A INFORMAÇÃO E O CONHECIMENTO SOB AS LENTES DO MARXISMO

May 27, 2017 | Autor: R. Moreno Marques | Categoria: Karl Marx, Marxismo, Economia Política
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A INFORMAÇÃO E O CONHECIMENTO SOB AS LENTES DO MARXISMO

Conselho Editorial

Bertha K. Becker (in memoriam) Candido Mendes Cristovam Buarque Ignacy Sachs Jurandir Freire Costa Ladislau Dowbor Pierre Salama

Rodrigo Moreno Marques Filipe Raslan Flávia Melo Marta Macedo Kerr Pinheiro (orgs.)

A INFORMAÇÃO E O CONHECIMENTO SOB AS LENTES DO MARXISMO

Copyright © 2014, dos autores Direitos cedidos para esta edição à Editora Garamond Ltda. Rua Candido de Oliveira, 43/Sala 101 - Rio Comprido Rio de Janeiro - Brasil - 20.261-115 Tel: (21) 2504-9211 [email protected]

Revisão Clarissa Penna Editoração Eletrônica Editora Garamond / Luiz Oliveira Capa Estúdio Garamond sobre fotografia de Colink, disponível em https://www.flickr.com/photos/colink/6681277365/ sob licença Creative Commons “Atribuição”.

Este livro foi publicado com o apoio da FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

I36 A informação e o conhecimento sob as lentes do marxismo / organização Rodrigo Moreno Marques ... [et al.]. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Garamond, 2014. 254 p. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 9788576173526 1. Marx, Karl, 1818-1883. 2. Capitalismo. 3. Filosofia Marxista I. Marques, Rodrigo Moreno. 14-11370

CDD: 335.4 CDU: 330.85

Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.

AGRADECIMENTOS

Essa publicação é fruto do seminário “A Informação e o Conhecimento sob as Lentes do Marxismo” ocorrido em 23 e 24 de novembro de 2011 na Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte (MG). O seminário contou com o financiamento e apoio do Programa de Pós-Graduação da Escola de Ciência da Informação da UFMG, da FAPEMIG - Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais, da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior e do Núcleo Pr@xis. O livro contou com financiamento da FAPEMIG - Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais e da Escola de Ciência da Informação da UFMG.

SUMÁRIO

Contribuições à crítica da era da informação e do conhecimento Rodrigo Moreno Marques e Filipe Raslan .................................................9 Intelecto geral Eleutério F. S. Prado ............................................................................23 As rendas informacionais e a apropriação capitalista do trabalho científico e artístico Marcos Dantas ....................................................................................35 Tecnologias da informação e comunicação: a lógica instrumental do acesso Rosilene Horta Tavares .........................................................................61 Trabalho, capital intangível e historicidade do valor: uma tentativa de definição do capitalismo imaterial Alain Herscovici ..................................................................................77 Propriedade intelectual e a forma da mercadoria: novas dimensões na transferência legislada da mais-valia Michael Perelman ................................................................................99 Os limites à taylorização do trabalho na fase de concepção da produção de software César Bolaño, José Guilherme da Cunha Castro Filho ............................115 Acerca da perspectiva ontológica que matriza a Teoria Social Marxiana e a produção e reprodução social dos conhecimentos Hormindo Pereira de Souza Júnior.......................................................135 Tempo de Trabalho e Luta de Classes Henrique Amorim .............................................................................149 Movimentos sociais contemporâneos sob as lentes do marxismo Maria Guiomar da Cunha Frota ........................................................169

Pensamento marxista na arquivologia, na biblioteconomia, na museologia e na ciência da informação Carlos Alberto Ávila Araújo ................................................................191 Informação e Educação no contexto da ECI/UFMG: interlocuções históricas e contrapontos Alcenir Soares dos Reis ......................................................................217 Sobre os autores e organizadores .....................................................247

