A Inquisição

June 1, 2017 | Autor: Iara Paiva | Categoria: Religion, Inquisition
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A Inquisição Iara C. Paiva É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda, que é o meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda a justiça ser condenados à morte (Santo Tomás de Aquino- Summa Theologiae, II-II, q. 11, art. 3)

Iniciada no século XIII e vigorando até o século XIX, a Inquisição continua sendo um dos temas mais polêmicos da história da humanidade. Quando o assunto é Inquisição, muitas versões diferentes se apresentam. Tentar extrair a verdade, em meio a tantas versões, não é tarefa fácil. Muitos documentos históricos foram perdidos, vários encontram-se com acesso restrito e nem todo material disponível foi colocado ao alcance dos historiadores pelo Vaticano. Durante muitos anos as versões sobre a inquisição foram tendenciosas, ora procurando amenizar os feitos cruéis da Igreja Católica, ora tentando se utilizar dos fatos para condenar a instituição católica como um todo. Em 1998, João Paulo II autorizou a abertura de parte dos arquivos secretos da Congregatio pro Doctrina Fide, onde se encontra a maior base documental de fonte primária sobre a Inquisição. O estudo desses documentos é uma tentativa de reescrever a verdadeira história, porém, os verdadeiros números e a real magnitude dos fatos nunca serão plenamente conhecidos.O objeto do nosso estudo é a Inquisição Católica Romana, porém, é importante frisar que a Inquisição não foi o único caso de intolerância e perseguição movida em nome de Deus. Embora não houvesse a institucionalização de tribunais similares aos do Santo Ofício, também foram usadas estratégias de controle da fé nos locais em que o protestantismo era dominante, levando à perseguição por crimes como adultério, discordância dos dogmas protestantes e bruxaria. Na Alemanha, o líder protestante Martinho Lutero (1483-1546) exigiu perseguições aos anabatistas, grupo cristão mais radical da Reforma, porque, entre outras questões, eles divergiam sobre o batismo. A decisão causou a expulsão, o encarceramento, a tortura e a execução de centenas de pessoas. Os muçulmanos têm um histórico de perseguições, guerras e imposição de conversão sob ameaça de morte. Até mesmo os ateus, em países como a China, durante a revolução comunista, proibiram qualquer manifestação religiosa, torturando e levando à morte quem se opusesse. Na realidade, mesmo no

âmbito da Igreja Católica, não se pode falar em Inquisição como instituição única e homogênea. Várias foram as inquisições ao longo dos anos, com mecanismos e motivações variadas e em tempos diferentes, que serão melhor detalhadas ao longo do texto. A palavra inquisição tem sua origem latina em inquisitio, proveniente do verbo inquirire, com o sentido de inquirir, ou seja, perguntar, pesquisar, indagar. A partir da Idade Média, passaria a denominar a instituição eclesiástica encarregada de investigar as heresias. Esta, ao longo do tempo, se tornaria mais organizada na forma do Tribunal do Santo Ofício, sendo convertida, nos dias atuais, para a Congregação para a doutrina da fé. Para entender a Inquisição é mister compreender que a Igreja acreditava estar investida de uma missão divina. Que Jesus Cristo veio ao mundo para revelar a verdade e o caminho. Fundou a Igreja, designou o primeiro pontífice e determinou aos apóstolos que divulgassem a Boa-Nova por todos os povos. A Igreja tomava para si o dever de transmitir a todos os homens a mensagem de Cristo, para que pudessem salvar suas almas. O discurso da Igreja relacionava os males sofridos pelas populações - guerras, pestes, miséria - à repreensão divina. O pecado atraía a fúria de Deus, que castigava os povos pelos erros cometidos. Lutar contra os agentes do mal significava defender a sociedade. Como advertiu em 1302 o papa Bonifácio VIII, na bula Unam Sanctan, “a todo ser humano é absolutamente necessário para a salvação estar sujeito ao pontífice romano”. Opor-se à Igreja era opor-se a Cristo e consequentemente a Deus. Imbuída desta missão, a Igreja foi se consolidando e a busca da ortodoxia acabou por condenar doutrinas que aos poucos foram sendo consideradas heréticas. As raízes da inquisição são bem anteriores à Idade Média. Desde a época em que o imperador Constantino se converteu, a situação dos hereges começou a mudar. Com Teodósio I, o Cristianismo passou a ser a única religião permitida no Império Romano e o poder temporal passou a ser vinculado ao poder religioso. Não havia mais distinção entre a Igreja e o governo civil. A heresia passou então a ser crime e todo atentado contra a religião oficial e contra Deus passou a ser considerado delito de lesa majestade, punível com a pena de morte. A história do Direito Canônico iniciou-se no século II (a palavra grega kanon significa regra). Por volta de 1140 ocorreu a sua primeira consolidação, por decreto de Graciano; e esta, mais os acréscimos posteriores, veio a formar, no final do século XV, o chamado Corpus Iuris Canonici. Composto, entre outras coisas, de preceitos de natureza repressiva a ser aplicado pelos tribunais eclesiásticos. Primordialmente seu objetivo era incentivar a perfeição espiritual da sociedade cristã, estabelecendo sanções de sentido expiatório aos faltosos, buscando o seu arrependimento. Aos poucos, através da sua Justiça Criminal, passou a tutelar também os próprios interesses, ou seja, punir atos que atentassem contra a sua integridade e a

doutrina por ela professada. No processo de expansão da religião cristã, o demônio passou a ter grande importância. O destaque para os perigos do mal era uma forma da igreja atrair os adeptos para o lado de Deus, imprimindo a “pedagogia do medo”. A eterna luta entre Deus e o diabo deixava a sociedade medieval em constante alerta. Era preciso identificar a origem do mal e puni-los. Nessa perspectiva o medo e a perseguição às crenças que se afastavam da ortodoxia ganharam sentido. Com o advento dos grandes movimentos heréticos, nos séculos XII e XIII a perseguição aos hereges aumentou e se tornou mais organizada e ostensiva, apoiada pelo poder secular, que via nas heresias um perigoso movimento de agitadores sociais e possível causa de distúrbios sociais. A Inquisição, apesar de ser um tribunal eclesiástico, sempre teve a participação do poder secular, pois os assuntos religiosos eram assuntos de interesse do Estado. Alexandre III, no terceiro Concílio de Latrão (1179) daria aos bispos ordens para investigar os hereges mesmo com base em suspeitas, era a chamada Inquisição Episcopal. Uma expedição repressiva ao Sul da França foi organizada para combater os hereges, porém com fracos resultados. Em 1184, no Concílio de Verona, o papa Lúcio III e o imperador Frederico I deliberam unificar a repressão na península italiana. Variados hereges foram excomungados (cátaros, valdenses, arnaldistas, etc.) e os bispos prosseguiram com medidas punitivas, impondo aos culpados a excomunhão e os transmitindo depois às autoridades civis, para que estas acrescentassem as penas de direito comum. Foi o início das bases ideológicas e jurídicas que se firmaram depois na inquisição, de colaboração entre a Igreja e o Poder laico, com o dever imposto aos fiéis de denunciar hereges, aplicando a estes o confisco de bens e perda de direitos civis. O papa Inocêncio III, em 1199, promulgou o decreto Vergentis in Senium, ponderando: "Consoante as sanções legais, os culpados do crime de lesa-majestade são punidos com a pena capital, seus bens são confiscados e só por misericórdia a vida é deixada aos seus filhos. Com mais forte razão, aqueles que, rejeitando sua fé, ofendem Jesus Cristo, Filho de Deus, devem ser excomungados e destituídos dos seus bens, pois é mais grave ofender a majestade eterna do que a majestade temporal". Recomenda, porém, a clemência àqueles que se arrependerem. Pouco tempo depois, passou a conceder a mesma indulgência dos cruzados aos que combatessem os hereges. Em 1229, no Concílio de Toulouse, ficou estabelecido que todos os fiéis deveriam prestar juramento a cada dois anos, de renúncia a tudo o que se opunha à fé da Igreja romana. A recusa ao juramento significava heresia. Os hereges que desejassem abandonar espontaneamente seu erro deveriam trazer duas cruzes de pano colorido costuradas nas vestes e sofreriam privações até chegarem à completa reconciliação. Os que não renunciassem espontaneamente deveriam ser mantidos presos incomunicáveis e alimentados nos termos que se encontram em Isaias 30, 20:

