A intercompreensão em línguas românicas: conceitos, práticas, formação.

July 22, 2017 | Autor: Cristina Vela Delfa | Categoria: Language Teaching, Intercomprehension
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PREFÁCIO Maria Helena ARAÚJO E SÁ Raquel HIDALGO DOWNING Sílvia MELO-PFEIFER Arlette SÉRÉ Cristina VELA DELFA

Uma estrada nunca tem um verdadeiro começo; antes da primeira curva, lá para trás, já havia outra curva e ainda outra. Origem inatingível, pois que a cada encruzilhada se juntam outras estradas, que vêm de outras origens. (Amin Maalouf: 2004, 9)

A presente obra reúne trabalhos de membros do projecto europeu “Galapro – Formation de Formateurs à l’Intercompréhension en Langues Romanes” 1 , apresentados aquando das II Jornadas científicas consagradas à Intercompreensão, organizadas pela Universidade Complutense de Madrid, a 2 de Fevereiro de 2009, na ocasião do segundo seminário geral do projecto 2 . O conjunto destas contribuições, aqui recolhido, pretende ilustrar como a intercompreensão é conceptualizada, por este grupo de trabalho, na senda do trabalho desenvolvido ao longo de mais de quinze anos, em torno de três vertentes: conceptual, praxiológica e formativa. Não será já novidade afirmar, a nível conceptual, que o conceito “intercompreensão” é heterogéneo e passível de ser decomposto em múltiplas accepções (conforme o percurso do grupo deixa antever, desde 1

Projecto LLP (135470 – LLP – 1 – 2007 – 1 – PT – KA2 – KA2MP), financiado pela Comissão Europeia e coordenado por Maria Helena Araújo e Sá, do Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, da Universidade de Aveiro (PT). As restantes instituições parceiras são: Université Stendhal Grenoble III (FR) ; Université de Lyon 2 (FR); Universidad Complutense de Madrid (ES); Universitat Autònoma de Barcelona (ES); Université de Mons-Hainault (BE); Università Degli Studi di Cassino (IT); Université AI.I. Cuza (RO). Mais informações disponíveis em www.galapro.eu. 2 Agradecemos o apoio logístico posto à disposição pela Universidade Complutense de Madrid para a realização deste seminário.

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Galatea 3 , passando por Galanet 4 e actualizando-se agora com Galapro). Neste sentido, a sua multidimensionalidade assume-se, aqui, como uma característica sua e não como uma qualquer maldição impeditiva da utilização e rentabilização didáctica (aos níveis formativo e investigativo). O título da primeira secção do livro não deixa de ser ilustrativo desta visão: o conceito de intercompreensão depende, em grande parte, das concepções dos investigadores e formadores e dos seus objectos de análise e contextos de trabalho. Do ponto de vista praxiológico, os trabalhos dos membros da equipa apontam para uma “intercompreensão interaccional”, mais concretamente, para a observação e análise de práticas interaccionais multiparticipantes plurilingues, sobretudo em chats e em fóruns de discussão. Significa isto que a Intercompreensão é entendida, não a um nível individual (dependente de capacidades e repertórios de cada um), mas a um nível interindividual e intersubjectivo e, por isso, dependente não apenas de factores linguísticos, inerentes aos sistemas verbais em contacto (como a sua proximidade tipológica): a intercompreensão aparece antes, nos diferentes trabalhos, como dependente e situada aos níveis contextual, verbal e não-verbal, cognitivo-verbal, atitudinal, motivacional e identitário e, mais especificamente, como dependente da implicação, articulação e coordenação dos sujeitos a estes vários níveis, num esforco conjunto para a construção de sentidos partilhados, mesmo que instáveis e com algum grau de indeterminação. É sobretudo ao nível da dimensão formativa que a presente publicação apresenta novidades, na sequência, aliás, da natureza do próprio projecto,

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Galatea (Desenvolvimento da Compreensão em Línguas Românicas) foi um projecto do Programa Socrates/Lingua-Acção D, coordenado pela Université Stendhal Grenoble 3, que contou com mais quatro instituições partipantes: Universidade de Aveiro, Universitat Autònoma de Barcelona, Universidad Complutense de Madrid e Centro Do.Ri.F.Università-Roma. Mais informações e bibliografia acerca do projecto estão disponíveis em www.u-grenoble3.fr/galatea/. 4 Galanet (Plataforma para o Desenvolvimento da Intercompreensão em Línguas Românicas) foi um projecto Socrates/Lingua, coordenado pela Université Stendhal Grenoble 3 (França), que contou com 6 outras instituições parceiras: Universidade de Aveiro (Portugal), Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha), Universidad Complutense de Madrid (Espanha), Università de Cassino (Italia), Université Lumière Lyon 2 (França), e Université de Mons-Hainault (Belgica). Mais informação disponível a partir de www.galanet.eu .

