A INTER-RELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O DIREITO SAÚDE: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TJES NO QUE TANGE À INTERNAÇÃO EM UTI

Share Embed


Descrição do Produto

1

A INTER-RELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O DIREITO SAÚDE: ANÁLISE DAS DECISÕES DO TJES NO QUE TANGE À INTERNAÇÃO EM UTI1 Helena Carvalho Coelho2 Izabella Elisa Guimarães Soares3 Rafael Lazzari4 Orientadora: Juliana Matias5

SUMÁRIO Introdução – 1 Princípio da Igualdade – 2 Direito à Saúde – 3 A interrelação entre direito à saúde e o princípio da igualdade no que tange à internação em UTI: estudo da aplicação destes princípios pelo TJES –

Conclusão –

Referências

RESUMO Em função das controvérsias existentes na problemática de internação em leito de UTI, no que tange ao conflito entre o direito à igualdade e o direito à saúde, várias ações foram movidas no TJES para que seja garantida a segurança da internação. Assim o objetivo deste estudo foi verificar o conflito desses princípios nessas decisões e como eles são entendidos pelo TJES. Para discutir essas questões, foi realizado um estudo, por meio do método dialético, haja vista que há confrontos do direito à saúde com o direito à igualdade. Desta feita, foram verificadas as possíveis

1

COELHO, Helena Carvalho; LAZARI Rafael ; SOARES Izabella ; MATIAS Juliana . A inter-relação entre o princípio da igualdade e o direito à saúde: análise das decisões do TJES no que tange à internação em UTI. In: Elda Coelho de Azevedo Bussinger. (Org.). Princípios Constitucionais e Direito à Vida: uma experiência integrativa de ensino e pesquisa. 01ed.curitiba: editora crv, 2014, v. 01, p. 113-124. 2 Graduanda em Direito na Faculdade de direito de Vitória. Cursou um semestre de Derecho em Castilla La Mancha – Espanha campus Toledo. 3 Graduanda em Direito na Faculdade de direito de Vitória 4 Graduando em Direito na Faculdade de direito de Vitória. 5 Mestranda em Filosofia na Universidade Federal do Espírito Santo. Licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Bacharel em Teologia pela Filemom Escola Superior de Teologia, curso livre. Pesquisadora no BIOGEPE, grupo de estudo, pesquisa e extensão em bioética e políticas públicas, FDV. E-mail: [email protected]

2

consequências sociais das decisões e as implicações das mesmas no conflito de princípios.

PALAVRAS-CHAVE: Princípio da Igualdade; Direito à saúde; Internação em leitos de UTI´s; Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).

INTRODUÇÃO O Estado Democrático de Direito se consolida na efetivação e proteção dos direitos fundamentais. Para tanto, alguns princípios basilares são consagrados, dentre eles destaca-se como um de seus pilares o princípio da igualdade.

A Constituição Federal de 1988 traz de forma positiva no artigo 5º o princípio da igualdade ao estipular que todos são iguais perante a lei, contudo tal princípio deve ser visto tanto sob a ótica formal quanto sob a material que segundo Aristóteles será tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

O princípio da igualdade se materializa em diversas situações, tal como direito de todos à educação, à moradia, à saúde, entre outros. Dentre eles insta frisar o direito à saúde, que é dever do Estado garantir a todos igual acesso quando necessário.

No Brasil vemos como meio de garantia ao direito à saúde o Sistema Único de Saúde (SUS), que atualmente se mostra insuficiente para abarcar de forma eficaz a população que necessita de tal atendimento. Desta forma, muitas vezes os cidadãos se veem obrigados a recorrer ao direito de ação judicial para garantir tal tutela, seja para o fornecimento de certos medicamentos, seja internação em leito da UTI, ou ainda seja em cirurgias de urgência.

