A Interatividade Mediada pela Tecnologia da Informação e Comunicação na Promoção da Educação e Atenção Básica em Saúde

June 29, 2017 | Autor: Joaquim Felipe | Categoria: Primary Care
Share Embed


Descrição do Produto

A Interatividade Mediada pela Tecnologia da Informação e Comunicação na Promoção da Educação e Atenção Básica em Saúde Paulo Mazzoncini de Azevedo-Marques1, Joaquim Cezar Felipe2, José Sebastião dos Santos1 1

2

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) Universidade de São Paulo (USP), Brasil

Resumo – Este artigo descreve uma experiência desenvolvida por docentes e pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, e de outras unidades do Campus da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, em parceria com equipes de atenção básica da Secretaria Municipal de Saúde, envolvendo a utilização de Tecnologia da Informação e Comunicação como ferramenta para suporte de atividades de telessaúde. O ambiente utilizado foi o TelEduc e os resultados obtidos evidenciaram o potencial de uso desse tipo de ferramenta como forma de mediação da interatividade entre as equipes mínima e matricial. Porém a impossibilidade de se trabalhar com ferramentas de vídeo, som e videoconferência dentro do ambiente mostrou-se uma limitação importante, apontando para a necessidade de desenvolvimento de aplicativos específicos para esse tipo de aplicação. Palavras-chave: Telessaúde, Atenção Básica, Interatividade, Segunda Opinião Formativa. Abstract – This paper presents a study including the utilization of the Information and Communication Tecnology to support telehealth activities. The study was conduced by faculties and researchers at the University of São Paulo, in Ribeirão Preto, in cooperation with the primary care local team. The TelEduc was the online environment used and the results have shown the potential of this technology to improve the interactivity between local and expanded care teams. However the absent of technology to support video, audio and videoconference was perceived as an important limitation, pinpointing the necessity of dedicated online environments. Key-words: Telehealth, Primary Care, Interactivity, Second Opinion. Introdução Os princípios doutrinários e organizativos do Sistema Único de Saúde (SUS) consignados nas Leis Orgânicas da Saúde (LOS) números 8080/90 e 8142/90 e implementados a partir dos aplicativos previstos em normas operacionais da atenção básica, da assistência à saúde e, mais recentemente, do Pacto pela Saúde, têm induzido à integração dos três níveis de governo e à transferência da responsabilidade pela coordenação de ações de assistência para o governo municipal [1]. O processo de descentralização trouxe desafios e perspectivas para os gestores de saúde, sobretudo dos sistemas municipais e para as instituições de formação e de pesquisa na área da saúde [2-6]. Nesse contexto complexo, destacam-se os desafios de coordenar e integrar ações de assistência à saúde e desenvolver práticas educativas, notadamente a pesquisaaprendizagem de alunos de graduação, em especialização e profissionais em serviços integrando a docência e assistência. Nesse

sentido, existem propostas de mudanças das práticas de saúde por meio do fortalecimento da atenção básica, da ordenação do acesso aos serviços de saúde e, da utilização de tecnologias de informação e comunicação (TICs) [7], compatibilizando a produção e transmissão de conhecimentos com o trabalho de assistência. No Brasil, a equipe mínima na atenção básica é composta por um médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Há uma convergência de pensamento quanto à necessidade de se priorizar e garantir a equipe mínima e agregar novos dispositivos tecnológicos e novas habilidades à medida que os problemas de saúde da população de abrangência vão se modificando [8]. Com base nessa premissa, algumas estratégias, como a estruturação de equipes matriciais têm sido propostas para aumentar a eficácia, garantir a assistência integral e fortalecer a atenção básica [8,9]. Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos apontam claramente para a necessidade de estabelecimento de uma forma de comunicação continuada, bem como da estruturação de

