A Instrução Franciscana e a Reforma Pombalina na Capitania da Paraíba Setecentista (1750-1777)

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A INSTRUÇÃO FRANCISCANA E A REFORMA POMBALINA NA CAPITANIA DA PARAÍBA SETECENTISTA: CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES (1750-1777) Lucas Gomes Nóbrega1 Universidade Federal da Paraíba [email protected]

Damião Oliveira Neto2 Universidade Federal da Paraíba [email protected]

RESUMO O presente artigo pretende apresentar as considerações iniciais de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde agosto de 2015 na Iniciação Científica a respeito dos franciscanos e a sua suposta pedagogia seráfica, que se constituiu a partir da atuação da Ordem dos Frades Menores no Brasil Colonial. Assim, o objetivo deste trabalho é primeiramente analisar a ação de instrução das primeiras letras e o ensino de gramática realizado pelos missionários seráficos no período de 1750 à 1777 com enfoque na Capitania da Paraíba durante o reinado de D. José I. Para tanto, será articulado na discussão o caráter das reformas educacionais propostas pelo Marquês de Pombal, assim como a expulsão dos jesuítas da América Portuguesa em 1759, sendo analisado de que forma essas reformas trouxeram um caráter centralizador e secular para a Metrópole, que tinha menor controle da colônia, visto a considerável influência que as ordens religiosas possuíam no período colonial. Pretende-se também, a partir da documentação do Arquivo Histórico Ultramarino, demonstrar a carestia que sofria a população referente a escassez de professores régios neste período para exercerem o ensino de gramática. Palavras Chave: Franciscanos; Mestres de Gramática; Reforma Pombalina.

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Graduando do Curso de Licenciatura em História da UFPB e bolsista de Iniciação Científica (PIBICUFPB/CNPq), orientado pela Profa Dra. Carla Mary S. Oliveira no Plano de Trabalho “As livrarias franciscanas entre o Setecentos e o Oitocentos: acervos e temáticas em Pernambuco e na Paraíba”, parte do Projeto de Pesquisa “Os franciscanos e a Pedagogia Seráfica: Instrução e História da Leitura nas Capitanias/ Províncias do Norte do Estado do Brasil (séculos XVIII e XIX)”. Graduando do Curso de Licenciatura em História da UFPB e bolsista de Iniciação Científica (PIBICUFPB/CNPq), orientado pela Profa Dra. Carla Mary S. Oliveira no Plano de Trabalho “Os franciscanos e sua atuação na instrução intramuros: os lentes, os mestres de gramática e a formação dos noviços”, parte do Projeto de Pesquisa “Os franciscanos e a Pedagogia Seráfica: Instrução e História da Leitura nas Capitanias/ Províncias do Norte do Estado do Brasil (séculos XVIII e XIX)”