Nesse contexto, surge a problemática quanto à internação em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), uma vez que é de conhecimento geral que não há leitos suficientes para suprir a demanda. O que leva a uma avalanche de mandados de

3

segurança, todos com o mesmo pedido: internação em leito de UTI. A grande maioria dos magistrados, ao serem provocados por tais ações acabam conferindo a segurança, pautando-se na obrigação do Estado perante o direito à saúde da pessoa, contudo sem abordar de forma mais profunda a questão da falta de leitos. O direito de saúde, tendo seu fundamento na igualdade garantiria a todos igual acesso ao Sistema Único de Saúde, logo aos leitos da UTI. Contudo, sabemos que apesar desse dever, os recursos públicos são escassos e preciosos, o que obriga a Administração a se adaptar a cruel realidade de que não há recurso para todos. Assim, quando confrontado judicialmente, o Estado, muitas vezes, se justifica com base no conceito jurídico Germânico da reserva do possível.

Contudo, é preciso salientar que não se pretende discutir se há uma falta de leitos no atual sistema de saúde, ou mesmo se o Estado é obrigado a prover mais leitos. Neste ínterim, foi analisada à temática da igualdade, sob a ótica do direito à saúde com ênfase na problemática de como aplicar o princípio da igualdade ao caso diante do conflito existente entre a reserva do possível e o dever do Estado em garantir o direito à saúde.

O tema do SUS vem chamando atenção de muitos autores, que vem ao mesmo tempo questionar e elogiar esse sistema. A discussão aqui tem como fundamento os aspectos jurídicos, sem olvidar os sociais, pois os pesquisadores são acadêmicos de Direito.

Desta feita, busca-se trazer uma resposta jurídica, por meio dos questionamentos movidos nesse trabalho, o que tem como justificativa até mesmo a própria busca pela justiça, que já ocorre, por meio de diversas ações movidas em face tanto de hospitais privados, quanto de hospitais públicos.

Pelo exposto, afere-se a relevância social para o estudo deste assunto, uma vez que essa discussão perpasse o âmbito acadêmico e implica questionamentos que vem de toda a sociedade. Nesse intuito, quer-se trabalhar melhor essa questão, para ir além daquilo que é divulgado nos periódicos, e, mais, além das decisões judiciais do TJES sobre o tema.

4

Para discutir essas questões, foi realizada uma análise qualitativa a partir das decisões do TJES sobre o assunto, em que se buscou trazer à tona às consequências sociais das mesmas, ou seja, a situação em que se encontram os leitos de UTI no Espírito Santo e como as decisões veem interferindo nesse sentido.

1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE O princípio da igualdade é primordial para o sustento do Estado Democrático de Direito, sua história emerge desde as antigas civilizações gregas quando foi concebido por Aristóteles ao desenvolver acepções sobre o que seria justiça. (D’OLIVEIRA, 2011, p.2) Entretanto, conforme explica Rocha (1990, p.29) coube a “Licurgo a primazia de uma proposta efetiva no sentido de fazer-se da igualdade um princípio jurídico, uma formulação social e até mesmo um projeto econômico a prevalecer em Esparta”.

Além disso, na história do princípio da igualdade, surgiram importantes documentos no reconhecimento da igualdade jurídica, dentre eles, a legislação romana das XII Tábuas, que consagrou

a igualdade entre patrícios e plebeus, o Edito Perpétuo que estende a igualdade às populações de outras etnias e o Edito de Caracala ou Constitutio Antoniniana, que concede o direito de cidadania a todos os habitantes do império. (ROCHA 1990. p. 30)

Importante documento que trata do princípio da igualdade é a Declaração Universal dos Direitos dos Homens que trata em seu primeiro artigo da igualdade entre os homens (D’OLIVEIRA, 2011, p.8)

Nesse contexto, a primeira Constituição a tratar de forma efetiva o princípio da igualdade foi a de Virgína de 12 de Junho de 1776, que em seu artigo 1º determinou que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes. (ROCHA, 1990, p.30)

5

No Brasil, a primeira Constituição a versar acerca do princípio da igualdade foi a de 1934, que estabelecia em seu artigo 113, I a igualdade perante a lei, e a vedação a distinção por motivos de sexo, raça, nascimento e etc. (D’OLIVEIRA, 2011, p.9)

Na atual Constituição Federal de 1988 consagra-se o principio da igualdade no caput do Art. 5º com a expressão "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]", do qual se extrai ser uma igualdade, chamada de formal, por se tratar da vedação de discriminação perante a lei, ou seja, as normas jurídicas devem estar em conformidade com o princípio da igualdade.

