ao mundo conhecido pelo homem, eles ultrapassam o limiar da nossa capacidade cognitiva:

Há uma coisa ainda mais importante que o que precede: certos conhecimentos por meio de conceitos, cujos objetos correspondentes não podem ser fornecidos pela experiência, emancipam-se dela e parece que estendem o círculo de nossos juízos além dos seus limites. Precisamente nesses conhecimentos, que transcendem ao mundo sensível, aos quais a experiência não pode servir de guia nem de retificação, consistem as investigações de nossa razão, investigações que por sua importância nos parecem superiores, e por seu fim muito mais sublimes a tudo quanto a experiência pode apreender no mundo dos fenômenos; investigações tão importantes que, abandoná-las por incapacidade, revela pouco apreço ou indiferença, razão pela qual tudo intentamos para as fazer, ainda que incidindo em erro. Esses inevitáveis temas da razão pura são: Deus, liberdade e imortalidade. A ciência cujo fim e processos tendem à resolução dessas questões denomina-se Metafísica.

A partir deste juízo, é reconstruído o posicionamento da metafísica no campo do conhecimento, pois o pensamento grego não serve mais, bem como o conhecimento cristão não convém. As ideias da metafísica, mesmo transcendendo a experiência sensível, são condições indispensáveis para natureza humana, desta forma não há como descartá-las. O fato do homem ser um ente moral para Kant demonstra a realidade metafísica:

Também deve haver conhecimentos sintéticos "a priori" na Metafísica, ainda que só a consideraremos como uma ciência em ensaio; mas que, não obstante, torna indispensável à natureza da razão humana. […] Assim, pois, a Metafísica consiste, pelo menos segundo seu fim, em proposições puramente sintéticas "a priori".

Indispensável à natureza humana, a Metafísica regeu todo o comportamento da sociedade no ocidente. Mas como todos esses objetos são absolutamente independentes da experiência e do mundo fenomenal, eles permanecem incognoscíveis a qualquer ser que possua a mesma capacidade cognitiva dos seres humanos.
Deste modo, a Metafísica pura não pode ser formadora do conhecimento como afirmavam os gregos no passado. Ora, tal afirmação retirava a legitimidade do poder de origem divina, bem como reexaminava a forma de relacionamento entre governantes e governados. Isto gerou, consequentemente, inquietações na nobreza e no clero, mormente na França, pois a resistência do rei Luís XVI ao ceder o poder ao povo, somado a diversos fatos sociais que não serão tratados aqui, desembocaram na revolução francesa.
A revolução remodelou a estrutura de governo francês, desmantelando o absolutismo monárquico e o poder da igreja, consolidando um rol de direitos ao qual julgaram como universais, pautados na liberdade, na igualdade e na fraternidade, ao qual chamaram de a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, no ano de 1789.

A Declaração de Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789
Conforme descrito no capítulo anterior, os direitos alicerçados nesta declaração tinham o escopo de garantir direitos corolários aos ideais iluministas, de cunho universal por se basearem na liberdade e na igualdade dos homens e cidadãos. Neste espeque, o artigo 6º da Declaração nos remete diretamente a este objetivo:

A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Tangente à segunda parte do artigo, o criticismo de Imannuel Kant descreve como a dignidade moral se diferencia do entendimento grego antes entendido, pois se a moral fosse o talento natural (as virtudes/talentos) não haveria igualdade. Como a moral não é o talento natural, mas o uso da razão sobre o que fazer com estes, somos todos iguais consequentemente.
A moral decorre da liberdade de escolher o que fazer com estas virtudes, sendo esta a razão na vida prática. Esta capacidade existe em todos os seres humanos, o que faz de todos iguais aos outros seres humanos e é o que o difere dos outros animais. Assim, o conceito de liberdade alicerça a construção da filosofia kantiana, constituindo-se como princípio regulador da razão, atuando no uso prático da razão, fundamento de razão pura para a escolha livre das contingências empíricas.
Influenciada também pelo filósofo Jean Jacques Rosseau, a primeira parte do artigo corresponde à ideia de interesse comum do povo sobre o interesse privado, seja do rei, seja da aristocracia. Rosseau explica que a vontade ou é geral, ou particular, sendo ou a vontade do povo, ou somente de uma parte:

