A introdução das disciplinas de ciências nos liceus. O primeiro laboratório
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Cultura Escolar Migrações e Cidadania Actas do VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação 20 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto) ISBN 9789728614133
A introdução das disciplinas de ciências nos liceus – o primeiro laboratório Carlos Alberto da Silva Beato Escola Secundária de José Afonso, Loures
EIXO 6 – Instituições educativas e cultura material escolar
Introdução No período que se seguiu à revolução cartista de Setembro de 1836, o poder instituído encetou uma acção reformadora das instituições, nomeadamente das de instrução pública. Realçase a criação dos Liceus Nacionais, escolas que se destinavam a ministrar um ensino onde se incluiriam conteúdos técnicos e práticos, em oposição ao ensino tradicional que contemplava quase só as chamadas humanidades, e que não teria como objectivo único a preparação para o acesso à Universidade. A grande novidade trazida pelo decreto de 17 de Novembro de 1836, assinado por Passos Manuel enquanto Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, foi a introdução no ensino secundário de cadeiras onde seriam leccionadas as línguas e as ciências modernas. Apesar do entusiasmo dos seus promotores foram muitas as dificuldades que o processo de instalação dos novos estabelecimentos de ensino teve que enfrentar. No período que decorre entre 1837 e 1844 não houve cumprimento das disposições legislativas aprovadas, devido, em grande parte, à instabilidade política e à grave crise económica e financeira. Posteriormente, a reforma de Costa Cabral limitou os objectivos do ensino liceal e podese dizer que, de algum modo, formalizou a situação vivida anteriormente. Entrementes, só em 1860, cerca de um quarto de século depois do decreto fundador, estavam definitivamente instalados e a funcionar todos os liceus que a legislação setembrista pretendera criar. Inicialmente, as disciplinas de ciências físicas e naturais, apesar de previstas na legislação, estiveram praticamente ausentes dos liceus. As suas características inovadoras que levantavam objecções da parte de alguns, e a dificuldade em recrutar professores habilitados, foram obstáculos maiores à sua implantação nos liceus que se iam instituindo. O que é facto é que na vigência da lei de Passos Manuel a existência das ciências liceais se pode considerar virtual e que posteriormente, com a reforma de Costa Cabral, foram simplesmente eliminadas dos planos de estudos. Em 12 de Agosto de 1854, três anos depois da queda do cabralismo, no mesmo ano em que se iniciavam os testes práticos, entre Sacavém e Vila Franca, para a introdução dos caminhos de ferro no país, o Governo publicou, com Rodrigo da Fonseca no ministério do reino, uma lei que permitiu a reintrodução das disciplinas de ciências nos programas liceais e, desta vez, com existência real, porque também as tornava “preparatórios” necessários para o acesso à
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Universidade. Não será demais realçar a importância deste instrumento legal. De facto, foi a partir dele que as disciplinas de ciências se instalaram definitivamente nos programas liceais. Entretanto, para que as cadeiras pudessem funcionar exigiamse vários tipos de equipamentos e espaços, nomeadamente artefactos experimentais e materiais de consumo concentrados em locais particulares, os laboratórios. Em Lisboa, Porto e Coimbra, bastou fazer uma mudança ao estatuto das disciplinas. As ciências “transitaram” dos estabelecimentos de ensino superior para os liceus, o que foi uma solução fácil e sem grandes encargos imediatos. Nas restantes regiões do país, a criação das ciências liceais foi, acompanhada da instalação de laboratórios de raiz, adaptando salas e adquirindo mobiliário, material e reagentes.