Dessa forma, conforme explica Mello (1997, p.9)

Entende-se, em concorde unanimidade, que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia.

Entretanto, o princípio da igualdade não deve se limitar ao aspecto formal, mas também ser visto sobre o aspecto material, que pode ser entendido atualmente, pela máxima Aristotélica que a entendeu como consistindo em "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais". Nesse sentido, Bulos (2009, p. 420) ao citar Ruy Barbosa acrescentou que “a regra da igualdade não consiste senão em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam”. Deste modo, o princípio da igualdade não se resume apenas a formalidade de tratamento igual perante a lei, que impeça discriminações diante do texto normativo, mas também deve ser considerado na medida em que se pretende tornar a igualdade real, ou seja, possibilitar a criação de medidas que igualem aqueles que sofrem desigualdades, discriminações. Nesse sentido D’ Oliveira (2011, p.3) explica que a igualdade material é um princípio programático, uma meta ou um objetivo a ser alcançado pelo Estado em atuação conjunta com a sociedade. Necessita da edição de leis para minimizar as diferenças que não sejam naturais entre os indivíduos, mas também de atos concretos por parte do

6

Poder Público e da mudança de posicionamento de toda a sociedade para que possamos chegar a plenitude do princípio.

Assim, explica a autora que a igualdade material deve ser efetivada através do Poder Público junto com a sociedade, uma vez que ambos exercem papel importante na concretização da igualdade. O princípio da igualdade, também, norteia a efetivação de outros direitos fundamentais ou princípios, como por exemplo, proporcionar aos cidadãos uma vida digna, o que nos leva ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A Constituição da República Brasileira de 1988 consagrou em seu artigo 1º, III o princípio da dignidade da pessoa humana como sendo um dos fundamentos da República. (BRASIL, 1988, p.9)

Nas palavras de Delgado (2010, p.39) a Carta Magna brasileira

incorporou o princípio da dignidade humana em seu núcleo, e o fez de maneira absolutamente atual. Conferiu-lhe status multifuncional, mas combinando unitariamente todas as suas funções: fundamento, princípio e objetivo. Assegurou-lhe abrangência a toda a ordem jurídica e a todas as relações sociais. Garantiu-lhe amplitude de conceito, de modo a ultrapassar a visão estritamente individualista em favor de uma dimensão social e comunitária de afirmação da dignidade humana.

Dessa forma, Sarlet (2001, p.60) traz o conceito do princípio da dignidade da pessoa humana como sendo

qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

Dessa forma, trata-se de uns princípios mais importantes existentes, isso por que, apesar de difícil conceituação, trata-se de característica inerente ao ser humano. Tal direito fundamental consiste em ações positivas do Estado no sentido de garantir uma vida digna a todos.

7

Portanto, as normas jurídicas devem sempre estar em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, de tal maneira que só possa sofrer flexibilização no momento em que se visa a igualdade dos demais a fim de alcançar o próprio princípio em questão. Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana se interliga ao da igualdade na medida em que, para que exista uma condição de dignidade é preciso que todos tenham iguais oportunidades, que sejam tratados igualmente na medida de suas desigualdades6. Ademais, ambos os princípios tem por finalidade a proteção do ser humano.

Além disso, o princípio da igualdade encontra-se em consonância com diversos outros direitos, tal como os da educação, da saúde, e outros. Dentre eles importante dissertar acerca do direito à saúde, que é dever do Estado garantir a todos igual acesso.

2 DIREITO À SAÚDE É desde os tempos antigos que o corpo humano fascina os estudiosos com seus mistérios. Foi visando desvendá-los que o homem desenvolveu a medicina, a arte de investigar e curar.