CONTRIBUIÇÕES À CRÍTICA DA ERA DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO Rodrigo Moreno Marques Filipe Raslan “Marx é hoje, mais uma vez, e com toda justiça, um pensador para o século XXI” Eric Hobsbawm1

O meio acadêmico, o segmento editorial e os meios de comunicação de massa têm dado destaque, por meio de diferentes abordagens, à relevância da informação e do conhecimento para a sociedade, especialmente após o advento da internet e das tecnologias que servem de suporte para as novas redes sociotécnicas. Se o emprego das categorias informação e conhecimento tem sido frequente na ciência e no senso comum, por outro lado, é cada vez maior a divergência das perspectivas adotadas. Ganham popularidade termos como “sociedade da informação e do conhecimento”, “economia do conhecimento”, “capital intelectual” e “capital humano”. No entanto, não há consenso em relação às interpretações propostas e, na ausência de acordo, somos desafiados por algumas indagações inquietantes. Que contradições podem ser percebidas nas novas fronteiras da apropriação da informação e do conhecimento? Quais são os argumentos daqueles que advogam a emergência de novas categorias, como “trabalho imaterial”, “capitalismo cognitivo” e “pós-

1 Hobsbawn, E. Como mudar o mundo: Marx e o marxismo, 1840-2011. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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-grande indústria”? Em que medida essas hipotéticas transformações modificam o modo de produção capitalista e as relações de trabalho? Qual é a pertinência da teoria do valor no mundo atual? O que se passa hoje na arena do direito de propriedade intelectual? Como se inserem no capitalismo do século XXI a ciência e as novas tecnologias emergentes? Como as tecnologias de informação e comunicação se integram no universo da educação escolar e da pedagogia? Que contribuições pode a epistemologia apresentar para o debate colocado? Esses são alguns dos desafios que os autores aqui reunidos aceitaram enfrentar quando foram convidados a discutir a informação e o conhecimento no mundo contemporâneo à luz das concepções de Karl Marx e dos pensadores que adotaram o prisma do pensamento crítico para apreender a construção social da realidade. Na verdade, os debates acerca das contradições que envolvem o conhecimento, a ciência e a técnica não são novidade nas teorias marxistas. São notórias, por exemplo, as obras de Harry Braverman e Jürgen Habermas. Data da década de 1970 o esforço de Braverman (2011) em salientar os embates voltados para a busca do controle e do monopólio da informação e do conhecimento nos domínios do trabalho, elementos que sempre foram e sempre serão imprescindíveis aos processos de produção. A análise de Habermas (1999), por sua vez, coloca a esfera comunicacional no centro da sociabilidade humana, na medida em que o progresso técnico tornaria a ciência a principal força produtiva. Nesse contexto, o trabalho e a teoria do valor perderiam relevância como categorias explicativas. Com a emergência da internet e das tecnologias de informação e comunicação, novas discussões voltam a abordar as categorias da economia política. Diferentes teorias são frutos dessa nova safra, como as teorias da economia do conhecimento, do trabalho imaterial, do capitalismo cognitivo, do fim da centralidade do trabalho

