A inserção da fotografia amadora nos museus e instituições culturais brasileiras

May 22, 2017 | Autor: Lucas Menezes | Categoria: Photography, Museum Studies, Modern Art, History of photography
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A inserção da fotografia amadora nos museus e instituições culturais brasileiras Lucas Mendes Menezes [email protected] Doutorando (Universidade Federal Fluminense - Université Paris 1 Panthéon Sorbonne) Eixo temático: História Trabalho elaborado para apresentação no 8º Congresso Conselho Europeu de Pesquisas Sociais na América Latina, organizado pelo Instituto de Ibero América, Universidade de Salamanca, que será celebrado em Salamanca, de 28 de junho a 1º de julho de 2016 RESUMO: A presente comunicação tem como objetivo analisar o processo de inserção da fotografia amadora em coleções de museus e centros culturais brasileiros. Desde iniciativas inaugurais como a exposição “Estudos Fotográficos” de Thomaz Farkas no MAM em 1949 e a mostra “Fotoformas” de Geraldo de Barros no MASP em 1951, a fotografia amadora passa a figurar em espaços de mostra e acervos de instituições. Apesar de não ser um fenômeno isolado, o caso brasileiro apresenta peculiaridades importantes que dizem respeito tanto ao processo de formação, quanto guarda e promoção desses acervos. Desta forma, a intenção primeira é de apresentar um panorama dessas iniciativas. Em seguida, gostaríamos de discutir a trajetória das coleções: MASP/Pirelli, a do Instituto Moreira Salles (especificamente o acervo referente a Francisco Albuquerque e Thomaz Farkas) e a do Itaú Cultural. Essas coleções concentram grande parte das iniciativas contemporâneas em torno dessa geração da fotografia brasileira. Palavras-chave: fotografia; fotografia amadora; arte fotográfica; coleção; museus ABSTRACT: This paper aims to analyze the process of integration of amateur photography in museum collections and cultural centers in Brazil. Since the inaugural initiatives such as the exhibition "Photographic Studies" of Thomaz Farkas at MAM in 1949 and "Fotoformas" of Geraldo de Barros at MASP in

1951, the amateur photography becomes an important element in the Brazilian art collections. The Brazilian case presents important peculiarities concerning the process of guard and promotion of these collections. Thus, the first intention is to present an overview of these initiatives. Then we would like to discuss the history of the collections: MASP / Pirelli, the Instituto Moreira Salles (specifically related assets to Francisco Albuquerque and Thomaz Farkas) and Itaú Cultural. These collections concentrate most of contemporary initiatives around this generation of Brazilian photography. Key-words: photography; amateur photography; photographic art; collection; museums

A presente comunicação tem como objetivo analisar o processo de inserção da fotografia artística amadora em coleções de museus e centros culturais brasileiros. Apesar de não ser um fenômeno isolado, o caso brasileiro apresenta peculiaridades importantes que dizem respeito tanto ao processo de formação, quanto guarda e promoção destes acervos. A intenção prevista é de apresentar um panorama dessas iniciativas. Para tanto, é preciso uma definição mais clara do gênero de produção fotográfica que escolhemos como ponto de partida. A prática da fotografia artística amadora está diretamente associada à criação das primeiras associações de fotógrafos. Ao longo da segunda metade do século XIX, essas associações, que convencionalmente passaram a se chamadas de fotoclubes, espalharam-se pelas principais cidades europeias, sendo criadas com êxito também nos Estados Unidos. Em linhas gerais, sua produção era uma resposta ao fenômeno do final do século XIX de “democratização” da prática fotográfica. É preciso se ter em medida que, principalmente com o advento da Kodak Brownie em 1888, o desenvolvimento técnico da fotografia já permitia que pessoas sem o mínimo conhecimento do processo pudessem realizar fotografias pelo simples apertar do botão. Desta forma, os fotoclubes se consolidaram enquanto entidades, que variavam segundo êxito, proporção e alcance, com o intuito de valorizar a perspectiva artística da fotografia, principalmente se colocando em contraposição à prática amadora convencional. Outra clara oposição prevista era em relação aos fotógrafos profissionais. De estúdio ou a serviço de atividades técnicas, a

