A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO QUANTO AOS DIREITOS SOCIAIS

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A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO QUANTO AOS DIREITOS SOCIAIS



BRUNO DI MICELI DA SILVEIRA


Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC, mestrando em ciências jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa-FDUL, Defensor Público.













SUMÁRIO


INTRODUÇÃO 4
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO 5
2. DEFINIÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS: EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO. 10
3.A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO 16
CONCLUSÃO 23
BIBLIOGRAFIA 24
















INTRODUÇÃO


O escopo do presente trabalho é demonstrar a evolução dos direitos sociais ao longo das constituições, no tocante à sua interpretação e também quanto à sua positivação.

A definição dos direitos sociais é o ponto de partida deste estudo, que também demonstra a importância das dimensões dos direitos fundamentais ao longo do tempo, assim como caracteriza as suas espécies, tais como o direito à educação, saúde, previdência e moradia.

Os direitos sociais, também denominados de prestacionais, demandam enormes custos aos Estados, razão pela qual a sua fundamentalidade obriga o intérprete da lei a excluir outros direitos deveras importantes, mas que não trazem tantas consequências vitais quanto à não efetivação dos direitos sociais.

Empós, trataremos das diferentes interpretações constitucionais, chegando ao entendimento de que a máxima eficácia da Constituição deve estar atrelada ao princípio da dignidade da pessoa humana, na medida do possível, utilizando-se, inclusive, o princípio da razoabilidade para atingir tal mister.

Tais formas de interpretação são necessárias porque a Constituição é um sistema aberto, dotado de regras e princípios, passível de análise crítica no sentido de ponderar seus valores, a fim de que seja dada máxima efectividade aos seus preceitos.

Por derradeiro, a vedação absoluta ao princípio do retrocesso social, a meu ver, deve ser vista com cautela, visto que não há como afastar as finanças do Estado de seus objetivos políticos. Portanto, manifestamos uma visão consentânea com a realidade, no sentido de que o equilíbrio e o bom senso devem sempre prevalecer sobre dogmas e atitudes estatais ortodoxas.




1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO


Tradicionalmente, mormente a partir do movimento constitucionalista iniciado no século XVIII, os direitos fundamentais representam formas de garantia aos cidadãos em face do Estado.

Daí vem o célebre lema da Revolução Francesa contra o arbítrio estatal daquela época: "liberdade, igualdade e fraternidade".

A partir daí, o Estado Absoluto da França cedeu posição à crescente burguesia, que passou a exigir direitos políticos e, por conseguinte, liberdade individual e de igualdade frente ao domínio estatal, governado até então pela monarquia absolutista.

Valendo-se dessa premissa o constitucionalista LENZA (2014, p. 68).constata o seguinte:


[...] Dois são os marcos históricos e formais do constitucionalismo moderno: A Constituição norte-americana de 1787 e a francesa de 1791 (que teve como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789), movimento este deflagrado durante o Iluminismo e concretizado como uma contraposição ao absolutismo reinante, por meio do qual se elegeu o povo como o titular legítimo do poder.

Podemos destacar, nesse primeiro momento, na concepção do constitucionalismo liberal, marcado pelo liberalismo clássico, os seguintes valores: individualismo, absenteísmo estatal, valorização da propriedade privada e proteção do indivíduo.


Liberalismo é um conceito político, moral e social que exprime a afirmação e a liberdade do indivíduo frente a um grupo, perante a sociedade e o Estado. O homem do renascimento passou a apoiar a competição e a desenvolver uma crença baseada em que o homem tudo poderia, desde que tivesse vontade, talento e capacidade de ação individual.

Vale frisar que o absenteísmo estatal representa a passagem do Estado absolutista para o de Direito, marcando a primeira dimensão de direitos. A diminuição da interferência do Estado nas liberdades individuais foi um dos motivos determinantes da Revolução Francesa e, consequentemente, o movimento constitucionalista a partir de então.

O individualismo, em princípio, opõe-se a toda forma de autoridade ou controle sobre os indivíduos e coloca-se em oposição ao coletivismo, no que concerne à propriedade.