Conforme a lição de Batistella, Hipócrates, que é considerado o pai da medicina, editou várias obras ensinando a diagnosticar e tratar uma série de doenças. Nessas obras ele leciona que a saúde seria o perfeito estado de equilíbrio do corpo e que esse estado deveria ser mantido, do contrário ocorreria a "doença"7.

6

Tal lição aristotélica, bem como ensinamentos trazidos por Rui Barbora, é de suma importância, visto que, tratando desigualmente os desiguais é que se possibilidade a inserção dos mesmos, ou a garantia de que eles tenham a possibilidade de se tornarem iguais aos demais. Em outras palavras, é tratando desigualmente os desiguais que se possibilidade a efetivação, bem como a garantia de vários direitos fundamentais elencados na Constituição Federal, para que pessoas que foram desfavorecidas em razão de certos fatores, tais como históricos ou sociais tenham iguais oportunidades daqueles que não sofreram com fatores que levaram a desigualdade. 7 BATISTELLA, Carlos. O território e o processo saúde-doença. Disponível em < http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/index.php?livro_id=6&area_id=2&autor_id=&capitulo_id=13&arquivo =ver_conteudo_2>. acessos em 05 mar. 2013.

8

Seguindo o mesmo autor, até mesmo durante a famigerada idade média, tempos em que a doença era vista como castigo pelos pecados praticados, cuidados básicos de saúde coletiva foram implementados, frente à enorme necessidade de se combater as diversas moléstias que se propagavam devido ao fenômeno de expansão das cidades da época8.

Atualmente, o conceito mais abrangente e mais aceito é o editado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que definiu a saúde como "um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade"9.

Em âmbito nacional, nossa carta magna trouxe a saúde como um direito social, previsto no caput do art. 6º que nos diz:

[...] São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 2011, p.11)

Ainda que o direito à saúde não esteja listado no rol do art. 5º da CF, a doutrina e a jurisprudência pátria consolidaram o entendimento de que ela é considerada direito fundamental social, como é evidenciado no julgado colacionado adiante:

o direito à saúde é direito fundamental, dotado de eficácia e aplicabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres entre as partes, superada a noção de norma meramente programática, sob pena de esvaziamento da força normativa da Constituição. (AG (41165 SC 2008.04.00.041165-5, Relator: Relator, Data de Julgamento: 07/04/2009, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 20/05/2009).

Além do art. 6º, a Constituição contempla o direito à saúde em diversas outras passagens, com destaque para o art. 196, pois ele estabelece, dentre outras coisas,

8

BATISTELLA, Carlos. O território e o processo saúde-doença. Disponível em . acessos em 05 mar. 2013 9 SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Disponível em . acessos em 05 mar. 2013.

9

o direito universal e igualitário à saúde, sendo dever do Estado garantir esse direito, mediante políticas sociais e econômicas.

O artigo acima não apenas elenca a saúde como dever estatal, mas cria a obrigação de que ele deve atuar de forma positiva estabelecendo programas, ações e serviços públicos, de forma gratuita, no intuito de efetivar e garantir o direito à saúde do cidadão.

Mais adiante, o artigo 198 da Constituição Federal de 1988, dita diretrizes que devem ser observadas na construção de um sistema único destinado a cumprir a prestação estatal para com o cidadão. A Lei 8.080/90, que criou o nosso Sistema Único de Saúde, foi editada com o objetivo de regulamentar o disposto no artigo anteriormente citado.

Diferentemente da Constituição, a Lei 8.080/90 é explicita em expor o direito à saúde como um direito fundamental, reforçando o entendimento jurisprudencial e doutrinário, já que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade direta" (BRASIL, 2011, p.11).