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e tantas outras que estão a desafiar novamente o pensamento marxista e a teoria do valor. André Gorz é exemplo emblemático dessa virada teórica. O autor alega que o conhecimento se tornou a principal força produtiva do capitalismo e defende a redefinição das categorias trabalho, valor e capital. Afirma que na economia do conhecimento o trabalho incorpora o chamado capital imaterial, que se torna o coração e o centro da criação de valor. E o conhecimento, agora convertido em nova força produtiva, seria em grande parte uma inteligência geral que não tem valor de troca, pode ser partilhado livremente e a custos desprezíveis nas novas redes tecnológicas (2005). Em direção semelhante, a corrente do capitalismo cognitivo advoga que o mais relevante atualmente não é o fenômeno da economia do conhecimento, mas sim uma profunda mutação que estaria afetando a maneira como o capital é dotado de valor. O valor, tomado agora como categoria imensurável, seria decorrente da capacidade inovativa dos sujeitos que se articulam por meio das tecnologias de informação e comunicação. Propondo uma perspectiva emancipatória, supõe-se que os processos de inovação atuais se tornaram libertos da disciplina da fábrica e do seu controle hierárquico (Corsani, 2003; Moulier-Boutang, 2011). Contesta-se a importância dos construtos teóricos de Marx quando confrontados com a realidade social e econômica em curso. Moulier-Boutang (2002, 2006, 2011) afirma que a transição para o capitalismo cognitivo é tão profunda que pode ser classificada como uma grande transformação, no sentido polanyiano, o que enseja que a economia política nascida no século XVIII seja deixada para trás. Assim, ressurge atualmente, com novos matizes, a polêmica em torno da pertinência ou não da obra e das ideias de Marx. O debate demonstra que continua bastante atual o esforço para desvendar o enigma do valor inscrito na mercadoria. Pode-se afirmar

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que a discussão é atual, mas não é nova. Há quase trinta anos, João Antônio de Paula assim se manifestava sobre esse embate, que tem recorrência secular: Desde a sua gênese, a problemática do valor se tem debatido a partir de dois grandes veios: a vertente objetiva e a vertente subjetiva na explicação do valor. [...] De um lado, os que pretendem estar o valor ancorado na subjetividade da apreciação individual dos objetos. De outro, os que entendem o valor como realidade anterior à exposição no mercado, que veem no valor a expressão da produção social, do trabalho humano (1984, p. 114).

Apesar da recorrente controvérsia sobre antigos e novos argumentos que colocam em xeque ou que defendem os construtos de Marx, uma releitura atenta dos seus textos revela uma surpreendente atualidade. Essa conclusão não é diferente, ainda que se tome como pressuposto que as tecnologias emergentes criam hoje novas dinâmicas socioeconômicas no universo da mercadoria, onde estão inseridos o conhecimento e a informação que circulam (ou deixam de circular!) na internet. Esse ponto de vista nos remete a duas estimulantes controvérsias acadêmicas. A primeira delas refere-se à acusação recorrente de que a teoria marxiana limita-se ao universo da economia industrialista e da mercadoria tangível. Contrariando essa afirmativa, Paula (1984) alega que Marx não incluía na categoria mercadoria apenas os bens palpáveis, como os produtos das indústrias de tecelagem ou metalurgia. Nos termos do filósofo, “a mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia” (Marx, 1980, p. 41). Tomar a mercadoria como “tudo aquilo que satisfaz o estômago ou a fantasia”, explica Paula (1984), implica considerar que ela

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“pode ser não só o que é tangível, corpóreo, acumulável, que tem existência no tempo e no espaço, quanto o que não é material, não tem massa e que só existe no tempo: uma execução musical, um espetáculo teatral, uma aula etc.” (p. 122). Esse entendimento lança luz sobre a discussão marxiana do conceito de trabalho produtivo. Segundo Marx (1963, 1980, 2004), tendo em vista que o processo de trabalho é apenas um meio para o processo de valorização do capital, o trabalho produtivo é aquele que gera diretamente mais-valia, que valoriza o capital. Uma vez que a mais-valia é considerada o fim determinante, o interesse propulsor e o resultado final do processo de produção capitalista, a produtividade do trabalhador está ligada a sua capacidade de gerar diretamente mais-valia. Assim, é inadequada a definição de trabalho produtivo e trabalho improdutivo em função do seu conteúdo material, ou seja, essa definição não está relacionada ao conteúdo do trabalho, a sua utilidade particular ou ao valor de uso específico no qual ele se expressa. Importante notar que a discussão de Marx sobre o trabalho produtivo engloba não somente a produção de mercadorias tangíveis, mas abarca também a produção de caráter intelectivo e artístico. Para ilustrar seu ponto de vista, o filósofo apresenta três exemplos esclarecedores: (i) Um escritor que fornece serviços para um industrial do ramo editorial é um trabalhador produtivo, enquanto não o é um escritor independente, ainda que este venda sua obra para seus leitores. (ii) Um cantor é um trabalhador improdutivo. Na medida em que vende seu canto, torna-se assalariado ou comerciante. Porém, esse artista, caso se ponha a cantar para ganhar dinheiro por meio de um contrato com um empresário, passa a ser trabalhador produtivo. (iii) No segmento educacional, um professor será trabalhador produtivo caso seja contratado “para valorizar, mediante seu trabalho, o dinheiro do empresário da instituição que trafica com o conhecimento” (Marx, 2004, p. 115). Esses exemplos demonstram que Marx percebeu e refletiu em seu