O individualista pode permanecer dentro de sociedades e de organizações que tenham o indivíduo como valor básico, por exemplo, o caso da sociedade norte-americana. Mas, mesmo lá, as organizações e as sociedades, contraditoriamente, carregam outros valores, não necessariamente individualistas, o que cria um estado de permanente tensão entre o indivíduo e essas instâncias de vida social.

Assim, a liberdade individual estava garantida. Ato contínuo, os direitos sociais se desenvolveram diante da inércia dos estados liberais, que não garantiram aos trabalhadores condições mínimas de dignidade, tais como jornada de trabalho previamente regulamentada, acesso à saúde e direito à educação, criando um modelo econômico excludente e gerador de concentração de renda.

Assim, o Estado liberal, também denominado de Estado Mínimo, baseado na máxima: "Laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même" ("deixe fazer, deixe passar, que o mundo segue por ele mesmo", François Quesnay, economista francês), já não era suficiente para garantir a dignidade de seu povo. Vale lembrar que, durante a Revolução Industrial, a situação da população restou ainda mais agravada, conforme ensinamento de SARLET (2007, p. 56):
[…] O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social.

Foi com a insuficiência da efetividade dos "direitos liberais" que os direitos sociais foram sendo expressamente desenvolvidos e positivados ao longo das constituições promulgadas durante o século XX, razão pela qual foram denominados de direitos de segunda geração.

Em 5 de Fevereiro de 1917, curiosamente, a Constituição Mexicana foi pioneira em reconhecer e garantir direitos sociais, ao atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais.

No continente europeu, a partir da Constituição Alemã de 1919 (Weimar, Direitos e deveres fundamentais dos alemães em sua II parte), os direitos sociais ganharam novo status constitucional, passando a ser uma preocupação constante dos antigos estados liberais.

Assim, foi criado o Estado Democrático de Direito Social propriamente dito, trazendo em seu bojo a proteção à dignidade da pessoa humana e visando melhores condições de igualdade social.

Esses documentos sintetizam uma tendência mundial da época em romper com o Estado liberal burguês, já que com a Revolução Industrial, observou-se que o acesso a uma vida digna era muito mais importante do que a mera igualdade formal dos cidadãos perante o Estado.

Vejamos lição do jurista ALEXY (2011, p. 98), in verbis:

[...] Com isso, é abandonada a tradição liberal burguesa, segundo a qual direitos fundamentais, só ou, pelo menos, em primeiro lugar, são direitos de defesa do cidadão contra o Estado. Para o asseguramento da liberdade individual associam-se a participação política e social e o asseguramento social. O sistema dos direitos fundamentais é ampliado em um sistema amplo de uma ordem social justa.
Após o advento da II Guerra Mundial, o tema da dignidade da pessoa humana voltou a ser discutido mundialmente, principalmente depois dos horrores da guerra, como o holocausto, que custou a vida de milhões de pessoas.

A Constituição de Weimar e outras posteriores à II Guerra Mundial mudaram a concepção de Estado, agora preocupados em primeiro lugar com o bem-estar social, planejando a efetivação dos direitos sociais.

Vale lembrar que após a Segunda Guerra Mundial, o direito à dignidade da pessoa humana passou a ser amplamente discutido na Europa, posto que os nazistas a negavam aos judeus, razão pela qual os matavam em razão de sua origem.

Foram milhões de mortos, ressalte-se, no lamentável episódio denominado holocausto, o qual serviu de lição para os povos do planeta, que devem respeitar-se e agir com espírito de fraternidade a partir disso.

A partir desse momento, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) promulgou a Declaração da Filadélfia (1944), abrangendo artigos sobre políticas sociais e direitos humanos.

Além disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos firmou entendimento segundo o qual o princípio da solidariedade deve caminhar ao lado da dignidade da pessoa humana, já que assegura o direito à seguridade social, ao trabalho, à educação, entre outros, visando assegurar a existência de uma sociedade mais justa e igualitária.

No continente europeu, houve uma maior preocupação em consolidar-se os direitos sociais nas constituições de seus países integrantes, tais como a francesa, a italiana e a alemã, de 1946, 1948 e 1949, respectivamente.