A primeira e mais importante consequência dos princípios antes estabelecidos é que somente a vontade geral pode dirigir as forças do Estado segundo a finalidade de sua instituição, que é o bem comum: se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, é a concordância desses mesmos interesses que o tornou possível. O que há de comum nestes diferentes interesses é que forma o vínculo social; se não houvesse algum ponto no qual todos os interesses se conciliam, nenhuma sociedade poderia existir. Ora, é somente a partir deste interesse comum que a sociedade deve ser governada (g.n).

Seria a lei a vontade da maioria, respeitado o direito da minoria. No primeiro caso, essa vontade declarada seria um ato de soberania, de sorte que viria a constituir-se em lei. Dentro da vontade particular, em um governo republicano, quando muito, esta poderia ser um decreto.
De certa maneira, a antropologia de Rosseau e a moral em Kant foram às condições filosóficas da ideia de humanidade explícita nos artigos da Declaração Francesa, direção contrária aos governos despóticos, monárquicos e aristocráticos, elevando o ideal democrático francês. Além destes filósofos, o iluminista francês conhecido como barão de Montesquieu também ressalta que a vontade do soberano deve estar no povo, criando amplamente a perspectiva de direito político:

Quando numa república, o povo como um todo possui o poder soberano, trata-se de uma Democracia. Quando o poder soberano está nas mãos de uma parte do povo, trata-se de uma Aristocracia. O povo, na democracia, é, sob alguns aspectos, o monarca; sob outros, o súdito. O povo só poder ser monarca pelos sufrágios, que constituem suas vontades. A vontade do soberano é o próprio soberano.

Se o povo só pode ser o monarca pelos sufrágios, conforme afirma Montesquieu, a vontade, não do indivíduo, mas do povo em maioria, é tratado pelo termo democracia. Esta ideia de "vontade geral" proporcionada também por Rosseau, nos emite uma ideia de igualdade em direitos. Explicitamente demonstrado que a soberania encontra-se na nação e não mais em um indivíduo, as ideias de Montesquieu diretamente são aderias pelo artigo 3º da Declaração Francesa, senão vejamos: "O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente".
Desta forma, fica claro que os franceses abominariam de uma vez por todas a monarquia em prol da liberdade política do povo. Contudo, um regime democrático não traduz ao povo fazer o que quer, pois a liberdade política não consiste nisso; independência e liberdade são termos distintos. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros teriam tal poder.
Com efeito, o artigo 4º vai refletir de maneira similar esta definição ideal de Montesquieu, ao qual teria a lei como limite, senão vejamos:

A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Além dos iluministas citados neste capítulo, a influência de John Locke, Adam Smith, David Hume e outros ingleses também se aplicam na Declaração, pois a liberdade que consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo (liberdade jurídica, liberdade de expressão, liberdade de opinião, liberdade de comunicação) e o direito à propriedade são descritas nos artigos segundo, décimo, décimo primeiro e décimo sétimo:

A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.

A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condição de justa e prévia indenização.
Com isto, podemos afirmar que a maneira racional de interpretar o mundo relaciona-se diretamente com o surgimento da declaração francesa. Graças aos inúmeros filósofos modernos (aos quais demos maiores importância neste artigo a John Locke, David Hume, Rosseau, Montesquieu e Kant) fora desenvolvido um novo valor ideal humano.
Portanto, a mudança na legitimidade na relação entre governantes e governados (assente, sobretudo, no consentimento liberal, racional e não mais nas virtudes ou na origem divina) refletiu diretamente no direito, anteriormente natural, tornando-se jusracional.

