A IntervesioPossessionis como fundamento para o Usucapião

July 10, 2017 | Autor: Júlio Santos | Categoria: Direito Civil, Usucapião
Share Embed


Descrição do Produto

A IntervesioPossessionis como fundamento para o Usucapião Júlio Cesar Gomes dos Santos1 RESUMO: O presente trabalho pretende demonstrar de forma concisa a transformação da posse precária em posse ad usucapionem, bem como, apresentar o entendimento jurisprudencial brasileiro no tocante a transformação do caráter da posse como aquisição de direito de usucapir.

INTRODUÇÃO

Conceitualmente posse é a demonstração de poder de alguém sobre alguma coisa e o que se presume é que aquele que detém o poder de definir o destino de alguma coisa e a tem como sua sob seu poder é o dono dela. Por outro lado, diferentemente do que se apresenta em termos de propriedade e domínio em quea primeira situação revela o direito de alguém sobre a coisa, ou seja, na propriedade temos a relação jurídica dedireito de usar, fruir e gozar da coisa e reavê-la de quem a detenha injustamente e, no segundo caso onde a figura da detenção que ao contrário da posse e da propriedade é a relação de domínio de alguma coisa em subordinação econômica, tolerância ou permissão. Como exemplo, tem-se aa figura do caseiro do sítio, motorista empregado em relação ao carro do patrão e etc. Enquanto a propriedade é uma relação jurídica de direito real, a posse é a relação de alguém que exerce de fato sobre a coisa alguns dos poderes inerentes a propriedade. Veremos que uma das formas de adquirir a propriedade é a transformação da posse em direito real pelo usucapião, ou seja, o possuidor por decurso do tempo, sem interrupção e oposição possuir, como seu, um imóvel adquire-lhe a propriedade. Cabe então definir que a posse será real ou presumida, de boa-fé ou de má-fé, direta ou indireta. A posse será direta quanto o possuidor exerce-la diretamente, sem obstáculos, exercendo algum dos poderes inerentes a propriedade e com o contato físico com a coisa e, por outro lado, a posse indireta será a exercida por quem entrega a coisa a outrem em virtude de uma relação jurídica estabelecida entre eles, tais como, locação, comodato, depósito, etc. Segundo a teoria subjetiva proposta porSavignyem que para caracterizar a posse o possuidor deverá ter a coisa em seu poder e ter o animo de dono da coisa, ou seja, o 1

Advogado, aluno do Curso de Pós-Graduação em Direito Processo Civil da Uniritter.

corpus em conjunto com o animus. Sem a junção destes dois requisitos o possuidor seria detentor. Por outro lado, a teoria objetiva proposta por Jheringpreconizaque a posse se caracteriza pelo poder exercido sobre a coisa, a presença do corpus pressupõe o animuspois este estaria implícito no primeiro. Posto isso, se é considerado possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, nos parece, salvo melhor juízo, que o ordenamento jurídico nacional adota a Teoria Objetiva de Jhering demonstrando na legislação que será possuidor mesmo aquele que detém a coisa sem o ânimo de ser dono daquela coisa. É o caso do locatário em relação ao locador. O primeiro tem o posse direta em detrimento do segundo que tem a posse indireta, a relação jurídica estabelecida entre ambos determina que o locatário não tenha o ânimo de dono. Porém, ele exerce pelo menos uma das prerrogativas do proprietário, não tem obstáculos e mantém contato físico com a coisa locada. A posse cessa com a devolução da coisa ao possuidor indireto e a consequente perda do poder exercido pelo possuidor direto. Por obrigação na relação jurídica estabelecida entre as partes, a não devolução da coisa ao possuidor irá caracterizar a “posse precária”, que nada mais é que uma posse injusta. Esta mudança no caráter da posse, qual seja, de posse direta e justa com obrigação de restituição ao possuidor indireto a termo de contrato, para posse precária caracterizada pela negativa em restituir a coisa ao possuidor indireto, quando acompanhada da exteriorização do animus domini pelo então possuidor direto, irá definir a intervesiopossessionis. INTERVESIO POSSESIONI – TRANSMUTAÇÃO DA POSSE

