A inovação nos media: desafios do serviço público em Portugal na era digital

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A inovação nos media: desafios do serviço público em Portugal na era digital

Política e Regulação dos Media

MCCTI ISCTE-IUL

Raquel Santos Silva Nº 64131

Junho 2014

Índice   Introdução  

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RTP:  serviço  público  pioneiro  na  inovação  

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O  futuro  do  serviço  público  em  Portugal  na  era  digital  

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Tendências  e  expectativas  em  relação  ao  serviço  público   Um  futuro  para  a  RTP  em  10  pontos  

Conclusão  

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Bibliografia  

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A  inovação  nos  media:  desafios  do  serviço  público     em  Portugal  na  era  digital   Raquel  Santos  Silva  

Introdução   A principal questão não é se precisamos ou não de meios de comunicação públicos, mas antes como o serviço público de media se pode adaptar a um mundo em mudança e a um novo cenário mediático. (Nissen, 2006, p.18)

O serviço público de rádio e televisão nasce, em Portugal, no contexto ditatorial do Estado Novo, quando o regime vê nestes – à época – “novos” media eficientes veículos de propaganda. Desde essa altura que a RTP se tem vindo a adaptar à evolução tecnológica: as emissões a cores, a diversificação de conteúdos, a aposta na informação, o surgimento de um segundo canal público (a RTP 2) e, nos anos 90, os primeiros canais privados a concorrer no mercado. Mesmo que não estivesse legislada, a necessidadede de inovação e adaptação é intrínseca aos próprios media, em particular aos de serviço público. Está, contudo, na legislação sobre a comunicação social, como um dos princípios clássicos do serviço público: uma “obrigação de inovar”, um princípio da “inovação, também chamado da adaptação ou da mutabilidade” (Carvalho, Cardoso e Figueiredo, 2005, p.196). Para além da capacidade de utilizar “as novas técnicas e os mais modernos equipamentos”, esta inovação expressa-se igualmente na programação, “obrigada a acompanhar essa evolução” (idem), da tecnologia e das preferências da audiência. Ainda mais relevante é a obrigação “do serviço público liderar e fomentar essa inovação” (idem), também defendida pela European Broadcasting Union (EBU): Queremos enriquecer o ambiente mediático dos países e regiões em que trabalhamos. Lutamos para ser uma força propulsora de inovação e criatividade. Ambicionamos novos formatos, novas tecnologias, novos modos de conectividade com as nossas audiências. Queremos atrair, reter e treinar os nossos funcionários para que estes possam participar e dar forma ao futuro digital, servindo o nosso público. (2012, p.5)

A inovação é um princípio particularmente em voga num mundo em constante evolução, como enuncia Nissen no relatório do Conselho Europeu. A mudança tecnológica tem acompanhado o desenvolvimento das empresas de serviço público e tem “remodelado o ambiente mediático ao longo dos últimos 20 anos ou mais, expandido vastamente a escolha do cidadão/consumidor e, é seguro dizê-lo, o bemestar do consumidor” (Levy, 2013, p.42). Como refere a publicação do Center for Social Media, “depois veio a Internet, seguida pelas redes sociais. Depois de uma

 