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Introdução Considerando documentos como o Novo Orbe Seráfico Brasílico3 e as Atas Capitulares4, podemos constatar a presença de aulas de Gramática ou Primeiras Letras, ministradas pelos frades franciscanos, desde 1650 nas Capitanias do Norte, a começar por Sergipe. E posteriormente, se tratando de classes elementares, havia mestres de gramática ministrando aulas para a população em quase todas as partes conventuais das capitanias do Norte, nas casas da Paraíba (1709); de Cairu (1718-1780) e São Francisco do Conde (1763-1771), de Serinhaém (1719) e Ipojuca (1719-1780), em Pernambuco, além de outras localidades. Existe uma continuidade dessa forma de instrução seráfica, até mesmo no contexto da Reforma do Marquês de Pombal (1759), que determinava a substituição dos vigentes instrutores religiosos pelos professores régios. A sociedade do período colonial está envolta a uma moral cristã problemática, isto é, em meio a um conflito entre as ordens religiosas (interna, porque se refere aos domínios da Igreja), e posteriormente por condutas de influência iluminista, quando nos referimos a Reforma Pombalina (desencadeando um estranhamento por parte da Igreja, em relação as propostas de maior secularização no que se refere a formação dos colonos, expandindo externamente o conflito), que trouxe mudanças na educação brasileira com a expulsão dos jesuítas e a lento declínio das aulas avulsas de Gramática ministradas pelos frades franciscanos, atividade que até então estava predominantemente nas mãos do religiosos. É plausível afirmar a iniciativa dos frades franciscanos em relação à formação dos indígenas e dos colonos, desde do limiar de suas missões no Brasil, centralizando o evangelho, mas para isso era necessário a compreensão da Gramática Latina ou das primeiras letras. Com essa constatação simples, podemos perceber um padrão que perpassa o período colonial e segue para o Império (como a seguir, a documentação compulsada sugere), que poderíamos chamar de “sistema pedagógico religioso ou evangelístico”, porque primeiro se ensina a ler para sobrepor depois o ensino do Evangelho. Caso o sujeito ensinado demonstrasse determinado “talento”, poderia ser inserido no rol dos noviços e aprender assuntos mais complexos, como Teologia e Filosofia além das outras artes, como Retórica e Filosofia. Maria do Carmo Tavares de Miranda (1969) em seu livro Os franciscanos e a formação do Brasil, nos leva a discussões pertinentes no que se refere à formação dos colonos, dos índios e dos noviços. Ela dirá, principalmente na seção dedicada ao ensino (escolas de primeiras letras, artes e ofícios), que os franciscanos não apenas se esforçavam na formação dos indígenas, mas também na obra cultural onde eram fundados os conventos, “abrindo aulas de gramática, ou primeiras letras, onde os religiosos, como professores”(MIRANDA, 1969, p.199) e o faziam sem remuneração ou outro ganho. A autora também atenta para as distinções dos tipos de aulas de gramática, dizendo que as “escolas de gramática ou aulas, devemos distingui-las dos Seminários de Gramática para coristas, pois 3

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JABOATAM, Fr. Antonio de Santa Maria (OFM). Novo Orbe Serafico Brasilico ou Chronica dos Frades Menores da Província do Brasil. 2 vols. Rio de Janeiro: Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2010. “ATAS Capitulares da Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil (1649-1893)”. Introdução e notas de Fr. Venâncio Willeke, OFM. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, vol. 286, jan./mar. 1970, p. 92-222.

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eram endereçados aos meninos e adultos das localidades e se constituiam como casas em que se ensina a ler, escrever e contar” (MIRANDA, 1969, p. 199). Essa informação é de suma importância, porque nos mostra que havia uma organização em termos de nível de ensino e uma sistemática pedagógica, quanto ao ensino das primeiras letras (ler e escrever) e das primeiras noções da matemática, e que não necessariamente se privavam a formação de noviços e catequização dos silvícolas, mas se expandiam a outras áreas de ensino e a construção cultural dos sujeitos daquelas regiões, tendo em vista uma formação geral. Isso pode explicar a atuação franciscana no ofício do ensino, ainda no começo da presença dos professores régios, e como se abordará mais a frente, principalmente por causa da escassez de mestres de gramática. Em 1718 já estavam instaladas as primeiras aulas ou escolas de gramática que os frades capuchos ministravam, e para tal exercício cediam espaços em seus conventos, tratando-se aqui de prática escolar continuada. Porém, em 1782 inicia-se de fato a substituição dos mestres franciscanos pelos professores régios. A última dessas escolas em conventos termina suas atividades em 1785. Frei Antônio de Santa Tereza mantinha, ainda no convento de Santo Antônio do Pará, uma escola gratuita de Gramática, enquanto Frei Antônio de São Camilo e Lellis Carvalho, quando Guardião de Olinda (1868-1872), oferecia aulas “aos melhores meninos e formando em vocações” (MUELLER, 1945, p. 140). A partir desse contexto foi possível constatar que os franciscanos exerceram grande contribuição e influência na formação da cultura brasileira, de um jeito ou de outro, esse processo se dando num momento mais intenso ou se dando num momento mais silencioso. Como também seguirmos para o âmago da questão discutida, a das continuidades e descontinuidades referentes à instrução da Gramática (ler, escrever e contar), a influência franciscana nessa forma de ensinar, a chegada de outros pedagogos (seculares) buscando uma centralização maior para o Estado português e o problema da falta de mestres de gramática e a demanda da população por esse tipo de ensino. Tentar compreender essas contradições é o objetivo desse trabalho. Com a pesquisa apoiando-se em sua primeira fase nos documentos avulsos do Arquivo Histórico Ultramarino, foram encontrados registros relevantes referentes seja à ação de instrução franciscana na Paraíba e em Pernambuco, em documentos que estão diretamente ligados à presença desses missionários no Nordeste colonial. Tendo em vista o período estudado e por consequência, a característica própria das fontes, foi necessário iniciar a prática paleográfica de leitura e transcrição de documentos coloniais. A partir disso, foi possível realizar a análise e a crítica documental, aparecendo assim as primeiras questões instigantes referentes ao tema estudado. Problemática anunciada Com a morte de D. João V, ascende ao trono do Império português o rei D. José I, que governará de 1750 até 1777. Foi em sua administração que Sebastião José de Carvalho e Melo ascendeu ao cargo de secretário do Estado Português, tornando-se posteriormente o Marquês de Pombal, esteve envolvido em uma série de acontecimentos importantes da História portuguesa como a reconstrução da capital metropolitana após o Terremoto de Lisboa de 1755 e o Processo dos Távora.