“0 Senhor vos dará um pão apertado, e água pouca”. Receberiam visitas apenas do cônjuge e de um membro do Tribunal, que procuraria convencê-los ao arrependimento. Aos irredutíveis, o braço laico imporia a pena capital. Assim, aos poucos, foi nascendo o que se passou depois a designar pela palavra "Inquisição", que foi consolidada pela bula Licet ed capiendos promulgada pelo papa Gregório IX em 1233. O Tribunal do Santo Ofício iniciou sua investida pela França, passando posteriormente a outros países da Europa. Com a ameaça de sofrer interditos, que privavam os fiéis dos sacramentos, e até mesmo ser alvo de uma cruzada, a Igreja foi conquistando cada vez mais o apoio das autoridades seculares e de seus governantes, atuando conjuntamente no combate às heresias e colaborando nas punições que variavam de confisco de bens, exílio, prisão perpétua e morte na fogueira. A Igreja conduzia todo o processo, determinava a pena e em casos de execução entregava o réu para a punição pelo estado, já que o direito canônico não prevê a pena capital. As autoridades civis, coagidas pela igreja, eram obrigadas a cumprir as penas estabelecidas aos réus. Recusas acabariam por se tornar acusações de heresias com submissão ao tribunal. Antecedentes: A cruzada Albigense e os cátaros: No século XII, na região de Languedoc, no sudoeste da França, surgiu uma seita religiosa considerada herética denominada Catarismo, termo que viria do grego kataroi que significa os puros. A cidade de Albi era seu maior refúgio, originando outro termo pelo qual eles ficaram conhecidos: albigenses. Um dos pontos de oposição entre o catarismo e a Igreja Romana era, justamente, o posicionamento anticlerical dos albigenses que a consideravam como corrompida pelas práticas do nicolaísmo e simonia. O catarismo era uma heresia dualista que defendia o duplo princípio do bem e do mal, tendo como texto de referência o Evangelho de São João, considerado o único escrito verdadeiro. O universo emanaria de dois princípios conflitantes: um bom e outro ruim. Deus seria o espírito bom, e o mundo, por ele criado, seria povoado por seres espirituais participantes da natureza divina. O mundo material seria fruto de uma força puramente maligna. Os homens teriam a chance de alcançar a esfera espiritual pela via da purificação. Para tanto, deveriam combater a carne que aprisionava o espírito. A Igreja Cátara era formada por dois grupos distintos: pelos perfeitos ou eleitos, que seriam os escolhidos para o encontro com o Deus bom, sendo o grupo de ministros cátaros. E pelos crentes ou auditores que participavam na qualidade de ouvintes. Os cátaros negavam a materialidade de Cristo, recusavam a eucaristia, opunham-se à veneração aos santos, à oração aos mortos e aos sacramentos cristãos, pregavam uma

vida de ascese: pobreza voluntária, castidade, jejum. O toque das mãos dos perfeitos era o único sacramento, e o pão que abençoavam era considerado sagrado e guardado pelos seguidores pelo resto da vida. Acreditavam em um rito de passagem da vida material para a espiritual, o consolamentum, celebrado nos momentos finais antes da morte, que substituía uma vida inteira de dedicação aos cultos católicos e seus sacramentos. A ordem dos freis pregadores, criada por Domingos de Gusmão em 1216, exerceria um papel fundamental no combate a esse tipo de heresia por suas características de pobreza, celibato e ascese, conjugadas a um profundo conhecimento da ortodoxia e do uso de técnicas de pregação e conversão. O objetivo da ordem era divulgar o Evangelho e sua ortodoxia e salvar a alma dos hereges. Com tal propósito, os freis eram alfabetizados e treinados para divulgar a doutrina aceita e reconhecer as heresias e seus adeptos. A tentativa da igreja de combater o Catarismo começou sob o papado de Urbano II (1088-1099). Em 1098, foram organizadas as primeiras missões com propostas de persuasão e de convencimento, comandadas por Bernardo de Claraval. Em 1206, Domingos de Gusmão as assumiu, exercendo um papel ativo nas conversões. Inocêncio III (1198–1216) foi o primeiro papa a sistematizar um programa de luta contra os movimentos heréticos. Em 1208, após o assassinato do representante eclesiástico Pierre de Castelnau, a mando de um nobre que havia sido excomungado por se recusar a cooperar contra os cátaros, o papa Inocêncio III, conclamou a Cruzada Albigense. Em 1209, sucedeu a primeira investida do movimento cruzado, chamada de o “massacre de Bélsiers”, devido a seu teor sanguinário. O tratado de Paris em 1229 colocou fim à cruzada. Contudo, esse episódio não figurou como a derrota completa do movimento, já que ainda encontramos vestígios de segmentos cátaros no século XIV. Gregório IX, eleito papa em 1227, ao invés de continuar o movimento de cruzada contra os hereges, reinventou o movimento da inquisição episcopal. Porém os bispos não se mostraram eficientes no combate. Era necessário criar novas formas mais eficientes ao combate às heresias. A Inquisição Medieval: No concílio de Toulouse, em 1229 foi criado oficialmente o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Em 20 de abril de 1233, o Papa Gregório IX editou duas bulas que retiravam dos bispos o controle dos processos contra os hereges e confiavam a emissários específicos da Ordem dos pregadores, os dominicanos, a sua execução.

Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis. (A bula Licet ad capiendos, 1233, dirigida aos dominicanos inquisidores)