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década de rápida inovação – primeiro as páginas Web, depois os sites Flash interactivos; primeiro os blogs, depois o Twitter; primeiro os podcasts, depois os iPhones; primeiro os DVDs, depois o BitTorrent” (2009, p.5). Neste contexto, a adaptação é necessária para a sobrevivência do serviço público: pela obrigação de dar resposta às novas necessidades e possibilidades tecnológicas e, ao mesmo tempo, para corresponder de forma mais precisa às necessidades e expectativas de uma audiência também ela em mudança. Captar novos públicos e as gerações mais novas é, nos dias que correm, arriscar e tornarse mais presente na sociedade da informação, em lugar dos media tradicionais. É, como afirma também o Comité de Ministros do Conselho Europeu (2007), garantir o cumprimento do papel do serviço público em todas as suas obrigações, funções, valores e plataformas. É ainda ousar inovar e, “com essas mudanças, alargar os horizontes das pessoas e criar novos formatos radiofónicos ou televisivos” (Carvalho, Cardoso e Figueiredo, 2005, p.196) – e outros também, a acrescentar a tudo isto. Porque a tecnologia e a sociedade não são esferas separadas, antes influenciam-se e constituem-se mutuamente (MacKenzie e Wajcman citados por Bardoel e Lowe, 2007, p.13), esta evolução levanta diversas questões sobre a natureza do próprio serviço público. A sua razão de ser nunca foi, no entanto, posta em causa, segundo Nissen (2006): as preocupações com o que os consumidores querem ver (preocupação de mercado) e o que os cidadãos devem ver (preocupação democrática) (Weeds, 2013) mantêm-se. O que precisa de ser considerado é a emergência e o impacto destas novas tecnologias digitais, na forma como já está a transformar e como poderá vir a revolucionar o negócio dos media nas próximas décadas. É neste sentido que surge este trabalho. O objectivo é explorar melhor o papel do serviço público neste contexto de mudança digital, os desafios que lhe são colocados, as expectativas dos cidadãos em relação às novas possibilidades técnicas das novas tecnologias e as tendências de futuro para a RTP e para o serviço público em geral. A convergência dos media e a sustentabilidade do serviço público na era digital, que deve manter-se forte num ambiente de mudança tecnológica constante (Wurff, 2007, p.107), são o ponto de partida para esta reflexão.

RTP:  serviço  público  pioneiro  na  inovação   A RTP tem procurado adaptar-se aos novos tempos, através da expansão para novos canais temáticos e a extensão a novos públicos. São mais de 10 os canais de televisão que a RTP tem actualmente, da RTP Memória à RTP Mobile, para telemóveis, passando pela RTP Informação, a RTP HD, que emite alguns programas em alta definição, e ainda as RTP África, Internacional, Madeira e Açores. Numa era em que o espectador selecciona cada vez mais o que quer ouvir, ver, ler, a RTP tem também estado na vanguarda da adaptação a novas

 

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plataformas e tecnologias, assumindo-se mesmo como “a empresa de media mais inovadora em Portugal” no site da aplicação 5i. Há mais de 15 anos que a RTP tem um website activo, tendo participado nos “primeiros testes da TV-Interativa no nosso país” (idem). Tornou-se desde logo interactiva no uso do Teletexto e das mensagens escritas em diversos programas. Segundo o mesmo site, criou também a primeira aplicação de televisão para Android e para Windows 8 e o primeiro programa multi-plataforma, o ‘5 para a MeiaNoite’, há quase cinco anos no ar. No que diz respeito às redes sociais, foi pioneira no envolvimento do público através de uma maior interacção nestas plataformas e está presente nas principais redes. O rol de concretizações estende-se ao RTP Play e a esta primeira aplicação second-screen em Portugal, a 5i, que actualmente existe, para além de para o ‘5 para a Meia-Noite’, para o programa ‘The Voice Portugal’, promovendo a participação dos espectadores através dos seus smartphones. É possivelmente o feito mais tecnológico da estação pública, que para Francisco Rui Cádima “é hoje uma empresa que acabou por criar um alargado consenso na sociedade portuguesa”, dado que “os portugueses não têm dúvidas de que é necessário manter um serviço público de televisão” (n.d.). Contudo, aponta algumas falhas à RTP, por se limitar a imitar a oferta dos operadores comerciais e adoptar uma perspectiva de mercado, fugindo, na sua opinião, ao que está estipulado no Contrato de Concessão. Certo é que, também no Contrato de Concessão actualmente em voga, está determinado que “a Televisão de Serviço Público deve ser um espaço de inovação e descoberta voltado para o futuro, seja em termos de programação seja em termos tecnológicos” (p.4). A RTP tem concretizado, em parte, este desafio maior, podendo contudo tornar esta adaptação uma verdadeira apropriação dos novos media para a expansão do seu papel de serviço público, como veremos mais à frente. Debrett refere esta necessidade de os operadores de serviço público serem inovadores e pioneiros na criação de “novos modelos de distribuição, arriscando com conteúdos interactivos” (2010, p.185). É o que procuraremos exploras nas páginas seguintes.