material de referência que contenha aspectos realmente pertinentes ao cotidiano de atividade da equipe mínima [10,11], fomentando a renovação do trabalho e do serviço e proporcionando aprendizagens coletivas com forte componente de emancipação da equipe de referência e dos usuários dos serviços. O trabalho aqui apresentado descreve uma experiência desenvolvida por docentes e pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), e de outras unidades do Campus da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, em parceria com equipes de atenção básica da Secretaria Municipal de Saúde em uma iniciativa para a Implantação e Avaliação de Dispositivos para Fortalecimento da Atenção Básica e do Sistema Local de Saúde. Embora o escopo do projeto desenvolvido seja bastante amplo, para este artigo em particular será enfatizado o aspecto relativo à utilização das TICs como ferramenta para aproximação entre as equipes mínima e matricial. Metodologia O projeto Implantação e Avaliação de Dispositivos para Fortalecimento da Atenção Básica e do Sistema Local de Saúde foi desenvolvido entre os meses de maio e novembro de 2007, constando de um total de 840 horas, sendo 560 práticas e 280 teóricas, com distribuição semanal 20 horas práticas e 10 teóricas. A equipe matricial foi composta por docentes e recém graduados das áreas de Economia/Administração, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Informática Biomédica e Nutrição, além de médicos especialistas nas áreas de Saúde da Família, Saúde Mental, Ortopedia, Dermatologia, Oftalmologia, Neurologia e Otorrinolaringologia. O campo de atuação foi composto pelas Unidades de Saúde Distrito Sanitário Oeste do município de Ribeirão Preto: Centro de Saúde Escola FMRP-USP; Unidades Básicas de Saúde José Sampaio e Maria Casagrande Lopes; Núcleos de Saúde da Família III, IV e V. Também participaram do projeto os profissionais das equipes de saúde vinculadas às unidades referidas, bem como representantes do nível central da Secretaria Municipal da Saúde. O projeto foi coordenado pelo Prof. Dr. José Sebastião dos Santos, do departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP. Considerando a indivisibilidade entre método e conteúdo, o modelo pedagógico adotado privilegiou oficinas teórico-vivenciais, exposições dialogadas e leituras, dentro de um paradigma de pedagogia problematizadora. O modelo proposto adotou como objetivo educacional final fortalecer a capacitação dos membros de equipes de referência e de apoio de Unidades Básicas (UBS) do Distrito Oeste do

município de Ribeirão Preto – SP para o enfrentamento dos problemas cotidianos dos serviços públicos de saúde, tendo a Unidade Básica de Saúde (UBS) como principal eixo norteador do sistema de saúde. Como objetivos educacionais intermediários definiu-se proporcionar aos especialistas das equipes matriciais o (re) conhecimento da estrutura, organização e dinâmica de funcionamento dos serviços de atenção básica e especializada do município, bem como as estruturas centrais de Regulação, Planejamento e Avaliação e Controle; sensibilizar os integrantes das equipes de especialistas para o trabalho extra-muros, conhecendo o contexto sócio-cultural dos pacientes e condições do processo de trabalho das equipes da UBS/PSF (Programa de Saúde da Família); possibilitar a articulação entre os diferentes saberes para a construção de um projeto terapêutico adequado às necessidades dos pacientes; aumentar a autonomia da equipe da UBS/PSF; facilitar o acesso imediato às consultorias realizadas pelos especialistas, por meio de Telessaúde, envolvendo as Equipes Matriciais e Equipes de Referência; identificar os principais conceitos relacionados ao SUS e sua vinculação com as atividades práticas vivenciadas; identificar criticamente os aspectos dificultadores da operatividade do modelo de atenção fundamentado nos princípios do SUS (Universalização, Integralidade, Equidade e Participação Social), bem como propor estratégias de intervenção para sua superação; incentivar o acesso e utilização de fontes oficiais de informações em saúde; promover a aprendizagem colaborativa; desenvolver habilidades cognitivas (organizar tarefas e processos) e Incentivar a criatividade. Para dar apoio às atividades didáticas e de segunda opinião formativa foi utilizado o ambiente de aprendizado eletrônico TelEduc1 e a infraestrutura de rede da FMRPnet, à qual estão conectadas as unidades básicas previamente citadas, seja por fibra óptica ou por ligação sem fio (wireless). Foram também providenciados computadores e câmeras fotográficas digitais para cada uma das unidades envolvidas no projeto. Foram estabelecidos alguns temas relacionados ao cotidiano das equipes de atenção básica, que foram distribuídos ao longo das atividades do processo de formação/capacitação. Para cada tema foram recomendados textos para leitura, em sua grande maioria disponibilizados em arquivo digital, devendo haver uma postagem semanal utilizando-se a ferramenta “Fóruns de Discussão” do TelEduc. Foram também feitas discussões presenciais obrigatórias, em dias programados, para propiciar a síntese do tema em pauta a partir dos aspectos levantados nos 1