prática fotográfica profissional representava uma expressão menor, tecnicista, portanto quase operária. Assim como na Europa e nos Estados Unidos, no Brasil os fotoclubes também conheceram relativo sucesso desde o início do século XX, mas, sobretudo, a partir da década de 1940. Em “Arte e Fotografia: o movimento pictorialista no Brasil” (MELLO, 1998), Maria Teresa Villela Bandeira de Mello apresenta um histórico das primeiras manifestações da prática fotográfica artística amadora no território brasileiro. Para além das efêmeras experiências das exposições coletivas do Sploro Photo-Club em Porto Alegre em 19031 e do Photo-Clube do Rio de Janeiro em 19042, apenas em 1923, com a criação do Photo Clube Brasileiro, podemos atestar para o desenvolvimento de um ambiente de produção regular. O Photo Clube Brasileiro era tributário da experiência do Photo Club do Rio de Janeiro na capital federal que, graças principalmente a questões geográficas, mas também conceituais, desenvolveu-se de maneira isolada e descontínua. Ao contrário, o Photo Clube Brasileiro vai contar com uma organização mais elaborada, assim como um verdadeiro projeto para a difusão e o desenvolvimento da prática fotográfica amadora no país. O clube será responsável, por exemplo, pela publicação da revista “Photogramma” entre 1926 e 1931. Neste mesmo sentido, o clube será ainda responsável pela realização do primeiro salão de fotografia amadora a nível nacional em 1940. Após a experiência do Photo Clube Brasileiro no Rio de Janeiro, somente em 1939, efetivou-se a criação de um clube de fotógrafos amadores em São Paulo. O Foto Cine Clube Bandeirante foi fundado a partir de um grupo de amadores que se reuniam na loja Fotoptica, fundada por na capital paulista por uma família húngara. Em virtude da popularidade das suas primeiras atividades e ao trabalho dos seus membros, o FCCB organizará seu primeiro salão internacional em 1943. O clube de São Paulo seria ainda responsável pela co-fundação de outras associações em diferentes regiões do Brasil, permanecendo, sempre, como uma importante referência. O FCCB vai ainda criar uma revista destinada à discussão de questões técnicas e estéticas da fotografia: o Boletim. Publicado a partir de 1948, a publicação se tornou uma das principais publicações do gênero no país. Todo fotoclube realizava, em frequência anual ou bienal, exposições nacionais e internacionais que consolidavam um importante circuito de trocas de imagens. O principal

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O Sporo Photo-Club organizou, em parceria com o jornal Gazeta do Commercio, uma exposição coletiva em 1903, formada por fotografias, mas também outras expressões artísticas. 2 A exposição “Photo-Clube – Exposição 1904” reuniu trabalhos dos artistas Oscar Teffé, Sílvio Bevilacqua, Barroso Neto e Guerra Durval.

registro relegado pelos clubes a respeito dessas exposições são os catálogos que, para além de enumerar todas as imagens e fotógrafos participantes, na maioria das vezes, contavam com a reprodução de algumas fotografias. Contudo, algumas iniciativas inaugurais marcaram esse período e delimitaram as condições para a valorização artística da produção fotográfica amadora. Este foi o caso das mostras individuais dos fotógrafos Thomaz Farkas no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1949, mas também o da exposição “Fotoformas” do artista Geraldo de Barros no Museu de Arte de São Paulo em 1951. Inaugurada em junho de 1949 no “Salão Pequeno” do recém-criado MAM de São Paulo, a mostra “Estudos Fotográficos” de Thomaz Farkas foi o primeiro resultado do trabalho da comissão orientadora da seção de fotografia3 do MAM formada, exclusivamente, por membros do FCCB: o próprio Farkas, Benedito Duarte, Eduardo Salvatore e Francisco Albuquerque. Um dos signatários da fundação do MAM, Farkas havia viajado no ano anterior à Nova York e teve a oportunidade de conhecer, tanto o fotógrafo Edward Weston, quando o diretor de Fotografia do Museu de Arte Moderna da cidade, Edward Steichen. Em artigo4 publicado na revista do FCCB no mês da inauguração da mostra é ressaltado o fato de Farkas tem ingressado no clube quando ainda era adolescente e que movido por uma pesquisa em torno de “ritmos mais candentes e dinâmicos”, acabou por fugir “por uma questão temperamental ao romantismos prevalecente.” No texto era ainda destacada a propensão de Farkas à utilização de “grandes contrastes, das luzes gritantes e das sombras profundas”; em detrimento ao “figurativismo que lhe impunha a objetiva”, o fotógrafo buscava ângulos arrojados e composições resultantes do seu “temperamento cerebral”. A exposição contou com o projeto expográfico de Jacob Rutchi e Miguel Forte, também recentemente regressos de viagem ao EUA. E de maneira geral promoveu uma certa rejeição da parede como suporte. O Museu de Arte de São Paulo também não tardaria a promover uma exposição individual dedicada à fotografia. A mostra “Fotoformas” do artista Geraldo de Barros, também membro do FCCB, foi realizada em 1951. Assim como no caso de Farkas, a relação do artista com o museu não se restringia à realização da mostra; Barros havia sido convidado para montar o laboratório fotográfico do MASP, fato que lhe proporcionou um novo ambiente de produção, para além da escala fotoclubística. Nesse processo, a pesquisa do artista, que já se desenvolvia em torno de composições abstratas, começou a apresentar um “caráter predominantemente construtivo, muito embora o artista não tivesse um 3