O  futuro  do  serviço  público  em  Portugal  na  era  digital   Tendências  e  expectativas  em  relação  ao  serviço  público   O que se pretende, afinal, do serviço público na era digital? Quais os principais desafios que os operadores enfrentam, as dificuldades e as oportunidades desta inovação? A afirmação é dura e adequa-se na perfeição ao que aqui queremos mostrar: “com o crescente número de consumidores a migrar para os novos media para obter entretenimento e informação, os operadores de serviço público têm de seguir estas tendências, ou serão simplesmente deixados para trás” (Weeds, 2013, p.17). A era digital não permite percalços; podemos não saber o que o futuro nos reserva, mas sabemos que dificilmente se voltará atrás no que diz respeito aos

 

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media; dificilmente voltaremos a meios tradicionais nos quais o espectador tinha um papel passivo e onde nos limitávamos a uma só plataforma. A mudança é “dramática” no panorama mediático, como escreve Nissen (2006). As empresas de media procuram adaptar-se à nova realidade, como o The New York Times avalia a sua performance em termos tecnológicos e conclui que ainda está muito longe do ideal de ‘digitalização’1. Os investigadores sobre os media procuram respostas em novas teorias, que colmatem as falhas que as tradicionais englobam, por não se poderem adaptar directamente a novos dispositivos. Os organismos oficiais, nacionais e internacionais, como os órgãos da União Europeia ou a EBU, procuram também compreender as tendências e criar novas formas de acção na atmosfera mediática em que vivemos. Contudo, as mudanças ocorrem tão rapidamente que se torna difícil estudá-las e criar soluções para o que vai acontecer amanhã. Para além das dificuldades de financiamento que o investimento em novas tecnologias e plataformas pode trazer, os governos nacionais temem o risco que estas experiências podem carregar. Daí que o Comité de Ministros do Conselho Europeu (2007) apele às instâncias de financiamento que apoiem os operadores de serviço público a fazer a transição para o digital para “cumprir o seu papel de promover a coesão ao nível local, regional, nacional e internacional e promover um sentido de co-responsabilidade do público para o alcance deste objectivo”. Isto porque, como afirma Debrett, “enquanto as tecnologias mediáticas digitais trazem novos desafios, também abrem novas oportunidades para cumprir a missão do serviço público” (2010, p.15). O digital traz novos significados para a ideia de serviço público (Nissen, 2006): na sua relação com a audiência, que é a chave da mundança (Jakubowicz, 2007); na digitalização de todos os media, que se tornam obrigatoriamente electrónicos e multimédia (Bardoel e Lowe, 2007); no comportamento do consumidor, mais interactivo e participante (Nissen, 2006); no alcance de novos e mais diversificados públicos, através da presença em novas plataformas e da criação de novos conteúdos (Center for Social Media). As possibilidades são infinitas e os operadores de serviço público têm, na inovação, a oportunidade de ter um papel pioneiro e decisivo no uso destas novas tecnologias. Mais do que uma oportunidade: um dever. O Center for Social Media é peremptório nesta afirmação: as instituições de serviço público podem “elevar-se e agir em discussões internas sobre como desenvolver plataformas digitais para colaboração, envolvimento e inovação futura” e “construir ou apoiar um corpo nacional coordenador que apoiará o conteúdo e a interacção digitais” (CSM, 2009, p.32). Os princípios do serviço público mantêm-se. Mas fazer cumprir a sua missão, num mundo mediático que altera fortemente o mercado e permite a selecção constante de conteúdos consoante os interesses dos consumidores, é uma função diferente e difícil para os operadores. A convergência é necessária, a adaptação constante é obrigatória, como já tivemos oportunidade de ver. É um novo capítulo

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“The leaked New York Times innovation report is one of the key documents of this media age” (2014, 15 de Maio), Joshua Benton, Nieman Journalism Lab.