A criação da cadeira de ciências no Liceu de Ponta Delgada Como se disse a lei de 12 de Agosto de 1854 permitiu, finalmente, a existência das disciplinas de ciências nos liceus. Atento a esta situação o Conselho do Liceu de Ponta Delgada, nem três meses passados, pediu ao governo incluir as ciências físicas e naturais no conjunto das que aí eram leccionadas: O Decreto . . . e as circunstâncias especiais em que se acha o Liceu Nacional de Ponta Delgada . . . obrigam o Conselho deste Liceu implorar de Vossa Majestade a graça de lhe doar . . . criação de uma cadeira de princípios de física e química, e introdução à história natural dos três reinos. 1 Depois do Governador Civil de Ponta Delgada dar o seu aval à pretensão o documento chegou ao Ministério do Reino, que o remeteu, em 21 de Novembro, ao Conselho Superior de Instrução Pública, onde foi presente na reunião do dia 24, sendo a representação micaelense 2 consultada favoravelmente uma semana depois, no dia 1º de Dezembro . A pretensão do liceu de Ponta Delgada era fundamentada com um conjunto de argumentos valiosos mas a rapidez com que o processo se desenrolou, assim como os de outros liceus que se seguiram, não poderá deixar de se relacionar com a situação política e o período então vivido, o da regeneração com a sua aposta desenvolvimentista. A bem elaborada argumentação do Conselho do Liceu de Ponta Delgada toca em vários aspectos. Refere os aspectos culturais gerais dado que “nenhuma educação literária se poderá dizer hoje completa sem o conhecimento daqueles princípios,” e os aspectos económicos, realçando a dimensão populacional de São Miguel e “o seu comércio e riquezas [que] criandolhe maior soma de comodidades, induz uma grande parte dos pais de famílias a levarem seus filhos aos estudos primários e secundários, seguindo muitos deles depois estudos superiores.” Daí os “mais de cem alunos que frequentam regularmente as diversas aulas do Liceu Pontadelgadense, [e] o bom número de alunos filhos desta terra, que todos os anos vão cursar os estudos da nossa universidade.” Por outro lado a terra “é particularmente agrícola, e todos sabem a conexão íntima, que existe entre aquela ciência e a agricultura” e o interesse local pelas ciências tem raízes fundas, pelo menos desde o tempo em que alguns médicos residentes na cidade deram “prelecções elementares de física, química, botânica e zoologia, e se notou muito desejo e
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Representação do Conselho do Liceu Nacional de Ponta Delgada a pedir a Cadeira de Princípios de Física e Química, e Introdução à História Natural (PFQIHN), 31 de Outubro de 1854: Maço 3576. Nota: Todos os documentos referenciados pertencem ao Fundo “Ministério do Reino” dos Arquivos Nacionais da DirecçãoGeral de Arquivos. 2
Actas do Conselho Superior de Instrução Pública (CSIP) de 1854, 24 de Novembro e 1 de Dezembro: Maço
3565.
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afeição, por aqueles utilíssimos conhecimentos.” A acrescentar a isto o facto de que pela criação da cadeira não ser “aumentada ou muito pouco, a verba da Despesa” e haver ainda a vantagem de melhorar o trabalho do liceu “principalmente na época de exames, em que só pela bondade de alguns doutores, alheios ao Liceu, temos sido coadjuvados naquela árdua tarefa” 3 . O Conselho Superior de Instrução Pública concorda e perfilha parte da argumentação do Conselho do liceu de Ponta Delgada considerando a cidade é “um dos locais mais apropriados para este Estabelecimento não só pela sua população e riqueza; senão porque a fonte principal desta é ali a agricultura, que pode tirar grandes vantagens daquele estabelecimento.” Todavia, faz questão de lembrar que as ciências não são como as demais disciplinas e que, para ser criada a respectiva cadeira, é preciso algo mais: Mas para se conseguir este fim, não basta criar a Cadeira, é preciso dotála com os instrumentos próprios para as aplicações usuais; e por isso parece ao Conselho Superior de Instrução Pública, que convirá ordenar a criação da dita Cadeira, e autorizar ao mesmo tempo a despesa necessária, para a compra dos utensílios necessários aos seus exercícios práticos. 