O MAM organizaria em 1952 e 1954, duas exposições individuais de outros dois membros do FCCB de São Paulo, respectivamente German Lorca e Ademar Manarini. 4 “Exposição Thomaz J. Farkas”. BOLETIM, junho de 1949. São Paulo, 1949

projeto teórico que norteasse a sua pesquisa.” (COSTA e RODRIGUES, 1995) Barros deixaria o FCCB, mas também a fotografia, pouco tempo depois para se dedicar, principalmente, a processos em torno da gravura. A fotografia na trajetória de formação como artista de Geraldo de Barros conviveu paralela e transversalmente com a pintura, o desenho e a gravura. Contudo, em sua exposição no Museu de Arte de São Paulo em 1951 coube à fotografia catalisar grande parte dos questionamentos formais do artista, principalmente a sua recusa ao figurativismo e certa atração por elementos do construtivismo. A expografia da mostra era resultado não apenas do afã do artista, que privilegiou aspectos geométricos e o uso estruturas tridimensionais, mas correspondia ao projeto museográfico inovador do MASP. Na montagem final, alguns dos cilindros verticais utilizados correspondiam ao material previsto pelo museu na configuração de exposições temporárias. A exposição no MASP foi seguida por um período de viagem à Europa, graças a uma bolsa oferecida pelo governo francês. O caso do Foto Cine Clube Bandeirante é emblemático, mas é preciso se ter em medida que a interseção entre museu e fotografia não é algo exclusiva da experiência paulistana. O reconhecimento institucional da fotografia artística se efetivou a partir de um conjunto importante de variáveis, dentre elas a mais significativa talvez tenha sido a criação do Setor de Fotografia em 1940 no Museu de Arte Moderna de Nova York, sob a tutela Beaumont Newhall. Todavia, o setor foi antecipado pelo sucesso da exposição Photography 1839-19375 organizada em 1937. Segundo pesquisa realizada por Diana Dobranszky (DOBRANSZKY, 2008), a mostra, que ocupou os quatro pavimentos do museu, foi acompanhada por um processo de pesquisa que incluiu viagens à França e à Inglaterra. A ambição de Newhall era grande, guiado pelo desenvolvimento técnico, o curador buscava dar conta da história de quase um século da fotografia. Para nosso percurso, interessa explorar, sobretudo, a seção de fotografia contemporânea composta pelo curador. Para a conformação dessa seção, Edward Weston e Ansel Adams foram, entre os norte-americanos, os principais conselheiros de Newhall e, além de cederem cópias de suas imagens, indicaram uma série de trabalhos de fotógrafos ao curador. No continente europeu, Moholy-Nagy foi o principal contato de Newhall, tendo cedido inclusive dezesseis fotografias de sua autoria que continham experimentações com fotogramas e também imagens coloridas. Ainda compunham a mostra, entre outras personalidades, Man Ray, Paul Strand e Brassaï. 5

A exposição foi acompanhada por um catálogo de autoria de Newhall que mais tarde daria origem ao seu célebre e pioneiro livro: History of Photography.