 

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para o serviço público, marcado pela necessidade de “uma verdadeira parceria” com o(s) público(s) (Jakubowicz, 2007, p.44).

Um  futuro  para  a  RTP  em  10  pontos   Sempre atenta à inovação, a RTP é um bom exemplo de evolução no serviço público de rádio e televisão ao nível europeu. Contudo, o que tem sido feito não chega. Este ponto procura explorar o que o serviço público – e a RTP, em particular – pode fazer para se adaptar melhor a esta evolução tecnológica, às suas tendências, aos seus desafios e às possibilidades que oferece.

1. Interactividade 10. Mudança da estrutura

9. Novas possibilidades de serviço público

8. Serviço Público de Media

2. Personalização

3. Pioneirismo e risco

10 ideias para o futuro

7. Ideia de Espaço Público

4. Novos conteúdos e serviços

5. Novos públicos 6. Qualidade dos conteúdos

1. Apostar  na  interactividade     Se há algo que se altera brutalmente com o surgimento das novas tecnologias é a posição do indivíduo perante os media. O modelo de comunicação deixa de ser linear e unidireccional para passar a ter milhões de possibilidades, “ponto a ponto” (Nissen, 2006, p.9) – tantas quantos os próprios indivíduos. Mais do que leitores, ouvintes, espectadores ou consumidores de media, somos hoje utilizadores; de uma audiência passiva passamos a indivíduos interactivos (idem) e participantes nos próprios media.

 

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É uma nova liberdade de escolha para os indivíduos, escreve também Nissen, que têm um papel activo e podem seleccionar o que querem em termos de informação ou entretenimento – e quando o querem ler/ouvir/ver. O papel da televisão como ‘gatekeeper’ é ultrapassado, de certa forma, nesta procura individual de satisfação nos novos media. Vivemos hoje numa “sociedade da interacção”, em lugar da transmissão (Bardoel e Lowe, 2007), em que a base do desenvolvimento são os próprios utilizadores (Carvalho, Cardoso e Figueiredo, 2005). O desafio para os media, em particular os de serviço público, é por isso abraçar esta evidência e apostar fortemente em conteúdos, programas e plataformas que promovam a interacção com os utilizadores (Center for Social Media, 2009). O segredo é, diz Debrett, desenvolver novos tipos de relações com as audiências (aqui definidas como tal num sentido mais lato) e a renovação destas audiências tendo em conta a crítica questão da “geração criada na era dos media interactivos, rejeitando os hábitos de consumo dos pais” (2010, p.28). “O canal é obrigado a interagir com os utilizadores”, escrevem Bardoel e Lowe (2007, p.17), já que estes constituem “uma audiência que quer comunicar” (Jakubowicz, 2007, p.43), que em lugar de esperar passivamente por conteúdos procura activamente os media e cria a sua perspectiva sobre a realidade através de diversas plataformas interactivas (CSM, 2009). As redes sociais são já uma forma privilegiada de relacionamento com os utilizadores, permitindo o seu feedback e a sua participação directa nos conteúdos, bem como a introdução de aplicações para smartphones como já vimos. Por tudo isto, a integração desta noção essencial da era digital é fundamental para a RTP: permitir ao máximo a participação do público, apontando para um segmento mais jovem e procurando adaptar os outros segmentos a esta inovação.

2. Adaptar-­‐se  à  personalização  das  novas  tecnologias     O indivíduo moveu-se, como acabámos de observar, de uma massa anónima para “o centro do quadro mediático” (CSM, 2009, p.5). É um quadro fortemente marcado pelo individualismo e, a par dele, de uma enorme personalização de todo o processo: na busca de conteúdos por parte dos utilizadores, na sua própria relação preferencial com os meios tradicionais através das novas tecnologias. É um uso “on-demand”, através do qual escolhemos, pagamos e consumimos o que queremos consumir. A personalização desenvolve-se sobretudo em duas vertentes, enunciadas pela publicação do Center for Social Media por entre outros “Cs” característicos da era digital: as possibilidades de curadoria e criação por parte dos utilizadores (2009). As redes sociais são, uma vez mais, o expoente máximo desta digitalização do quotidiano, que se expressa a apresentação dos indivíduos, mas sobretudo no uso individual que estes fazem da internet e dos novos media. Usamos então as tecnologias digitais para “agregar, partilhar, pontuar, categorizar, repostar, justapor e criticar conteúdos” (idem), numa perspectiva muito pessoal, através de blogues e redes sociais como o Twitter ou o Facebook. Da