Mais recentemente, podemos mencionar a Constituição Portuguesa de 1976 e a Espanhola de 1978, além da Brasileira de 1988, também denominada de Constituição Cidadã por sua preocupação constante em assegurar cidadania a todos, de modo indistinto.

Assim, observa-se que, atualmente, as constituições contemporâneas e os tratados internacionais são duas das principais fontes dos direitos sociais, alçados à posição de direitos fundamentais – de efetividade plena e imediata, conforme ensinamento já consagrado do constitucionalista brasileiro José Afonso da Siva.

A positivação de tais direitos encontra-se prevista em boa parte das constituições mundiais. Resta saber até que ponto a sua interpretação vai ao encontro da lei fundamental, a fim de que se conceda efectividade plena aos direitos sociais.

Não levar a aplicação dos direitos sociais a sério consubstancia, a meu ver, o velho "truque de ilusionista" dos Estados Democráticos de Direito aderentes de tratados e que positivaram os aludidos direitos fundamentais em suas cartas magnas, sem, contudo, colocá-los em prática.

A meu ver, isso destoa da vontade democrática da maioria da população de um Estado, pondo em xeque inclusive todo o processo e o princípio democrático.

Assim, entendemos que direitos fundamentais são semelhantes em qualquer lugar do mundo, impondo-se aos Estados signatários de tratados internacionais seu cumprimento, com interpretações baseadas no bem-estar comum.












2. DEFINIÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS: EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO.


Direitos sociais são fundamentais para o desenvolvimento da personalidade. Sua baliza é a dignidade da pessoa humana.

Pois bem, falar em dignidade da pessoa humana significa assegurar os direitos mínimos para que a personalidade de cada indivíduo seja desenvolvida em sua inteireza, ingressando, assim, no núcleo dos direitos fundamentais básicos.

Esse conceito acompanha a lição do eminente catedrático OTERO (2007, p. 559):

[...] Sem prejuízo de se revelar impossível reduzir a uma fórmula única e fechada o conceito de dignidade humana, desde logo atendendo à natureza vaga e indeterminada do próprio conceito, e também ao facto de se tratar de uma realidade "em permanente processo de construção e desenvolvimento", envolvendo até qualquer tentativa de definição uma efectiva imposição de limites à própria dignidade, regista-se que a designada auréola do conceito, compreendendo uma vasta área de imprecisão, impossibilitando uma definição abstracta e incontroversa, se, por um lado, confere flexibilidade à realização em concreto do que seja a dignidade humana, remete, por outro, para uma dimensão política, legislativa, administrativa ou judicial de densificação material: aos tribunais compete sempre, em última instância, a determinação do que seja a dignidade humana perante uma situação concreta.

Já o professor INGO SARLET (2001, p. 60) conceitua dignidade da pessoa humana como sendo:

[...] A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer acto de cunho degradante e desumano, como lhe venham a garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação activa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Portanto, são direitos intrínsecos ao ser humano que foram maciçamente positivados principalmente após a Segunda Guerra Mundial.

Seu objectivo principal é garantir dignidade a todos os indivíduos, tais como: direito à saúde, à educação, ao trabalho, à seguridade social e ao lazer.

É como ensina o ilustre Mestre JORGE MIRANDA (2014, p. 12):

[...] Na verdade, precisamente por os direitos fundamentais poderem ser entendidos prima facie como direitos inerentes à própria noção de pessoa, como direitos básicos da pessoa, como os direitos que constituem a base jurídica da vida humana no seu nível actual de dignidade, como as bases principais da situação jurídica de cada pessoa, eles dependem das filosofias políticas, sociais e económicas e das circunstâncias de cada época e lugar.

Já as dimensões dos direitos fundamentais são didacticamente divididas em 4 (quatro), sendo a primeira correspondente à liberdade.

Os direitos de liberdade, que caracterizam os de primeira dimensão, constituíram a forma encontrada pela nascente burguesia para conter os arbítrios do Estado absolutista da época moderna.

Foi uma primeira conquista do estado liberal burguês, sendo pressuposto para o desenvolvimento das seguintes dimensões do direito.