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tempo sobre as atividades que atualmente têm sido categorizadas como trabalho imaterial. Outro ponto que tem gerado calorosa contenda no meio acadêmico diz respeito à relevância da teoria do valor de Marx no contexto do mundo contemporâneo. Esse confronto surge, principalmente, com as teorias que advogam a emergência de uma economia da informação e do conhecimento marcada pelo trabalho dito imaterial e pelos produtos intangíveis. Nesse caso também é preciso, antes de tudo, registrar as reflexões do próprio Marx. Conforme salienta o texto de Michael Perelman aqui publicado, ao abordar o conhecimento científico em Teorias da mais-valia, Marx já dava destaque à impossibilidade de apreender o valor do trabalho intelectual por meio do tempo de trabalho socialmente necessário, ou seja, apontava a incompatibilidade da lei do valor nesse contexto: O produto do trabalho mental – a ciência – sempre permanece bem distante do seu valor porque o tempo de trabalho necessário para reproduzi-lo não tem relação alguma com o tempo de trabalho para sua produção original. Por exemplo, um estudante pode aprender o teorema binomial em uma hora (Marx, 1963, p. 353).

Some-se a esse argumento o famoso exercício teórico em que Marx aborda o general intellect nos Grundrisse (Marx, 2011), importante referência nas discussões que nos apresentam Alain Herscovici, Eleutério Prado, Henrique Amorim, Marcos Dantas e Michael Perelman.2 Percebe-se, portanto, que discutir os limites da teoria do valor nada mais é do que buscar respostas para um problema que Marx 2 Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie, traduzido por Elementos fundamentais para a crítica da economia política, é um manuscrito de Karl Marx, escrito em 1857 e 1858, dez anos antes da primeira edição de O Capital. A primeira publicação integral do texto data de 1939, tendo sido organizada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo de Berlim e Moscou.

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revelou em seu tempo e que permanece em aberto até os dias atuais. Se, por um lado, Marx decifrou o enigma do valor nas relações socioeconômicas da sua época, por outro lado, estamos hoje diante de novos desafios que o filósofo não viveu, mas vislumbrou. Nesse campo ele não deixou resposta acabada, mas seu legado abre-nos importantes janelas. Essas são apenas duas das inúmeras arenas onde Marx revela-se atual, instigante e inspirador. Muitas outras são reveladas pelos autores que nos honram nesta obra com suas reflexões dialéticas, que são sinteticamente apresentadas a seguir. Eleutério Prado abre o debate com um texto que reconstrói o significado do termo intelecto geral (general intellect) na obra econômica de Marx, particularmente nos Grundrisse. Prado discute os termos de Marx, coloca-os em perspectiva e recupera as categorias manufatura e grande indústria, desenvolvidas em O Capital. O autor questiona os princípios do operaísmo europeu, assim como os postulados do chamado neo-marxismo, e aponta novos rumos para a crítica marxista. No capítulo seguinte, Marcos Dantas propõe uma releitura das categorias de Marx no contexto das novas tecnologias digitais. O autor discute a apropriação capitalista nos campos da ciência e da arte, partindo do problema do valor do trabalho científico e artístico. Dantas argumenta que atualmente o capital mobiliza principalmente o trabalho informacional, capaz de gerar valor de uso, mas não valor de troca. A apropriação do valor obtido por esse trabalho exige do capital a instituição do monopólio do conhecimento científico ou artístico, por meio do qual é instituída a extração de renda informacional. Rosilene Horta explora as contradições ocultas nas tecnologias de informação e comunicação, bem como suas possibilidades emancipatórias. Sua análise dialética está voltada para a integração das tecnologias ao universo da educação escolar. A autora analisa as políticas que, apesar de revestidas de um aparente caráter demo-