 

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mesma forma, procuramos criar conteúdos multimédia e fazêmo-lo muito facilmente, sejam áudios, fotografias, vídeos, textos ou remisturas de conteúdos existentes. O que estas características têm em comum é a possibilidade de passar por entre os conteúdos dos mass media e encontrar um espaço particular para que o indivíduo tenha voz nas novas plataformas, exactamente por permitirem uma maior participação e interacção, promovendo a partilha de ideias e conteúdos e a aproximação dos utilizadores entre si e com as marcas/empresas. Outra vertente que importa aqui relevar é o impacto que a personalização pode ter nos media e, no que nos interessa, nos operadores de serviço público: é essencial uma abertura a esta ideia de personalização, permitindo aos utilizadores costumizar as suas acções nas plataformas mediáticas. O que o Times pretende fazer, no sentido de aproximar os utilizadores através de recomendações de leitura baseadas nas suas preferências (relatório do NYT), é um bom exemplo desta necessidade de adaptação à centralidade do indivíduo no universo dos media.

3. Ser  pioneiro  e  arriscar  na  evolução  tecnológica     Se a evolução tecnológica é constante, os operadores de serviço público têm de estar sempre na vanguarda, atentos às novas tendências e prontos para as adaptar. Di-lo o direito da comunicação social – “compete a este uma atitude liderante na inovação e no experimentalismo, inseparáveis do conceito de serviço público” (Carvalho, Cardoso e Figueiredo, 2005, p.196) – e também a EBU – “Estamos a desenvolver novas formas de servir o nosso público, em qualquer altura ou lugar, nas novas e emergentes plataformas e nas existentes” (p.3). Para a criação de um serviço público ambicioso, personalizado, é preciso “estar disponível online e ondemand através dos computadores pessoais e outras plataformas digitais (Meijer, 2007, p.184); ou seja, em todos os espaços existentes, e ser o primeiro a fazê-lo, antes mesmo dos operadores comerciais. A obrigação de pioneirismo acarreta também uma necessidade intrínseca de arriscar, experimentar antes de outros o fazerem. Esta consequência pode entrar, ao mesmo tempo, em conflito com alguns limites do serviço público, ao nível da programação de qualidade, da busca de audiência ou mesmo do financiamento. O mesmo acontece na experiência do NY Times, que tem sentido dificuldades em consolidar a inovação e as experiências em toda a empresa. No entanto, como refere Leurdijk (2007), o risco na internet não é assim tão grande – há sempre público para o que se produz e o investimento é suportável, o que facilita de certa forma a experiência. É o que o Times pretende também fazer, procurando novas formas de chegar aos redactores através de testes na apresentação do conteúdo. Arriscar em algo novo e desconhecido pode ser a base do sucesso – e a RTP tem este papel, de ditar as novas regras do jogo e descobrir novas relações com parceiros, concorrentes e audiências no digital.

4. Oferecer  novos  conteúdos  e  serviços  

 

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  É simultaneamente uma oportunidade, dadas as novas possibilidades do meio, e um desafio, por fazer parte deste conjunto de obrigações dos media na era digital. Não é só preciso estar em todas plataformas, como é também essencial oferecer novos conteúdos nessas mesmas plataformas (Levy, 2013, p.36) – preferencialmente adaptados à nova realidade ou criados especialmente para o efeito. Têm de ser, por isso, diferentes dos habitualmente oferecidos, aproveitando as novas possibilidades de personalização e interacção já referidas, ou então, no mínimo, uma remodelação de conteúdos antigos, ‘embrulhados’ em novos formatos e novas apresentações, complementares ao que já tinha sido oferecido ao público. Esta necessidade decorre sobretudo de um crescimento da exigência do público e de uma expectativa justificável em relação às próprias potencialidades dos novos meios, que os media devem saber explorar. Para além disso, com meios mais interactivos e que chegam a mais pessoas, cresce o público e as suas necessidades específicas em relação aos media. E os operadores públicos têm de ser, mais uma vez, os que se chegam à frente na oferta de novos conteúdos e serviços inovadores.

