A Insolvência de Pessoas Singulares - Que Caminho?

June 29, 2017 | Autor: A. Conceição | Categoria: Insolvency Law, Bankruptcy Law, Bankruptcy and Insolvency Law, Insolvency
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A insolvência das pessoas singulares – qual o caminho mais adequado? Newsletter do Centro de Investigação em Estudos Jurídicos n.º 2 www.ciej.ipleiria.pt

Desde 2011 que o número de insolvências de pessoas singulares tem ultrapassado o número de insolvências de pessoas coletivas (sociedades comerciais, associações, fundações ou cooperativas) ou de patrimónios autónomos (heranças, por exemplo). Neste momento, de acordo com os dados da Direção Geral de Política da Justiça, cerca de 69% das insolvências serão de pessoas singulares. Quando falamos de pessoas singulares estamos a referir-nos a um largo espectro de casos: consumidores, profissionais liberais, profissionais autónomos, empresários em nome individual e garantes pessoais, como sejam fiadores e avalistas. Deste modo, compreende-se que não só os consumidores e os empresários em nome individual preenchem a estatística mas também, em grande número, administradores e sócios de pessoas coletivas declaradas insolventes. Assim sendo, será que o CIRE dá uma resposta adequada a insolvências com causas tão díspares? Consideram-se insolventes, de acordo com o artigo 3.º n.º 1 CIRE, todos aqueles que se encontram impossibilitados de cumprir com as suas obrigações vencidas, ou seja, que careçam de liquidez para fazer face aos compromissos assumidos, de uma forma estrutural e permanente, o que implica o não cumprimento pontual e regular da generalidade das obrigações (podendo a insolvência basear-se apenas numa única obrigação, se não existirem outras). Estão incluídas aqui, dependendo do caso concreto, dívidas provenientes de créditos bancários, tributários ou relativos à Segurança Social, dívidas de serviços públicos essenciais, relacionadas com habitação, educação, saúde ou outras relativas à vida familiar, dívidas comerciais (que se podem comunicar ao cônjuge, caso o regime do casamento seja o de comunhão, de acordo com artigos 14 Código Comercial e 1691.º n.º 1 alínea d) do Código Civil) ou, no caso de sócios de sociedades comerciais insolventes, dívidas provenientes de avales ou mesmo suprimentos.

Nestes casos, cumpre ao insolvente ou, caso seja casado em comunhão de adquiridos, aos cônjuges que pretendam ser declarados insolventes, apresentar-se à insolvência, de forma a antecipar-se ao pedido de declaração de insolvência de outros legitimados, como sejam os credores, nos termos do art.º 20.º CIRE. Caso o insolvente ou um dos insolventes seja empresário em nome individual, terá apenas 30 dias para se apresentar à insolvência, nos termos do art.º 18.º n.º1 CIRE, desde a data de conhecimento da situação de insolvência ou desde o incumprimento generalizado, por mais de três meses, de dívidas tributárias, à segurança social, a trabalhadores ou originadas por mútuo ou rendas relativas à habitação própria e permanente ou a local onde se exerça atividade comercial (como indicam os artigos 18.º n.º 3 e 20.º n.º1 alínea g) CIRE). Caso não exista nenhum empresário, é aconselhável, caso pretenda solicitar a exoneração do passivo restante, que o devedor ou devedores se apresente à insolvência nos seis meses seguintes à sua verificação (artigo 238.º n.º 1 d) CIRE). Todavia, há que decidir qual das soluções do CIRE melhor se adequa ao caso concreto. Para este efeito, o CIRE incorpora os dois modelos de tratamento da insolvência de pessoas singulares – por um lado, o modelo reeducativo, que prevê que o insolvente/insolventes apresente(m) um plano de pagamentos aos credores, de forma a cumprir o maior número possível de obrigações e a conservar a generalidade dos seus bens; por outro, o modelo do fresh start, que prevê a liquidação dos bens do devedor na íntegra, seguido de cinco anos de pagamento aos credores, findo o qual se perdoarão as dívidas remanescentes, com exceção de dívidas tributárias, pensões de alimentos, dívidas provenientes de indemnizações ou multas e coimas. Apesar de serem apresentados como alternativa, estes modelos não se aplicam, de forma ótima, aos mesmos tipos de insolvente, pelo que não se compreenderá o facto da esmagadora maioria dos insolventes optar pela exoneração do passivo restante, mesmo quando não é o tratamento mais adequado. O plano de pagamentos permite ao devedor, nos termos do art.º 249.º CIRE, quando não é empresário ou, sendo-o, não tiver dívidas laborais, mais de 20 credores ou um passivo superior a €300 000 euros, renegociar com os seus credores, incluindo moratórias, perdão de dívidas, dação em cumprimento ou mesmo liquidação seletiva dos seus bens. Neste caso, será mais adequado para os devedores que possuam rendimentos e não pretendam liquidar o seu património na íntegra. Além disso, o plano de pagamentos, quando aprovado ou homologado pelo juiz, é um mecanismo célere, anónimo e mais

barato para solucionar a insolvência, mesmo quando comparado com outros mecanismos mais recentes, como PER (que implica publicidade e pagamento ao administrador de insolvência). Por último, o plano de pagamentos inclui devedores que estejam inclusivamente de má-fé, como sejam os que se endividaram de forma dolosa ou negligente. Já a exoneração do passivo restante serve outro tipo de insolventes: aqueles que preferem que o seu património seja liquidado ou, de forma mais adequada, aos insolventes que não possuem bens ou rendimentos, sendo aplicada apenas aos devedores de boa-fé (art.º 238.º CIRE). Neste caso, a declaração de insolvência é pública, o insolvente perde os seus direitos de administração e disposição a favor do administrador de insolvência, sendo um processo mais caro, mais moroso e mais complexo de ultrapassar por uma pessoa singular, no sentido em que, para além de perder os seus bens, o insolvente terá de esperar pelo encerramento da liquidação para que se inicie o período de cessão de rendimentos aos credores. O processo pode, neste caso, durar muitos anos, sujeitando-se o devedor a um conjunto de deveres apertados e à fiscalização do fiduciário, em regra, a quem terá de pagar uma remuneração, devendo ainda ceder aos credores todo o seu rendimento disponível. No que concerne ao rendimento indisponível, nele se incluem as despesas essenciais do devedor

e

agregado

familiar,

despesas

profissionais

e

outras

devidamente

salvaguardadas (art.º 239.º n.º 4 CIRE). Todavia, muitos tribunais entendem que o salário mínimo nacional é o adequado por cada devedor, ignorando muitas vezes despesas superiores devidamente justificadas, podendo ponderar-se se não estará em causa o direito constitucional à dignidade humana. Em conclusão, cabe a cada insolvente analisar o seu caso concreto, optando pela solução mais adequada, o que nem sempre passa pela popular exoneração do passivo restante.

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