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cratizador, têm como essência a finalidade de acentuar a acumulação de capital, esta já em patamares elevadíssimos. Partindo da crítica à racionalidade de tipo instrumental, nascida com a Escola de Frankfurt, a autora evidencia alguns limites reais das políticas de acesso às tecnologias, questionando os meandros do controle social da inteligência, a função da escola e a integração da tecnologia à pedagogia. A tese do capitalismo imaterial é o cerne dos argumentos que Alain Herscovici nos apresenta em seu texto. O seu ponto de partida é a hipótese de que atualmente estão se generalizando, para a maior parte das atividades econômicas, elementos econômicos que antes pertenciam somente ao universo dos bens culturais e imateriais. O autor advoga que a teoria do valor trabalho não é mais capaz de explicar a produção e a distribuição do valor no capitalismo imaterial, nova fase do modo de produção capitalista. Defende, portanto, a necessidade do estabelecimento de novas categorias e instrumentos analíticos para o estudo da cultura, da informação e da comunicação, bem como do conjunto das atividades econômicas da atualidade. Michael Perelman elege o direito de propriedade intelectual como o eixo da sua argumentação, especificamente nos campos da ciência e da tecnologia no cenário norte-americano. O autor afirma que os direitos de propriedade intelectual têm se tornado um componente fundamental da economia moderna, tendo em vista que eles representam a conversão do “trabalho universal” concebido por Marx em uma forma de mercadoria inteiramente nova. Alega também que o direito de propriedade intelectual tornou-se o contrapeso financeiro para combater a desindustrialização em curso nos Estados Unidos, a ponto de configurar-se como uma das diretrizes mais prementes da política externa desse país. Evidenciando algumas contradições do direito de propriedade intelectual, Perelman sugere uma direção para a integração dessa problemática à teoria do valor.

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As reflexões de César Bolaño e José Guilherme da Cunha Castro Filho estão voltadas para as relações sociais no contexto das fábricas de software. Ao caracterizar as etapas de concepção, produção e uso de softwares nos processos produtivos, os autores apontam um paradoxo nas dinâmicas de subsunção do trabalho intelectual. Na fase de concepção, em que a subjetividade envolvida na tarefa de codificação de programas ainda é fortemente dependente do trabalho vivo, o trabalho subsumido apenas formalmente não se adéqua aos conceitos de taylorismo e fordismo, sendo caracterizado como uma situação muito próxima àquela do período manufatureiro. Na etapa de produção dos softwares, observa-se uma importante taylorização, pois o programador manipula sem autonomia ferramentas de desenvolvimento, sendo ele e a produção monitorados pela gerência. A terceira fase, quando os programas são empregados nos processos produtivos, é marcada por uma ampla automatização e um processo avançado de subsunção, que é viabilizado pelo trabalho de concepção da primeira etapa. Hormindo Pereira de Souza Júnior propõe um reencontro com a Ontologia do Ser Social marxista, destacando a importância da teoria social de Marx para o entendimento e a explicação do mundo contemporâneo. O autor argumenta que a posição marxiana sobre os problemas atuais que envolvem a produção, reprodução e distribuição do conhecimento ganha relevo na captura das essencialidades básicas, fundamentais, de caráter ontológico. Hormindo considera que o “trabalho, como objetivação e autodesenvolvimento humano, como uma mediação necessária do homem com a natureza, constitui a esfera ontológica fundamental da existência humana”. Ao longo do seu texto, o autor aborda temas pertinentes, como a alienação no trabalho, a relação sujeito/objeto do conhecimento e a articulação entre objetividade e subjetividade nos processos de produção e reprodução social dos conhecimentos. No ensaio de Henrique Amorim, a discussão da categoria tempo de trabalho ganha destaque, em especial o seu caráter con-