No que diz respeito à questão do Brasil, Helouise Costa afirma que: A vinda de Nelson Rockefeller ao Brasil, em novembro de 1946, acelerou o processo de implantação dos museus modernos no país. Rockefeller, que havia retomado a presidência do Museu de Arte Moderna de Nova York naquele ano, trouxe treze obras de arte para serem doadas aos futuros museus brasileiros como uma forma de manifestar concretamente o seu apoio e o da instituição que dirigia. (COSTA, 2014, p. 108)

No período anterior à criação dos primeiros museus do país, foi a iniciativa de Sérgio Milliet, com a criação da Seção de Arte da Biblioteca Municipal de São Paulo em 1945. Como diretora foi nomeada a escritora e crítica de arte Maria Eugênia Franco, estabelecendo a seção como importante referência para uma nova geração de artistas da cidade, assim como para a formação do público. Foi nesse contexto que foi realizada a exposição “Fotografia Artística”, nome brasileiro da mostra Creative Photography organizada pelo Departamento de Exposições Itinerantes do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) em 1945. A mostra contou com 47 imagens, dividida em três seções – o caráter artístico da fotografia, o fotógrafo e as especificidades de seu trabalho e a câmera fotográfica e suas potencialidades – das quais 26 eram imagens autorais e creditadas a 18 diferentes fotógrafos, sendo eles: Helen Lewitt, Ansel Adams, Ralph Steiner, Wayne Miller, Charles Sheeler, Andreas Feininger, Arthur Rothstein, Edward Weston, Henri CartierBresson, Louise Dahl-Wolfe, Walker Evans, Erich Salomon, Berenice Abbott, Paul Strand, Edward Weston, Arthur Rothstein, R. Martin, Barbara Morgan e Cedric Wright. No entanto, o pleno desenvolvimento nos anos 1950 e 1960 da prática fotográfica artística no Brasil, inicialmente ligada à atuação dos fotoclubes, não foi acompanhado por políticas de preservação e formação de acervos. Essa geração de fotógrafos só teria novo protagonismo nos anos 1980, em um primeiro momento graças às iniciativas da Fundação Nacional de Artes, a FUNARTE. Foi na galeria da sede na instituição, no Rio de Janeiro, que foi organizada em 1981 a exposição “Hermínia de Mello Nogueira Borges – Fotografias”. Em 1983, graças ao trabalho de pesquisa do curador Paulo Herkenhoff em torno da trajetória e das imagens do carioca José Oiticica Filho, entomólogo do Museu Nacional e antigo membro da Associação Brasileira de Arte Fotográfica, foi então organizada na mesma galeria, em 1983, a exposição “José Oiticica Filho: a ruptura da fotografia nos anos 50”. Se o trabalho de Oiticica Filho havia sido uma referência no circuito de fotoclubes do país, mas também no exterior, ele era ainda figura pouco reconhecida no cenário artístico, sendo mais frequentemente lembrado como pai do então já célebre Hélio Oiticica. A relação com o filho foi inclusive uma das vias que garantiam a legitimidade do reconhecimento tardio do pai, não graças a um determinismo biológico,

claro, mas principalmente em virtude da afinidade visual que eles desenvolveram nos primeiros anos da década de 1960, em torno das questões do neoconcretismo. Se a chancela da FUNARTE6 e a assinatura de um curador que pouco tempo depois viria a assumir a curadoria chefe do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a fotografia e, principalmente a geração brasileira dos 1950 e 1960, parecia ganhar um reconhecimento definitivo na comunidade artística do país. Neste sentido, também colabora a criação do Departamento de Fotografia, Vídeo e Novas Tecnologias em 1986, sob a tutela de Pedro Vasquez. É neste contexto, por exemplo, que Hermínia Borges, fotógrafa amadora e viúva de João Nogueira Borges, o eterno presidente do Foto Clube Brasileiro do Rio de Janeiro, doa em 1987 o acervo do antigo clube carioca. O acervo incluía cópias fotográficas, catálogos de exposições nacionais, mas também exemplares da revista “Photogramma”, publicada pelo FCB entre 1926 e 1931. Este material foi a principal referência para a já citada pesquisa de Maria Teresa Bandeira de Mello, publicada pela FUNARTE na década de 19907. Se nos anos 1960 e 1970, Thomaz Farkas teria se engajado principalmente em projetos cinematográficos, sua influência nas instituições promotoras de arte no Brasil ainda se fazia presente a partir dos anos 1980. Em São Paulo, tanto no MAM, quanto na Fundação Bienal e MASP, Farkas foi um conselheiro influente, contribuindo decisivamente para projetos de aquisição e doação de fotografias. Com a presença de Farkas, mas também dos pesquisadores Rubens Fernandes Júnior e Boris Kossoy, desde a sua primeira edição em 1991, a coleção MASP/Pirelli, dedicada exclusivamente à aquisição de trabalhos fotográficos, resultou em uma dos mais completos acervos fotográficos do país. Alguns dos mais influentes fotógrafos da geração dos anos 1950 e 1960 estão presentes na coleção, tais como Geraldo de Barros, Chico Albuquerque e German Lorca, dentre outros. Esse processo denota o reconhecimento institucional, mas também histórico dessa geração, além de ter proporcionado um interessante jogo de interseção quando da realização das mostras. No MAM, entre os anos 1990 e 2000, através de doações, aquisições e comodatos, foi construído um acervo singular com imagens de figuras como o próprio Farkas, além dos recorrentes: German Lorca e Geraldo de Barros. Foi também o MAM o palco escolhido para a sua primeira exposição individual desde 1949: “Thomaz Farkas: fotógrafo” em 1997. 6

