A INOVAÇÃO DO USO DA NARRATIVA SERIADA EM JOGOS ELETRÔNICOS: a experiência da Telltale Games

August 23, 2017 | Autor: Diogo Gonçalves | Categoria: Video Games, Narrativa Ficcional Seriada
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A INOVAÇÃO DO USO DA NARRATIVA SERIADA EM JOGOS ELETRÔNICOS: a experiência da Telltale Games1

Diogo Augusto Gonçalves2 Resumo: O presente artigo tenciona analisar a estrutura narrativa serializada em capítulos dos jogos eletrônicos The Walking Dead e The Wolf Among Us, para as plataformas Xbox 360, Playstation 3 e PC, desenvolvidos pela Telltagames, cujo modelo narrativo se assemelha a séries televisivas sendo que a história é dividida em capítulos e temporadas, respeitando uma periodicidade definida para o lançamento de cada jogo, tal como as séries de televisão. Para analise da estrutura narrativa seriada nos jogos citados acima, serão utilizados os trabalhos de Arlindo Machado, “A Televisão Levada a Sério”, e Umberto Eco, “Inovação do Seriado”, a fim de discorrer sobre as semelhanças e diferenças que a narrativa televisiva possui com os jogos digitais, e quais os aspectos que os fatores de design e gameplay, inerentes aos jogos, corroboraram para uma nova experiência interativa seriada. Palavras-Chave: Narrativa Seriada; Jogos Eletrônicos; Histórias em Quadrinhos. Abstract: This paper intends to analyze the narrative structure in serialized chapters of electronic games and The Walking Dead The Wolf Among Us, for Xbox 360, Playstation 3 and PC platforms, developed by Telltagames whose narrative model resembles the television series and the story is divided into chapters and seasons, respecting a periodicity set to launch each game as the television series. To analyze the serial narrative structure in games mentioned above, the work of Arlindo Machado will be used, "Televisão Levada a Sério", and Umberto Eco, "Innovation Series" in order to discuss the similarities and differences that the television narrative has with digital games, and which aspects of the design and gameplay factors inherent to games, corroborated to a new serial interactive experience. Keywords: Serialized storytelling; Electronic games; Comics.

I.

Introdução Concomitantemente a exploração da narrativa seriada como um produto audiovisual

produzido pelas emissoras de TV, as produtoras de jogos digitais começaram explorar esse modelo de storytelling para os jogos eletrônicos, como uma forma de complexificar a narrativa dos jogos aumentando o a imersão e o agenciamento dos interatores dentro da narrativa seriada.

Trabalho apresentado no Seminário Temático “Serialidade e Narrativa Transmídia”, durante a I Jornada Internacional GEMInIS, realizada entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, na Universidade Federal de São Carlos. 2 Formado em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos e mestrando em pelo Programa de Pós Graduação em Imagem e Som. Atualmente realizo pesquisa em torno da imersão no âmbito dos jogos eletrônicos. E-mail: [email protected] 1