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traditório. Se, por um lado, a dinâmica de expansão do capitalismo impõe a redução do tempo de trabalho na produção, por outro lado, o modo de produção capitalista não consegue se afastar do trabalho vivo, considerado a fonte de criação de toda riqueza.Tendo como referência os Grundrisse, O Capital, entre outros textos de Marx, o autor tece críticas às teorias que, flertando com uma interpretação determinista da história, perceberiam nessa contradição a perspectiva de transformação e superação automática do capitalismo, ou seja, sem atribuir a devida importância ao papel dos embates e dos confrontos políticos entre classes sociais. O desafio que Maria Guiomar da Cunha Frota se propôs foi a realização de uma leitura analítica de dois movimentos sociais da atualidade – Occupy Wall Street (EUA) e Movimento pela Educação Pública (Chile) – a partir de princípios do marxismo. Para levar a cabo esse objetivo, que parte do nível abstrato para atingir o nível concreto, a autora privilegia os conceitos sociais elaborados por autores que tomaram como referência os trabalhos do jovem Marx. Evidencia também a questão da relação entre sociedade civil e sociedade política, tema derivado de abordagens clássicas, privilegiando o pensamento de Habermas e outros autores que também se debruçaram sobre a esfera pública e a ação comunicativa. Carlos Alberto Ávila Araújo apresenta uma abordagem epistemológica das áreas de arquivologia, biblioteconomia, museologia e ciência da informação. O autor argumenta que esses campos estão marcados, desde a sua origem, por uma acentuada natureza operacional, como otimização de produtos e processos, pouco se detendo nos meandros da reflexão crítica. Apesar disso, conforme argumenta e demonstra o autor, é possível identificar, na evolução histórica dessas áreas, relevantes manifestações de “pensamentos e problematizações críticas sobre a informação, as instituições e os sistemas de informação e sobre diferentes usos e apropriações que ocorrem com a sua circulação”.

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Encerrando o debate, Alcenir Soares dos Reis aponta contradições e aspectos críticos que se manifestam nas interlocuções entre informação e educação, enfatizando as contribuições do pensamento marxista no âmbito da Escola de Ciência da Informação da UFMG. O resgate do percurso da consolidação da linha de pesquisa Informação, Cultura e Sociedade evidencia a relevância dos princípios da historicidade, da tensionalidade e da totalidade, e destaca a dimensão dialética que marca a arena da informação e da educação. Em suma, este livro apresenta um mosaico diversificado e estimulante de reflexões que são frutos do desafio de debater a informação e o conhecimento no mundo atual sob o prisma do marxismo. E os caminhos que aqui são apontados parecem confirmar o argumento que Hormindo nos traz: Antigas questões que teimam em persistir nos afligindo, bem como outras, saudadas nos dias de hoje como descobertas recentes, estão presentes, e de modo bastante pertinente, na teoria social desenvolvida por Marx. [...] Ao nos debruçarmos sobre a extensa obra marxiana, verificamos o quanto é atual, quanta produtividade ela é capaz de impulsionar, o quanto é desafiador apoiar-se em teoria assim tão absolutamente inconclusa, que só pode efetivar-se em coautoria com os sujeitos sociais de cada tempo histórico.