O objetivo principal da recém-criada inquisição era combater os movimentos heréticos, como o dos cátaros e valdenses. Quando a inquisição foi estabelecida no Languedoc, em 1233, milhares de cátaros fugiram para os Pireneus, instalando verdadeiro clima de terror. O próprio nome que recebiam, inquisitor hereticae pravitatis (inquisidores da depravação herética) era um termo que inspirava medo. A partir de 1234, três tribunais se instalaram, em Toulouse, Carcassonne e Provença. A severidade foi grande, centenas de hereges foram levados à fogueira e se desenterraram os cadáveres de outros, que, expostos em cortejos pelas ruas, foram queimados. Em 1244 a fortaleza e reduto dos cátaros Montségur foi atacada e a população teve a opção de se submeter ao interrogatório dos inquisidores e se retratar ou, caso se negassem a participar do interrogatório, seriam queimados vivos na fogueira. Os cátaros perfeitos se recusaram a abrir mão de sua fé e pedir perdão. Alguns cátaros crentes juntaram-se a eles. Após receberem o consolamentum, foram queimados 211 homens e mulheres de uma única vez. Na região de Montaillou, o Catarismo resistia, sendo adotado amplamente ameaçando a hegemonia do Papa. O Catarismo era uma crença que atendia melhor aos anseios da população que queria uma relação mais direta com Deus, já que não entendiam os rituais e se revoltavam com os impostos cobrados pela igreja. Os irmãos Authier eram os últimos homens perfeitos que atuavam ali. A única nobre da aldeia, Beatrice de Panisolles, e o sacerdote, Pierre Clerge, eram adeptos da fé e amantes. Em 1308, a informação sobre os cátaros chegou ao inquisidor Bernardo Guidoni. A Inquisição chegou a Montaillou, e fechou a aldeia, mas os Authier conseguiram escapar. O tribunal compunha-se do inquisidor, seus assistentes, de um conselheiro espiritual, guardas e um escrivão. As regras seguidas tiveram algumas variações, mas, em linhas gerais, foram as seguintes: ao chegar à cidade o inquisidor consultava o clero local e convocava todos os homens com mais de catorze anos e as mulheres com mais de doze anos para declararem lealdade à fé ortodoxa católica. Quem se recusasse já era considerado herético. Um prazo de uma semana, denominado “tempo da graça”, era concedido para se apresentarem espontaneamente, confessarem seus erros e receberem penitências. Os que ainda se recusavam eram interrogados pelos

preparados inquisidores dominicanos que os aterrorizavam e confundiam com muitas perguntas, até que eles acabassem por se contradizer e fossem finalmente condenados. Os suspeitos eram convocados sem saber as acusações e nem quem era o acusador. Testemunhas de defesa corriam o risco de serem consideradas cúmplices. Mesmo que não fosse condenado, o fato de ter sido acusado já o transformava em reincidente em caso de nova denúncia. Em 1310 um informante revelou o paradeiro dos irmãos Authier. Um deles, Guilherme estava morto e o outro, Pierre foi preso e condenado à fogueira. Após dez anos, ocorreu a denúncia de que alguns cátaros ainda viviam entre a população de Montaillou. Jaques Fournier revisitou os registros de Guidoni e reinstalou a inquisição. Ele convocou a castelã Beatrice, que confessou ter conhecido os irmãos Authier. Temendo ser chamada de novo, ela tentou fugir, mas foi capturada e presa. Os objetos que levava a fizeram ser acusada de bruxaria. Entre eles, havia um pedaço de pão seco, símbolo dos cátaros. Todos os habitantes foram interrogados até que Grazide Lisier denunciou o padre como cátaro e amante de várias mulheres da cidade. Beatrice, pressionada, confirmou as denúncias contra o padre Clerge. Jacques Fournier foi um dos mais piedosos inquisidores, condenando à fogueira apenas cinco pessoas. Clerge foi preso, mas não se sabe como morreu. Em janeiro de 1329 a inquisição mandou que seus familiares exumassem seus ossos e seus restos foram incinerados em público como um último ato de reprovação e vergonha. Beatrice e Grazide foram libertadas e obrigadas a usar a cruz amarela, marca dos hereges. Em 1327 Fournier se tornou cardeal e em 1334, Papa Bento XII. Ser inquisidor já se mostrava um fator de ascensão na hierarquia da igreja e o Catarismo estava eliminado. A violência da inquisição suscitou revoltas da população. Em 1233 o inquisidor Conrado de Marburgo, conhecido pela crueldade com que conduzia os julgamentos e execuções, foi assassinado. O inquisidor Pietro de Verona, em 1252, foi apanhado em uma emboscada, e morto a golpes de foice. Em 1253, a Igreja o canonizou como São Pedro Mártir, o patrono do Santo Ofício. Outro caso ocorreu em 1279, após a execução em fogo lento de uma acusada, a multidão enfurecida atacou o convento dominicano que hospedava os inquisidores, que foram expulsos a pauladas. O Papa Gregório chegou a viajar para o Languedoc para tentar suavizar os ultrajes causados por seus inquisidores.

Apesar de haver exceções, não se pode negar que os abusos da

inquisição foram se tornando mais amplos e cruéis com o passar dos anos. A Igreja utilizaria de mecanismos como o interdito e a excomunhão para forçar os nobres a atuarem ao seu lado e julgamentos cada vez mais rigorosos para punir os hereges.

Em 1252 o Papa Inocêncio IV editou a bula Ad extirpanda que autorizava o uso da tortura pelos inquisidores, sendo o poder secular obrigado a colaborar com o tribunal da igreja. O Manual do Inquisidor: O inquisidor Nicolau Eymerich escreveu, em 1376, o Directorum Inquisitorum (Manual dos Inquisidores), um tratado que apresentava conceitos, normas processuais e modelos de sentenças, elaborado com o objetivo de nortear as ações dos inquisidores no desempenho de suas atribuições. O manual contribuiu para dar à Inquisição coerência doutrinária e legalidade jurídica. Para ser um inquisidor era necessário ser doutor em teologia, direito canônico e civil, ter no mínimo 40 anos, e ser das ordens dominicana ou franciscana. Nos processos da inquisição a denúncia era presunção de culpa, cabendo ao acusado provar sua inocência, sendo responsável pelo custeio de sua prisão e eventual tortura. O julgamento era secreto e o réu ficava incomunicável. Nenhuma testemunha era apresentada. A tortura era utilizada nos casos em que o acusado tivesse pelo menos uma testemunha de que seria herege, em casos de testemunhos contraditórias, ou para indicar nomes de outros hereges. As torturas variavam desde privação de sono, ingestão de grandes quantidades de água, esmagamento de genitália e uso de máquinas e objetos dos mais variados tipos. Após a tortura o acusado permanecia preso e recebia a visita do inquisidor ou assistentes para tentar persuadi-lo a se arrepender e confessar o crime. Segundo o papa Inocêncio III a tortura, que se aplicava aos ladrões e aos assassinos, também deveria ocorrer com os hereges, que não passavam de ladrões e assassinos da alma. Daí por diante, o Direito Canônico incorporou a tortura, mas algumas cautelas foram prescritas: ela não deveria colocar em risco a vida, não devia haver derramamento de sangue, um médico devia estar presente e somente podia ser aplicada uma vez. A confissão por meio dela obtida deveria ser ratificada posteriormente para não ficar caracterizado que teria ocorrido apenas para se livrar do suplício. As regras, porém, não coibiram abusos. sessões de tortura subsequentes eram consideradas meras continuações da anterior, para evitar derramamento de sangue partes do corpo eram esmagadas com objetos que não feriam a pele e muitos morriam nas sessões. As penas impostas variavam de censuras, utilização de símbolos degradantes, prisão (mantido incomunicável e recebendo apenas pão e água), trabalhos forçados nas galés, excomunhão e morte na fogueira. No caso de execução na fogueira os acusados eram amordaçados ou suas línguas eram cortadas, para não ferirem com suas blasfêmias a devoção de quem assistia à execução. Além das penas, havia a expropriação dos bens em favor da Igreja. O processo não se encerrava com a morte. A inquisição mandava exumar os corpos e