http://www.teleduc.org.br/

fóruns. A avaliação do processo foi feita com base na participação nos fóruns, seminários e oficinas presenciais e atuação no campo (freqüência, assiduidade, pontualidade, interação com a equipe de trabalho e adequação de propostas para novas práticas assistenciais). Resultados O projeto foi desenvolvido com base na dinâmica proposta de atividades presenciais e à distância, tanto no aspecto formador, de educação continuada, como no da segunda opinião formativa. Ao todo, 70 participantes estiveram envolvidos nos trabalhos, incluindo docentes, pesquisadores, médicos, representantes da secretaria municipal de saúde e profissionais das equipes de atenção básica. Foram conduzidos 5 fóruns virtuais de discussão e 5 oficinas presenciais correspondentes. O TelEduc serviu como ambiente eletrônico para postagem do material a ser estudado, através das ferramentas de Material de Apoio e Leituras e de suporte para as discussões virtuais, através da ferramenta Fóruns de Discussão. O ambiente eletrônico funcionou também como sistema de gerenciamento das atividades através das ferramentas Atividades e Correio. As ferramentas Fóruns de Discussão e Correios formaram a base para as atividades de telessaúde, dando suporte à segunda opinião formativa. Ao todo foram discutidos à distância 14 casos de dermatologia, 15 casos de ortopedia e 2 casos de oftalmologia. As Figuras 1 e 2 mostram janelas do TelEduc exemplificando a interação entre as equipes mínima e matricial em casos de ortopedia.

Discussão e Conclusões Embora nos últimos anos as políticas de estruturação da rede assistencial de saúde tenham privilegiado a ampliação dos serviços na atenção básica, este componente da rede assistencial é carente de profissionais especializados o que, consequentemente, contribui para a baixa resolubilidade nesse nível de cuidado, tomando como base os parâmetros vigentes2. Embora a estratégia de fortalecimento da atenção básica com a estruturação de equipes matriciais seja uma opção bastante adequada do ponto de vista de ampliação do escopo de atuação, sem expansão (talvez indevida) da estrutura da equipe mínima, existem alguns problemas operacionais e de interação que 2

Ministério da Saúde. Portaria No 1101/GM, de 12 de junho de 2002. Dispõe sobre os parâmetros de cobertura assistencial no âmbito do SUS.

tendem a comprometer a necessária integração dessas equipes. O Centro de Saúde Escola (CSE) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP é composto de dez unidades localizadas na cidade de Ribeirão Preto - SP, sendo duas Unidades Materno-Infantis, cinco de Programa de Saúde da Família (PSF), uma unidade Especializada em Saúde Mental, uma unidade Distrital tipo Policlínica de especialidades e uma unidade também com referência Distrital, com funcionamento ininterrupto 24 horas para atendimento a urgências e emergências. A produção assistencial dessas unidades é bastante expressiva e, para o seu funcionamento normal, o sistema informatizado vigente alimenta diferentes bases de dados para múltiplas finalidades. No “Distrito Oeste” localizam-se nove destas dez unidades do CSE e oito outras unidades de saúde vinculadas à Secretaria Municipal de Saúde, que contam com a Unidade do bairro Sumarezinho como referência para encaminhamento às especialidades disponíveis na Distrital, gerando grande afluxo de pacientes nesse Distrito, que possui 139 mil habitantes. Os Núcleos de Saúde da Família realizaram no último ano 69.151 atendimentos e as Unidades Materno-Infantis do bairro Sumarezinho e Núcleo de Saúde Mental tiveram sua produção em 150 mil consultas/ano e cerca de 400 mil procedimentos de nível médio. Recentemente a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em parceria com a Coordenadoria de Tecnologia da Informação (CTI) da USP e com o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, estendeu sua rede de computadores até as unidades do CSE, as quais foram conectadas através de fibra ótica de alta velocidade e aos Núcleos de Saúde da Família (NSFs), que foram conectados através de rede sem fio (wireless). Com isso foi estabelecida uma infra-estrura de informática em saúde, particularmente adequada para suporte ao desenvolvimento e implementação de sistemas de informação voltados para o apoio das atividades do CSE/NSF, visando o fortalecimento da atenção básica em saúde através de programas de telemedicina/telesaúde, educação continuada, treinamento em serviço e aprendizado eletrônico. O projeto aqui descrito se configurou como uma primeira iniciativa multi-institucional e multiprofissional, junto à FMRP, de implantação e avaliação de mecanismos voltados para o fortalecimento da atenção básica, incluindo o uso das TICs para suporte a procedimentos de segunda opinião formativa. Embora o ambiente eletrônico utilizado não tenha sido desenvolvido para esse fim específico, os resultados obtidos comprovam o potencial de uso desse tipo de ferramenta como forma de mediação da interatividade entre as equipes mínima e matricial (vide Figuras 1 e 2). Por outro lado, as