4 Depois deste posicionamento do Conselho Superior, o Ministério do Reino pedelhe que informe “quais são os utensílios que reputa indispensáveis para a Cadeira funcionar, quando seja criada e a quanto montará a despesa com a aquisição de tais utensílios” 5 . Na lista que o Conselho elabora incluemse 31 artefactos para a disciplina de Física, começando por um “nónio rectilíneo” e terminando com um “aparelho para decompor a água.” Para a Química seria indispensável “um pequeno laboratório” e uma “colecção de produtos químicos,” enquanto a Zoologia deveria possuir “alguns representantes mais notáveis de cada uma das classes do reino animal.” A Botânica deveria necessitar de “um herbário” e a Mineralogia e Geologia teriam uma “colecção industrial de rochas e minerais” e uma “colecção de rochas respectivas aos diferentes 6 terrenos” . A elaboração desta relação de instrumentos e materiais foi feita através da colaboração íntima existente entre o Conselho Superior e a Universidade de que, em realidade, era uma extensão, mais não fosse pela origem dos seus membros. A cadeira tinha sido, na sequência da lei de 1854, criada no liceu de Coimbra, e este não era mais que uma secção da própria Universidade, desfrutando os seus professores do mesmo estatuto que os universitários e transitando de uma para outra instituição sem qualquer perda de prestígio. O professor que primeiro leccionou a cadeira no liceu, enquanto não foi possível prover o lugar por concurso, era um jovem lente universitário destacado para essa tarefa. Foi ele o responsável pela elaboração original da lista de apetrechos para equipar, primeiro, o laboratório liceal de Ponta Delgada e, posteriormente, dos outros liceus onde a cadeira foi criada. Nas circunstâncias, podese dizer que a lista terá sido elaborada à imagem das necessidades da própria Universidade, mesmo que “simplificadas” para o uso liceal. A própria cadeira leccionada na escola secundária deveria seguir de muito perto as equivalentes do ensino superior, como se depreende de vários indícios.
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Representação do Conselho do Liceu de Ponta Delgada de 31/10/1854: Maço 3576.
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Consulta do CSIP (propondo a criação da cadeira de PFQIHN no liceu de Ponta Delgada) de 5 de Dezembro de 1854: Maço 3576. 5
Nota inscrita na “Consulta do CSIP” de 5/12/1854: Maço 3576.
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“Relação dos objectos e utensílios indispensáveis para o exercício da Cadeira de PFQIHN e, pedida pelo Conselho do Liceu de Ponta Delgada; com designação dos preços respectivos” (CSIP): Maço 3576.
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Assim, e por exemplo, num projecto de lei para o Governo considerar, a propósito da introdução de um curso de economia na Universidade, o Conselho Superior de Instrução Pública propunha que “devem passar para os Liceus a frequência das Cadeiras de Aritmética, Geometria e Álgebra até às operações do 2º grau, e a de Introdução à História Natural dos três Reinos da Natureza, e criandose no Liceu de Coimbra estas Cadeiras que serão regidas por Professores competentemente habilitados” 7 . Esta mudança de local de ensino não implicava, como se vê, alterações significativas nos conteúdos a leccionar o que vem a reforçar a ideia de uma certa indistinção entre os níveis de ensino, ao menos nessa época a meio do século XIX. A aquisição dos materiais propostos para o laboratório do liceu de Ponta Delgada importava em 358$400 reis, ultrapassando largamente a disponibilidade atribuída às ilhas que em matéria de equipamento escolar, “reparos concertos e arranjos” era de 200$000 reis. A solução encontrada passou por uma medida algo inesperada. O orçamento para a Instrução Pública é, geralmente, considerado como pouco alargado. Em tempo de crise económica e financeira os meios tendem a escassear ainda mais e os governos dificilmente disponibilizam as verbas que parecem necessárias. No entanto, em 1855, havia sobras. E é a partir da recuperação dessas verbas não utilizadas que se consegue creditar a compra do equipamento laboratorial: Para reparos, concertos e arranjos indispensáveis para colocação das Escolas nas Ilhas Adjacentes estão votados 200$000 rs, quantia muito inferior àquela em que importa o orçamento da despesa de que se trata. Entretanto, a reconhecida vantagem desta despesa, – o acharse autorizada a criação da Cadeira, para que a despesa se torna necessária, – e a circunstância de existirem sempre sobras no Capítulo = Instrução Pública = parece que deve influir para que se autorize a compra dos objectos indispensáveis para o estabelecimento da dita Cadeira, fornecendoselhe os 200$000 rs que estão votados, e autorizando o dispêndio dos restantes 158$400 pelas sobras da soma que foi destinada para o serviço da Instrução Pública no Distrito de Ponta Delgada. 