queimar os restos mortais, além de privar os herdeiros do espólio. A execução em efígie, ou seja, com uma imagem do condenado também era praticada. Em relação a penas de penitência, dispôs o concílio de Narbona de 1243: "Os hereges, seus parceiros e seus fautores que se submeterem voluntariamente, mostrando arrependimento, dizendo sobre si e sobre terceiros a verdade inteira, obterão dispensa da prisão. Eles deverão portar cruzes (costuradas sobre suas vestes), se apresentar todos os domingos, entre a epístola e o evangelho, com uma vara diante do padre e receber a disciplina. Eles o farão ainda em todas as procissões solenes. No primeiro domingo de cada mês, após a procissão ou a missa, visitarão, em hábito de penitência, uma vara à mão, as casas da cidade e do burgo que os conheceram como hereges. Assistirão, todos os domingos, à missa, às vésperas e aos sermões, e farão peregrinações". Quando o réu era culpado de heresia, os seus bens eram frequentemente confiscados para custear as despesas da inquisição. Na Itália, os bens confiscados eram repartidos entre as autoridades civis, o governo pontifício e a inquisição. Os processos em defesa da fé foram bastante lucrativos. A pena de execução não era cumprida pela Igreja, daí o artifício de “relaxar” o excomungado à justiça secular, que reconhecia a validade do processo inquisitorial, aceitando suas conclusões e ordenando imediatamente a execução da pena capital. O inquisidor podia exigir que as autoridades civis fizessem o juramento de defender a igreja da perversidade herética, inclusive protegendo o inquisidor. Os juízes que não cumprissem a sentença de morte dos acusados de heresia seriam assim considerados e perseguidos como tais. O manual vetava o derramamento de sangue nas execuções. O ato de entrega aos executores era anunciado com antecedência e o povo era intimado a participar da cerimônia de condenação. Assim que o réu fosse entregue aos juízes estes pronunciavam a sentença e imediatamente o réu era levado para o local do suplício, acompanhado de homens pios que rogariam a Deus pela sua alma. O momento da execução (auto de fé) era utilizado para catequese e convencimento, ainda que pelo medo, com um sermão solene, de preferência em dias festivos com muito público. Assistir ao espetáculo apresentaria aos presentes uma imagem do juízo final, e tinha por finalidade restaurar no povo a pureza da fé, deturpada pelas heresias, intimidar hereges ocultos e fortalecer cristãos vacilantes. Nelas, os réus arrependidos proclamavam sua abjuração e os impenitentes recebiam as penas canônicas ou eram entregues ao braço secular. Pedidos de clemência após a sentença de morte não eram aceitos por não serem considerados reais e sim por medo do fogo. Porém aquele condenado que desejasse

se reconciliar com a Igreja poderia ter o benefício de ser estrangulado antes de ser submetido à fogueira. Cada momento do auto de fé era minuciosamente pensado para cumprir um objetivo e estava baseado em orientações litúrgicas e jurídicas. Eram considerados hereges aqueles que dissessem algo que se opunha às verdades essenciais da fé católica ortodoxa, que praticassem ações suspeitas como circuncisão e práticas islâmicas, quem fosse citado e não comparecesse ao interrogatório, quem não cumprisse as penas canônicas impostas pelo inquisidor, quem recaísse em heresia que tivesse abjurado, quem solicitasse o consolamentum, quem praticasse atos ou dissesse palavras em desacordo com os hábitos comuns dos católicos. Tudo o que não era proibido era obrigatório e excessos de zelo católico também poderiam ser relacionados à heresia. Os hereges poderiam ser classificados em três tipos: pertinazes e impenitentes, aqueles que condenados se recusavam a abjurar, sendo entregues ao braço secular para execução; penitentes, os que abjuravam dos seus erros e aceitavam a pena que variava de acordo com a heresia, sendo a mais severa a prisão perpétua. Os relapsos eram aqueles que reincidiam na heresia, sendo sempre executados. A simples suspeita de heresia já o tornaria culpado em caso de reincidência. Os acusadores podiam ser os mais variados, inclusive criminosos e excomungados, sendo que hereges, infiéis, mulheres, parentes e servos podiam apenas testemunhar contra o acusado. Os processos inquisitoriais nunca eram encerrados totalmente e o acusado nunca era declarado inocente, de modo que em caso de reincidência o mesmo seria automaticamente considerado culpado. Nos casos de absolvição era declarado que nenhuma prova foi encontrada e nunca a inocência. A inquisição medieval chegou a seu ápice na metade do século XIV caindo em decadência nos próximos anos. Os motivos eram, não apenas o sucesso da empreitada, mas também o fortalecimento das nascentes monarquias nacionais que recusavam interferências externas, inclusive da própria Igreja. A caça às bruxas: Os feitiços já eram combatidos desde a antiguidade e feiticeiros eram punidos com a morte pelo Código de Hamurabi datado de 1760 a.C. No Deuteronômio há proibições e penas aos feiticeiros. A partir da Idade Média, a bruxaria foi associada ao paganismo e passou a ser considerada heresia. No início as bruxas eram tratadas como vítimas iludidas pelo demônio ou simplesmente loucas.

Quem praticava bruxaria

cometia um pegado grave, mas as artes mágicas em si não representavam um perigo.

Após a instauração da Inquisição, o demônio passou a ser considerado um ser físico, que tinha aliados na Terra, um exército próprio e uma Igreja. A batalha entre o bem e o mal se transformou em uma guerra em sentido físico, além do metafísico. O papa Alexandre IV, em 1258, condenou as práticas mágicas. Em 1320, o papa João XXII encarregou os inquisidores de Toulouse de intervir contra os bruxos. A partir de 1436, o juiz Claude Tholosan declarou que os magos e bruxas não tinham direito a indulgências da Igreja e considerou suspeitas até práticas populares aparentemente inócuas, como a colheita das plantas durante a festa de Santo Antônio. A Inquisição atingia também a superstição popular. Os Templários foram acusados de heresia, bruxaria e de adoração a um ídolo chamado Bafometo. Os cátaros foram acusados de ter o nome derivado de Cato, demônio que adoravam. Assim, bruxas e hereges foram considerados inimigos do poder espiritual e do civil, provocando ódio do povo contra eles. O papa Gregório IX, enviou Conrado de Marburgo para a região da Alemanha para combater os luciferianos ou qualquer outro grupo que cultuasse o demônio. Nobres, plebeus e padres foram queimados na fogueira. A bula papal Summis desiderante affectibus, promulgada por Inocêncio VIII, em 5 de dezembro de 1484, marcou a data de início daquilo que se tornou um verdadeiro extermínio em massa de mulheres e homens acusados de bruxaria. Nesse documento, o papa, alarmado pelas notícias provenientes do norte da Alemanha, onde parecia que os cultos satânicos e a bruxaria tinham muitos adeptos, dava aos inquisidores plenos poderes para extirpar o fenômeno. No mesmo ano, saiu o Malleus Maleficarum (Martelo das feiticeiras), um tratado reproduzido através da nova técnica da prensa inventada por Gutenberg, que descrevia por completo o mundo das bruxas, seus malefícios, como reconhecê-las e como conduzir os interrogatórios. A tese do Malleus era que a bruxaria existia e que era uma forma de heresia, assim como negar sua existência era um comportamento herético. Seus autores, Krämer e Spengler, foram dois teólogos dominicanos. O Malleus era dividido em três partes: o fenômeno da bruxaria, a explicação dos métodos pelos quais se infligiam os malefícios e de que modo poderiam ser curados e as medidas judiciais do tribunal eclesiástico e civil a serem tomadas contra as bruxas e os hereges. Em 1490 o livro foi proibido pela Igreja, porém, foi impresso até 1669 e tornou-se um verdadeiro best-seller na época. Os julgamentos das bruxas continuaram por todo o século XV. Os sabás, rituais de culto ao demônio eram descritos como festas onde as bruxas chegavam voando, dançavam nuas, beijavam a nádega do demônio e praticavam orgias sexuais com o diabo, que podia mudar de sexo. As bruxas recebiam uma marca no corpo que por vezes ficava escondida. Ao procurarem bruxas, os cabelos e pelos do corpo eram