dificuldades encontradas, referentes ao uso e a aderência à tecnologia disponibilizada, evidenciam a necessidade de desenvolvimento de ambientes específicos para esse fim, bem como a importância de realização de esforços no sentido de se propiciar a familiarização dos

profissionais da saúde com o uso desse tipo de tecnologia. Um aspecto considerado bastante limitante no uso do TelEduc na aplicação proposta foi a impossibilidade de se trabalhar com ferramentas de vídeo, som e videoconferência dentro do ambiente.

Figura 1 – Exemplo de segunda opinião formativa em caso de ortopedia. Note-se a indicação de exame complementar de alta complexidade por parte do especialista, assim como a indicação de tratamento paliativo para a dor, indicando o potencial da interatividade para estabelecimento de consensos clínicos.

Figura 2 – Exemplo de segunda opinião formativa em caso de ortopedia. Note-se a participação de profissional de enfermagem no processo, bem como a indicação de leitura complementar por parte do especialista. Agradecimentos Esse trabalho teve apoio financeiro da Fundação Waldemar Barnsley Pessoa (Grupo São Francisco), FAPESP e CNPq e apoio administrativo da Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da FMRP-USP (FAEPA). Referências [1] Souza R R. A regionalização no contexto atual das políticas de saúde. Ciênc Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2001 6(2): 451-455. [2] Campos G W S. Educação médica, hospitais universitários e o Sistema Único de Saúde. Caderno de Saúde pública 1999 15: 187-197. [3] Santos J S, Sankarankutty A K, David E M, Santos A P, Souza C S. Cirurgia Ambulatorial em Assistência Primária à Saúde da Família. Avaliação da Organização de Programa DidáticoAssistencial para o Ensino de Graduação. Rev. Col. Bras. Cir., 1999 26: 11-13.

[4] Santos J S. As relações entre a Universidade, o Hospital Universitário e o SUS. A Rev. do Médico 2002 17: 30-31. [5] Santos J S. A distante relação do ensino, da assistência e da pesquisa com os agravos agudos à saúde. Editorial 2, Rev. Medicina 2003 36: 3-4. [6] Foster A C, Laprega M R, Dalfabro A L, Rocha G M, Santos J S, Yazlle M E D, Souza C S, Daneluzzi J C. Metodología de Aprendizaje en Atención Primaria y Medicina de Familia. Atención Primaria, Espanha, 2002 30 (2): 125-129. [7] Yazlle Rocha J S, Caccia-Bava M C G G, Rezende C E M. Pesquisa-Aprendizagem no Ensino da Política e Gestão de Saúde: Relato de uma Experiência com e-Learning – Rev. Brás. Educação Médica. Rio de Janeiro, 2006 30(1): 73-78. [8] Machado K. Equipe mínima, dilemas e respostas. Radis, Rio de Janeiro, 2006 51: 8-10.

[9] Campos G W S. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência e Saúde Coletiva 1999 4(2): 393-403. [10] Marshall M N. Qualitative study of educational interaction between general practitioners and specialistis. BMJ 1998 316: 442-445. [11] Berendsen A J, Benneeker W H G M. Motives and preferences of general practioners for new collaboration models with medical specialists: a qualitative study collaboration models with medical specialists. BMC Helath Services Research 2007 7(4): 1-9.

Contato Paulo Mazzoncini de Azevedo Marques - Ph.D. Professor Associado Centro de Ciências das Imagens e Física Médica Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto -USP Av. dos Bandeirantes 3900, Campus USP 14048-900, Ribeirão Preto - SP Tel: (16) 36022647 FAX: (16) 36022648 email: [email protected]

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.