O Código Civil Brasileiro não caracteriza explicitamente a inversão do título da posse como

forma de aquisição da posse,

mesmo

sendo reconhecida

a

2

intervesiopossessioniscomo forma de aquisição de direito de usucapir . O ordenamento jurídico brasileiro vem se posicionando no sentido de reconhecer a transmutação da posse de não própria para a própria, como se pode ver em vários julgados. Mesmo não havendo na legislação a expressa menção a intervesiopossessionis os julgadores a entendem como forma de aquisição do direito ad usucapionem.Ao contrário, o Código

2

STJ: REsp 143976 / GO; STJ: AgRg no AREsp 67499 / RS

Civil Português, que tem previsão expressa no texto legal eque prevê que a posse se adquire por inversão do título da posse3. A legislaçãoportuguesa vai além ao dedicar um artigo do texto legal pra explicar como se dá a inversão do título da posse4, já no capítulo dedicado ao Usucapião expressa que “Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título.”5 A legislação Lusa se apresenta com extrema clareza frente à legislação Brasileira que se apega exclusivamente no artigo 1203 do Código Civil Brasileiro 6 para interpretar a transmutação da posse, ou seja, provada a inversão do título da posse deixa-se de entender que a posse mantém o mesmo caráter em que foi adquirida. Mesmo sem previsão expressa, o detentor da coisa ou possuidor precário terá seu direito reconhecido no ordenamento jurídico pátrio quando ocorrer a inversão do título da posse e, este entendimento se extrai do Enunciado n. 237 da III Jornada de Direito Civil 2004 (Enunciado 237. É cabível a modificação do título da posse – interversiopossessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini) e da jurisprudência firmada no sentido de reconhecer que é possível a mudança do caráter originário da posse. Então, se a posse é adquirida com caráter de subordinação ao possuidor indireto revelando uma relação de dependência a este tem-se que somente será alterada pelo insubordinação do possuidor direto em relação ao indireto e, por consequência, ocasionando a inversão do título da posse. Todavia há que se estabelecer que a posse ad usucapionemnão tem relação com a posse expressa pelo Código Civil Brasileiro em seu artigo 11987 e que o direito a reclamar para si a coisa pelo usucapião, no caso em estudo, se dá a partir da inversão do 3

Código Civil Português, artigo 1264, d Código Civil Português, artigo 1265 – Inversão do título da posse - A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse. 5 Código Civil Português, artigo 1290 6 Código Civil Brasileiro, artigo 1203 - Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. 7 Código Civil Brasileiro, Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário. 4

título da pose. Melhor analisando, o direito ao usucapiãose dá a partir do momento em que o possuidor exercer a posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem. O posicionamento que se tem no ordenamento jurisprudencial é justamente a capacidade de se adquirir o direito ad usucapionem não pelo advento da mudança do título da posse e sim em decorrência dela. Embora pareça óbvio, é mister explicar que a contagem de tempo para o usucapião tem inicio com a comprovação de fato da inversão do título da posse e no momento em que o possuidor precário passa a tratar a coisa,a qual antes estava sob seu domínio por força contratual e sem animus domini, como sua e em oposição ao possuidor indireto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se antes o possuidor direto tinha a coisa sob o regime contratual e sob as limitações impostas pelo possuidor indireto, a partir da inversão o detentor deixa de “obedecer” as regras do possuidor indireto e, é neste momento que se verifica a transmutação da posse e a ocorrência da intervesio possessioni que fundamentará o direito a usucapir do possuidor direto, agora precário, frente ao possuidor indireto. É necessário sempre atentar para o fato de que a inversão do título é meio de aquisição do direito e o processo de Usucapião propriamente dito, obedecerá o regramento próprio expresso na legislação nacional e no tempo que esta exige em cada caso. Parece claro que o ordenamento jurídico nacional busca a valorização da posse em sentido amplo frente à desvalorização da propriedade em sentido restrito. Em outras palavras, aquele que tem a propriedade como mero acréscimo econômico/patrimonial, sem dar a coisa o destino social que merece e a proteção que necessita, será preterido em relação aquele que detém a posse, mesmo que injusta e com vícios, porém sem oposição, com animus domini e com destinação social. Essa predileção se apresenta clara na interpretação da transmutação do título da posse onde o possuidor precário vai adquirir o direito à propriedade pelo usucapião mesmo que, a posse exercida fosse regrada por instrumento legal e, que descumprido pelo possuidor direto frente ao possuidor indireto, irá gerar direitos a outra parte.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.