Dentre outras iniciativas de promoção da arte fotográfica a FUNARTE foi responsável pela organização das “Semanas Nacionais de Fotografias”, entre 1982 e 1989. 7 Apesar da referência às cópias fotográficas pertencentes à “Coleção Hermínia Borges” na obra de Bandeira de Mello, atualmente o acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro não conta hoje com imagens de ex-membros do FCB, à exceção de uma fotografia de Pedro Calheiros. A coleção fotográfica do período também é composta por fotografias de Stefan Rosenbaum e José Oiticica Filho.

Em processo paralelo e, por vezes, suplementar, algumas instituições privadas também passaram a contar no seu acervo com imagens diretamente ligadas à geração amadora dos anos 1950 e 1960. A partir de 1995, o Instituto Moreira Salles passou a se dedicar à formação e preservação de um acervo fotográfico8. A aquisição de grande parte da coleção dos fotógrafos Chico Albuquerque e, principalmente, Thomaz Farkas contribuiu consideravelmente para o reconhecimento artístico de ambos, tanto do ponto de vista institucional, quanto mercadológico. Em 2002, foi promovida “Fotografias de Thomaz Farkas” na sede da instituição no Rio de Janeiro, a primeira exposição do fotógrafo organizada pelo IMS. Já em 2011, pouco antes do falecimento do artista, o Instituto lançou a mostra “Thomaz Farkas: uma antologia pessoal” em São Paulo e remontada na cidade de Poços de Caldas em Minas Gerais. O acervo de obras de arte do Itaú Cultural, que começou a ser formado na década de 1960, conta hoje com cerca de 12 mil itens entre pinturas, gravuras, esculturas, fotografias, filmes, vídeos, instalações, edições raras de obras literárias e outras peças que dizem respeito, exclusivamente, à história da arte brasileira. No acervo fotográfico, o destaque fica para a coleção de imagens produzidas entre as décadas de 1940 e 1970 por antigos integrantes de fotoclubes brasileiros, com destaque para os ex-membros do Foto Cine Clube Bandeirante de São Paulo. A variedade, mas principalmente a qualidade das obras que compõem a coleção, deu início a uma série de exposições, iniciadas pela “Realidade Construídas: do pictorialismo à fotografia moderna”, sob curadoria de Helouise Costa. Neste primeiro recorte a partir do acervo, Costa que havia sido responsável, juntamente com Renato Rodrigues, pela pesquisa que na década anterior classificava parte dessa geração como os expoentes da fotografia moderna brasileira. Na exposição, o polo decididamente pictorialista ficava a cargo das imagens de da carioca Hermínia Borges, já citada anteriormente e que fora um dos principais expoentes do Foto Clube Brasileiro até interromper sua produção ainda no início da década de 1950, após a morte de seu marido. No outro polo podemos encontrar figuras como Geraldo de Barros e Thomaz Farkas, que ainda no início da década de 1950 construíram uma carreira para além do FCCB. Entre os dois polos, encontram-se outros fotógrafos paulistas como José Yalenti e Eduardo Salvatore, cuja produção era marcada pela diversidade de referências, passando por figuras como Ademar Manarini, Gaspar Gasparian e German Lorca que se destacariam como 8