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onde esta é a principal vertente interrogada. Conforme afirmámos noutra ocasião, « si le concept circule assez aisément dans le discours de la recherche, il est souvent très peu connu sur le terrain des discours et des pratiques scolaires. Ce manque de mobilité observé entre ces deux terrains didactiques – celui de la recherche et celui de l’action professionnelle – nous a poussé à interroger les possibilités de migration du concept vers le domaine de la formation des enseignants, afin qu’il puisse être mis à profit d’une éducation au plurilinguisme » (Araújo e Sá & MeloPfeifer, 2009) 5 .

Neste sentido, e sendo a integração curricular das abordagens plurais uma das questões que nos últimos tempos mais se tem colocado aos didactas que trabalham nesta área, apresentam-se neste volume sugestões, projectos de integração e de avaliação da intercompreensão em diferentes contextos e cenários educativos, que poderão ainda ser úteis noutros, em função das caracteristicas de cada situação. Neste quadro, reconhece-se que, para uma integração curricular efectiva da Intercompreensão, importa investir na formação de professores/formadores autónomos, capazes de gerir o currículo escolar (para com ele criativamente trabalhar) e as suas situações de acção pedagógico-didáctica, numa perspectiva transformadora e implicada. É nesta linha de pensamento e de acção que se desenvolveu, aliás, o projecto Galapro, o qual parte do pressuposto de que é necessário formar profissionais capazes de levar a Intercompreensão aos seus terrenos de acção educativa, ajudando as suas teorias e práticas a migrarem do território académico para o território da praxis, onde adquirem novos e mais contextualizados sentidos. Daremos conta, de seguida, de como o projecto Galapro pretende contribuir para esta migração e interacção entre as dimensões de investigação e de formação da Didáctica de Línguas.

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ARAÚJO e SÁ, M. H. & MELO-PFEIFER, S. (2009). “Intercompréhension et éducation au plurilinguisme : de la formation de formateurs aux retombées sur la salle de classe”. In II Assises du Plurilinguisme, 18/19 de Junho, Berlin. http://www.observatoireplurilinguisme.eu/index.php?option=com_content&task=view&id =2207&Itemid=88888945&lang=de.

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O PROJECTO GALAPRO O projecto Galapro (www.galapro.eu) consubstancia-se numa plataforma para o desenvolvimento de competências profissionais, inscrita numa perspectiva didáctica activa que preconiza o plurilinguismo como valor europeu e que visa o desenvolvimento de uma didáctica de intercompreensão. Trata-se de um projecto que procura desenvolver uma rede de formação especializada em redor da intercompreensão em línguas românicas (catalão, espanhol, francês, italiano, português e romeno), através de formação híbrida ou a distância. O desafio essencial é poder repercutir, junto de diferentes públicos escolares, os conhecimentos e instrumentos desenvolvidos no âmbito de trabalhos e projectos anteriores acerca desta temática (nomeadamente dos projectos anteriores da equipa, como Galatea e Galanet), dotando os formadores de competências teóricas, metodológicas e práticas (nomeadamente o uso das TIC), que lhes permitirão uma intervenção consciente e reflectida sobre os seus diversos cenários educativos, numa perspectiva de desenvolvimento da intercompreensão. O objectivo de Galapro é criar e avaliar cenários de formação colaborativa e centrados em tarefas, capazes de responder às necessidades e expectativas (em termos de competências profissionais e de perfis linguísticos e comunicativos) de diferentes públicos-alvo. Os formadores participarão nas actividades através de uma platafoma na Internet (acessível a partir da página de entrada do projecto), constituídos em grupos numa instituição (formação híbrida) ou inscritos individualmente (formação a distância aos níveis locais, nacionais e transnacionais, europeus e fora da Europa), através de uma ficha de inscrição depositada no mesmo espaço. O projecto dirige-se a diferentes categorias de formadores (em formação inicial, avançada e contínua), de modo a assegurar uma larga divulgação das abordagens pedagógicas centradas na intercompreensão. Os conceitos e realizações desenvolvidos poderão ser transferidos a outras famílias de línguas no final do projecto (línguas germânicas e eslavas).