8 Sabese que o dinheiro disponível para a educação não é, em geral, muito mas, mesmo assim, sobrava o que pode ser indicativo do entusiasmo dos políticos com tal Serviço e, tendencialmente, relativiza a sempre apregoada falta de meios para justificar o que não se faz. A cadeira foi efectivamente criada por decreto de 23 de Maio de 1855 e foi aberto concurso em 11 de Junho do mesmo ano para o respectivo provimento com a expectativa da sua abertura no mês de Outubro seguinte. Para isso, o Conselho Superior de Instrução Pública recomendou, em 19 de Junho, “que o meio melhor, e mais pronto de adquirir, e fazer remeter para o Liceu de Ponta Delgada os referidos utensílios será por via do Encarregado dos Negócios 9 de Portugal na Corte de Paris” . De imediato foram tomadas providências oficiandose ao “Agente Diplomático em Paris encarregandoo da compra dos objectos necessários para a cadeira funcionar, . . . ficando prevenido de que à Agência Financial em Londres é enviado um 10 crédito até à quantia de 360$000” .
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Actas do CSIP de 1850, 8 de Outubro: Maço 3551.
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Informe sobre a criação da Cadeira de PFQIHN no Liceu Nacional de Ponta Delgada (Ministério do Reino, 11 de Maio de 1855): Maço 3576. 9
Consulta do CSIP (sobre o meio de haver utensílios para a Cadeira de PFQIHN no Liceu Nacional de Ponta Delgada) de 19 de Junho de 1855: Maço 3576. 10
Nota inscrita na “Consulta do CSIP” de 19 de Junho de 1855: Maço 3576.
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A situação complicase quando no mês seguinte vem de Paris a resposta de que era preciso ser mais pormenorizado na descrição da pretendida compra. O representante da Corte em Paris refere a “insuficiência do crédito de 360$000 rs para tal encomenda.. . só os objectos de Física custariam mais” e nota que “quanto aos objectos de Química, de Zoologia, de Botânica e de Mineralogia e Geologia, é mister especificar os exemplares que se desejam, para poder saber os seus preços.” Termina afirmando que passaria, apesar de tudo e enquanto aguardava novas ordens, “desde já a comprar os objectos de Física” 11 . Em função destes dados o Governo mandou de novo consultar o Conselho Superior, oficiandolhe em 6 de Agosto. O Conselho, dois meses depois, responde especificando “os exemplares que se desejam, com os seus respectivos preços extraídos literalmente do Catálogo de L. Hachette e Cia, Livreiros em Paris.” Só foi enviado o “aviso ao Ministro de Portugal em 12 Paris em 25 de Fevereiro de 1856” , ou seja, sete meses depois da nota do representante diplomático, tornando, deste modo, impraticável a abertura da cadeira no ano lectivo de 1855 1856. Toda esta lentidão contrasta com a aparente celeridade da inicial tomada de decisão de incluir uma cadeira de ciências entre as que eram leccionadas no liceu de Ponta Delgada. De qualquer modo as aulas não poderiam ter começado na data prevista também porque o concurso para provimento da cadeira se prolongara e só em Fevereiro de 1856 é que o Conselho Superior de Instrução Pública se sentiu em condições de pedir “autorização ao Governo para prover temporariamente a Cadeira” 13 , recebendo a anuência do ministério no princípio de Março 14 . Logo a seguir o professor foi nomeado o que permitia, havendo condições materiais, o início das actividades da cadeira de ciências em Ponta Delgada. O candidato nomeado foi o único opositor ao concurso, fazendo lembrar as dificuldades em encontrar pessoal qualificado. Na proposta para o provimento da cadeira, o órgão coordenador do ensino público realça que o opositor, que teve de se deslocar a Coimbra, como era então norma, para efectuar as provas, “posto que não obtivesse qualificação para o provimento vitalício, mostrouse habilitado para exercer desde já com suficiência o ensino na Cadeira a que se propõe, sendo muito conveniente que no tirocínio temporário não só adquira mais alguma segurança, mas também se torne um hábil Professor.” E é na convicção desta última crença que é feita a proposta da sua nomeação, até porque era pessoa de “bom 15 comportamento moral, civil e religioso” . A nomeação do professor para a cadeira de ciências na Ilha de S. Miguel concretizase com o pagamento dos direitos de mercê a que os empregados do estado estavam obrigados para poderem ser providos. Neste caso o súbdito pagaria noventa e um mil e oitocentos e setenta e cinco reis “de Direitos de Mercê, e cinco por cento adicionais correspondentes ao Emprego de Professor por três anos da cadeira de Física e Química do Liceu Nacional de Ponta
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Ofício da Legação em França de 20 de Julho de 1855: Maço 3576.