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O que nos interessa aqui é chamar a atenção principalmente sobre a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759 e a instituição do Alvará de Professores Régios do mesmo ano – por meio do qual o ensino tornou-se responsabilidade de docentes ligados ao Estado Monárquico Português – duas ações executadas pelo Marquês de Pombal que ilustram, inicialmente, os principais eixos no tocante à área educacional, daquilo que seria nomeado, posteriormente, de Reformas Pombalinas. Ao analisarmos o caráter dessas reformas, ou seja, aquilo que foi proposto a se fazer, não seria ingênuo de se pensar que essas mudanças resultariam em uma administração centralizadora, enfraquecendo certa autonomia que as ordens religiosas possuíam – principalmente os jesuítas – de liderar missões de catequese e instrução, cada um a seu modo e em diversas capitanias, então há mais de dois séculos na América Portuguesa. Ao retirar o encargo de clérigos para exercerem a docência livremente, não podemos atribuir uma postura totalmente secular, visto que Portugal continuava a possuir orientação católica, definindo que o ensino feito pelos professores régios teria como uma das bases a religião, como podemos perceber com a leitura do artigo V da Carta de Lei de 06 de novembro de 1772: Que os Mestres de ler, escrever, e contar sejam obrigados a ensinar não sómente a boa fórma dos caracteres, mas tambem as Regras geraes da Orthografia Portugueza, e o que necessario for da Syntaxe della, para que os seus respectivos Discipulos possam escrever correcta, e ordenadamente: Ensinando-lhes pelo menos as quatro especies de Arithmetica simples; o Catecismo, e Regras da Civilidade em hum breve Compendio.5

Por conseguinte, é necessário destacar que esta Carta de Lei que trazia uma regulamentação feita por D. José I para orientar os professores régios, tendo sido publicada 23 anos depois da Instituição do Alvará, o que demonstra um espaço de tempo considerável sem uma sistemática definida para a ação desses docentes pela Corte portuguesa. Nesse ínterim, como veremos adiante, a Capitania da Paraíba passou a enfrentar um grave problema para compreender o que deveria fazer diante dos pedidos do povo por receber o ensino de letras e de gramática. A demanda por mestres de gramática na Capitania da Paraíba Após a consulta do catálogo de documentos manuscritos avulsos do AHU 6, foi possível encontrar uma carta e um ofício enviados ao Conselho Ultramarino, a primeira por parte dos oficiais da Câmara da Capitania da Paraíba em 1772 e a segunda pelo capitãomor Jerônimo José de Mello e Castro em 1776, demonstrando ao governo metropolitano a necessidade de se permitir que clérigos pertencentes às ordens dos beneditinos, dos carmelitas ou dos franciscanos se ocupassem da ação de instrução, em função da 5

Carta de Lei de 6 de novembro de 1772. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2016. 6 OLIVEIRA, Elza Regis de; MENEZES, Mozart Vergetti de & LIMA, Maria da Vitória Barbosa (Orgs.). Catálogo dos Documentos Manuscritos Avulsos Referente à Capitania da Paraíba, Existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002.