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Objectivos Inserido numa lógica de rentabilização, multiplicação e difusão dos conhecimentos acerca da intercompreensão, Galapro investe na formação de profissionais envolvidos na educação linguística, de forma a que estes possam integrar, nos seus repertórios pedagógico-didácticos, princípios teóricos e praxiológicos de uma educação para o plurilinguismo. A ideia não será a de formar para uma recepção passiva e acrítica destes princípios, mas antes a de fomentar uma reflexão crítica, colectiva e enformada pela experiência/experimentação a propósito da Intercompreensão, proporcionadas pela frequência de uma sessão. Ora, essa reflexão situa-se, como também a presente obra, aos níveis conceptual, praxiológico e formativo: a prática interaccional da intercompreensão pelos profissionais conjuga-se com a reflexão acerca da natureza dos processos que lhe subjazem e com a perspectivação da sua transposição didáctica. Com base no exposto, são objectivos centrais de Galapro:

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desenvolver competências profissionais de educação linguística orientadas para a concepção, implementação e avaliação de actividades de intercompreensão, através da participação em práticas comunicativas plurilingues e interculturais, de forma a divulgar e consolidar uma cultura escolar da intercompreensão;

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constituir uma comunidade de prática e de aprendizagem da intercompreensão, de forma a consolidar um sentimento de pertença a uma comunidade profissional alargada, assente na convicção de que os formadores linguísticos são agentes da diversidade linguística e cultural, actuando a um nível global e local;

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desenvolver competências transversais ao nível das Tecnologias da Informação e da Comunicação, com objectivos, nomeadamente, comunicativos e profissionais, o que supõe, por um lado, a capacidade de agir com e através desses meios e, por outro, o desenvolvimento de uma consciência crítica a propósito da sua utilização em contextos educativos e de investigação 6 .

Recorde-se, a este propósito, que a maioria dos projectos internacionais acerca da Intercompreensão se consubstanciam na construção de plataformas ou de materiais multimédia e que o desenvolvimento desta competência é, antes de mais, condição necessária de acesso a conhecimentos produzidos no âmbito de outros projectos e de participação em Galapro.

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Princípios Tendo em conta que a plataforma Galapro visa a formação de profissionais para e através da intercompreensão, acredita-se que essa formação só fará sentido e será re-interpretada e re-configurada em práticas reais se os sujeitos em formação forem capazes de lhe atribuir um sentido pessoal significativo e transformador. Para tal, as sessões de formação em Galapro visam, por um lado, uma ancoragem no “déjà-là” dos participantes ao nível das suas práticas, problemáticas e motivações profissionais e, por outro, uma amplificação desses repertórios através da participação nas discussões e da realização de tarefas de formação. Neste sentido, foi construído um percurso de formação articulado em torno de 5 princípios transversais: conhecimento profissional, plurilinguismo, diversificação, flexibilidade e difusão. O conhecimento profissional pretende desenvolver-se através da realização de actividades metacognitivas e metaprocessuais, como a constituição progressiva de um dossier de formação profissional. A construção deste dossier visa estimular o auto-conhecimento profissional, em torno de temas como a biografia linguística, o perfil linguístico, comunicativo e metodológico e a identificação de necessidades e de expectativas de formação. Para tal, a plataforma inclui instrumentos incentivadores de auto-reflexão, como “O meu perfil”, “O meu caderno de reflexões” e “Fichas de Auto-formação”. Para além destas actividades de cariz mais individual, as actividades colaborativas previstas pretendem igualmente agir sobre aqueles perfis, de forma a que o (auto)conhecimento profissional desenvolvido resultará simultaneamente das actividades de auto-reflexão e das actividades co-accionais. A concretização do princípio do plurilinguismo realiza-se sobretudo através da participação nas actividades interaccionais em curso na plataforma (chats, e-mails, fóruns de discussão, actividades de escrita colaborativa plurilingue), mobilizadoras das línguas românicas dos formandos (maternas, segundas, estrangeiras,...) e, assim, das capacidades efectivas para participar na interacção plurilingue. Além disso, a experimentação do plurilinguismo “em directo” é acompanhada de actividades de observação “em diferido”, já que os sujeitos são levados a procurar e a analisar práticas plurilingues fora do contexto da plataforma, enriquecendo o vivido com a reflexão sobre vivências.