Em suma, o texto constitucional cria a obrigação Estatal de suprir toda e qualquer necessidade relativa à saúde do cidadão, seja por meio de políticas públicas, investimentos em infraestrutura, ou contratação de pessoal. Nesse sentido

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REMESSA NECESSÁRIA. PRELIMINAR DE PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO REJEITADA. MÉRITO. AUSÊNCIA. VAGA. UTI. REDE PÚBLICA. RESPONSABILIDADE ESTATAL. EFETIVAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. GARANTIA CONSTITUCIONAL.1. REJEITADA A PRELIMINAR DE PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO, PELA MORTE DO AUTOR.2. O ENTE ESTATAL É OBRIGADO A ASSEGURAR O DIREITO À SAÚDE, DE FORMA CONTÍNUA E GRATUITA AOS CIDADÃOS, CONFORME AS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NA C ARTA POLÍTICA (ARTIGO 196), BEM COMO NA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL (ARTIGOS 204/216), PORQUANTO SE TRATA DE UMA GARANTIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL, SENDO DEFESO À ADMINISTRAÇÃO SE FURTAR A ESTE DEVER LEGAL (ARTIGO 37, CF).37CF3. O DIREITO A SAÚDE É PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, GARANTIDO MEDIANTE A IMPL EMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, IMPONDO AO ESTADO A OBRIGAÇÃO DE CRIAR CONDIÇÕES OBJETIVAS QUE POSSIBILITEM O EFETIVO ACESSO A TAL SERVIÇO.4. REMESSA OFICIAL CONHECIDA E DESPROVIDA. (159059520088070001 DF

10

0015905-95.2008.807.0001, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 21/03/2012, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 30/03/2012, DJ-e Pág. 176)

O que nos leva à problemática abordada neste artigo, vez que analisamos a pretensão do indivíduo em auferir vaga em leito de UTI contra a negativa Estatal.

Não podemos nos esquecer, de que o conflito ora analisado não versa apenas sobre a omissão estatal e o direito do cidadão, há princípios e direitos de suma importância que estão envolvidos e que devem ser observados, tais como o direito à vida, à dignidade humana, o principio da separação dos poderes e o princípio da reserva do possível.

Especificamente ao tema abordado, o direito à vida e o princípio da reserva do possível são os institutos jurídicos que se confrontam. Além disso, importante destacar que o direito à vida e a dignidade da pessoa humana se conectam na medida em que, se ao cidadão falta saúde – nos termos da definição da OMS – ele não terá uma vida digna e, nos casos mais graves, pode correr o risco de morte.

Dessa forma, o julgador tende a ver com muito mais importância a situação em que se encontra o paciente que demanda o Estado, restando a este cumprir a decisão proclamada. Nesse sentido

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. JULGADO DE 1º GRAU QUE INDEFERIU PEDIDO LIMINAR, OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO SOLIRIS (ECULIZUMABE). AGRAVANTE PORTADORA DE HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA. NECESSIDADE E INCAPACIDADE PARA PROVER O CUSTEIO DO MEDICAMENTOSO COMPROVADA. PRESERVAÇÃO DO DIREITO À VIDA, SAÚDE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. OBRIGATORIEDADE DE FORNECIMENTO PELO ESTADO. DECISÃO REFORMADA. PRECEDENTES DO STF E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (70867 RN 2011.007086-7, Relator: Des. Saraiva Sobrinho, Data de Julgamento: 15/08/2011, 3ª Câmara Cível)

Também é importante lembrar que o orçamento Estatal é limitado, e por isso deve o Estado dispor de seus recursos da melhor forma a atender as diretrizes

11

estabelecidas na Constituição. Razão pela qual frequentemente o princípio da reserva do possível é utilizado como matéria de defesa. Contudo, como visto anteriormente, o entendimento predominante é de que é defeso ao Estado atuar de forma - comissiva ou omissiva - a não efetivar os direitos fundamentais do cidadão.

Portanto nos vemos analisando este dilema jurídico-social, no qual de um lado temos o paciente, correndo risco de morte, que não vê outra saída a não ser impetrar mandado de segurança, para garantir seu direito fundamental à saúde e exigir que o Estado disponibilize os meios, ou recursos, para que seu pedido seja atendido.