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inexistência de professores-régios, tendo em vista a expulsão dos jesuítas do Brasil, informando uma situação difícil que havia se formado: A indigensia q experimentaõ os Naturaes moradores desta cidade da Paraiba de Professorez de Letras, para a Educasão de seos filhos, nos comove implorar a V. Mag.e o providencie remedio desse necesario bem, [...] e como a nessa mesma Cide tres Religioĕs de S. Bento, S. Francisco, e Carmo, [...] podem os Religiosos de qualquer dessas exercer esse grande beneficio sendolhes assim decretado pela indefecivel providensia de V. Mage. [...] 30 de abril de 1772, Manoel de Barroz Silva, Escrvao. da Camara, q o escrevi. Bento Luiz da Gama Mathias Leal de Lemos Franco Soares Neiva Domgos Joze da Rocha7

Com relação aos franciscanos, os paraibanos os citam pelo trabalho que já realizavam como mestres de gramática junto aos conventos de Penedo8 e Igarassu em Pernambuco e em Conde de Sergipe, na Bahia, onde estavam responsáveis por fazer a instrução em aldeias e escolas, havendo, portanto, um interesse para que eles também assumissem de forma temporária tais atividades na Paraíba: Depois q se expulsaram os chamados Jesuitas ficou esta Cid. e, a Capitania sem Mes de Gramatica, e sevai toda a mocide arcando sem estudos, e brevemente se redusira tudo a huma sensivel ignoransia. Ja expus e dei Requerimento a S. Mag. e que mandou procurase a providensia do Diretor dos Estudos que ate este ponto a nao deu. Paresiame justo que P.es Franciscanos fossem ensinando Gramatica assim como a estam praticando na v.a da Caza do Penedo e de Igarassu e na Cid.e de Sergipe onde os religiosos sao Mes publicos de Gramatica. V. Mag.e a V. Sa Par. 6 de novembro de 1776. Jerônimo José de Mello e Castro.9

Destacamos alguns questionamentos pertinentes em relação ao documento acima, que pode ampliar a nossa percepção de análise e de crítica a ele: a justificativa para o envio dessa carta pelos oficiais da Câmara da Paraíba se baseava em expor um problema que só seria resolvido com a resposta do governo de Além-Mar ou na verdade, já se tinha uma solução pensada e ao mesmo tempo aplicada, e apenas se buscava uma legitimação de uma prática já existente? E também poderíamos sugerir a formação de uma hostilidade ao 7

CARTA dos oficiais da Câmara da Paraíba, ao rei [D. José I], sobre a necessidade de professores para substituírem os jesuítas; e propondo o aproveitamento dos clérigos das ordens de São Bento, São Francisco e do Carmo, existentes naquela cidade. 30 de abril de 1772, Paraíba. (AHU_ACL_CU_014, Cx. 25, D. 1925). 8 Até 1817 o território que viria a formar a Capitania e logo em seguida Província de Alagoas fazia parte de Pernambuco. 9 OFÍCIO do [governador da Paraíba], brigadeiro Jerónimo José de Melo e Castro, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Martinho de Melo e Castro, sobre a capitania ter ficado sem mestres de gramática, com a expulsão dos jesuítas; e propondo que os padres franciscanos exerçam a função. Cidade da Paraíba, 06 nov. 1766 (AHU_ACL_CU_014, Cx. 25, D. 1977).