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Em relação ao terceiro eixo, diversificação, os formandos são induzidos a contactar com o “estado da arte” da didáctica da intercompreensão (ela mesma inscrita sub o signo do diverso, como poderão constatar através da consulta da base de dados dos projectos em Intercompreensão e das publicações acerca desta temática), de forma a dotarem-se de meios de co-criação de actividades diversificadas de intercompreensão e de avaliação fundamentada dos seus resultados e processos em meios educativos caracterizados pela sua heterogeneidade e complexidade. Trata-se, assim, de criar, gerir e avaliar situações de plurilinguismo, nomeadamente em Línguas Românicas, com objectivos educativos. Pensar e operacionalizar o eixo flexibilidade leva a considerar e observar a diversidade de objectivos e de contextos educativos, sociais, geopoliticos e linguisticos dos sujeitos em formação. Neste sentido, Galapro consubstancia-se num cenário de formação que permite a realização de percursos de formação significativos e adaptados aos diferentes públicos e contextos (este eixo será aprofundado na secção seguinte, onde apresentaremos o percurso de formação). Tendo em conta que Galapro visa criar e expandir uma comunidade de profissionais capazes de actuar de forma consciente e activa em favor da causa do plurilinguismo, a concretização do princípio da difusão, indispensável no que concerne a desmultiplicação e transferência de práticas de intercompreensão, torna-se possível através da edição on-line dos produtos de cada sessão de formação (artigos escritos pelos formandos, fichas pedagógicas, relatos de experiências, ...). Assim, a difusão da formação alia-se à valorização dos percursos de formação, através da publicitação dos resultados e da sua disseminação junto de um público mais alargado. Estes cinco eixos estruturadores da formação pretendem conduzir os sujeitos a implicarem-se activamente num percurso de formação que articula co-reflexão e co-acção, de forma recursiva. Apresenta-se, de seguida, esse percurso.

Estrutura da formação O cenário de formação constituído visa responder aos objectivos anteriormente mencionados e ilustrar os princípios orientadores atrás expostos. Na realidade, a dupla focalização do projecto – formar para e

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através da intercompreensão, relembramos – materializou-se na concepção de um percurso de formação flexível e, por isso, susceptível de ser actualizado e em função dos participantes: heterogeneidade dos seus perfis formativos, das suas localizações geográficas, das suas línguas e culturas (nomeadamente de trabalho), dos seus interesses e objectivos profissionais. Neste sentido, foi construído um percurso de formação organizado em 5 fases, brevemente apresentadas na seguinte tabela 7 : Fases Fase preliminar

Descrição breve Preparação da sessão Galapro

1. As nossas questões e dilemas

Constituição de Grupos de Trabalho (GT)

2. Informar-se para se formar

Definição de um plano de trabalho

3. Em formação

Realização do plano de trabalho

Descrição detalhada Tomar conhecimento da intercompreensão, enquanto discurso e prática (facultativo) ; Descoberta de Galapro (princípios, objectivos, instrumentos, plataforma, …) e identificação de necessidades e problemáticas de formação. Discussão acerca das problemáticas e necessidades formativas identificadas na fase precedente; Formação de grupos de trabalho (GT) plurilingues, em torno das temáticas discutidas. Definição precisa, por parte de cada GT, da problemática a tratar e do produto final a realizar; Elaboração de um plano de trabalho incluindo aspectos metodológicos, organizacionais e de avaliação. Concretização do plano de trabalho com vista à realização do produto final.

4. Avaliação e balanço

Avaliação e balanço do funcionamento e dos produtos dos GT

Validação e publicação dos produtos dos diferentes GT ; Auto, hetero e coavaliação das dinâmicas de funcionamento e dos produtos de cada GT ; Balanço das actividades realizadas.

Tabela 1. Percurso de formação Galapro.

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Ver página web do projecto para mais informações acerca deste percurso de formação.

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Trata-se, conforme se pode deduzir da tabela apresentada, de um percurso que articula: i) auto- e hetero-conhecimento individual e profissional; ii) reflexão ao nível local (em grupos de trabalho institucionais presenciais) e global (em grupos de trabalho de sujeitos à distância); iii) teorias e práticas acerca da intercomprensão; iv) trabalho individual e trabalho em grupo; v) co-reflexão e co-acção; vi) auto-, hetero- e co-avaliação.

EM NOTA DE CONCLUSÃO DE UMA INTRODUÇÃO Concluir uma dupla introdução – no sentido em que esta é a Introdução da presente obra, mas também a Introdução ao projecto Galapro, ainda em curso no momento em que a redigimos – só pode ser uma tarefa simultâneamente retrospectiva e prospectiva. Retrospectiva, porque nos faz pensar no caminho de investigação percorrido ou nas “curvas” que foram ficando para trás, retomando a epígrafe de A. Maalouf, como alguns conceitos e concepções de intercompreensão, só para dar um exemplo. Prospectiva também pela antecipação que nos traz das novas “encruzilhadas” originadas pelas opções investigativas e formativas tomadas e a tomar ao longo da elaboração e implementação de um projecto e pelos encontros múltiplos que este proporcionou. E trata-se, ainda, de uma tarefa introspectiva, no sentido em que nos obriga a olhar o percurso de um grupo de investigação, que se tem vindo a alargar em função de novas necessidades e interesses de investigação, as suas dinâmicas plurilingues e a articulação dos seus membros na prossecução de objectivos simultaneamente individuais e comuns. Estamos conscientes de que a presente obra poderá, também, dar conta desta tripla natureza retrospectiva, prospectiva e introspectiva que está subjacente à história comum da nossa equipa.

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