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Consulta do CSIP (com novo orçamento mais discriminado para apetrechar as aulas de ciências no liceu de Ponta Delgada) de 2 de Outubro de 1855: Maço 3576. 13
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Actas do CSIP de 1856; 22 de Fevereiro: Maço 3575. Actas do CSIP de 1856; 4 de Março: Maço 3575.
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Proposta do CSIP para provimento temporário da cadeira de PFQIHN do Liceu de Ponta Delgada de 26 de Fevereiro de 1856: Maço 3573.
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Delgada,” mais quarenta reis de imposto de selo 16 . A quantia exigida pela mercê não era despicienda como mostra o requerimento que o professor fez solicitando, o que era uma prática comum, porque não se encontrava “em circunstâncias de pagar de pronto, e por uma só vez,” o pagamento em prestações, no seu caso, “pelo desconto da quarta parte do seu ordenado” 17 . Entretanto a odisseia do material encomendado em França prosseguia. Os objectos adquiridos para Física e Química e a colecção de minerais são remetidos para Lisboa por barco a vapor, em 20 de Março de 1856 18 , sendo dado conhecimento ao Ministério, vinte dias depois, pelos respectivos responsáveis de que nos “Armazéns desta Alfândega existe um caixote vindo do Havre” 19 . Mais uma semana passada, é dada ordem para que o material precedente de Paris seja entregue a quem “ali se apresentar competentemente autorizada pelo Ministério” 20 . Alguns dias depois é remetido novo ofício da representação portuguesa em Paris informando que mais material iria viajar com destino a Lisboa ainda em Abril 21 . Quando finalmente a remessa se completa, no princípio de Maio, o representante diplomático em França oficia a fazer o balanço da operação. Refere, numa primeira parte, como o processo do envio se desenvolveu e, numa segunda, as atribulações que passou com a aquisição tendo em conta o pouco crédito que lhe fora disponibilizado. Tive a honra de remeter para Lisboa, à direcção de V. Exa. ; em data de 19 de Março; uma caixa contendo parte dos objectos encomendados – em data de 21 de Abril, uma segunda caixa com quase todo o resto da encomenda, – e remeto finalmente o complemento dela em um pequeno caixote.. . . O pronto pagamento do custo desta encomenda havia a vantagem de dez p% de abatimento; e conquanto, apesar da expressa declaração de V. Exa. já tinham decorrido dez meses sem que a Agência Financial em Londres recebesse ordem alguma para ter à minha disposição para este mister, um crédito até à quantia de 360$000; não duvidei, no interesse da economia do Estado, fazer o desembolso da soma de fr.1767,85c. para pagar à vista a importância dos ditos objectos.. . . Aguardo pois que V. Exa. se sirva mandar quanto antes pagarme aquele desembolso, e tomo a liberdade de ponderar muito respeitosamente a V. Exa. quanto é dura a decepção de recorrer a um crédito formalmente anunciado e receber em resposta que ele não existe!... Parecerá que pretendi surpreender a Agência. 22 A comprovar juntava o recibo respeitante à regularização da compra feita na Librairie Hachette pelo ministro de Portugal tendo o material sido posto à disposição do cliente em 24 de 23 Abril de 1856 .
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Documento da Secretaria do CSIP de 26 de Abril de 1856 (“guia nº 1”): Maço 3573.