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projeto de educação régia, considerando que estava se constituíndo um desmantelamento acerca da forma de ensino vigente, ou seja, estritamente ligado às ordens religiosas? É bem possível que os religiosos como os beneditinos, carmelitas e franciscanos citados no ofício enviado pelos oficiais da Câmara, enquanto permaneciam no impasse para saber uma definição vinda do Conselho Ultramarino a respeito desse assunto, já executavam de forma não regularizada o ensino de gramática para a mocidade na Paraíba. Até porque antes da decretação do Alvará, essas ordens religiosas já promoviam tais ações há bastante tempo e sem a chegada dos professores régios na Capitania da Paraíba, elas provavelmente continuaram a fazê-lo. É uma possibilidade que a autora Maria do Carmo Tavares de Miranda trabalha em relação aos frades capuchos10, tendo em que vista que “as escolas continuam [...] e só em 1782 os professores régios começam a substituir os mestres franciscanos” (MIRANDA, 1969, p. 201). Essa possibilidade de haver diferenças reais entre aquilo que era ordenado pela metrópole e o que era executado nas Capitanias não era novidade. E as razões para isso são muitas. O próprio padre jesuíta Antônio Vieira (1608-1697) ao fazer uma metáfora utilizando o comportamento do sol e da sombra para demonstrar de que forma se configurava as ações envolvendo o poder nas capitanias e o governo de ultramar, fornece uma explicação interessante a respeito desse emaranhado no período colonial: A sombra, quando o sol está no zênite, é muito pequenina, e toda se vos mete debaixo dos pés; mas quando o sol está no oriente ou no ocaso, essa mesma sombra se estende tão imensamente, que mal cabe dentro dos horizontes. Assim nem mais nem menos os que pretendem e alcançam os governos ultramarinos. Lá onde o sol está no zênite, não só se metem estas sombras debaixo dos pés dos príncipes, senão também dos de seus ministros. Mas quando chegam àquelas Índias, onde nasce o sol, ou a estas, onde se põe, crescem tanto as mesmas sombras, que excedem muito a medida dos mesmos reis de que são imagens. (SOUZA, 2006, p. 09)

Ao reduzirmos a escala de análise para observar a Capitania da Paraíba, temos o seguinte quadro: por um lado, os franciscanos que tinham como principal objetivo continuar o seu estabelecimento na América Portuguesa e executar a sua missão evangelizadora; por outro lado, Jerônimo José de Melo e Castro (Capitão-Mor) e os oficiais da Câmara procurando não perder a autonomia e o controle da Paraíba que tinha sido anexada à Pernambuco ao final de 1755, logo após o terremoto de Lisboa, numa conjuntura em que o Estado monárquico português tentava legitimar um novo projeto de administração do rei D. José I, que incluía a reforma educacional proposta pelo Marquês de Pombal, com uma magnitude que tentava conectar Portugal às suas colônias. O próprio Jerônimo José de Melo e Castro é um personagem significativo nesse contexto. Ele enviava cartas constantemente ao Conselho Ultramarino indagando a respeito da situação da Capitania da Paraíba. Elza Régis de Oliveira traz a seguinte interpretação:

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O termo capucho se refere ao capuz usado pelos frades franciscanos, não confundir com os capuchinhos.

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Na verdade, o governo político e econômico da Capitania da Paraíba estava subordinado à de Pernambuco. A maior indignação de Jerônimo José de Melo e Castro é que também o governo militar fora açambarcado pela capitania dominante, ficando a Paraíba sem nenhuma autonomia, quando, até bem pouco, aquele governador, segundo afirma, fazia o provimento dos oficiais militares confirmados pelo Rei e pelo Conselho Ultramarino. Sente-se, evidentemente, a força da dominação de Pernambuco, pois não eram necessárias ordens reais para impor à Paraíba sua vontade. (OLIVEIRA, 2007, p. 114)

Dessa forma, a questão da falta de professores-régios de gramática era mais um motivo para aumentar o desgaste entre o capitão-mor da Paraíba e o Concelho Ultramarino. Como também a oportunidade dos franciscanos exercerem o que eles sabem fazer de melhor: se adequar as novas circunstâncias educacionais, não perdendo seu princípio religioso. Os frades franciscanos e a Província de Santo Antônio do Brasil O Fr. Domingos da Purificação enviou em 1779 um extenso relatório sobre a situação em que se encontrava a Província de Santo Antônio do Brasil, contendo também anexos de 1739 com representações ao Concelho Ultramarino, relações com a quantidade de conventos, missões, o nome de frades pertencentes à Ordem e também o seu lugar de nascimento. Nesse momento, havia passado 2 anos da morte de D. José I e o início do reinado de D. Maria I. Entretanto, as informações no longo documento enviado a rainha nos ajudam a compreender a realidade que se encontravam os conventos durante as últimas décadas: E bem ponderado, a Prov.a so nao pode reger bem so com o numero prefixo do Estatuto; pois alem dos nativos asima memoriados, os Religiozos tem chegado huns, e vam chegando outros a idade de decrepitos ja pela velhissa ja pelas molestias q padecem; outros vam attingindo a idade ou graduaçoes, em q pelos seus merecimentos adquiridos ja nas aulas, ja nos ministerios Prelaticios, o mesmo Estatuto os izenta dos exercicios mais laboriozos, e de muitos actos de comunidad.e e sendo estes nao poucos, ja ficam as mesmas comunidad. es defraudacoens p.a os seus actos, os conventos p.a os precizos petitores: sendo p isso mesmo precizo haverem sogeitos mais mancebos, p.a a tudo cedo se poder acodir com a devida providencia. Os quaes faltam pela prolongada falta, q tem havido de aceitaçao. 11