A narrativa seriada televisava é concebida no formato de blocos, tal como o modelo de cada emissora. Em emissoras comerciais cada episódio é dividido em pequenos grupos de blocos com duração variada dependendo do formato narrativo para a inserção dos comercias, entretanto a obra audiovisual como um todo também é concebida em blocos dentro de uma totalidade maior, a qual é exibida por um período que pode variar entre dias, meses ou até mesmo anos. Essa fragmentação periódica de uma narrativa é entendida como serialidade, possuindo um enredo estruturado em capítulos e/ou episódios (MACHADO, 2000). A serialidade nos moldes televisivos nunca se adequou ao modelo de negocio dos jogos digitais, esses por sua vez apresentavam modelos narrativos mais semelhantes com o cinema, com jogos sendo pensados para sequencias, as quais demoravam cerca de 2 a 3 anos no mínimo para ter um novo lançamento de jogo, devido ao grande trabalho demandado nas produções e ao modelo econômico do mercado dos jogos, os quais eram vendidos como um produto fechado sendo mais difícil a serialização das narrativas. Segundo Arlindo Machado o modelo da narrativa seriada na televisão pode assumir três formatos básicos. O primeiro trata-se de uma narrativa única (ou várias narrativas entrelaçadas e paralelas) cujos acontecimentos se dão mais ou menos linearmente ao longo dos capítulos. O segundo caso, diz respeito a histórias completas e autônomas, com começo meio e fim, sendo que a repetição entre os episódios ocorrem apenas por intermédio dos personagens principais e algumas situações da narrativa. O último tipo de narrativa seriada, é aquela que a única coisa preservada nos episódios é a temática geral da narrativa, em cada episódio podemos ter um novo elenco de personagens, diretores, roteiristas, cada unidade básica da história apresenta uma nova história, sem uma ligação direta com os outros episódios. (MACHADO, 2000). No âmbito dos jogos eletrônicos, a exploração da narrativa seriada ainda é uma tendência recente, no entanto, os experimentos feitos nessa direção mostraram resultados bastante positivos. Seguindo essa tendência esse artigo busca entender como esses experimentos em torno da introdução da narrativa seriada foram feito no âmbito dos jogos eletrônicos, analisando o formato de gameplay desses jogos, a estética a qual busca aproximar os jogos das histórias em quadrinhos, as quais são as obras canônicas dos dois jogos que serão objeto de estudo desse artigo, e principalmente o formato narrativo adotado pela Telltagames.

II.

A Narrativa Seriada pela Telltagames A partir da divisão feita por Arlindo Machado, sobre os tipos três tipo de narrativa

seriada é possível classificar The Walkind Dead e The Wolf Among Us como uma construção teleológica, ou seja, os jogos possuem uma ou mais narrativas entrelaçadas e paralelas às quais se desenvolvem linearmente ao longo dos episódios. A história se resume em um conflito que vai desestabilizar a estrutura da narrativa e toda a evolução dos acontecimentos procuram retornar o equilíbrio natural dos acontecimentos, algo que será conquistado apenas nos episódios finais (MACHADO, 2000). Tratando-se de jogos eletrônicos, a trama principal acontece em torno de apenas um personagem, que será uma extensão do jogador. Em The Walking Dead o interator vive o personagem Lee, um professor universitário condenado à morte por ter assassinado o amante de sua mulher, que após um acidente de carro tem que escapar de uma horda de zumbis até encontrar Clementine, uma menina que está sozinha sem seus pais. A partir desse encontro o objetivo tanto do jogador quanto do personagem Lee será garantir a Clementine segurança e sobrevivência nesse ambiente caótico e apocalíptico. Durante a experiência de gameplay do jogo estarão presentes todos os clichés trabalhados e perpetuados em filmes de zumbis, entretanto a grande diferença do jogo para a maioria dos filmes e jogos que foram lançados até então é o poder de decisão que o interator possui e como essas decisões vão afetar as outras decisões no decorrer dos próximos episódios e temporadas.

FIGURA 1: A Day of Tentacle

Fonte: http://ndeming.tumblr.com/post/4984308429/my-favorite-games-from-childhood-2day-of-the

O gênero do jogo pode ser definido como um Point and Click game, gênero que ficou famoso durante a década de 90 com jogos da produtora LucasArts, com jogos clássicos como A Day of Tentacle (Figura 1) ou The Secreto of Monkey Island (Figura 2). Nesse tipo de jogo, o jogador controla as ações dos personagens com o auxilio de uma seta, essa seta pode indicar aonde o personagem irá, os itens que ele pode pegar e quais serão as interações realizadas por ele. No caso de The Walking Dead o personagem pode ser controlado pela seta ou pelos comandos básicos de direção de um jogo comum, entretanto a “seta” é a grande chave para todas as principais interações com o cenário e outros personagens, a partir da seta é possível escolher entre apenas olhar e analisar um objeto, interagir com ele, ou usar algum item que o personagem possui. Esse tipo de mecânica corrobora para a execução de inúmeras tarefas de sobrevivência durante o jogo, bem como fazer algumas escolhas durante o jogo.