5. Chegar  a  novos  públicos  e  difundir  as  suas  preocupações     A fragmentação da audiência de massa, com os novos media, traz um outro desafio: o serviço público deve adaptar-se para chegar e satisfazer um público maior e mais complexo (Bardoel e Lowe, 2007). Para chegar a mais públicos e mais diversificados é necessário produzir novos géneros e novos formatos para atingir grupos sociais e culturais específicos (Wurff, 2007), dando resposta à pluralidade que é também um dos princípios-base do serviço público. As possibilidades são imensas no que diz respeito à aproximação às comunidades. Com a selecção dos conteúdos, crescem os produtos de nicho (Debrett, 2010), as relações entre o online o offline e, consequentemente, os próprios públicos utilizadores de media. Bardoel e Lowe defendem que esta é a oportunidade do serviço público se mostrar como distintivo, diferente da competição dos canais privados (2007), dando voz às preocupações dos diversos grupos, até mesmo para legitimar a própria aposta e o investimento no digital por parte do serviço público (Leurdijk, 2007, p.80). Em suma, as plataformas de serviço público devem ser “poços profundos de informação credível e histórias poderosas, para trazer perspectivas contestadas a um dialogo construtivo, para oferecer acesso e espaço a vozes minoritárias, e construir comunidades online e offline” (Center for Social Media, 2009, p.29).

6. Privilegiar  a  qualidade  dos  conteúdos     Para lá de todas as experiências e riscos, a qualidade é um dos valores que o serviço público não pode deixar de privilegiar. O Comité de Ministros explica esta

 

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necessidade de garantir a credibilidade e a excelência do serviço público no seu papel independente e imparcial como fonte de informação, opinião e comentário, em conteúdos que garantam “altos níveis de ética e qualidade”. A qualidade é aqui interpretada em dois sentidos: valores de produção não comerciais e “programação factual e narrativa através de vários géneros de cultura alta e popular” (Debrett, 2010, p.16). Com a proliferação dos novos media e a possibilidade de cada um participar, à sua maneira, com conteúdos e formatos novos, a moderação dos conteúdos produzidos nem sempre é possível (Leurdijk, 2007) mas deve ser procurada ao máximo, na sua relação com a diversidade (Weeds, 2013, p.15). Isto é particularmente válido para os operadores de serviço público, que não podem existir apenas com base nas oscilações do mercado – têm obrigações específicas a cumprir e a qualidade dos conteúdos e serviços é uma delas.

7. Ser  um  espaço  público  para  o  debate  democrático  de  ideias     É uma das funções dos media desde que a imprensa surgiu e se assumiu como um meio livre, espelho do debate de ideias, da criação de novos pontos de vista e impulsionadora da discussão de questões políticas – é a “esfera pública” de Habermas, pelo menos enquanto ideal democrático nas sociedades modernas. Entre todos os media, os de serviço público são sem dúvida os mais bem posicionados para garantir esta função e, por isso, são também, e mais uma vez, os responsáveis pela procura deste ideal, como um “fórum para a discussão pública e um meio de promover uma maior participação democrática dos invidíduos” (segundo a recomendação do Comité de Ministros, 2007). Bardoel e Lowe (2007) afirmam a necessidade de o serviço público provar que ainda é preciso, dado que a participação dos indivíduos numa sociedade ‘digital’ depende, em larga medida, de um sector mediático activo e vibrante (Belet, 2010, p.4). A fragmentação da audiência, mais uma vez, numa imensidão de diferentes públicos, é uma das oportunidades para o serviço público lhes oferecer “um maior envolvimento on processo democrático” e mostra as potencialidades das novas tecnologias para os operadors de serviço público manterem este seu princípio e poderem potenciar a sua concretização: Os media de serviço público devem cumprir um papel vital a educar cidadãos activos e responsáveis, oferecendo não apenas conteúdos de qualidade mas também um fórum para o debate público, aberto a diversas ideias e convicções na sociedade, e uma plataforma para a disseminação de valores democráticos. (Comité de Ministros do Conselho Europeu, 2007)