Os autores aqui reunidos também se inquietam e buscam respostas para a instigante pergunta que Hobsbawm nos legou: Qual é a relevância de Marx no século XXI? Hobsbawm argumenta que as tentativas de instaurar o projeto do “socialismo” no século XX foram determinantes para a criação de um juízo quanto ao marxismo que não se fundamenta no pensamento do próprio Marx, mas sim “em interpretações ou revisões póstumas do que ele escreveu”. No entanto, destaca o autor, “o fim do marxismo oficial da União Soviética liberou o pensador alemão da identifi-

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cação pública com o leninismo da teoria e com os regimes leninistas na prática” (2011, pp. 15-20). Assim, ganham relevo novamente muitas e boas razões para rediscutir o que Marx tem a nos dizer sobre o mundo em que vivemos. Não espere o leitor que irá encontrar neste livro respostas acabadas para as muitas indagações que fomentaram o debate colocado. Esperar respostas deterministas e definitivas seria uma expectativa contrária aos princípios da dialética. Nossa intenção é, antes, estimular um exercício reflexivo que contribua para a construção de uma visão de mundo que não abre mão do pensamento crítico, que não se satisfaz com a superficialidade dos fenômenos, que busca a essência que eles ocultam. Um ponto de vista que encontra nas contradições – e não nas harmonias – a perspectiva de emancipação e desalienação. Um ponto de vista que, sobretudo, não se contenta apenas em interpretar o mundo, pois, afinal, o que importa mesmo é transformá-lo.

Referências Braverman, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: LTC, 2011. Corsani, A. Elementos de uma ruptura: a hipótese do capitalismo cognitivo. In: Cocco, G. (org.). Capitalismo cognitivo: trabalho, redes e inovação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Gorz. A. O imaterial, conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 2005. Habermas, J. Teoría de la acción comunicativa, i – racionalidad de la acción y racionalización social. México-df: Taurus, 1999. Hobsbawm, E. Como mudar o mundo: Marx e o marxismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2011. Marx, K. Theories of surplus value. Moscow: Progress Publishers, 1963, vol. 1. ______. O Capital. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

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Livro 1. ______. Capítulo VI inédito de O Capital. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2004. ______.Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011. Moulier-Boutang, Y. «Nouvelles frontières de l’économie politique du capitalisme cognitif», Revue Éc/arts, n. 3, p.121-135, 2002. ________. Antagonism under cognitive capitalism: class composition, class consciousness and beyond. Paper apresentado ao Seminário Immaterial labour, multitudes and new social subjects: class composition in cognitive capitalism, Cambridge, abril de 2006. ________. Cognitive capitalism. London: Polity Press, 2011. Paula, J. A. Ensaio sobre a atualidade da lei do valor. Revista de Economia Política, v. 4, n. 2, p. 111-134, abr.-jun. 1984.

INTELECTO GERAL Eleutério F. S. Prado

Como é sabido, Marx usou uma única vez o termo “intelecto geral”, em inglês no original escrito basicamente em alemão, em toda a sua obra. E o fez no seguinte parágrafo dos Grundrisse: A natureza não constrói máquinas nem locomotivas, ferrovias, telégrafos elétricos, máquinas de fiar automáticas etc. Elas são produtos da indústria humana; material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou de sua atividade na natureza. Elas são órgãos do cérebro humano criados pela mão humana; força do saber objetivada. O desenvolvimento do capital fixo indica até que ponto o saber social geral, conhecimento, deveio força produtiva imediata e, em consequência, até que ponto as próprias condições do processo vital da sociedade ficaram sob o controle do intelecto geral e foram reorganizadas em conformidade com ele. Até que ponto as forças produtivas da sociedade são produzidas, não só na forma do saber, mas como órgãos imediatos da práxis social; do processo real da vida. (Marx, 2011, p. 589).

O emprego desse termo – e também dos sinônimos “cérebro social” e “inteligência social” – numa obra tão extensa não teria chamado atenção excepcional não fosse pelo contexto expositivo em que aparece: a antecipação do que ocorrerá com o desenvolvimento do modo de produção da grande indústria. Em particular, ganha um sentido notável frente ao começo do parágrafo dos Grundrisse que antecede aquele acima citado: 23

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