FIGURA 2: The Secret of Monkey Island

Fonte: http://nostalgiagames.com.br/tag/secret-of-monkey-island/

Essas escolhas são os fatores que propiciam os melhores momentos de agenciamento e imersão durante o jogo, pois as decisões tomadas pelo jogador definiam como as relações serão construídas entre o jogador e os NPCs, tendo repercussões até o final do quinto episodio da temporada. Ao fim do primeiro episódio o interator deve escolher entre dois NPCs3,

3

NPCs – Personagens que o jogador não controla.

dependendo de qual for à escolha feita o restante do jogo irá acontecer com um desses personagens morto e o outro vivo o que irá influenciar os próximos diálogos e acontecimentos do jogo. Além das escolhas de quais personagens o jogador salvará outro fator importante de gameplay está relacionado com as escolhas feitas durante os diálogos. Em muitos momentos do jogo Lee terá que se posicionar a favor ou contra algum personagem, sendo que isso resultará em dinâmicas diferentes durante o jogo. Esse tipo de construção da narrativa pode ser comparado àquilo que Mitel chama de narrativa complexa, pois existe um aprofundamento na caracterização dos personagens que é desenvolvido pelo próprio espectador ator, no caso dos jogos, personagens dramáticas, manipulação da trama que ocorre graças às decisões tomadas pelo interator (MITEL, 2006). Por fim a continuidade no enredo durante os cinco episódios tornam a narrativa rica e complexa sendo que mesmo que exista foco apenas no personagem principal da campanha o interator consegue se relacionar com outros personagens de maneira rica e complexa, pois o avatar acaba tornando-se uma mascara para o jogador, que acaba fazendo do jogo um palco para sua interpretação (JENKINS, 2004). The Walking Dead foi lançado em forma de episódios para Xbox360, Playstation 3 e PC, foram lançados ao total cinco episódios, respeitando uma certa periodicidade (Tabela 1) variando entre 50 a 60 dias em média. A principal plataforma de venda do jogo foi a on-line, visto que o atual (ano de publicação desse artigo) mercado de venda de jogos comporta vendas on-lines. Após o lançamento da primeira temporada (cinco episodios) a Telltalegames lançou uma versão em disco contendo os cinco jogos. Tal tipo de negocio é similar ao que acontece com séries televisivas onde após o encerramento de uma temporada é lançado um dvd contendo todas os episódios. TABELA 1 Jogo

Data de Lançamento

Episodio 1

Abril de 2012

Episodio 2

Junho de 2012

Episodio 3

Agosto de 2012

Episodio 4

Outubro de 2012

Episodio 5

Novembro de 2012

Uma estratégia de venda interessante para o lançamento desse jogo cuja relação está diretamente ligada com a forma seriada do jogo está no primeiro episodio da serie, a qual foi lançada gratuitamente sendo que ao fim do primeiro episodio, o qual pode chamar de piloto, fazendo uma alusão direta aos episódios pilotos de series televisivas, encontramos um gancho narrativo para o segundo jogo da serie, dessa vez um jogo pago. O gancho é um elemento fundamental da narrativa seriada, o qual prende a atenção do espectador e o deixa na expectativa para o próximo episódio. No primeiro episódio de The Walking Dead o gancho acontece ao fim do episodio quando o grupo todo está em uma pousada e todos estão esperançosos com os dias que virão pois estão em um lugar que possui energia elétrica, nesse momento a energia elétrica acaba, assim como a esperança dos sobreviventes, sendo que o fade do fim do episódio representa a queda da energia elétrica e um indicio de que dias ruins virão com os próximos episódios. O clímax da primeira temporada está ao fim do quarto episódio quando Clementine é sequestrada por um personagem que pretende se vingar de Lee devido a uma escolha que ocorreu no segundo episódio da série, e pelo personagem ter sido mordido por um zumbi, tendo seu destino definido para o último episódio. No quinto episódio todas as principais decisões que o interator fez durante o jogo demonstram sua importância tendo consequência nas relações estabelecidas com os personagens que te ajudam nessa parte final. O final do jogo é único e não possui variações, deixando uma deixa narrativa para a próxima temporada, assim como a possibilidade do retorno de alguns personagens, cujos fins não ficaram claros. A estética do jogo utiliza a técnica conhecida como cell shading, cuja principal característica é a de utilizar contornos escuros (Figura 3) em torno dos objetos da cena, de forma a retirar a profundidade da cena, tornando a cena chapada parecida com cartoons, de forma a deixar o jogo parecido com uma história em quadrinhos. Sendo que a obra canônica dessa franquia reside nas histórias em quadrinhas, a qual possui semelhanças com as obras seriadas da televisão.