8. Perder o B (broadcasting) e tornar-se um Serviço Público de M(edia) Através desta análise das tendências da era digital e do papel do serviço público nesta mudança permanente, temos vindo a aperceber-nos de uma alteração

 

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estrutural nos antigamente chamados operadores de serviço público de rádio e televisão: já não são só de rádio e televisão, nem são apenas transmissores, difusores de conteúdos; são, sim, operadores de serviço público de media, de várias plataformas e públicos ao mesmo tempo. “SPM [Serviço Público de Media] (...) inclui rádio e televisão mas também indica a tradição para meios não lineares”, afirma Wurff (2007, p.105). O que isto significa, em termos de denominação, é a perda do “B” de “broadcasting” e a passagem para uma designação mais abrangente e adequada à nova realidade, de “media”. Em termos práticos, o serviço público é hoje multimédia, multiplataforma. Os próprios media tradicionais não poderiam sobreviver “sem a expansão para novas plataformas (serviços de SMS, páginas na internet, aplicações para smatphones, etc.)” (Belet, 2010, p.4). Por isso estes estão a posicionar-se como “credíveis produtores e agregadores de notícias multimédia” (Center for Social Media, 2009, p.11) e a apostar cada vez mais na internet, nos dispositivos móveis, reinventandose como “conteúdo de media multiplataforma” (Debrett, 2010, p. 201). A diversificação das plataformas e das actividades do meio, bem como dos conteúdos oferecidos na era digital, é um reflexo do que já temos vindo a defender até aqui: “as empresas públicas de media reivindicam o direito e a obrigação de serem jogadores em todos os campos de actividade e em todas as plataformas electrónicas de media, seguindo a audiência no seu uso ainda mais vasto das novas tecnologias da informação” (Nissen, 2006, p.27). 9. Cumprir as suas funções de serviço público através de novas possibilidades Os media 2.0. públicos podem parecer e funcionar de forma diferente, mas partilharão os mesmos objectivos que os projectos que lhes precederam: educar, informar e mobilizar os seus utilizadores. Multiplataforma, participativos e digitais (...), serão uma característica essencial da vida pública verdadeiramente democrática, daqui em diante. E serão meios simultaneamente feitos para e pelo público. (CSM, 2009)

Já o dissemos também: o serviço público não é colocado em causa, antes deve ver novas possibilidades para o cumprimento das suas funções na era digital. Os princípios-base continuam a validar as instituições de serviço público como as mais bem posicionadas para oferecer informação independente (Debrett, 2010) e cumprir as funções enunciadas por John Reith, primeiro Director-Geral da BBC, no início da tradição de serviço público: informar, educar, e entreter. Hoje, segundo Debrett, podemos também acrescentar a estas a função a de “ligar” as pessoas (2010, p.194) e muitas outras, mais específicas, que se poderiam enunciar. O que importa reter é a extensão dos novos media, a forma como podem oferecer conteúdos mais especializados, para públicos mais específicos, e estabelecer novas relações com a audiência que, antes, não tinham possibilidade de ser estabelecidas. As possibilidades são, uma vez mais, imensas.