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Requerimento de C. Morais de 16 de Maio de 1856 (L 14; N 264): Maço 3573. Ofício da Legação em França de 19 de Março de 1856: Maço 3576. Ofício da Alfândega Grande de Lisboa de 9 de Abril de 1856: Maço 3576. Ofício da Direcção Geral das Alfândegas e Contribuições Indirectas de 17 de Abril de 1856: Maço 3576. Ofício da Legação em França de 21 de Abril de 1856: Maço 3576. Ofício da Legação em França de 2 de Maio de 1856: Maço 3576.
Recibo anexo ao Ofício da Legação em França de 2 de Maio de 1856: Maço 3576.
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Antes de o material adquirido em Paris chegar ao seu destino, registase ainda, entre Maio e Junho de 1856, uma troca de ofícios entre o Ministério do Reino e a Direcção Geral das Alfândegas a propósito da cobrança dos direitos de importação de que o material não tinha isenção 24 . Finalmente, uma portaria passada pelo governo com a data de 23 de Junho é enviada ao Conselho Superior de Instrução Pública para informar este tribunal superior de que todo o material destinado à cadeira de ciências no liceu de Ponta Delgadas seguia a bordo de um barco para aquela cidade: De Lisboa para a Cidade de Ponta Delgada vão quatro caixotes, com direcção ao respectivo Governo Civil, mas com destino ao Liceu Nacional daquele Distrito, contendo eles, como contém, os diversos objectos, que . . . se tornam necessários para o exercício da Cadeira de Princípios de Física e Química e Introdução à História Natural dos três Reinos, pertencente ao mesmo liceu. 25 O material é finalmente entregue ao reitor do liceu em 11 de Julho 26 ficando disponível para o começo das aulas de ciências no liceu de Ponta Delgada. Assim, depois do pedido, em 31 de Outubro de 1854, do Conselho do Liceu Nacional de Ponta Delgada para se criar localmente a Cadeira de Princípios de Física e Química, e Introdução à História Natural; depois da Consulta do Conselho Superior de Instrução Pública que, em 5 de Dezembro desse ano, propunha a criação da cadeira e chamava a atenção para a necessidade de adquirir equipamento adequado; depois de nova Consulta deste Conselho Superior que, em 24 de Abril de 1855, apresenta a lista e o orçamento dos materiais que julga imprescindíveis para o funcionamento da cadeira; depois da autorização da despesa orçamentada e consequente criação da cadeira de ciências por decreto passado um mês depois, em 23 de Maio; depois de outra Consulta do Conselho, com um orçamento mais discriminado, em resposta à solicitação que fora feita pelo ministro encarregado de fazer a aquisição, em 2 de Outubro de 1855; depois da definitiva encomenda enviada ao representante diplomático da monarquia em Paris no dia 25 de Fevereiro de 1856; depois de todas estas peripécias, o material entrou em Ponta Delgada exactamente vinte e um meses depois da diligência inicial do Conselho do Liceu local e a cadeira de Princípios de Física e Química, e Introdução à História Natural começou a funcionar em pleno no ano lectivo de 1856 1857 regendo o professor que tinha sido provido por decreto governamental em 29 de Fevereiro de 1856. A cadeira teve durante esse ano lectivo uma frequência de 11 alunos o que constitui um assinalável sucesso, mesmo sendo, de todas as existentes no liceu de Ponta Delgada, a menos frequentada 27 .
Conclusão A introdução das disciplinas de ciências nos programas liceais foi um processo demorado, acompanhando aliás a morosidade da própria instalação dos liceus, o que se deveu a razões diversas, em particular as crises económica e financeira, mas também crises política e social, inerentes às dificuldades que o regime liberal teve para se impor definitivamente. Realçase que o primeiro equipamento laboratorial adquirido destinouse a um liceu de uma região periférica, os Açores. No entanto verificase que havia, nessas ilhas, nomeadamente em São Miguel, uma certa tradição de ensino das ciências e matemáticas, dentro e fora das
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Ofício da Direcção Geral das Alfândegas e Contribuições Indirectas de 15 de Maio de1856: Maço 3576 Actas do CSIP de 1856; 25 de Junho: Maço 3575. Recibo passado pelo Reitor do Liceu Nacional de Ponta Delgada em 11 de Julho de 1856: Maço 3576.