O surgimento de doenças e a velhice não eram os únicos fatores que traziam a preocupação ao Provincial. Afinal de contas, as ordens religiosas sofriam com o decreto 11

CARTA do provincial da Província de Santo Antônio do Brasil, frei Domingos da Purificação, à rainha [D. Maria I], sobre a relação dos Religiosos da Ordem Franciscana em cada um de seus conventos. Recife, 11 nov. 1779. AHU_ACL_CU_015, Cx. 135, D. 10107. Anexo 3, fl. 13.

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que “proibia a aceitação de noviços [...] sem que houvesse especial licença do governo” (MIRANDA, 1969, p. 92), publicado em 30 de janeiro de 1764 por D. José I. A medida que os frades morriam, não se tinha novos frades em formação para repor os quadros da congregação. E essa realidade será um dos fatores que explica o enfraquecimento das ordens religiosas nos anos seguintes. Na citação abaixo da mesma carta, o Fr. Domingos da Purificação relata os problemas que essa proibição estava acarretando no funcionamento das missões nos diversos conventos espalhados pelo Brasil: Senhor da C.a do Recife de Pernambuco dei conta a V. Mag. e de que o G.or, e Capitaó G.L daquella Capitania Henrique Luiz Pereira Freyre, me mandou intimar hua ordem, pela qual V. Mag. e, me ordenava, nao recebese a Prov.cia mais noviços, thé reduzir os frades ao numero de duzentos, que assim era a primitiva instituiçaó, visto que ja chegavaó ao numero de settecentos. Desta cidade da B. a dei a mesma conta com a ocaziaó de receber a carta de V. Mag. e com a ditta ordem, protestando a minha obediencia, e pronta execuçaó, naó só a esta ordem, como a todos as que V. Mag.e for servido mandame, porque serei inalteravel. [...] Porem nao posso deixar de reprezentar a V. Mag. e a grande necessidade, q tem a Provincia de operarios, e a consternação, em que ficará, nao Recebendo noviços; Simul, e a falsidade da informaçao que a V. aMag.e se deo, dizendose que a Provincia tinha quazi settecentos frades, devendo só serem duzentos pela sua primitiva instituiçaó, falsidade, em que até agora nao fallei nas cartas antecedentes, porque agora conclui a indagaçaó , que fis sobre esse ponto. 12

Em outra parte da carta, há uma descrição detalhada acerca das necessidades que os conventos possuíam para o seu bom funcionamento: Cada hum dos Conventos necessita de ter Guardiáo, Prezidente, Porteiro, Sachristaó, Despenceiro, Comissario dos Irmâos treceiros, Mestre que ensina Gramatica aos filhos dos moradores, ao menos quatro coristas, que com hum ou dous velhos sao doze, ou treze frades, impedidos, e impossibilitados para o serviço de fora do Convento, seis confessores nao bastaó porque os nossos conventos estaó dentro das Villas, quatro Pregadores, e quatro ou seis esmoleres para os peditorios: isto hé nos Conventos mais pequenos e das V.as que nos 3 conventos mayores da cidade da B.a, da cidade de Olinda, e da Villa do Recife, oito, e dez Pregadores sao poucos pelos mt.os sermoens; e trinta Confessores nao dao expediçaó ao grande povo,que concorre a missas. Igrejas nos dias festivos; só em todas as segundas Domingas dos mezes vem mais de trezentos Irmaos terceiros ganhar seu Jubeleu a que chamao Rasoura. Nestes tres conventos conserva a Provincia estudos effectivos de Philosophia, Theologia, e Moral, onde ocupa em cada hum dizesseis, e

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AHU_ACL_CU_015, Cx. 135, D. 10107. Anexo 5, fl. 18.