Assim ensina o jurista cearense Paulo Bonavides (2013, p. 582):

[...] Os direitos da primeira geração ou os direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa que ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.

No tocante aos direitos de segunda geração, o qual é o objecto principal do presente estudo, trata-se da igualdade social.

Para que essa igualdade possa ser almejada, faz-se mister que o Estado realize acções positivas no sentido de dar condições para que a personalidade individual seja desenvolvida sempre em prol do bem-estar social.

Após o advento da primeira dimensão de direitos, foi observado que já não era suficiente apenas garantir a liberdade individual das pessoas, mas torná-las capazes de desenvolver uma sociedade mais justa e solidária.

Daí que surgiu o chamado Estado Democrático de Direito, acompanhado de movimentos socialistas em prol de acesso à saúde, educação, moradia, dentre outros.

Assim, conforme lecciona novamente SARLET (2007, p. 57):

[...] A utilização da expressão "social" encontra justificativa, entre outros aspectos que não nos cabe aprofundar neste momento, na circunstância de que os direitos de segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem a reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico.

Por sua vez, BONAVIDES (2013, p. 583) continua a explanar o que se segue:

[...] De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos de liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

Após os abusos cometidos pela falta de interferência do Estado na economia durante a Revolução Industrial, em prol dos economicamente hipossuficientes (proletários e camponeses em sua maioria), surgiu um movimento de fortalecimento dos direitos da segunda geração, tendo culminado após a II Guerra Mundial, onde o direito à dignidade da pessoa humana foi posto em segundo plano.

Nesse sentido, trazemos à baila lição do jurista VIEIRA DE ANDRADE (2012, p. 104):

[...] É evidente que os direitos fundamentais surgem como resultado da luta histórica e que a sua consagração exprime o poder directo ou indirecto que os seus titulares que os seus titulares e beneficiários dispõem na sociedade.

Os direitos fundamentais dependem, na sua realização histórica, de fatores económicos, sociais, políticos e até biológicos ou geofísicos e por vezes o seu alcance concreto é determinado pelo de que dispõem as forças políticas e sociais no momento da sua condensação em normas ou no da aplicação destas.

Simplesmente, no que respeita aos direitos fundamentaios, essa luta histórica desenvolve-se ao longo de uma linha condutora, de um princípio fundamental que constitui o núcleo essencial de todas as reivindicações e conquistas: o princípio da dignidade humana.


Com relação à terceira geração de direitos, esta é transcendental às duas anteriores, sem, contudo, eliminá-las.

São espécies de direitos cuja finalidade é garantir a fraternidade entre os povos, sendo que suas barreiras transpõem as fronteiras físicas entre os diversos povos que compõem os Estados soberanos.

O direito internacional é dotado de instrumentos para manter a ordem mundial. Assim, um indivíduo, a partir dessa geração, passou a ser protegido também por normas de direito supra nacional.

Novamente, importante trazer à baila os ensinamentos de BONAVIDES (2013, p. 590):

[...] São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta para o futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.

Apesar do ilustre Autor acima mencionado ter sido criticado por ter teorizado a quarta e quinta geração, para muitos juristas utópica, o fato é que elas tratam de bioética e tecnologia de informação, fatos atuais em nosso cotidiano.

As duas realidades não obstante poderem ser enquadradas nas primeiras e terceiras gerações, respectivamente, não podem ser confundidas com as mesmas.

Pelo simples fato de que as realidades actuais são bem diferentes, ocorrendo uma evolução do direito, razão pela qual corroboramos com os argumentos expendidos pelo jurista suso mencionado.

A bioética trata de embriões, sua possibilidade de regulamentação, incluindo, mas não se confundindo com o direito à vida.

O direito à informação, mormente a era digitalizada sequer tivesse sido imaginada quando da criação da terceira dimensão de direitos.

Trata-se de direito a um ambiente virtual equilibrado e digno. Fato novo e que precisa ser analisado com parcimónia, já que a humanidade caminha para esse rumo.

Portanto, podemos considerar revolucionária a tese da quarta e da quinta dimensões e, porque não dizer, já existente no ordenamento jurídico actual, sendo uma realidade mundial inexorável.