Do outro lado temos o Estado, com a dificuldade de suprir todas as prestações sociais, limitado por seu orçamento, ao mesmo tempo em que se digladia com decisões judiciais que se atém apenas aos direitos fundamentais do indivíduo e não leva em conta seu efeito negativo para a sociedade.

3 A INTERRELAÇÃO ENTRE DIREITO À SAÚDE E O DIREITO A IGUALDADE NO QUE TANGE À INTERNAÇÃO EM UTI: Estudo da aplicação destes princípios pelo TJ/ES O direito a saúde, como já exposto anteriormente, trata-se de um direito de todos, e um dever do Estado em fornecer meios de garantir que tal direito seja efetivado de forma paritária.

Entretanto, apesar de tal garantia estar diretamente ligada ao principio da igualdade, que pode ser entendido como o pilar do direito a saúde, pois todos deveriam ter igual acesso aos meios oferecidos pelo Estado para prover tal direito, o que se vê atualmente é a falta de medidas suficientes para abarcar a necessidade da população.

12

Sobre esse prisma, é impossível não contrapor esses dois direitos fundamentais, pois nos dias de hoje é difícil se falar em igualdade de tratamento e ao direito à saúde. Nesse contexto, atualmente, surge à problemática da falta de leitos suficientes para internação em UTI´s, o que, como já exposto anteriormente, leva duas garantias fundamentais, trazidas pela própria Constituição Federal, a se confrontarem. Isso por que, a escassez de leitos traz a baila de quem necessita de seu uso a impetrar demandas judiciais para garantir, tanto seu direito à saúde, quanto a igualdade de tratamento e, assim, proporcionar sua vida digna.

Em contrapartida, as demandas judiciais que venham a ser deferidas pelo juízo, tornam-se inócuas, visto que, apesar de obrigar ao Estado a internar o reclamante na UTI, tal medida contrapõe-se a igualdade de quem já possui um leito, haja vista haver a possibilidade de perdê-lo.

Portanto, essa é uma discussão que merece ser estudada mais a fundo, por se tratar de algo constante não somente no mundo jurídico, mas também na esfera social.

Para isso foi realizada pesquisa de acórdãos do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Tal estudo buscou verificar como é aplicado o princípio da igualdade no caso dos leitos da UTI´s no ES, diante da reserva do possível e do dever do Estado de garantir o direito à saúde. Disto foi possível aferir que por unanimidade houve a concessão da segurança e com a utilização dos mesmos argumentos, os quais seguem posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, como paradigma segue o Acórdão proferido pelo Des. Samuel Meira Brasil

ACÓRDÃO EMENTA. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRATAMENTO. INTERNAÇÃO EM UTI. URGÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. 1. A saúde é direito de todos e dever comum de todos os entes federativos (União, Estados e Municípios).

13

2. Comprovada a necessidade e a urgência de internação de paciente em Unidade de Terapia Intensiva, o Estado, por qualquer de suas entidades federativas, detentor do dever constitucional de garantir a saúde e o bem estar de toda a população, deve assegurá-la imediatamente. Precedente do STJ. Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores do SEGUNDO GRUPO DAS CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, à unanimidade, conceder a segurança. (1. 024120151717 Classe: Mandado de Segurança Relator : SAMUEL MEIRA BRASIL JUNIOR Orgão Julgador: SEGUNDO GRUPO CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS Data do Julgamento: 30/01/2013 ). (grifos nossos).

Assim, partindo da análise dos demais acórdãos10 fica perceptível que a discussão do princípio da igualdade resolveu-se na medida em que na grande maioria dos acórdãos pesquisados a segurança é concedida no sentido de obrigar o estado a custear as despesas inerentes à internação em hospital privado.

Não há, por tanto, maiores minúcias no que tange à discussão da igualdade formal e material, haja vista que não houve a “escolha” daquele que seria internado, ou seja, a substituição de uma vida por outra, mas sim a garantia de efetivação do direito à saúde na medida em que se o hospital público não possui leitos necessários este deverá custear o leito no setor privado.