Em primeiro lugar, vieram a aquisição da coleção de Gilberto Ferrez e do colecionador Pedro Corrêa do Lago. As imagens produzidas pelo antropólogo francês Claude Lévi-Straus na década de 1930 a partir da cidade de São Paulo foram adquiridas em seguida. Logo depois vieram as coleções do fotógrafo francês Marcel Gautherot, realizadas no Brasil entre as décadas de 1940 e 1980. Atualmente, o acervo do IMS totaliza mais de 800 mil imagens que datam, primordialmente, desde o século XIX até a década de 1980.

expoentes do que se convencionou chamar de “Escola Paulista”. A mostra ainda contou com imagens do carioca José Oiticica Filho, o fotógrafo-cientista que até os anos 1960 ficou marcado pelas suas séries de experimentações abstratas. Após a primeira experiência em 2001, o Itaú Cultural realiza entre 2013 e 2014 a mostra “Moderna para Sempre – fotografia modernista brasileira”, com a curadoria de Iatã Cannabrava9. Entre a exposição de 2001 e a de 2013, uma diferença importante: se em 2001, o número de expositores se resumia a nove fotógrafos, em 2013 esse número alcançava a cifra de 26. Em primeiro lugar, esse fato denota o aumento material da coleção do Itaú Cultural, mas principalmente, a preferência por fotografias de inclinações modernas. Esse fenômeno, resultado tanto da valorização histórica e institucional e sua consequente valorização no mercado contemporâneo de arte, via representação de diversas galerias. Outro exemplo fundamental é o “Acervo Sesc de Arte Brasileira, mantido pela organização cível e que detém o maior acervo de positivos do fotógrafo Geraldo de Barros, tendo promovido a coleção em diversas mostras coletivas, mas principalmente através da exposição “Geraldo de Barros e a Fotografia” promovida em parceria com o Instituto Moreira Salles em 2014. No mesmo ano, a cessão, em regime de comodato de 50 anos, de 275 fotografias do Foto Cine Clube Bandeirante ao Museu de Arte de São Paulo traçou as bases para um novo processo de apropriação desta geração. Diferentemente das experiências monográficas que a anteciparam, quanto das mostras coletivas que ocorreram ao longo dos anos 2000, a exposição, que contou com a curadoria da artista Rosangêla Rennó, proporcionou uma discussão mais aprofundada da experiência dessa geração de fotógrafos. Se nas montagens de Iatã Cannabrava, o curador já dedicava atenção à questão do intenso processo de compartilhamento de imagens que o circuito fotoclubístico proporcionava, no caso de “Foto Cine Clube Bandeirante: do arquivo à rede”, à atenção de Rennó se volta

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Sócio proprietário do Estúdio Madalena, Iatã Cannabrava já havia realizado duas exposições tendo como ponto de partida essa geração de fotógrafos. A primeira foi realizada em 2006 no Museu da Imagem e do Som em São Paulo e teve o título “Mostra Fotoclubismo Brasileiro”, reunindo 140 fotografias, produzidas entre 1940 e 1970 e oriundas de 30 diferentes fotoclubes do país. A segunda mostra foi realizada entre 2007 e 2008 pela Galeria Bergamin, em São Paulo, “Fragmentos – Modernismo na Fotografia Brasileira” reuniu trabalhos de 24 fotógrafos produzidas entre as décadas de 1940 e 1950, sendo eles: Geraldo de Barros, Thomaz Farkas, José Yalenti e German Lorca. Os fotógrafos relacionados nesta exposição são Ademar Manarini, Álvaro Pereira Gomes, André Carneiro, Chakib Jabor, Dalmo Teixeira Filho, Délcio Capistrano, Eduardo Enfeldt, Eduardo Salvatore, Francisco Quintas Jr., Gaspar Gasparian, Georges Radó, Geraldo de Barros, German Lorca, Gertrudes Altschul, Gunter E.G. Schroeder, João Bizarro da Nave Filho, José Yalenti, Lucilio Correia Leite Jr., Osmar Peçanha, Paulo Pires, Roberto Yoshida, Rubens Teixeira Scavone, Thomaz Farkas e Tufi Kanji. Cannabrava também foi responsável pela curadoria, juntamente com Mônica Caldiron, da mostra comemorativa “Foto Cine Clube Bandeirantes – 70 anos”, realizada em 2009 no Centro Cultural São Paulo.