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Mapa anexo (2/9/1857) ao Relatório Literário de 18561857 do Comissário de Estudos do Distrito de Ponta Delgada: Maço 3577.
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instituições públicas de ensino, fruto da antiga presença liberal. Não foi, portanto, surpreendente que o Conselho do liceu de Ponta Delgada, atento aos interesses locais, tenha tomado a iniciativa de pedir ao governo, logo que a lei de 12 de Agosto de 1854 o permitiu, a criação de uma cadeira de ciências. Deste modo o liceu da ilha de São Miguel foi o primeiro de todos os existentes em Portugal, inclusive no continente europeu, a incluir na sua oferta as disciplinas de física e química e de ciências naturais associadas a um laboratório construído de raiz. Constatase que para se conseguir que a cadeira funcionasse em Ponta Delgada o processo foi, em si, algo atribulado cheio de diligências e incidentes inesperados o que o tornou demorado, levando quase dois anos a concretizarse. Tudo isso poderá ser atribuído, sem grande dificuldade de prova, a procedimentos e ritmos de trabalho que vinham de trás, e que a inexperiência da nova burocracia não conseguiu, nessa fase inicial de introdução de novas áreas disciplinares nos liceus, ultrapassar. A criação da cadeira de Princípios de Física e Química, e Introdução à História Natural no liceu de Ponta Delgada, e a consequente instalação do seu laboratório, foi a primeira de um conjunto que, até meados do ano de 1859, quando o Conselho Superior de Instrução Pública, sediado em Coimbra, foi extinto e as suas competências transferidas para um novo organismo – o Conselho Geral de Instrução Pública em Lisboa – já incluía, pelo menos, Braga e Angra do Heroísmo (1856), Horta e Faro (1858) e Vila Real e Funchal (1859). O processo de aquisição do material para os diversos liceus terá sido semelhante. No caso do liceu de Braga, o segundo da série, assim foi. Apesar de tudo, verificouse uma maior presteza no andamento das diversas diligências, até porque já havia a experiência anterior, o que se veio a reflectir numa duração de apenas cerca de seis meses a concretizarse. Não deixaram de surgir alguns aspectos secundários semelhantes como, por exemplo, o do crédito que, apesar de concedido a tempo, continuou a não ser suficiente para a totalidade da 28 despesa . O que vem a revelarse interessante é a contestação que os liceus contemplados fazem relativamente ao equipamento que lhes é atribuído, considerandoo insuficiente ou inadequado ao programa leccionado localmente. Há elementos que mostram que isso se passou, ao menos, com os liceus de Braga 29 , Angra do Heroísmo 30 e da Horta 31 . Mesmo em Coimbra 32 , onde o liceu era parte da Universidade, o caminho seguido pelo professor nomeado por concurso terá divergido do que era apontado pela instituição. O modo como foi escolhido e imposto a todos os liceus uniformemente, e a forma como esse material de uso laboratorial condicionou o ensino praticado, ou limitou a autonomia dos professores de uma disciplina que não dispunha de um programa, são alguns aspectos a serem mais ponderados futuramente. Os desacordos manifestados terão a ver com perspectivas diferentes para o desenvolvimento da cadeira. Confrontando a lista original do material comprado com as propostas pelos professores da cadeira nos diversos liceus do país, abrese a hipótese de perceber o que é que cada professor leccionava, ou gostava de leccionar (na préhistória da
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Processo nº 152: Maço 3580.
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Processo nº 148: Maço 3583.
30
Processo nº 335: Maço 3584.
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Actas do CSIP de 1859; 18 de Fevereiro e 25 de Fevereiro: Maço 3586.
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Actas do CSIP de 1857; 23 de Outubro: Maço 3580.
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cadeira e dos programas) e, portanto, compreender o processo de formação das disciplinas liceais de ciências e a própria história dessas disciplinas.
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