raspados na intenção de encontrar as marcas. Diziase que as bruxas tinham o dom da insensibilidade física e a incapacidade de chorar. Em razão disso, suportavam, sem dor, torturas intoleráveis. A caça às bruxas tornou-se uma gigantesca guerra do poder masculino contra as mulheres e contra as últimas formas de matriarcado, demonstrando um profundo sentimento misógino. Por exemplo, foi proibido ao gênero feminino auxiliar o parto, entregando-o ao monopólio da casta masculina dos médicos. Homens e personalidades de alta estirpe também foram condenados à fogueira, mas isso não impediu que a grande maioria das vítimas fosse de mulheres pobres, muitas vezes à margem da sociedade. Vários foram os opositores do regime da caça às bruxas, procurando demonstrar que eram delírios coletivos e que os sabás não existiam, mas estes eram desacreditados ou condenados como hereges. A grande maioria dos processos de bruxaria tem uma dinâmica característica. A acusação de bruxaria surgia a partir de um suposto maleficia: este podia ser a doença repentina de uma pessoa ou de animais domésticos ou problemas causados à plantação ou ao clima. A acusada era tipicamente alguém do convívio daquele que foi afligido ou prejudicado. Os alvos preferenciais eram pessoas que não se enquadravam ao quadro social vigente: beberrões, solteirões ou viúvas amargas e maledicentes, curandeiras e blasfemos. O processo por bruxaria acontecia paralelamente ao de heresia. Assim que a audiência começava, a suposta bruxa era convidada a confessar e abjurar o demônio e, se não o fizesse, era torturada. Os interrogatórios eram realizados em meio a perguntas e armadilhas criadas especialmente para confundir o imputado. As acusadas de bruxaria muitas vezes delatavam outras pessoas que supostamente teriam participado com elas dos sabás e que acabavam processadas. Às vezes, davam os nomes dos próprios acusadores criando uma reação em cadeia que podia durar anos e envolver centenas de pessoas. O processo por bruxaria, no entanto, tinha uma diferença muito importante em relação ao de heresia. O herege que confessasse e abjurasse imediatamente diante dos juízes podia ser absolvido logo ou, no máximo, receber uma leve punição. A bruxa que confessasse poderia ser absolvida da acusação de heresia, mas os juízes mandariam seu caso ao tribunal civil. As penas por bruxaria variavam de castigos corporais e períodos de exílio, a prisão perpétua ou morte na fogueira. Por vezes, eram queimados junto com a bruxa os autos do processo, como ato de purificação. Por isso não há como documentar o número exato de bruxas executadas durante a inquisição.

Os inquisidores descobriram que, por mais que torturassem e mandassem para a fogueira, as bruxas não diminuíam. A promessa, nem sempre cumprida, de perdão se entregassem outras bruxas levava a cada vez mais denúncias. Por mais que torturassem e queimassem, inclusive crianças, as bruxas continuavam aparecendo. O papa Gregório XV, em 1623, ordenou que os castigos sádicos fossem reduzidos e que a pena de morte fosse limitada apenas aos casos de comprovado pacto demoníaco. Nem mesmo os esforços do papa deram frutos. A caça às bruxas continuou até 1834, com o fim da inquisição espanhola. Os casos mais famosos da caça às bruxas foram os de Joana D’Arc e dos Cavaleiros templários. Os estudiosos calculam que cerca de 40 mil a 100 mil pessoas foram mortas em cinco séculos. Estima-se que 12 mil entre todos os julgamentos de bruxas na Europa terminaram em execuções. Inquisição Espanhola (1478 – 1834): Em 1469, Fernando e Isabel, conhecidos como reis católicos, casaram-se em um acordo que previa a unificação da Espanha como uma nação católica. O reino espanhol, por muitos anos, esteve povoado por judeus e muçulmanos que influenciaram a cultura e a fé dos moradores. Para unificar a Espanha na fé católica era necessário tomar providências para promover o retorno à ortodoxia da Igreja. Foi com este propósito que os reis pediram ao papa Sixto IV a criação da inquisição na Espanha que foi instituída com a bula Exigit sincerae devotionis affectus, em novembro de 1478. O alvo principal da inquisição eram os judeus convertidos, acusados de continuar a manter práticas judaizantes. Diferentemente da inquisição medieval, o tribunal não estaria em Roma, mas na Espanha, designado como Conselho da Suprema e Geral Inquisição. Os membros da "Suprema" eram nomeados formalmente pelo papa, mas quem os escolhia e dirigia era o rei da Espanha. O próprio nome de "Conselho", dado ao novo organismo, já o caracterizava: na época, os conselhos eram órgãos do governo. A defesa da fé nos reinos espanhóis estava perfeitamente conectada à questão da reconstrução da unidade política e social do território, dividido em dois reinos, Castela e Aragão. A colaboração mútua entre Igreja e Estado e o uso da religião como instrumento real se tornaram cada vez mais evidentes. Por muitos anos a convivência entre as diferentes religiões foi pacífica, porém, com as reformas propostas de unificação do reino tornou-se indispensável a conversão ao catolicismo pelo batismo. Por volta do final de século XIV, a hostilidade popular contra os judeus se manifestou através de massacres indiscriminados. Muitos se salvaram fugindo, outros se convertendo e praticando sua verdadeira religião às escondidas. Em

1391, em Sevilha, quatro mil judeus foram mortos em uma única noite. Os muçulmanos e judeus não faziam parte da competência do tribunal da inquisição, no entanto, quando se tornavam cristãos ingressavam na alçada inquisitorial e poderiam ser punidos como hereges. Os convertidos eram chamados de “cristãos-novos”. Em 1482, o papa Sixto IV posicionou-se contra alguns excessos da inquisição espanhola, porém, por pressão do Rei Fernando, acabou cedendo. Em 1485, alguns judeus convertidos assassinaram o inquisidor Pedro Arbués, o que causou um recrudescimento da repressão. Finalmente, em 1492 os judeus foram intimados a, no prazo de quatro meses, converterem-se ou deixarem o país. Saindo, podiam levar poucos bens. Ouro, prata e outros objetos preciosos tinham a retirada do território espanhol proibida. A alegação era de que suas riquezas tinham origem reprovável, porque vinham da usura e da exploração dos cristãos. No dia 2 de agosto de 1492, consumou-se a expulsão. Muitos partiram para a Itália, Turquia e norte da África, boa parte se dirigiu a Portugal. Reduzidos à miséria muitos morreram no caminho. Os muçulmanos que continuaram na Espanha após a tomada de Granada, em 1492, foram obrigados aos poucos a aceitar o batismo ou sofrer o exílio. Muitos costumes tradicionais muçulmanos tiveram que ser abandonados levando os mouros a perda da sua identidade. Ficou proibido o uso das vestimentas árabes. Foram obrigados a mudar seus regimes alimentares e de higiene corporal e não podiam fazer o jejum do Ramadã, ou a circuncisão. O idioma árabe foi abolido. Em 4 de abril de 1609, a expulsão dos muçulmanos foi decretada, concretizando-se paulatinamente até 1614. Calcula-se que sofreram a medida uns trezentos mil mouriscos, o que acarretou graves prejuízos para a economia espanhola, com queda da produção agrícola e do recolhimento de impostos. Em pouco mais de um século, a Espanha liquidou duas das três grandes culturas que lá conviviam. Os cristãos tradicionais viam com maus olhos os conversos. Cresceu o antissemitismo e a exigência de limpeza de sangue. Os cristãos velhos passaram a discriminar os cristãos novos, proibindo o seu ingresso nas universidades, nas Ordens militares e religiosas, e nos altos postos administrativos. As regras de atuação da moderna Inquisição espanhola foram em linhas gerais as mesmas da Inquisição medieval, começando com o "tempo da graça" até culminar no auto de fé e a entrega do réu ao braço secular, na hipótese de merecer a pena de morte. A tortura continuou admitida. As penas deviam ser ajustadas à gravidade dos crimes. Era utilizado o sambenito, uma túnica, geralmente de cor amarela, ou negra

