A insignificância e o STF

May 26, 2017 | Autor: Felipe Freitas | Categoria: Racismo
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26/12/2016

Brado Negro

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"A RESISTÊNCIA NEGRA É A MATRIZ DO QUE QUER QUE VENHAMOS A REALIZAR COMO COLETIVIDADE." EDSON CARDOSO

Re埸�exões

A INSIGNIFICÂNCIA E O STF Uma sandália de borracha no valor de R$ 16. Quinze bombons artesanais no valor de R$ 30. Dois sabonetes líquidos íntimos, no valor de R$ 48. Estes foram os produtos furtados por cidadãos brasileiros que foram a julgamento em nossa Suprema Corte no último dia 03 de agosto. No primeiro caso – das sandálias – o réu era reincidente, ou seja, já havia sido condenado por outro crime quando do furto das sandálias. No segundo – dos bombons artesanais – o crime era quali埱�cado, o réu escalou um obstáculo para furtar, e, no terceiro – dois sabonetes – teria havido concurso de agentes, ou seja, mais de uma pessoa praticando o crime, o marido teria feito barreira para mulher furtar. O objetivo da discussão no Plenário do Supremo Tribunal Federal era decidir se nestes http://bradonegro.com/produtos.asp?PagAtual=10&TipoID=4

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casos – com as circunstâncias apresentadas – era cabível ou não a aplicação do princípio da insigni埱�cância, segundo o qual o direito penal não deve se ocupar de fatos pouco relevantes como subtração de pequenas quantias. Trata-se de um princípio reconhecido no direito brasileiro que busca impedir que o direito penal incida sobre temas de pouca lesividade como o furto de objetos de pequeno valor. Entende-se que estes casos devem ser tratados por outras áreas do direito, não pelo direito penal. A discussão foi longa e os ministros recorreram a grandes e quali埱�cadas teses. O doutor Luís Roberto Barroso, isolado, defendeu que por se tratar de “furto insigni埱�cante” o adequado seria considerar o fato materialmente atípico – ou, em bom português, fato que, em função da realidade (pequeno valor do objeto furtado), é irrelevante ao direito penal e que, mesmo sendo de埱�nido legalmente como crime, materialmente deveria ser tratado como ilícito civil (onde pode ser de埱�nida a obrigação de que o acusado restitua o bem ou mesmo que o ofendido peça indenização). O Ministro não estava aprovando o furto, mas, dizendo que, pelas circunstâncias, seria mais adequado que a questão fosse resolvida longe da esfera penal. Os argumentos levantados foram muitos e muito quali埱�cados: alegou-se que o sistema penal brasileiro não ressocializa e que, pelo contrário, apenas produz novas e mais graves violências; que é dramática a situação de superpopulação carcerária e que portanto não era razoável “mandar para cadeia” uma nova horda de pretos-pobres por fatos tão banais ou ainda a comparação com casos de sonegação em que, mesmo mediante a lesão ao erário, evita-se o acionamento do sistema penal quando não se excede o valor de R$ 20.000,00. Em outras palavras, o ministro demonstrou numa sólida argumentação que é desproporcional mobilizar o sistema penal em ilícitos como estes. Contudo, tal entendimento não foi majoritário. Baseados num ideário geral de medo e crença excessiva na punição, os demais ministros acordaram que a Corte não deveria 埱�xar uma tese – dar uma decisão geral sobre o tema - e que cada juiz, caso a caso, deveria analisar se era ou não possível aplicar o princípio da insigni埱�cância. Ou seja, muito “pudor” para reconhecer que o “insigni埱�cante” é “insigni埱�cante” e que, portanto, não é cabível pôr em risco a liberdade – esta sim a mais signi埱�cante das garantias – em função do que é, como já veri埱�camos, insigni埱�cante. É um jogo de palavras que não serve para cuidar da vida e daquilo que nela é fundamental. Como em outros momentos da história das instituições brasileiras o medo interdita a realização do que é evidente. Em nome da defesa da ordem perde-se a chance de fazer justiça. É um velho cacoete nacional que durante anos adiou o 埱�m da escravidão, que criou contenções para que os negros ocupassem lugares de prestígio e de poder e que tem interrompido vidas de jovens brilhantes com argumentos de guerra as drogas por medo de que se corrompa a família nacional. É o medo que nos paralisa. A decisão do STF, que pode ser de埱�nida como mediana diante da tragédia diária do http://bradonegro.com/produtos.asp?PagAtual=10&TipoID=4

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punitivismo nacional, revela como as nossas instituições recuam diante de grandes possibilidades de avanço. Ao invés de 埱�rmar uma decisão ousada e ajustada com o que há de melhor na doutrina sobre direito penal o Supremo Tribunal Federal escolheu uma saída moderada que frustrou a todos os que cotidianamente se debatem diante do morticínio das cadeias superlotadas, do judiciário com pilhas e pilhas de prisões provisórias sem analisar e do Ministério Público que, sem possibilidades de intervenções mais efetivas e quali埱�cadas, termina sucumbindo ao discurso da punição, punição, punição. Num país em que mais de cinquenta mil pessoas são mortas por ano e mais meio milhão de pessoas estão presas – uma grande parte sem julgamento ou já tendo cumprido a pena – é de espantar que o furto de uma sandália de borracha; quinze bombons artesanais e dois sabonetes líquidos íntimos não sejam, de pronto, declarados como insigni埱�cantes.

Felipe da Silva Freitas é mestre em direito pela Universidade de Brasília e membro do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana / BA.

PARTICIPAÇÃO IMPRESCINDÍVEL http://bradonegro.com/produtos.asp?PagAtual=10&TipoID=4

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