Conclusão
Parece-nos não ser possível abordar o estudo do Direito e do Estado, sem se ter certo conhecimento prévio da história da Filosofia geral. Não basta conhecer os problemas; é preciso conhecer também a história deles. O iluminismo proporcionou um rompimento do jusnaturalismo até então fundamentado metafisicamente, donde as pessoas obedeciam apenas porque acreditavam em certos direitos naturais de cada um para direitos racionais declarados pelo Estado francês, o que viria futuramente a garantir uma certa dose de autonomia para os ordenamentos jurídicos ocidentais futuros, albergando aumento de segurança jurídica.
Todavia é importante ressaltar que esta evolução não implicou necessariamente no afastamento ou descrença divina, pois Metafísica jamais fora descartada como supracitado no criticismo de Kant, atuando no comportamento humano e em sua própria racionalidade prática, sua moralidade, de sorte que o preâmbulo da declaração francesa explicitamente reconhece e declara os direitos sob os auspícios do Ser Supremo.
Esta ideia de racionalidade como fonte de legítima do direito foi o impacto do pensamento iluminista no ocidente, obtendo tamanha transformação das sociedades e que viria a sofrer inúmeras críticas até o momento presente, principalmente pela tentativa de universalização moral do direito baseado na ética, na razão e na liberdade iluminista.
Inobstante as teorias futuras que se desenvolveram após o período moderno, o legado da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 foi a noção de universalidade e humanidade deixadas pelo iluminismo, servindo de base para novos catálogos de direitos humanos que foram se desenvolvendo em determinados contextos futuros até o período atual, na tentativa infindável de garantir o bem-estar dos indivíduos na sociedade como um todo.

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Caius Brandão. Como são possíveis os juízos sintéticos a priori – Disponível em: Acesso em: 23 de Fev. de 2014. 13''23'.


Advogado, especialista em direitos fundamentais pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e especialista em direitos humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
KANT, Immanuel: "Resposta à pergunta: O que é Esclarecimento?", há tradução alternativa para português de Portugal: Immanuel Kant, "Kant e a «Resposta à Pergunta O Que São as Luzes»", Edição, apresentação, tradução e notas a cargo de José Esteves Pereira, Cultura, História e Filosofia, vol. III, Lisboa, INIC / Centro de História da Cultura da UNL, 1984, pp. 153-168.
Ibid.
Revolução Gloriosa marcou início da democracia parlamentar europeia, por Matthias von Hellfeld. DW. Disponível em: Acesso: 08 de Fev. de 2014. 17''22'.
STEWART JR, Donald. O que é liberalismo. Instituto Liberal. 1995. Página 13. Disponível em: Acesso em: 19 de Fev. 19'15''.
Ibid. Pág. 20
Ibid. Pág. 73
Ibid. Pág. 73
Ibid. Pág.14
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião Das Massas. Tradução Herrera Filho. Ed. Eletrônica Ridendo Castigat Mores. Versão para Ebook. 2001. Disponível em: Acesso em: 20 de Fev. de 2014. 17''43'.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática. São Paulo. 2000. Pág. 88. Disponível em: Acesso em: 24 de Fev. de 2014 16''05'.
Ibid. Pág. 88
Versão eletrônica do livro "Investigação Acerca do Entedimento Humano". Autor: David Hume. Pág. 26 Tradução: Anoar Aiex. Disponível em: Acesso em: 13 de Fev. de 2014. 13''15'.
Ibid.
Ibid.
Jesiel Soares Silva Intersecções Epistemológicas: A Binaridade De Saussure, A Usiologia De Aristóteles e o Cientificismo De Kant. Anthesis: Revista de Letras e Educação da Amazônia Sul-Ocidental, ano 01, 2012, nº 02 Pág. 08. Disponível em: Acesso em: 20 de Fev. de 2014. 18''21'.
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Ibid. Pág. 04.
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Caius Brandão - Como são possíveis os juízos sintéticos a priori – Disponível em: Acesso em: 23 de Fev. de 2014. 13''23'.
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Marcelo Kokke Gomes. O ser humano como fim em si mesmo: imperativo categórico como fundamento interpretativo para normas de imperativo hipotético. Disponível em: Acesso em 29 de Mar. de 2014. 20''32'.
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