para os condenados à morte, com figuras diabólicas desenhadas. Havia também multas, flagelação, peregrinações e o envio às galés na marinha real. O confisco de bens foi amplamente utilizado em favor da Coroa, e dos gastos inquisitoriais. O mais famoso inquisidor espanhol foi o dominicano Tomás de Torquemada (1420-1498). Foi confessor da Rainha até ser nomeado inquisidor geral em 1483. O dominicano encontrou oposições violentas à sua obra. Muitas vezes, nas cidades por onde passava, autoridades e cidadãos se recusavam a acolhê-lo, e a população o insultava durante seus sermões públicos. Estima-se que Torquemada mandou mais de dez mil hereges à fogueira. A inquisição se ramificou por toda a Espanha e as "cortes" de itinerantes se tornaram estáveis tribunais em todos os sentidos. Com a Renascença, a secularização avançou, a imprensa se desenvolveu com livros e panfletos difundindo novas ideias e a Igreja foi perdendo o seu monopólio da cultura. As pessoas, que ansiavam por maior liberdade, não mais aceitavam pacificamente a tutela clerical. Encantavam os ideais humanísticos que Erasmo pregava, de renovação intelectual, cosmopolitismo, paz entre os cristãos, purificação religiosa e teologia extraída diretamente das Escrituras, com retorno à simplicidade evangélica original. Em 1578, foi publicada longa lista de erros iluministas, concitando os fiéis a denunciarem pessoas que afirmavam ser suficiente a oração interna e supérfluas as boas obras e o culto público. As penas mais aplicadas foram a de flagelação e de aprisionamento. Os religiosos eram suspensos de ordens e obrigados a cumprir penitências num convento. Livros com ideias heréticas foram proibidos. Livros, aprovados previamente, deviam ter o Imprimatur da Igreja. A fiscalização de livros nocivos atingia somente as pessoas mais cultas, portanto a inquisição passou a fiscalizar também os comportamentos imorais, sobretudo os ligados à sexualidade. A bigamia se rotulava como ato herético, porque significava desprezo pelo sacramento do matrimônio. Os desvios sexuais em geral constituíam "pecados abomináveis" e, por isso, eram severamente reprimidos. Contra a sodomia e o homossexualismo, tanto a justiça comum como a inquisitorial do século XVI impunham a fogueira. Depois, a punição abrandou para cem a duzentas chibatadas e o envio às galés. Também o clero passou a ser severamente disciplinado, sendo estimulado que os fiéis denunciassem os sacerdotes que tomassem atitudes impróprias. Com a invasão francesa da Espanha, em 1808, Napoleão Bonaparte revogou formalmente a inquisição, porém esta foi retomada quando seu irmão, José Bonaparte, abdicou do trono espanhol. A inquisição se manteve viva e só foi efetivamente abolida em 15 de julho de 1834, por decreto da rainha Isabel II.

Inquisição na América Espanhola: A conquista da América Espanhola teve dois objetivos principais: aumentar a extensão territorial do domínio espanhol e encontrar novos locais para a difusão do catolicismo, que vinha perdendo adeptos na Europa para as religiões oriundas da reforma protestante. Ao chegar ao território americano, a conversão e catequização dos indígenas nativos foi prioridade. Entre 1522 e 1533 os primeiros missionários franciscanos, dominicanos e agostinianos exerceram a chamada inquisição monástica. No período de 1535 a 1571, houve a inquisição episcopal, executada pelos bispos. Estas inquisições primitivas perseguiam os índios, que mesmo após serem batizados, continuavam praticando seus rituais e cultuando seus deuses ancestrais. Os inquisidores ordenavam a destruição de objetos dos cultos indígenas, considerados pagãos e heréticos. Os índios eram chamados de “tenras plantas na fé” e considerados inocentes, suscetíveis a serem enganados pelos falsos cristãos. A criação de tribunais da Inquisição na América Espanhola teve, portanto, o objetivo inicial de impedir a mistura de crenças e práticas islâmicas e judaicas com as cristãs e proteger a pureza da fé dos indígenas recém convertidos. O Império espanhol instaurou tribunais na Nova Espanha, hoje México e Lima, em 1571 e em 1610 em Cartagena das Índias, atual Colômbia. O Conselho Geral da Santa Inquisição, com sede em Madri, era o órgão central ao qual estavam subordinados. Todas as decisões, julgamentos e punições eram de competência do tribunal sediado na capital, México. O distrito inquisitorial abrangia uma enorme área que ia desde o estado do Novo México nos Estados Unidos até Nicarágua e Filipinas. A distância, aliada com dificuldade de comunicação e a incapacidade da população recém convertida de observar a ortodoxia dificultava a atuação do tribunal e fez com que a inquisição na América espanhola tivesse uma atuação restrita. O Santo Ofício buscava heresias dos cristãos novos judaizantes, muitos provenientes de Portugal, e protestantes, em geral piratas ingleses ou franceses, que eram obrigados a se converter. Porém, a maioria das acusações era de blasfêmias, profanações, pactos demoníacos, bigamia e feitiçaria. No final do século XVI foi intensificada a perseguição aos cristãos novos que continuavam com práticas judaicas. Quando julgados pela primeira vez e arrependidos recebiam penas pecuniárias ou espirituais. Julgados pela segunda vez ou na primeira, se não confessassem, eram torturados e condenados à morte na fogueira. O confisco de bens contribuiu para o enriquecimento da Igreja e dos representantes da Coroa no local. Escravos negros estabelecidos principalmente em Cartagena, foram frequentemente acusados de pactos