 

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10. Alterar a própria estrutura do serviço público O que tudo isto tem vindo a evidenciar é uma necessidade de adaptação que vai para lá de uma simples integração de novas práticas consoante as possibilidades do digital: tem de se alterar a própria estrutura, o próprio negócio dos media; é preciso estes apropriarem-se das mudanças que estão a acontecer, liderarem a inovação e criarem formas de actuação totalmente novas. “Os hábitos de media em mudança constante transformaram tudo, da venda de livros à política” (CSM, 2009, p.6). “Novos negócios estão a surgir, com base na participação dos utilizadores” (idem) e na ideia de que “a distribuição de conteúdo audiovisual online” tem de ser “revolucionada” (Debrett, 2010, p.25). Tudo se altera: o conteúdo parece adquirir vida própria (CSM, 2009), independentemente das plataformas em que é apresentado. São necessários novos modelos de negócio, novas abordagens, novos conteúdos, plataformas, novas relações com a audiência. Neste sentido, a RTP e os operadores de serviço público devem ser, segundo o CSM, abertos, interactivos, acessíveis e igualitários (2009, p.29), para demonstrarem “diariamente a vitalidade e a importância dos media públicos 2.0 (idem, p.32). Devem reinventar-se, para Debrett, para a era digital (2010), enquanto instituições de media, distinguindo-se dos outros operadores, oferecendo conteúdos diferenciados e para todos os públicos, e estando disponíveis em todas as plataformas possíveis (Nissen, 2006).

Conclusão   O ambiente digital aberto salvaguarda a promessa de um novo quadro para criar e apoiar os media públicos – um que priorize a criação de públicos, indo além da representação, para a participação directa. (CSM, 2009, p.11)

O papel central do serviço público na sociedade evidencia a sua inegável necessidade de inovação e acompanhamento da evolução tecnológica. O seu dever é “aproveitar as oportunidades oferecidas pela digitalização e a diversificação das plataformas de distribuição (...) para benefício da sociedade” (documento da Comissão Europeia, citado por Belet, 2010, p.8), tornando a sua “dimensão pública mais explícita e transparente por um lado, e a sua dimensão de serviço mais eficaz por outro” (Bardoel e Lowe, 2007, p.22). De modo a cumprir as suas obrigações, enfrenta agora novas dificuldades, mas também novas oportunidades – e novos instrumentos – para levar a cabo a sua missão (Lukács, 2007, p.207). Para que tal aconteça é necessária a percepção da mudança e desta necessidade de reestruturação da oferta e da distribuição, bem como esta mesma percepção por parte dos governos de cada país, que devem permitir aos operadores de serviço público oferecer os seus serviços “em todas as plataformas” (Belet, 2010, p.5) e assumir o papel de liderança que lhes está destinado na

 

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revolução digital. Cádima (n.d.) escreve-o em relação à RTP e escrevemo-lo aqui, também, tendo-a em vista, mas aplica-se a qualquer instituição de serviço público existente: “o serviço público de televisão tem um campo vastíssimo de afirmação da sua diferenciação face aos operadores privados” e deve encontrar esse ponto, essa diferença, e aproveitá-la para se tornar ainda mais proeminente. As gerações mais novas, por serem já um público interessado e necessariamente tido em consideração pelo serviço público, e igualmente por constituírem o futuro, devem orientar esta mudança através dos seus hábitos de consumo de media e das práticas sociais que assumem na sua relação com eles. Na senda da personalização e da interacção, características peculiares dos novos media, o envolvimento destas e de outras gerações numa lógica muito mais participativa do que alguma vez o foi antes deve ser privilegiado, exactamente por, como já referimos, ser difícil um retrocesso neste sentido. Como escreve o CSM, “a conectividade, a participação e a criação mediática digital só irão aumentar” e “os media públicos 2.0 vão evoluir através do panorama dos social media” (2009, p.20). A regulação sobre os media existe, neste caso particular da inovação, também para impor metas ao serviço público na sua função perante os cidadãos – e no caso da tecnologia temos não só um interesse do público em observar na RTP uma evolução, como igualmente um interesse público em evoluir para servir melhor a população. Por tudo isto, o futuro é a aposta cada vez maior e mais decisiva num serviço público de media, integrado, multiplataforma, de convergência, criação e inovação, e é este o desafio que os operadores têm de ter em conta. Porque, como afirma Lukács, “com o tempo, a internet não vai girar em torno da imprensa, da rádio e da televisão no universo mediático, antes é mais provável que a imprensa, a rádio e a televisão convirjam num universo mais centrado na Internet” (2007, p.207).

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