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dezoito frades, entre Mestres, Estudantes, e Passantes, e saó necessetados mais esmoleres para o sustento destes frades. 13

A hipótese de que não havia professores régios na Paraíba entre 1759-1777 – só havendo o início das trocas de mestres franciscanos pelos docentes nomeados em 1782 – torna-se ainda mais dramática quando olhamos a realidade precária dos conventos e a quantidade de frades que ainda restavam durante esse período. Considerações Finais Um dos grandes desafios de se fazer uma pesquisa desse seguimento sobre os franciscanos é a questão das fontes. É muito discutida entre estudiosos da História da Educação, a ideia de que os frades seráficos não tinham o costume de deixarem documentação sobre a sua história, diferentemente dos jesuítas. No entanto, a partir do Arquivo Histórico Ultramarino, o Arquivo Provincial de Recife e obras como o Novo Orbe Seráfico Brasílico e os Estatutos14 da Ordem, são alguns exemplos de fontes importantíssimas para as pesquisas que tem se realizado sobre o assunto. Iglesias (2012) argumenta sobre as dificuldades relativas às fontes dos Seráficos referente ao assunto estudado. Diz que há uma escassez considerável de fontes primárias, como podemos ver, por exemplo no Novo Orbe, por parte de Frei Jaboatão, a falta de preocupação em fazer referência às fontes primárias, o que era corriqueiro as crônicas da época. A possível solução sugerida pela mesma, seria revisitar, interpretar e reinterpretar cuidadosamente as documentações primárias e secundárias existentes, que geralmente fazem breve menção acerca do tema em questão. Dessa maneira, percebemos que a omissão ou os poucos resquícios deixados sobre as aulas de gramática ou instrução de primeiras letras exercidas inicialmente pelos mestres franciscanos e posteriormente, praticamente ignorados pelas fontes tratadas nesse artigo, segue com os professores-régios nas Capitanias do Norte (com enfoque na Paraíba), quando vemos a diminuição dos primeiros nessa ária de atuação, tem muito o que exalar ao faro do historiador perspicaz. A omissão ou os diminutos resquícios tem nos revelado através de suposições, como se percebe na proposta elaborada por esse trabalho, muito mais do que se houvesse dito abertamente. Há lacunas que até o momento da pesquisa ainda não foram elucidadas, por exemplo, de que forma os franciscanos ensinavam a gramática latina? Qual era o perfil social das pessoas que participavam das aulas? Por que nas fontes franciscanas nunca é citado a questão da reforma pombalina? Nesse sentido, esperamos visitar novamente essa discussão e trazer novas considerações posteriormente.

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AHU_ACL_CU_015, Cx. 135, D. 10107. Anexo 5, fl. 20. ESTATUTOS da Província de S. Antonio do Brasil. Lisboa: Na Officina de Manoel & Joseph Lopes Ferreyra, MDCCIX [1709]. Disponível em: . Acesso em: 02 jan. 2012.

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Referências Bibliográficas IGLESIAS, Tania Conceição. “Os franciscanos e a primeira experiência missionário-educativa no Brasil colonial (1538-1548)”. In: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut; RIBAS, Maria Aparecida de Araújo Barreto & SKALINSKI JR., Oriomar (orgs.). Origens da Educação escolar no Brasil colonial – Volume I. Maringá: EDUEM, 2012, p. 115-147. MIRANDA, Maria do Carmo Tavares de. Os franciscanos e a formação do Brasil. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1969. MUELLER, Frei Bonifácio. Olinda e suas Igrejas: esboço histórico. Recife: Livraria Pio XII, 1945. OLIVEIRA, Elza Régis. “Da anexação à autonomia: 1755-1799”. In: _____________. A Paraíba na crise do século XVIII: subordinação e autonomia. 2. ed. João Pessoa: Ed. Universitária/ UFPB, 2007. OLIVEIRA, Elza Régis de; MENEZES, Mozart Vergetti de & LIMA, Maria da Vitória Barbosa (orgs.). Catálogo dos documentos manuscritos avulsos referentes à Capitania da Paraíba, existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2002. SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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