diabólicos. As mulheres negras ou mestiças, praticantes de cultos africanos eram acusadas de bruxaria. Estas eram muito temidas, inclusive pelo clero. No século XVIII, os ideais iluministas também começaram a ser combatidos, porque não existia diferença entre a crítica ao poder temporal e ao religioso, que era vista como um delito contra a ordem estabelecida por Deus. Com a invasão da Espanha pelas tropas napoleônicas e a posterior independência das colônias espanholas, a inquisição foi suprimida. A destruição de objetos das antigas culturas Maia e Asteca e a substituição das crenças pelo catolicismo provocou o desaparecimento de grande parte da riqueza cultural pré-hispânica. A perseguição e supressão dos ideais iluministas e reformistas contribuiu para o clima conformista imposto à sociedade do vice-reino. A inquisição conseguiu impor a fé católica na América, porém subsistiu uma religiosidade sincrética. A Inquisição em Portugal (1536- 1821): D. Manuel, rei de Portugal casou-se com Isabel, a primogênita dos “reis católicos”. Como consequência, em dezembro de 1496 foi promulgado um édito de expulsão de todos os judeus do território português, tanto os que haviam ali se refugiado após a expulsão da Espanha, quanto os que ali já viviam a tempos. Apenas os judeus que se convertessem poderiam permanecer. Como poucos aceitaram a conversão o soberano obrigou o batismo dos menores até vinte anos. No ano de 1498, oficialmente, já não havia mais judeus em Portugal, porém muitos cristãos novos eram acusados de continuar com prática judaizantes. Após disputas e pressões entre Portugal e a Igreja de Roma, em 23 de maio de 1536, o papa Paulo III assinou a bula Cum ad nihhil magis, que criou a Inquisição portuguesa. A bula nomeava três inquisidores, sendo que ao Rei D. João III caberia a escolha do quarto inquisidor. Em 1539 o rei nomeou o próprio irmão, infante D. Henrique, para inquisidor-mor que permaneceu no cargo até se tornar rei em 1578. O propósito da inquisição seria principalmente combater o judaísmo dos cristãos novos, abarcando também o luteranismo e islamismo, feitiçaria e bigamia. Três tribunais foram instalados em Lisboa, Évora e Coimbra. Diferente dos espanhóis, os lusitanos só criaram um tribunal inquisitorial fora do reino, em Goa, na Índia. O Brasil ficaria subordinado ao tribunal de Lisboa. Acompanharam os julgamentos inquisitoriais as medidas discriminatórias que impediam cristãos novos ou seus parentes de exercerem cargos na administração pública, o acesso às universidades e ao corpo eclesiástico. O filho e neto de condenados pela inquisição também ficavam impedidos de exercerem diversos cargos importantes. Judeus ou muçulmanos que entrassem no reino deveriam

usar sinais nas vestes para que fossem identificados. Em meados do século XVI começaram a ser instaurados processos contra os protestantes, geralmente estrangeiros da França, Alemanha ou Inglaterra. O processo e os métodos de trabalho da inquisição portuguesa foram semelhantes aos da Espanha, com autos de fé plenos de teatralidade. O Marquês de Pombal, a partir de 1750, quando foi ministro do reino português, iniciou várias reformas administrativas, econômicas e sociais. Representante do despotismo esclarecido, procurou aumentar o poder do rei em detrimento do poder da Igreja e nomeou seu irmão como inquisidor geral. Em 1773 aboliu a distinção entre cristãos puros e cristãos novos e os atestados de limpeza de sangue e medidas discriminatórias. Os autos de fé públicos foram proibidos e penas capitais não mais ocorreriam a partir de 1761. Em 1769, Pombal declarou a Inquisição tribunal régio, porém continuando a reprimir crimes religiosos. Com a demissão do ministro no reinado da Rainha D. Maria em 1777, a Inquisição recobrou sua autonomia e algumas mudanças estabelecidas por ele foram abolidas. A difusão dos ideais iluministas anticlericais, a Revolução Francesa, crises econômicas, a ocupação do território português pelas tropas napoleônicas francesas, foram minando o poder da inquisição, que foi encerrada após a Revolução liberal com a promulgação da Constituição em 1821. A inquisição no Brasil: O Brasil não teve instaurado nenhum tribunal do Santo Ofício em seu território. A ação da Inquisição aqui ocorreria por meio das visitações dos inquisidores e todos os casos de heresia eram enviados e julgados no tribunal de Lisboa. O primeiro morador da colônia a ser processado pelo Santo Ofício foi o rico donatário de Porto Seguro, Pero do Campo, acusado, em 1546, de blasfemar contra a Igreja. Não foi condenado, mas foi impedido de retornar ao Brasil. A primeira visita oficial do Santo Ofício ao Brasil foi em 1591, sob a supervisão de Heitor Furtado. O mecanismo das visitações era uma espécie de inquisição volante. Como resultado, centenas de acusações foram formalizadas e algumas dezenas de processos instaurados. Os cristãos novos eram o alvo principal e a heresia de criptojudaísmo, manutenção de costumes judaicos, a mais procurada. Outras heresias como adesão ao luteranismo, sodomia, blasfêmia e feitiçaria também foram reportadas. A primeira visitação percorreu a Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, retornando em 1595. Foi durante essa visitação que foi descoberta a Santidade de Jaguaripe, seita sincrética comandada pelo índio batizado Antônio que dizia incorporar o ancestral Tamandaré e se proclamava Papa, nomeando santos e bispos e tinha como uma de suas esposas uma índia chamada Santa Maria Mãe de Deus. O movimento foi

destruído em 1585 e vários colonos envolvidos com a Santidade foram processados pela inquisição. A grande vítima da primeira visitação foi a família Antunes, cujo patriarca, mesmo morto, foi acusado de ser rabino e seu engenho de ser uma sinagoga clandestina. Ana Rodrigues, octagenária, foi enviada à Lisboa e condenada à fogueira, porém, morreu na prisão em 1593. Foi queimada em efígie e teve sua memória amaldiçoada. Seu retrato retornou ao Brasil e foi afixado à porta da igreja para servir de exemplo. Casos de homossexuais masculinos e femininos também foram punidos com açoites, trabalhos forçados e degredo. As razões das visitações da inquisição são controversas. Anita Novinsky atribui ao fato de muitos comerciantes e senhores de engenho que prosperavam serem cristãos novos, sugerindo como motivação o confisco de seus bens. Outros atribuem a apenas um fortalecimento da presença de Portugal em suas colônias. A segunda visitação da inquisição de Lisboa foi enviada à Bahia entre 1618 e 1621, sob os cuidados de Marcos Teixeira. Alguns moradores baianos hereges foram enviados à Lisboa. A motivação desta segunda visita parece ter sido a desconfiança pela família Habsburgo, que reinava em Portugal, de que cristãos novos poderiam favorecer a invasão de judeus holandeses. Em 1630, houve realmente uma invasão holandesa em Pernambuco, que favoreceu a migração de judeus que trabalharam no mercado açucareiro e que chegaram a construir duas sinagogas em Recife. A última visitação foi tardia e enviada ao Grão-Pará. Realizada entre 1763 e 1769, na época de Pombal. Sua documentação envolve confissões de magia envolvendo índios, não mais se preocupando com os judaizantes. O caso mais conhecido de um brasileiro condenado à fogueira pela inquisição foi o do escritor e dramaturgo Antônio José da Silva , conhecido por “O Judeu”, nome do romance histórico que Camilo Castelo Branco escreveu sobre ele e que virou filme em 1995. A inquisição no Brasil terminou com a extinção do Tribunal do Santo Ofício em Portugal. A Inquisição romana (1542 – 1800) O bispo Giovanni Pietro Carafa, não se conformava com a corrupção no centro da Igreja e achava que os fiéis deviam ser comandados de forma enérgica. Foi embaixador do Papa na Espanha por seis anos e acompanhou a inquisição espanhola. Ele queria reformar a Igreja restaurando seus valores mais importantes. Para isso reuniu a Ordem dos Teatinos no intuito de defender o poder da Igreja Romana e enfrentar Lutero e todos os opositores da Igreja, dentro e fora dela. Carafa foi nomeado cardeal e convenceu o Papa Paulo III de que era necessário eliminar os hereges criando uma nova inquisição. A Inquisição romana foi a última a ser formada , por meio da bula Licet