Destarte, além dos direitos à informação e à bioética, também podemos incluir o direito à democracia como decorrência da globalização mundial.

Vale lembrar que os direitos de quarta e de quinta geração são incipientes em razão de seu início, correspondente ao advento do séc. XXI, sendo que muitos consideram a paz a quinta dimensão.

A positivação dos direitos e garantias fundamentais está prevista no Título II da Constituição Federal do Brasil de 1988, além do artigo 18 e seguintes da Constituição da República de 1976.





3. A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO


A interpretação jurídica consiste em extrair o significado de uma norma. Sendo actividade primordial do intérprete adequar a lei ao sentido da norma.

Durante o Século XIX, Savigny formulou uma teoria que previa a fixação de quatro regras tradicionais da interpretação jurídica, conforme ensinamento de AMARAL (2012, p. 110):

[...] (i) a interpretação gramatical, que visa apreender o sentido da norma a partir do seu enunciado literal, procurando portanto a determinação do significado das palavras usadas pelo legislador; (ii) a interpretação histórica, que visa apreender o sentido da norma através da reconstituição do processo que levou à formulação, e à escolha da solução que ela propugna; (iii) o elemento sistemático, que visa apreender o sentido da norma através do estudo do lugar que ela ocupa no contexto da regulação em que se insere, e (iv) o elemento teleológico, que visa apreender o sentido da norma pela interrogação do seu fim, ou da finalidade que serve a solução por ela propugnada.

Também não devemos olvidar que toda interpretação legal é importante, sendo presunçoso considerar determinadas normas auto-explicativas. Elas sempre possuem algo a dizer, ao contrário do velho brocardo: in claris non fiat interpretativo (aquilo que é claro não deve ser interpretado).

Pois bem, antes de tratarmos da interpretação da Constituição quanto aos direitos sociais, importante lembrar que a mesma é Lei Fundamental de uma sociedade, tendo sido originado a partir de comunidades que se uniram nas incipientes cidades (final do século XIII) em prol de objectivos comuns, tais como melhores condições de vida.

A Soberania, pois, pertence ao povo, que a exercita nas formas e nos limites da Constituição.

Esse dogma acompanhou o nascimento das constituições modernas e seus movimentos constitucionalistas, tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (Revolução Francesa, 1789) e a Bill of rights and frame of government (Inglaterra).

Voltando ao assunto da interpretação jurídica após essa importante digressão, verificamos que a Constituição é espécie sui generis de norma, em razão de sua exclusividade e fundamentabilidade em relação a outras normas do ordenamento jurídico.

Portanto, não basta ao intérprete buscar meios já conhecidos para buscar o real sentido da norma constitucional, como aqueles teorizados por Savigny, mas ir além disso.

O auxílio de tópicos para a interpretação da Constituição é importante para esclarecer eventuais dúvidas não dirimidas pelos métodos: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Vamos a eles:

O tópico da unidade da constituição significa que a mesma encerra um sistema de normas harmónicas e coerentes entre si, pelo fato de que é uma obra proveniente da vontade geral do povo.

Assim, o intérprete deve evitar leituras isoladas a fim de obter o desiderato constitucional.

Nas palavras do eminente jurista e Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Gilmar Ferreira Mendes (2012, p. 105):

[...] O primeiro desses princípios, o da unidade da Constituição, postula que não se considere uma norma da Constituição fora do sistema em que se integra; dessa forma, evitam-se contradições entre as normas constitucionais. As soluções dos problemas constitucionais devem estar em consonância com as deliberações elementares do constituinte. Vale, aqui, o magistério de Eros Grau, que insiste em que "não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços", acrescentando que "a interpretação do direito se realiza não como mero exercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intérprete ser alfabetizado". Esse princípio concita o intérprete a encontrar soluções que harmonizem tensões existentes entre as várias normas constitucionais, considerando a Constituição como um todo unitário.