10

Além do já citado, foram analisados os seguintes acórdãos: 024120306899 Classe: Mandado de Segurança Relator: MAURÍLIO ALMEIDA DE ABREU Relator Substituto Designado: FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY Orgão Julgador: SEGUNDO GRUPO CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS Data do Julgamento: 14/11/2012 ; 038080051048 Classe: Apelação Relator : ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA Orgão Julgador: PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Data do Julgamento: 17/04/2012 014070054045 Classe: Agravo Ap Relator : MAURÍLIO ALMEIDA DE ABREU Orgão Julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL Data do Julgamento: 26/03/2012 100110037536 Classe: Mandado de Segurança Relator: MAURÍLIO ALMEIDA DE ABREU Relator Substituto Designado: MARIANNE JUDICE DE MATTOS Orgão Julgador: SEGUNDO GRUPO CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS Data do Julgamento: 14/03/2012 100110014295 Classe: Mandado de Segurança Relator : CARLOS ROBERTO MIGNONE Orgão Julgador: SEGUNDO GRUPO CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS Data do Julgamento: 09/11/2011 024100095140 Classe: Apelação Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON Relator Substituto : FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY Orgão Julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Data do Julgamento: 23/08/2011 048090191593 Classe: Remessa Ex-officio Relator : RONALDO GONÇALVES DE SOUSA Orgão Julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL Data do Julgamento: 01/03/2011 011060077630 Classe: Apelação Relator : SAMUEL MEIRA BRASIL JUNIOR Orgão Julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Data do Julgamento: 01/12/2009 APELAÇÃO CÍVEL Nº 11060077630. 100070022577 Classe: Mandado de Segurança Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON Orgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Data do Julgamento: 03/04/2008

14

Neste ínterim, nota-se a prevalência do direito à saúde, em especial direito à vida, sob toda à discussão aqui traçada.

CONCLUSÃO Inicialmente poderíamos concluir que as decisões do Colendo Tribunal de Justiça do Espírito Santo não constituem uma afronta ao princípio da igualdade, vez que, como visto, não é ordenada a internação imediata do paciente, mas sim um custeio de sua internação em leito particular.

Dessa forma evita-se a necessidade de remover algum paciente já internado em leito público para que se proceda à internação do indivíduo que foi contemplado pela decisão judicial.

Contudo esta é apenas uma visão superficial do assunto abordado, a questão é mais profunda e reflete na própria organização e administração do Sistema Único de Saúde, idealizado pelo art. 198 de nossa Carta Magna.

O Estado, invariavelmente, contesta as ações movidas contra ele resguardando-se no princípio da reserva do possível, alegando não possuir recursos para suprir a pretensão tutelada pelo cidadão - Isso é visto não apenas nos julgados aqui analisados, mas em vários precedentes do STJ, bem como do STF11 - contudo, frente à falta de leito no sistema público, o julgador ordena que o Estado arque com as custas de um leito no sistema privado.

Obrigar o Estado a custear leito privado é essencialmente uma medida mais lesiva ao sistema do que ordená-lo a providenciar mais leitos no sistema público. Os leitos disponibilizados pelo SUS custam aos cofres públicos uma média de R$500,00 por dia12, já os leitos em hospitais particulares possuem valores variados e

11

RE 628293 DF , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 02/08/2011, Data de Publicação: DJe-149 DIVULG 03/08/2011 PUBLIC 04/08/2011 12 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 3.126, de 26 de dezembro de 2008. Brasília, DF, 26 dez. 2008.