FIGURA 3: The Walking Dead

Fonte: http://www.cheatmasters.com/blog/2012/04/29/the-walking-dead-episode-1-a-newday-guide/ A primeira temporada fez muito sucesso, ganhando o titulo de jogo do ano por várias revistas eletrônico especializado, o que motivou e impulsionou a segunda temporada, a qual está no segundo episódio, no qual o personagem controlado agora é Clementine que está mais velha, a base do jogo continua a mesma possuindo modificações na jogabilidade, com mais ação que a primeira temporada, exigindo maior participação do jogador ao controlar sua extensão no jogo. FIGURA 4: The Wolf Among Us

Fonte: http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/s/wolf-among-us.html

Devido a formula de narrativa seriada ter funcionado dentro do mercado de jogos, a Telltallegames resolveu investir em outra franquia das HQs, para um novo titulo, o jogo The Wolf Among Us (Figura 4), é baseado nas historias em quadrinhos Fabulas da DC Vestigo. No jogo o interator controla Bigby, o lobo mal. O jogo segue basicamente o mesmo conceito estético e narrativo de The Walking Dead, dividido em episódios que apresentando ganchos narrativos ao final de cada episódio e com a estética já mencionada do cell shading. O jogo segue uma narrativa noir, Bigby é um detetive que investiga o assassinato de algumas fabulas que vivem no mundo real, a imersão e o agenciamento estão representados nas investigações que o personagem deve fazer, analisando provas e evidencias que comprovam a veracidade dos relatos dos NPCs.

Conclusão

Devido ao grande sucesso que as series televisivas estão tendo na atualidade, o formato de narrativa seriada foi expandido para outros formatos de entretenimento como é caso dos jogos eletrônicos sendo que a desenvolvedora Tellatalegames está sendo pioneira na implementação desse novo formato de jogo. O modelo de venda também corroborou para o surgimento desse novo tipo de narrativa interativa, graças à possibilidade de lançar jogos como capítulos, com uma periodicidade planejada, criando ganchos narrativos ao fim de cada capitulo, criando uma narrativa completa ao fim de cada temporada. Cada jogo lançado no formato digital possui um preço menor, sendo que ao fim dos cinco capítulos, tomado como padrão pela desenvolvedora, tanto o preço quanto o tempo gasto nos jogos se equiparam aos jogos tradicionais ao fim dos cinco capítulos. A narrativa seriada, dessa forma, tornou-se uma ferramenta interessante para o desenvolvimento de jogos eletrônicos, não relegando tal formato apenas para a televisão, mas sim adaptando esse formato de storytelling para essa mídia que tem na sua interação a chave para o desenvolvimento da narrativa.

Referências

ECO, U. “A inovação no seriado”. In: Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008. HENRY, Jenkins. Game Design as Narrative Architecture In First Person: New media as story, perfomance, and game/ edite by Noah Wardrip and Pat Harrigan. The MIT Press, 2004. JOHNSON, S. Tudo o que é ruim é bom para você: como os games e a TV nos deixam mais inteligentes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012. MITTELL, J. Narrative Complexity in Contemporary American Television. In: Velvet Light Trap, Texas, n. 58, p. 29-40, 2006. MACHADO, A. A Televisão levada à séri”. Senac, 2000. MURRAY, J. H. Hamlet no Holodeck: O futuro da Narrativa no Ciberespaço. Itaú Cultural, Editora UNESP, 2001. SATO, A. K. Do mundo real ao mundo ficcional: A imersão no jogo. In: SANTAELLA, Lucia/ FEITOZA, Mirna (org). Mapa do Jogo. São Paulo: Cenage Learning, 2009. HENRY, J. Game Design as Narrative Architecture. First Person: New media as story, perfomance, and game/ edite by Noah Wardrip and Pat Harrigan. The MIT Press, 2004. PALOMINO, P. T. A narrativa seriada em jogos eletrônicos. O Caso Asura’s Wrath, jogo ou animação interativa?. SBGames, 2013.

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