A título de exemplo, podemos mencionar os tratados internacionais que tratam de direitos humanos no Brasil após a edição da Emenda Constitucional n. 45/2004: "Art. 5º (...) §3º: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

Mesmo após a edição desta Emenda, não se pode afirmar peremptoriamente que os direitos humanos reconhecidos internacionalmente, mas ainda não aprovados em forma de Emenda Constitucional sejam excluídos da protecção da República Federativa do Brasil.

Faz-se mister, portanto a análise da Constituição como um todo para que seus objectivos sejam alcançados.

Outro importante instrumento de interpretação constitucional é o tópico da concordância prática, que consiste na ponderação de dois ou mais bens jurídicos em conflito, a fim de que cada um não perca a sua identidade, maximizando cada um deles.

Portanto, é necessária a ponderação dos valores jurídicos de cada bem para que a solução seja concedida sem sacrifícios desnecessários e abusivos em relação a determinados direitos.
A importância do tópico da adequação ou correcção funcional existe em função da preservação dos três poderes do Estado. O aludido tópico define conceitos interpretativos que facilitam a acção do Poder Judiciário em relação aos demais.

Um exemplo de aplicação do tópico da correcção funcional ocorreu na interpretação do Tribunal Constitucional sobre o artigo 277.º, n.º 1, da Constituição da República de Portugal, segundo o qual: "são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados" (grifo nosso).

Foi questionado se normas de efeitos concretos, tais como decretos-lei do Governo também estariam submetidas ao controle de constitucionalidade, já que o conceito de norma tem a ver com generalidade e abstracção.

Nesse caso, o Tribunal Constitucional, utilizando o tópico da correcção funcional como um de seus argumentos, julgou que tais decretos ou leis da Assembleia da República também estariam sujeitos ao seu controle de constitucionalidade, mormente em obediência ao sistema de freios e contrapesos.

Os tópicos descritos acima, se considerados em sua inteireza, coincidem para um princípio fundamental, qual seja a máxima eficácia das normas constitucionais ou força normativa da Constituição.

Tendo em vista que a Constituição é una e indivisível, além de servir de fundamento para as demais normas, observa-se que os direitos ali descritos devem ser buscados a todo momento, em prol da coalizão social. Esse é o efeito integrador buscado pelo legislador constituinte a ser interpretado pelos tribunais.

De acordo com entendimento do jurista ALEXANDRINO (2015, p. 240):

[...] Do princípio do efeito integrador resulta que, se a Constituição visa alcançar e manter a unidade política, na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, o intérprete deve dar preferência aos pontos de vista que mais favoreçam esse efeito.

Desta forma, os direitos sociais, reputados como fundamentais pela própria Constituição devem ser alçados como prioridade, sob pena de desagregação social e, por conseguinte, retrocesso, já alçado a princípio de igual modo.

Observa-se que o núcleo dos direitos sociais é a dignidade da pessoa humana, sendo considerado núcleo intangível pelo legislador segundo doutrina e jurisprudência pacíficas.

Vejamos opinião do Ministro BARROSO (2012, p. 202) sobre exemplos de direitos sociais:

[...] Tome-se o exemplo dos direitos sociais. A doutrina contemporânea desenvolveu o conceito de mínimo existencial, que expressa o conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele patamar, o mandamento constitucional está sendo desrespeitado. Ora bem: esses direitos sociais fundamentais estão protegidos contra eventual pretensão de supressão pelo poder reformador. Também em relação aos direitos políticos, certas posições jurídicas são imunes à ação do constituinte derivado. E mesmo os direitos difusos, como alguns aspectos da proteção ambiental, são fundamentais, por estarem direta e imediatamente ligados à preservação da vida.

Em suma: não apenas os direitos individuais, mas também os direitos fundamentais como um todo estão protegidos em face do constituinte reformador ou de segundo grau. Alguns exemplos: o direito social à educação fundamental gratuita (CF, art. 208, I), o direito político à não alteração das regras do processo eleitoral a menos de um ano do pleito (CF, art. 16) ou o direito difuso de acesso à água potável ou ao ar respirável (CF, art. 225).
Nesse sentido, vejamos jurisprudência remansosa do Supremo Tribunal Federal:

Reitero de logo que a meu ver as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art.60, §4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. (Mandado de Segurança n.º23.047-Medida Cautelar, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, diário da justiça: 14.11.2003).