15

extremamente elevados, podendo atingir quantias da monta de R$10.000,00 13, despesa que seria paga com os recursos destinados à saúde. O golpe suportado pelo orçamento previsto para a saúde não é aparente de imediato, mas, em longo prazo, seus efeitos se tornam claros, pois recursos precisam ser desviados para compensar o rombo criado pela decisão judicial. Dessa forma é evidente a superficialidade da decisão proferida pelo julgador, à medida que o mesmo sentencia sem ao menos se debruçar sobre a questão acima discutida. O julgador deveria, no mínimo, analisar o tema sob o prisma da razoabilidade, e se questionar a respeito da razoabilidade de onerar todo o sistema de saúde brasileiro para garantir o direito imediato individual – direito à vida. Portanto vemos que a questão não se resume apenas ao direito à saúde do indivíduo e a obrigação Estatal para com ele, como os tribunais vêm abordando. Ela abrange a sociedade como um todo e fere o princípio da igualdade de uma maneira muito mais ampla do que inicialmente se via, à medida que o conflito de direitos não reside do embate "paciente versus estado", mas sim no conflito "direito individual versus direito social". Neste sentido, não se trata de negar o direito à vida, quer-se reafirmá-lo e expandilo, a obrigação do Estado é sem dúvida prover leitos, mas o SUS é um sistema integral, pois atua no âmbito preventivo, educativo e restauradora em caráter universal – haja vista que o cidadão pode ser atendido de imediato em qualquer hospital público e de mediato (caso não haja vaga) em hospitais privados. Por isso, e valendo-se do dito popular “tapar o sol com a peneira” questionamos nesse trabalho a minimização do problema, limitando-o ao âmbito de internar no hospital particular, e como os juízes embora aparentemente demonstrem uma visão proativa são prejudiciais nesse processo na medida em que permitem muitas mortes, porque não questionam o sistema de saúde, e algumas vidas, no momento em que obrigam a internação no leito privado.

13

Cálculo realizado sobre o custo de 44 diárias de UTI geradas na competência de 12/2012 e comparado ao custo total gerado por um paciente no período de 08/02/2013 a 15/02/2013. As planilhas de custo são fruto de pesquisas realizadas em hospitais particulares do ES.

16

17

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BATISTELLA, Carlos. O território e o processo saúde-doença. Disponível em < http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/index.php?verifica=1&area_id=2&livro_id=6&arquiv o=ver_conteudo_2>. Acesso em: 05 mar. 2013.

BRASIL. Constituição Federal de 1998. Vade Mecum Saraiva. 12 .ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 3.126, de 26 de dezembro de 2008. Disponível em . Acesso em: 05 de março de 2013.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Mandado de Segurança n° 024120151717. Relator: Samuel Meira Brasil. Vitória 2013.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Mandado de Segurança n° 024120306899. Relator: Maurílio Almeida de Abreu. Espírito Santo 2012.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Agravo de Instrumento n° 014070054045. Relator: Maurílio Almeida de Abreu. Vitória 2012.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Mandado de Segurança n° 100110037536. Relator: Maurílio Almeida de Abreu. Vitória 2012.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Mandado de Segurança n° 100110014295. Relator: Carlos Roberto Mignone. Vitória 2011.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Apelação Cível n° 024100095140. Relator: Alvaro Manoel Rosindo. Vitória 2011.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Remessa Ex-Officio n° 048090191593. Relator: Ronaldo Gonçalves de Souza. Vitória 2011.

18

BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Apelação n° 011060077630. Relator: Samuel Meira Brasil. Vitória 2009. BRASIL, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Mandado de Segurança n° 100070022577. Relator: Alvaro Manoel Rosindo. Vitória 2008.

BRASIL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n° 41165. Relator. Florianópolis 2009.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Remessa Oficial Necessária n° 159059520088070001. Relator: João Egmont. Brasília 2012.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento Remessa Necessária n° 70867. Relator: Saraiva Sobrinho. Rio de Janeiro 2012.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial n° 628293. Relator: Ricardo Lewandowski. Brasília 2011.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 3 ed. Saraiva: São Paulo, 2009. D’OLIVEIRA , Maria Christina Barreiros. Breve análise do princípio da isonomia. Disponível em: . Acesso em: 10. mar. 2013.

DELGADO, Mauricio Godinho.Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 3 .ed. São Paulo: LTr, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ed. Malheiros Editores Ltda, 3 ed. Atual. 9ª triagem, 1997

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Editora Lê S/A , 1990.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, out. 1997 . Disponível em:

19

. Acesso em 26 mar. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89101997000600016.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.