ab initio, em 1542. O principal objetivo era combater a influência do protestantismo sobre os Estados Italianos. A Inquisição passou a ser a instituição mais poderosa da Igreja, surgindo como parte da Contrarreforma para introduzir maior controle de Roma sobre todo o Cristianismo. Foram instituídos tribunais territoriais com jurisdição exclusiva para todos os casos de heresia. Acima deles, foi fundado um organismo central com sede em Roma, conhecido como Congregação do Santo Ofício, composto de sete cardeais e sob o controle direto do pontífice, que participava de todas as sessões. O organismo podia investigar também outros prelados e tinha jurisdição em todo o território cristão, mas na verdade tratou principalmente das questões italianas. A forte hierarquização do tribunal romano era semelhante à do espanhol e português. Trabalhar nos tribunais inquisitoriais era uma honra e sinal de prestígio, ao servir ao rei, ao papa e ao próprio Deus. O papa e os reis concediam privilégios àqueles que trabalhassem nos tribunais ou contribuíssem com ele. Os privilégios incluíam indulgências plenárias, isenção de impostos, porte de armas e jurisdição privada. Além do inquisidor geral e dos inquisidores, assim como nas inquisições espanhola e portuguesa, faziam parte do mecanismo do tribunal os chamados familiares, cargos de baixa hierarquia compostos por civis com boa antecedência que eram empregados pela inquisição como médicos, mensageiros, guardas, etc e muitas vezes formavam verdadeiras redes de espionagem. Durante a inquisição romana houve uma procupação muito grande com o controle dos livros publicados e das ideias que propagavam. Portugal e Espanha já vinham expedindo éditos com proibição de livros. Em 1555, Carafa se tornou o papa Paulo IV. O arquiteto da inquisição em Roma, agora com todo o poder, perseguia todo tipo de desvio, iniciando seu pontificado com uma bula instaurando a perseguição aos judeus, que haviam sido protegidos pelos vinte e três papas anteriores. Os judeus foram obrigados a viver em guetos murados e a se identificarem por chapéus e insígnias que os distinguiam. Foi ordenado a recolhimento e incineração de todas as cópias do Talmude existentes à época na região. Em 1557 os judeus foram proibidos de possuir qualquer livro, exceto a Torá, o Antigo Testamento dos católicos. Como uma tentativa de combater os ensinamentos do protestantismo que se espalhava pela Europa, em 1559, durante o Concílio de Trento foi criado o Index Librorum Prohibitorum. Obras de cunho filosófico, exotérico, científico e ficcionais foram proibidas pela Igreja. Na lista figuraram Voltaire, Rousseau, Giordano Bruno, Descartes, Galileu Galilei, Dante Alighieri, entre outros. A República de Veneza era um estado independente e importante porto de acesso a países protestantes, além de principal

centro das publicações na Europa e por isso atraiu a inquisição, culminando em vários processos e condenações. Em 1606, toda a cidade de Veneza foi excomungada. Os exemplos mais famosos da inquisição romana foram Giordano Bruno e Galileu Galilei, sendo que ambos foram condenados por suas publicações heréticas, porém apenas Giordano, que se recusou a confessar a culpa, foi queimado. Galileu, que defendia o modelo heliocêntrico de Copérnico, escapou da fogueira por ter negado que estava defendendo em seus livros a veracidade da teoria, morrendo de velhice em prisão domiciliar. Por volta de 1718 alguns estados italianos começaram os processos para abolir a prática da inquisição em seus territórios e em 1800, todos os tribunais italianos haviam sido encerrados. Os franceses, partidários do iluminismo, que invadiram parte do território italiano contribuíram para o fim da inquisição romana, além da desunião dos estados italianos e da intervenção das entidades civis. Conclusão: No século XIX chega ao fim a Inquisição. Vários fatores sucessivos colaboraram para a diminuição do poder da Igreja e fortalecimento do poder temporal. Napoleão Bonaparte comandou o exército francês que invadiu a Itália em 1796. Em 1801 assinou a Concordata de Paris, um acordo com o papa Pio VII atribuindo grandes poderes do Estado sobre a Igreja. Aclamado imperador dos franceses em 1804, Napoleão invadiu Portugal (1807) e Espanha (1808) interrompendo a inquisição na Península Ibérica, que já se encontrava bastante enfraquecida pelas reformas do Marquês de Pombal em Portugal. Bonaparte invadiu os Estados Pontifícios em 1808, aprisionando o papa Pio VII e declarando os Estados Eclesiásticos como parte da França. Com o fim das guerras napoleônicas em 1815, a Igreja retomou parte de seu poder e a inquisição retornou. Durante o processo de unificação da Itália (1846 – 1860), o papa voltou a perder territórios e poder. Os Estados Papais ficaram reduzidos à Roma e arredores. Em 1870, durante a Guerra franco prussiana Roma foi invadida e declarada capital do reino da Itália. Apenas em 1929, o Papa Pio XI e Benito Mussolini firmaram o Tratado de Latrão, que tornou o Estado do Vaticano independente retornando à jurisdição pontifícia. A perda do poder da Igreja aliada ao fortalecimento do poder secular e à popularização dos ideais iluministas e anticlericais colocaram um fim à Inquisição, sendo a espanhola a última a ser abolida. Oficialmente o Santo Ofício da Inquisição continuou a existir até 1908, quando foi substituído pela Congregação para a doutrina da fé, órgão que tem por finalidade difundir a doutrina católica e defender os pontos de tradição católica que possam estar

em perigo como consequência de doutrinas novas não aceitáveis pela Igreja Católica. O Index librorum prohibitorum, foi abolido em 1966 e a Congregação passou a ser o órgão de análise das publicações em desacordo com a doutrina católica. Joseph Ratzinger, posteriormente eleito papa Bento XVI, foi prefeito da Congregação de 1981 a 2005. No ano de 2004, o papa João Paulo II, pela primeira vez, oficialmente

pediu perdão

pelos abusos cometidos durante a inquisição por “erros cometidos a

serviço da verdade por meio do uso de métodos que não têm relação com a palavra do Senhor”. Nunca saberemos a real quantidade de pessoas que foi encarcerada, torturada e morta durante os cerca de seiscentos anos de duração das diversas inquisições promovidas pela Igreja Católica. Sabemos que foram dezenas de milhares. A busca da unificação da fé e da pureza doutrinária ortodoxa e da salvação das almas foi a justificativa para o uso de meios coercitivos e abusivos. A Igreja em geral se defende alegando que os atos foram frutos de costumes da época e que já eram praticados anteriormente pela justiça comum. Devemos analisar, porém, que Jesus também era um homem de sua época e no entanto, pregava uma doutrina revolucionária de amor ao próximo, de perdão das ofensas, de proteção aos mais fracos e vulneráveis. Melhor do que justificar os erros é reconhecê-los e buscar o aprendizado para que mortes em nome da fé nunca mais se repitam. Bibliografia: ALBERRO, Solange. Pouco caso: o Santo Ofício passou pelo vice-reino da Nova Espanha e foi pouco notado pela população, mas deixou heranças no México e Peru. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 7, nº 78, março, 2012. P. 58. BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itáliaséculos XV a XIX. São Paulo: Companhia das letras, 2000. EYMERICO, Nicolau. Manual da Inquisição. Trad. A. C. Godoy. Curitiba: Editora Juruá, 2001. FO, Jacopo, TOMAT, Sérgio e MALUCELLI, Laura. O livro negro do Cristianismo. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 2007. GINZBURG, Carlo. Feitiçaria e piedade popular. In: Mitos, Emblemas, Sinais. São Paulo: Companhia das letras, 1989.

GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo. São Paulo: Editora Saraiva, 1993. DUARTE,

Jan.

Bruxas,

santas

e

inquisidores.

Disponível

em:

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