Outro ponto a ser destacado é que a Constituição não impede a ampliação do rol de direitos sociais, como o direito à moradia e razoável duração do processo, alçados recentemente a essa condição no ordenamento jurídico brasileiro.

De outro lado, direitos sociais podem ser alterados, como ocorreu em Portugal quando da criação das taxas moderadoras, na forma dos Acórdão n.º 39/84, assim como o Acórdão n.º 509/02, que garantiu o acesso aos rendimentos de inserção social, já mencionando naquela época o princípio da proibição do retrocesso social.

A partir desses julgamentos, observa-se que a criação de direitos sociais na Constituição obriga a prestações positivas de sua concretização, assim como determina obrigação de abstenção de práticas consideradas de retrocesso dos aludidos direitos sociais, sendo que o Acórdão n.º 509/02 foi considerado o ápice da corrente doutrinária do princípio do não retrocesso social.

Vejamos um de seus trechos, em que considerou inconstitucional Decreto da Assembleia da República que revogava o rendimento mínimo garantido aos jovens com idade igual ou superior a 18 (dezoito) anos:

A partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar a ser também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.

[…] Onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível determinar, com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade (cfr.Acórdão n.º474/02, ainda inédito), a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de proteção já atingido é necessariamente mínima já que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração legislativa pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão – e terá sido essa a situação que se estendeu verdadeiramente ocorrer no caso tratado no já referido Acórdão n.º39/84.

Em razão da decisão acima mencionada, o Governo Português revogou o "benefício de rendimento garantido" para as pessoas de baixa renda, substituindo-o por outro denominado de "rendimento de inserção social", sendo que a diferença principal entre eles é a data de início do recebimento, respeitado o direito adquirido aos indivíduos que já haviam completado 18 anos à época da promulgação daquela lei.

Assim, observa-se que não basta a proibição do retrocesso, mas também o impedimento de medidas futuras que objectivem cessar os efeitos de direitos sociais já consagrados por lei. Segundo TAVARES (2013, p. 624):

[...] O caso real mais conhecido é o Acórdão 509, de 2002, do Tribunal Constitucional português, que reconheceu a inconstitucionalidade de lei que pretendeu reduzir o âmbito subjectivo dos beneficiários do chamado rendimento mínimo.


Tal entendimento é consequência, também, do princípio da máxima eficácia das normas de direitos fundamentais e do suso mencionado princípio da proibição do retrocesso social, válidos inclusive para gerações futuras.

CONCLUSÃO


A importância de uma correta interpretação dos direitos sociais afecta o bem-estar da população mais carente de recursos indispensáveis para o seu desenvolvimento. Regimes democráticos devem valorizar a máxima efectividade dos direitos sociais, sob pena de estar governando para uma minoria já possuidora dos direitos sociais básicos.

O real significado da democracia passa pelo crivo de escolhas realizadas pelo poder legislativo, principalmente, a fim de que se dê vazão a mecanismos que tornem a vida do cidadão mais digna.

Ao intérprete cabe, portanto, delimitar os espaços de actuação do legislador, sob pena de inconstitucionalidade de normas que possam ir de encontro aos direitos sociais, outrossim, declarar a inconstitucionalidade por omissão de alguns direitos e em determinadas situações sociais.

Vale ressaltar que o momento de crise actual pode ser temporário, sendo o crescimento económico uma incógnita para os Estados, razão pela qual faz-se necessário preservar os direitos sociais efectivados pelo legislador.

Desta forma, cabe ao Estado continuar garantindo o acesso aos direitos sociais, na medida do possível, utilizando-se também do argumento do crescimento económico, posto que no futuro pode ser invertido em prol do desenvolvimento dos países, ampliando-se, inclusive, o rol de direitos sociais por exemplo.

Acreditamos que o intérprete deva ter sempre esse viés, pautado na realidade económico e social do Estado onde habita, para que possa julgar com serenidade as questões que lhe são trazidas diante dos casos concretos, mormente pelo fato de que a Constituição é um sistema aberto dotado de regras e princípios.



BIBLIOGRAFIA


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