definitivamente para a questão do intercâmbio de fotografias. Em curta da definição da proposta10: Arquivo é o que se constituiu pelo conjunto de fotografias que se acumulavam nas gavetas do FCCB. As gavetas continham as fotografias que viajavam pelo mundo, participando de exposições e salões. Cada fotografia é mais que uma imagem, pois guarda, em seu verso, o histórico de seu percurso por meio de selos, anotações e carimbos. Esse verso é tão importante quanto a imagem, pois registra sua participação numa vasta, prolífica e duradoura rede de intercâmbio de fotografia e informação. Por essa razão, a exposição exibe a frente e o verso das fotografias. Para enfatizar a ideia de rede, as cópias fotográficas foram organizadas cronologicamente, de acordo com sua primeira participação em uma exposição. A opção de expor as fotografias sem molduras, ocupando os painéis inclinados em duas faixas lineares, é uma referência à maneira simples e despretensiosa como elas eram originalmente mostradas nos salões.

Na montagem proposta por Rennó, as fotografias ganham em dimensão histórica, não são tidas apenas como um produto final, mas relacionadas a uma complexa rede. Neste percurso, inclusive os versos das imagens ganharam protagonismo, na medida em que atestam para a existência de um percurso físico, material, a qual aquela fotografia estaria ligada. Para além dos aceites e recusas, da legitimação ou do ostracismo, essas imagens estão sendo vistas, analisadas, colocadas em paralelos com imagens de outros lugares do mundo. O processo de reconhecimento da geração de fotógrafos amadores dos anos 1950 e 1960 no Brasil se realizou mediante diferentes empreitadas. Se ainda nos 1950, alguns personalidades conseguiram legitimar a prática fotográfica como fazer artístico, apenas nos 1980 esse percurso alcançou a dimensão institucional. Em paralelo, assistiu-se também à entrada de algumas dessas imagens no mercado, sendo algumas dessas personalidades representadas por diferentes galerias no Brasil e no exterior. Nos anos 2000, graças às políticas de doação e aquisição, essa geração de fotógrafos passou a protagonizar vários dos principais acervos fotográficos do país. Internacionalmente a crescente valorização da fotografia amadora, principalmente a chamada fotografia vernaculaire, ou amadora sem pretensões artísticas, através de imagens como as de Vivian Maier, se faz presente através de diferentes iniciativas. No caso brasileiro, os últimos 30 anos de trabalhos em torno da fotografia conseguiram estabelecer a geração dos fotógrafos amadores do pós-Guerra como algumas das principais personalidades do meio no país. 10

RENNÓ, Rosângela. “FOTO CINE CLUBE BANDEIRANTE: DO ARQUIVO À REDE”. Museu de Arte de São Paulo, 2015 Disponível em: http://masp.art.br/masp2010/exposicoes_integra.php?id=254&periodo_menu= (Acesso em 23/04/2016)

Bibliografia COSTA, Helouise e RODRIGUES, Renato. A Fotografia Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ: IPHAN: FUNARTE, 1995. COSTA, Helouise. A exposição como múltiplo: lições de uma mostra norte-americana em São Paulo, 1947. An. mus. paul. vol.22 no.1 São Paulo Jan./June 2014 DOBRANSZKY, Diana. “A legitimação da fotografia no museu: o Museum of Modern Art de Nova York e os anos Newhall no Departamento de fotografia” (Tese), Unicamp (Instituto de Artes), 2008 MELLO, Maria Teresa Bandeira de. Arte e Fotografia: o movimento pictorialista no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte, 1998. POIVERT, Michel. « Les relations internationales du pictorialisme au tournat du siècle ». In. : POIVERT, Michel (org.). Le salon de photographie – Les écoles pictorialistes en Europe et aux États Unis vers 1900. Paris : Musée Rodin, 1993 RENNÓ, Rosângela. “FOTO CINE CLUBE BANDEIRANTE: DO ARQUIVO À REDE”.

Museu

de

Arte

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São

Paulo,

2015

Disponível

em:

http://masp.art.br/masp2010/exposicoes_integra.php?id=254&periodo_menu= (Acesso em 23/04/2016)

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